Ética e formação de professores: Política, responsabilidade e autoridade em questão
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Ética e formação de professores - Francisca Eleodora Santos Severino
370.71
Antônio J. Severino
Cleoni Maria Barboza Fernandes
Francisca Eleodora Santos Severino (Org.)
Gomercindo Ghiggi
Pedro Goergen
Valdemir Guzzo
ÉTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
política, responsabilidade e autoridade em questão
ÉTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: política, responsabilidade e autoridade em questão
Antônio J. Severino / Cleoni Maria Barboza Fernandes / Francisca Eleodora
Santos Severino (Org.) / Gomercindo Ghiggi / Pedro Goergen / Valdemir Guzzo
Capa: Cia. de Desenho
Preparação de originais: Ana Paula Luccisano
Revisão: Ana Paula Ribeiro
Composição: Linea Editora Ltda.
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales
Conversão para eBook: Freitas Bastos
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor.
© 2011 by Autores
Direitos para esta edição
CORTEZ EDITORA
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E-mail: [email protected]
www.cortezeditora.com.br
Publicado no Brasil – maio de 2014
Sumário
Prefácio — Pedro Goergen
Apresentação — Francisca Eleodora Santos Severino
Capítulo 1 - Ética e autoridade em Programas de Formação de Professores: diálogos com Paulo Freire — Gomercindo Ghiggi
Capítulo 2 - As dimensões ética e política na formação docente — Valdemir Guzzo
Capítulo 3 - Formação de professores, ética, solidariedade e cidadania: em busca da humanidade do humano — Cleoni Maria Barboza Fernandes
Capítulo 4 - Ética e responsabilidade social no ensino superior — Francisca Eleodora Santos Severino
Capítulo 5 - Educação para a responsabilidade social: pontos de partida para uma nova ética — Pedro Goergen
Capítulo 6 - Formação e atuação dos professores: dos seus fundamentos éticos — Antônio Joaquim Severino
Texto complementar
Sobre a Obra
Prefácio
O desenvolvimento de sociedades em formação como a brasileira depende de vários fatores, todos considerados prioritários e indispensáveis. Imediatamente nos lembramos da saúde, da habitação, da economia, da alimentação, da segurança, do trabalho, da educação etc. Muitas vezes, destaca-se a educação sob o argumento de que nenhum país conseguiu realizar seus sonhos de desenvolvimento sem investir muito em educação. Os tigres asiáticos são referidos como exemplo. Na verdade, a vida social é um todo orgânico que só se desenvolve com o incremento harmônico de todas as suas partes. No entanto, é possível dizer que a educação exerce um papel-chave na medida em que ela trata da formação dos indivíduos, agentes de todo o desenvolvimento. Se postularmos a democracia e a justiça social como requisitos básicos da organização social, não é possível imaginar que tais objetivos possam ser alcançados sem acesso universal à educação de qualidade. Em especial, na sociedade dita do conhecimento, o acesso à educação de qualidade é um requisito fundamental para o exercício da cidadania.
A ênfase posta na educação também decorre de uma razão negativa, ou seja, da secundarização da educação frente ao fator econômico, considerado a locomotiva do progresso. De fato, há que distinguir entre a valorização discursiva e a valorização efetiva da educação como fator de desenvolvimento. Em especial, os políticos não se cansam de asseverar que a prioridade primeira deve ser a educação porque sem ela não haverá desenvolvimento. Apesar do discurso, não há uma decidida opção política, com todas as consequências que isso implica, a favor da educação. As razões disso certamente residem, de um lado, no fato de que os investimentos em educação apenas surtem efeitos a médio ou longo prazos e, por isso, não atendem às urgências mais prementes da população e, de outro, porque não rende dividendos políticos junto a uma população obrigada a pensar em clave de curto prazo.
No interior do capitalismo, especialmente na sua recente versão neoliberal, registra-se o predomínio da ideia economicista de progresso, como se fora a economia sozinha a locomotiva a puxar atrás de si todos os vagões da sociedade. Tal postura assenta sobre um modelo classista de sociedade no qual importa o bem-estar das elites que, assim se pensa, viveriam melhor se não tivessem que carregar o peso morto dos setores economicamente improdutivos. No entanto, as recentes crises demonstram a inviabilidade desse projeto. Parece tornar-se sempre mais evidente que o desenvolvimento é inviável se não for universal e para todos. Visto dessa maneira, qualquer projeto de desenvolvimento depende essencialmente da educação.
