A CAVALARIA VERMELHA
De Isaac Babel
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A CAVALARIA VERMELHA - Isaac Babel
Isaac Babel
A CAVALARIA VERMELHA
1a edição
img1.jpgIsbn: 9788583864547
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Prefácio
Prezado Leitor
Isaac Emmanuilovich Babel (Odessa, Império Russo, 13 de julho de 1894 - Moscou, URSS, 27 de janeiro de 1940) foi um jornalista e escritor soviético, de origem judaica". Apesar de ter sido um idealista defensor do marxismo e leninismo, foi preso, torturado e executado durante o Grande Expurgo de Stálin.
Antes de ser preso, em maio de 1939, Babel escrevera, ao longo de 25 anos, várias sequências extraordinárias de contos, comparáveis ao que há de melhor em Gogol e Maupassant, que ele adotara como mestres. A Cavalaria Vermelha (1926) é sua mais famosa coletânea de contos.
Os contos de A Cavalaria Vermelha baseiam-se nas experiências de Babel durante a campanha russo-polonesa de 1920, quando ele serviu na Cavalaria de Budieni. Descrevem a Cavalaria Cossaca e as cidades da Polônia Oriental, durante a breve ocupação russa desse território.
Poucos artistas souberam tratar de modo tão real e tão completo, fragmentos da realidade da guerra como fez o gênio de Babel. Muitos de seus contos em A Cavalaria Vermelha
são desenvolvimentos de fatos vivenciados em guerra. Existe em todos os relatos a franqueza, a turbulência, o tom incontido, angustiado e explosivo da voz do autor.
A Cavalaria Vermelha é uma emocionante e perturbadora leitura.
LeBooks Editora
Nenhum ferro aguçado pode atravessar o coração humano tão friamente como um ponto final colocado no lugar exato
.
Isaac Babel
Sumário
APRESENTAÇÃO
Sobre o autor e obra
A CAVALARIA VERMELHA
CRUZANDO O RIO ZBRUCZ
A IGREJA DE NOVOGRAD
UMA CARTA
O OFICIAL DE REMONTA
PAN
APOLEK
SOL DA ITÁLIA
GEDALI
MEU PRIMEIRO GANSO
O RABINO
O CAMINHO DE BRODY
CONSIDERAÇÕES SOBRE A TACHANKA
A MORTE DE DOLGUCHOV
O COMANDANTE DE BRIGADA
SANDY, O CRISTO
VIDA E AVENTURAS DE MATEUS PAVLICHENKO
O CEMITÉRIO DE KOZIN
A VINGANÇA DE PRISHCHEPA
HISTÓRIA DE UM CAVALO
O PRISIONEIRO DE KONKIN
BERESTECHKO
SAL
NOITE
AFONKA BIDA
NA IGREJA DE SANTA VALENTINA
TRUNOV, O COMANDANTE DE ESQUADRÃO
DOIS IVANS
HISTÓRIA DE UM CAVALO (CONTINUAÇÃO)
A VIÚVA
ZAMOSTE
TRAIÇÃO
CHESNIKI
DEPOIS DA BATALHA
A CANÇÃO
O FILHO DO RABINO
ARGAMAK
APRESENTAÇÃO
Sobre o autor e obra
img2.jpgIsaac Emmanuilovich Babel (Odessa, Império Russo, 13 de julho de 1894 - Moscou, URSS, 27 de janeiro de 1940).
Isaac Babel nasceu em Odessa, cidade onde alguma liberdade e segurança os judeus poderiam desfrutar, filho de uma família que fugira de pogroms antissemitas em terras dominadas por cossacos. Justamente ele, que na juventude, lutaria clandestinamente ao lado dos cossacos vermelhos!
Na adolescência, Babel entrou na Escola do Comércio. Além das matérias normais, estudou teologia e música. Posteriormente estudou Negócios e Finanças, onde conheceu Eugênia Gronfein, sua futura esposa. Nessa época, eram ambos marxistas.
Em 1915, Babel se mudou para o centro cultural da Rússia, Petrogrado, onde conheceu Máximo Gorki. Tornaram-se amigos e Gorki publicou algumas de suas histórias na revista que dirigia; orientou também o aspirante a escritor que buscasse mais experiência da vida real. E ele buscou! Anos mais tarde, Babel escreveu em sua autobiografia: O nome por quem possuo maior amor e admiração é o de Gorki
.
Babel, embora seja, reconhecidamente, um dos mais brilhantes representantes do jornalismo literário da geração dos nascidos na década de 1880, teve sua obra ficcional muito prejudicada pelas vicissitudes da vida.
