Elogio a Mishima e a Maiakovski
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Sobre este e-book
O livro inclui quatro textos de ficção sobre a vida e a morte de Yukio Mishima e de Vladimir Maiakovski, todos cobrindo a vasta gama de conflito interior de ambos os personagens e envolvendo as circunstâncias que conduziram aos seus suicídios.
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Elogio a Mishima e a Maiakovski - Valerio Carbone; Flavio Carlini
Índice
Elogio a Mishima e a Maiakovski.................................................................................2
Prefácio.................................................................................................................................2
O Rosto de Maiakovski....................................................................................................8
..............................................................................................................................................16
Kamen-Kami
..................................................................................................................17
A Cabeça de Mishima....................................................................................................32
Elogio a Mishima e a Maiakovski
por Valerio Carbone e Flavio Carlini
Prefácio
Este livro não cumpriria o seu propósito se se limitasse a uma avaliação fria e técnica dos personagens históricos de Yukio Mishima e Vladimir Maiakovski. O Elogio a Mishima e a Maiakovski não pretende apresentar simples biografias, mas antes utilizar as indicações recebidas das leituras das obras destes dois autores, ao mesmo tempo tão distantes e tão próximos, extremamente controversos e fascinantes a seu modo para, em primeiro lugar, analisar criticamente, através da literatura, a relação entre indivíduo e sociedade, a fricção do singular contra o conformismo e a emancipação.
Yukio Mishima e Vladimir Maiakovski, personagens de uma ou outra maneira estranhos ao seu próprio contexto histórico, rejeitados – ao mesmo tempo que a rejeitavam – pela sociedade em que viviam.
Naturalmente, as razões dessa rejeição são diferentes e nem sempre fáceis de definir. É mais razoável reconhecer em Mishima a incarnação da Tradição, uma tradição que ganha corpo sob a forma de lamento: a nostalgia de um passado nobre e orgulhoso, uma antiga idade de ouro
, que o consumismo da cultura americana imposta ao Japão no pós-guerra estava a demolir e a ultrajar. Mishima não era certamente um alienado, antes um autor importante e afirmado, um homem de sucesso, dir-se-ia hoje, completamente realizado. No que diz respeito a Maiakovski, pelo contrário, podemos bem aceitar a definição canónica de Poeta da Revolução
: não foi por acaso que o autor foi um dos expoentes do futurismo artístico e, por isso, provavelmente uma das primeiras vítimas das purgas estalinistas. Maiakovski lutava pela renovação, mas foi derrotado pela própria sociedade que acreditava estar a construir.
A Rússia da Revolução Bolchevique e o Japão do segundo pós-guerra apresentam-se como dois contextos incompatíveis com a nobreza do ânimo dos dois autores: dois países destinados a uma subversão total de culturas milenares que, irrequietas, pareciam sentir vergonha de si próprias. Perante a natureza efémera do bem-estar capitalista, compreende-se que a necessidade de tradição de Mishima ficasse despedaçada e desanimada. Da mesma forma, num mundo desestabilizado pela revolução violenta, que observava inerte o nascimento de uma ditadura feroz e a imposição de um forte poder central, de um totalitarismo que acabou por transformar os cidadãos livres em engrenagens de um novo conformismo absoluto, podemos compreender facilmente como um espírito libertário como Maiakovski não pudesse deixar de passar a ser completamente estranho a qualquer dinâmica social, constituindo, por outro lado, um autêntico perigo para a nova ordem nascente.
Esta estranheza
é seguramente o âmago comum aos dois célebres autores, mas outro elemento fundamental é a morte por suicídio. É precisamente a partir deste conceito que de facto desponta o título de que nasce o nosso livro: Elogio a Mishima e a Maiakovski, de um verso da famosa canção da banda punk italiana CCCP – Fedeli alla Linea ("Morire", 1984). Como se sabe, ambos os personagens se suicidaram: se no que respeita a Maiakovski o suicídio continua a ser uma teoria, certamente a mais acreditada de entre as múltiplas hipóteses construídas sobre a sua morte, no que se refere a Mishima não há dúvida de que ele tenha cometido o suicídio ritual dos antigos samurais, o Seppuku, no interior do escritório (ocupado para a ocasião) do General Mashita, do Exército de autodefesa japonês.
Escrever sobre o suicídio de Mishima, para nós, só se pode resolver numa tentativa, talvez tola, de ordenar em conceitos aquilo que uma acção tão perene de significado exprime. A acção é incomensurável. Descrevê-la é, à partida, uma tentativa perdida. No entanto, não se pode assistir
ao suicídio de Mishima e permanecer impassível, imóvel; mexer a caneta, porque é habitual fazê-lo, passa a ser uma exigência. Assim, decidimos tomar a palavra, cada um à sua maneira, sobre este suicídio.
No conto A cabeça de Mishima, é o próprio Mishima quem nos conta o que, afinal, será o seu gesto definitivo, através de uma confrontação cerrada com o seu outro lado, Kimitake Hirahoka. O autor reivindica o seu suicídio, inconcebível apenas porque inexplicável, como a tentativa extrema de dar um sentido e uma dignidade profunda à sua vida, e, ao mesmo tempo, como a redenção necessária, para o seu país humilhado, daquele torpor que tinha invadido as consciências depois da colonização
americana. Kamen-kami (literalmente, o espírito da máscara
) é talvez mais crítico. Na verdade, o conto em questão nega a exaltação do gesto de Mishima, reivindicando o valor da vida contra o ideal da morte, aquela morte niilista e fanática que o Seppuku do autor apenas pôde temer. A vida de Kamen-kami é uma vida que se aceita a si própria e às suas regras, uma vida que desce a compromissos com o mundo, mas que o faz tendo consciência de uma humanidade sempre pronta a renascer, porque a vida de Kamen-kami também é feita, e principalmente, de pequenas coisas, como uma relação duradoira de um homem com uma mulher, ou uma cantiga de aniversário. Não é, porém, um relato improvisado, antes um relato que sabe tomar posição, respondendo à atitude desesperada de super-homem assumida por Mishima, através da famosa máxima do maior espadachim japonês, Musashi Miyamoto: "As pessoas medíocres deveriam conhecer o espírito dos grandes empreendimentos, ao mesmo tempo que as pessoas importantes deveriam conhecer o espírito das pequenas coisas. Seja qual for o grupo a que pertençamos, não cedamos à fraqueza ou à parcialidade".
Os dois contos sobre Maiakovski, apesar dos diferentes epílogos, propõem uma visão mais coerente das coisas.
O rosto de Maiakovski é a vitória da paixão futurista (que consegue mesmo atribuir ao poeta a certeza de uma nova vida, apesar da morte imposta
pelo Estado), contada por uma longa carta de um Boris Pasternak obcecado pelo orgulho e pela paixão impressas no rosto do cadáver de Maiakovski. A morte de J.Lu.B. (título recuperado da dedicatória que o poeta costumava apor nas suas obras em honra da sua amada Lili Brik) é, pelo contrário, a desoladora conclusão de uma existência aniquilada por essa mesma sociedade que se lutou para construir. Maiakovski é, assim, descrito como um homem só e sem rumo, a ter de gerir enormes vicissitudes e o peso de um período histórico insustentável. É o próprio Maiakovski quem fala, retomando os seus versos, as suas sensações. Ao fundo o Kremlin, com as suas directivas, que impõe uma derrota ao poeta, e assim uma morte prematura: a negação de