Ao mesmo tempo, parece estar se tornando cada vez mais claro que a instrumentalização da educação como condição de desenvolvimento econômico, embora importante, representa apenas uma faceta da educação e, talvez, nem sequer a mais importante para o desenvolvimento humano. A tônica economicista, hoje predominante, precisa ser complementada pelo enfoque do direito de cada ser humano de desenvolver-se em todas as dimensões, mediante o acesso aos bens materiais e culturais produzidos socialmente. Ora, isso pressupõe a integração social, o que não é possível sem o acesso e domínio, ou seja, sem o acesso à educação.
Na verdade, isto já se encontra subentendido nos ideais da Revolução Francesa da liberdade, igualdade e fraternidade. A trajetória já é longa, mas ainda não conseguimos aproximar-nos destes objetivos, considerados inerentes aos direitos do homem. O capitalismo conduziu-nos pelo caminho diverso da sociedade de classes, estranho àqueles ideais. O socialismo apresentado como uma alternativa à sociedade de classes, perdeu terreno a partir da Primeira Guerra Mundial. A sociedade do bem-estar social, proposta como alternativa ao modelo socialista, foi, por sua vez, derrubada pelos ventos neoliberais que almejam um Estado mínimo e favorecem a privatização. A mais recente crise que eclodiu nos Estados Unidos e repercutiu mundo afora indica com muita clareza que também este modelo está esgotado. Toda a história da modernidade está marcada por uma profunda ambiguidade entre os avanços da racionalidade científica e o renitente atraso em termos de desenvolvimento humano. Conhecimento e ignorância, fartura e fome, saúde e doença, miséria e riqueza convivem lado a lado. Independentemente de quaisquer ideais transcendentes ou de determinações ontológicas, a barbárie e os riscos que ameaçam o futuro da humanidade exigem que o modelo social hoje vigente seja rediscutido.
Os problemas ambientais balizam, de certa maneira, os limites abissais que ladeiam as trilhas da barbárie que viemos seguindo até o presente. Os riscos estão surpreendentemente ligados ao modelo de racionalidade expresso na ciência e tecnologia. E é precisamente este modelo de racionalidade que impregna a educação instrumental que objetiva adaptar e assim tornar o homem útil ao sistema econômico. Não é o ser humano, enquanto ser humano, que se encontra no centro da educação, mas o sistema ao qual ele tem que ser moldado. Vale dizer, também, que não é a educação pela educação que nos livrará das ameaças às quais estamos expostos. É hora, então, de perguntar que educação é essa que temos, para que, e a quem ela serve. O modelo de educação instrumental, fortemente privado e privatista, posto a serviço, na essência, dos interesses do capital, precisa ser repensado desde a perspectiva do direito de todos ao exercício da cidadania no contexto da esfera pública, democrática e universal.
Nesse contexto desponta, com renovada força, a formação do professor agente da formação ética e política de todos. Embora haja o encantamento técnico que, por vezes, já fantasia com a possibilidade do descarte do professor ou sua transformação em mero operador de equipamentos eletrônicos de ensino, apenas estamos iniciando a reflexão sobre a importante categoria da presencialidade como fundante de uma nova sociedade, orientada em categorias como alteridade, multiculturalidade, tolerância, diálogo. O contato do humano com o humano não pode ser rompido pela intermediação da máquina, sobretudo não no processo formativo. Não se trata aqui de negar a importância e as vantagens da educação a distância, mas de alertar para a importância formativa da presença. A presença ou presencialidade, como alguns preferem, enquanto categoria ontológica do ser humano, deve ser considerada elemento estruturante da formação humana.
Ética e política no contexto dos tempos pós-metafísicos em que vivemos fundam-se, sobretudo, na ordem do argumento, que exige abertura, reconhecimento, diálogo e, portanto, presença do outro. A presença tem insubstituível importância na conformação dos sentidos como, por exemplo, o sentido do ouvir, hoje tão obnubilado pelo ver. Se ética e política se fundam na interlocução, o ouvir passa a ocupar nova centralidade. A formação para a cidadania, que é o que os futuros professores devem aprender, implica, além do domínio de conteúdos, a capacidade de entender e de relacionar-se com o outro como ser histórico/social/cultural. Para relacionar-se são necessárias duas condições: primeiro, saber ouvir o outro para conhecer suas formas de pensar, de representar o mundo, de relacionar-se com os outros; e, segundo, saber auscultar-se a si mesmo pelas mesmas razões. Este é o espaço fundacional de uma nova ética secularizada, não relativista, do vínculo, do cuidado, da tolerância, do respeito, da responsabilidade.