Seu apogeu literário ocorreu nos anos 20, primeiro com a publicação, em 1920, dos Diários de Guerra
, que, posteriormente produziram o clássico A Cavalaria Vermelha
, de 1926. Assinalou M. Berman que um de seus temas centrais do livro é a ideia de que, para ser ele mesmo, o herói tem que aprender não só a enfrentar, mas de alguma forma internalizar seu antiego, dado que tanto o eu quanto sua antítese giram em torno da violência." Se o ego do autor é um intelectual racional, com natural tendência para a melancolia e introspecção, seu o antiego é o de um homem de ação animalesco, primitivo, irrefletidamente cruel.
Quando o personagem de Babel na Cavalaria Vermelha
se integra ao Exército de Budieni, o herói de óculos de estudos é desprezado pelos cossacos e para ser aceito deve praticar alguma crueldade, preferentemente com uma mulher. Ele aceita o desafio em Meu primeiro ganso
. Mas quando fracassa numa luta por haver-se esquecido de municiar o revólver, um superior o espanca e ele implora a Deus que lhe dê competência para matar meu semelhante.
Poucos artistas souberam tratar de modo tão real e tão completo, fragmentos da realidade como fez o gênio de Babel. Muitos de seus contos em A Cavalaria Vermelha
são desenvolvimentos de fatos vivenciados em guerra. Existe em todos os relatos a franqueza, a turbulência, o tom incontido, angustiado e explosivo da voz do autor.
Diversas dessas histórias foram publicadas na Revista de Esquerda por seu fã, Vladimir Maiakovski. É verdade que a descrição brutal da realidade da guerra lhe angariou inimigos, tais como Budyonny, da burocracia partidária. Contudo, a influência de Gorki garantiu sua publicação, e no exterior, o livro foi um bestseller, traduzido para mais de quinze idiomas.
Marxista-leninista desde a juventude, Babel serviu como voluntário na Grande Guerra, depois esteve presente nos combates de 1917 para a implantação do socialismo; liderou a resistência vermelha na cidade de Petrogrado quando esta estava cercada pelos Brancos e pelos Poloneses e o Governo Soviético partira para Moscou; participou de expedições de confisco no campo para trazer cerais para as populações famintas das cidades.
Quando na Guerra Civil juntou-se ao único agrupamento de cossacos que permaneceu no Exército Vermelho, a Cavalaria Vermelha de Budiene, o fez sob uma identidade falsa fornecida pelo Partido Comunista, de tal forma que se evitasse sua identificação como judeu. Com isto evitou o antissemitismo cossaco.
A campanha da cavalaria passou por Galícia, um dos povoados judeus mais cultos da Europa de então. Nas cidades como Chernobyl, Kovel, Brody e na própria Galícia ocorreram assassinatos em massa, incêndios criminosos, estupro, tortura, e a matança de mais de cem mil judeus, principalmente pelas mãos dos Exércitos Brancos e Poloneses. Entretanto, atrocidades também foram cometidas pelos cossacos vermelhos e narradas por Babel.
Um dos personagens de Babel diz: Isto não é uma revolução marxista, é uma rebelião cossaca
. E ainda: Sinto muito desgosto pelo futuro da Revolução… Nós somos a vanguarda, mas do que?
Por que não consigo vencer minha tristeza? Porque estou longe de minha família, porque somos destruidores, porque avançamos como um furacão, como uma língua de lava, odiados por todos, a vida se estilhaça, estou numa imensa, numa interminável campanha a serviço de fazer nascerem os mortos.
Carlos Russo
A CAVALARIA VERMELHA
CRUZANDO O RIO ZBRUCZ
O Comandante da Sexta Divisão comunicara: Novograd Volinsky tomada hoje ao amanhecer. O Estado-Maior deixara Krapivno, e o comboio de nossas bagagens espalhava-se numa ruidosa retaguarda, seguindo a estrada de Brest a Varsóvia, construída por Nicolau I à custa dos ossos dos camponeses.
Rodeavam-nos campos floridos, vermelhos de papoulas, a brisa da tarde perpassava sobre campos de centeio madurando e, no horizonte, o virginal trigo sarraceno se erguia alto, semelhante ao muro de um convento distante. A corrente tranqüila do Volyn ia-se afastando de nós, sinuosa, e perdia-se nos bosques de faias, envoltos numa névoa cor de pérola e entre colinas floridas. Serpeava lentamente através de uma selva de lúpulo. Um sol alaranjado descia no horizonte, parecendo uma cabeça decepada; a luz suave coava-se entre os rasgões das nuvens, os estandartes do poente adejavam sobre nossa cabeça. Na frescura da tarde, sentia-se o cheiro do sangue dos cavalos mortos na véspera. As águas escuras do Zbruch rugiam, retorcendo-se espumantes, nas cataratas. As pontes estavam caídas e, assim, vadeamos o rio. Sobre a água pousava uma lua majestosa. Os cavalos afundavam até as ancas, e a torrente ruidosa escachoava entre as pernas de centenas de animais. Um de nós caiu e blasfemou em voz alta contra a mãe de Deus. No rio, salpicado das manchas negras dos furgões, ressoava uma algazarra confusa: assobios, vozes que se erguiam cantando acima dos ramos cintilantes e dos atalhos tortuosos da lua.
Tarde da noite chegamos a Novograd. Na casa que me haviam indicado como alojamento encontrei uma mulher grávida, dois judeus ruivos de pescoço escanzelado e um terceiro, encostado à parede, dormia com a cabeça coberta. No quarto que me deram encontrei armários abertos e revirados, montões de peliças de mulher espalhados pelo chão, excremento humano, fragmentos de louças secretas que os judeus usam apenas uma vez por ano, na Páscoa.
— Limpe isto aqui — disse eu à mulher. — Como pode viver em tal imundície?
Os dois judeus se ergueram, saltitando com seus sapatos de solado de feltro e arrumaram o quarto. Andavam sem fazer ruído, à maneira de macacos, ou de japoneses numa exibição de circo. Colocaram para mim outro colchão de penas, eviscerado, e deitei-me junto à parede, perto do judeu que já estava dormindo.
O silêncio envolveu tudo, e apenas a lua — rosto redondo rodeado de véus azuis — vagueava lá fora.
Bati com as pernas entorpecidas e adormeci sobre o colchão estripado. Sonhei com o Comandante da Sexta Divisão: montando um pesado garanhão, perseguia o comandante da brigada e alvejou-o duas vezes entre os olhos que caíram ao chão. Por que fez a brigada retirar-se?
, gritava ao morto o Comandante Savitsky. Foi aí que despertei, porque a mulher grávida tocava em meu ombro com os dedos.
— Meu bom senhor — dizia — está sonhando e falando, agita-se de um lado para outro. Vou fazer-lhe uma cama noutro quarto, pois o senhor está empurrando meu pai.
Ergueu-se, as pernas finas, a barriga redonda, e puxou o lençol que cobria o homem adormecido. Deitado de costas, jazia um velho morto. Tinham-lhe torcido o pescoço e partido o rosto em dois: a barba, manchada de sangue azulado, formava um grande coágulo parecendo chumbo.
— Meu bom senhor — disse a mulher, sacudindo o colchão — os poloneses cortaram-lhe o pescoço. E ele pedindo, implorando: Matem-me no pátio para que minha filha não me veja morrer.
— Mas não o atenderam, e ele morreu neste quarto, pensando em mim. Agora — prosseguiu, em súbita e terrível violência — eu queria saber onde encontrar outro pai igual ao meu!
A IGREJA DE NOVOGRAD
Saí ontem para fazer meu relatório ao Comissário do Exército, que se estabelecera na casa de um padre católico foragido. Fui recebido na cozinha, pela Pani Elisa, governanta do jesuíta, que me ofereceu um chá cor de âmbar e bolos esponja: os bolos tinham um cheiro de crucifixo, eram cobertos por uma calda leve e exalavam o perfume violento do Vaticano.
Tangidos por algum sineiro louco, os sinos clamavam na igreja vizinha à casa. Era uma noite constelada com as estrelas de julho. Sacudindo a cabeça grisalha, muito atenciosa, Pani Elisa continuava a servir-me bolos: eu me deliciava com os alimentos dos jesuítas.
A velha polonesa tratava-me de Pan. No portal, velhos de cabeça branca e orelhas ossificadas postavam-se como num desfile, e nalgum ponto, no crepúsculo fugidio, cintilava o hábito de um monge. O padre fugira, mas deixara ali o seu assistente, Pan Romualdo.
Esse Romualdo, eunuco gigantesco de voz fanhosa, nos honrava, chamando-nos camaradas
. Arrastava o dedo amarelado sobre um mapa, traçando os círculos da débâcle polonesa; tomado de súbito entusiasmo, enumerava as feridas de seu país. Um olvido suave recaía sobre a memória de Romualdo, que nos traiu sem piedade e morreu vítima de um tiro acidental. Contudo, nesse crepúsculo, sua estreita sotaina farfalhava em cada porta entreaberta, varria tumultuosamente todos os corredores; sorria para os que quisessem beber vodca. Naquela noite, a sombra do padre seguia-me com persistência. Poderia ter chegado a bispo, esse Romualdo, se não fosse espião.
Tomamos rum juntos. O respiro de uma ordem e coisas invisível perpassava sob as ruínas da casa desmorona a do padre, e sua branda sedução me amolecia. Oh, crucifixos minúsculos como talismãs de mulheres levianas, pergaminhos de bulas papais, cetim de cartas femininas apodrecendo na seda azul dos coletes!
Vejo-te ainda, monge traidor,