Conhecer o outro e autoconhecer-se significa necessariamente partilhar semelhanças e diferenças sobre o chão das tradições culturais, das histórias familiares, da religião, da etnia, do sentimento nacional. Estes elementos, frequentemente esquecidos, representam a complexidade e a responsabilidade da formação docente. Só a partir desse partilhamento de lugares-comuns e diferentes, o professor pode encontrar o sentido de sua práxis pedagógica. À medida que nos distanciamos dos tempos da repartição de verdades e normas, nos aproximamos do tempo de buscas comuns, do reconhecimento das diferenças, da tolerância e da responsabilidade. Consensos são difíceis, mas aproximações são possíveis. No aproximar-se abrem-se planos e espaços que permitem caminhar e crescer juntos.
Os educadores precisam ser formados para construir uma escola que diga algo aos seus alunos nesta perspectiva. Enquanto a escola for percebida pelos alunos como uma obrigação sem sentido, há algo de profundamente errado na educação. A escola não pode continuar sendo estranha à vida, nem pode ser uma acomodação ao que não é bom para o indivíduo e para a sociedade. A práxis deve ir ao encontro da vida não para repousar na indignidade que a impregna, mas para desafiá-la com um projeto de dignidade, de cidadania, de vida melhor. Esse projeto só pode ser realizado pela atuação individual e institucional dos sujeitos, capazes e decididos a se engajar na luta por uma sociedade melhor para todos. A formação desses cidadãos é tarefa da sociedade como um todo, de todos os setores e instituições que a integram. Ao lado da família, da mídia, das organizações políticas e religiosas, cabe à escola parcela importante dessa responsabilidade. A escola tem a responsabilidade de contribuir para a formação ético/política dos futuros cidadãos.
O primeiro passo é o exame crítico da atuação da escola contemporânea no contexto da formação dos cidadãos. Parece ser consenso que na escola ocorre um esvaziamento das dimensões ético/políticas frente ao incremento da instrumentalização mercantilista/produtivista da educação que assume os valores do sistema e os consagra junto às jovens gerações como chaves da vida bem-sucedida, enaltecendo ou mesmo sacralizando o individualismo, o egoísmo, a competitividade, as vantagens e o consumo. Se bem é verdade que a escola ou a educação formal estão e devem estar integradas aos processos sociais como um todo, é verdade também que ela deve distanciar-se criticamente da realidade, visando ao amadurecimento crítico/reflexivo das crianças e dos jovens e estimulando o desenvolvimento da capacidade de indignar-se e resistir ao enquadramento imposto pelos interesses do sistema. A capacidade crítico/reflexiva não é passível de ser transmitida aos alunos.
Ela pode ser aprendida a partir dos estímulos emitidos pelos professores e pelo ambiente escolar como um todo no horizonte do direito à dignidade individual e da justiça social. É o lento desenvolvimento da compreensão sócio-histórica e da capacidade de nele intervir com vistas à superação dos males estruturais do sistema e à conquista de um mundo mais justo, equitativo e humano. Não há mágica pedagógica para alcançar isso; só é possível avançar no paulatino compromisso da escola e dos seus professores com a promoção das pessoas na perspectiva da justiça social.
Tal estratégia não implica a alienação socioeconômica da escola; apenas exige a reversão de seu sentido mercadológico/consumista para o da equidade e da justiça social. A escola precisa tornar-se a fonte primeira de um novo projeto de uma sociedade mais justa e democrática. A mais importante tarefa da educação contemporânea é encontrar formas de favorecer o desenvolvimento de um homem novo que, fortalecido na sua subjetividade, tenha consciência de sua condição humana de ser com o outro e se sinta comprometido com a construção de um ethos da convivência humana. Trata-se de uma tarefa nada fácil porque esta consciência e compromisso devem afirmar-se em meio a um mundo adverso dominado pela promoção individual, pelas vantagens do momento e pelo consumo individual. E não é fácil, também, porque pressupõe uma profunda revisão dos pressupostos e compromissos ideológicos do atual modelo escolar.
Tal projeto de educação de sentido ético/político não é possível sem interferência entre os indivíduos, sem confronto de ideias. É natural o embate entre diferentes interesses, desejos, ideais, práticas, visões de mundo. Mas em vez de fugir dessa realidade buscando abrigo no discurso idealista das verdades e valores prontos, é necessário fazer dessa realidade contraditória e ambivalente o chão mesmo sobre o qual a educação deve construir formas de encontro, de convivência, de relações respeitosas com base em princípios comuns referidos à dignidade subjetiva e à justiça social. Este é o grande desafio da ética e da política contemporâneas.
Já não tem lugar o despotismo pedagógico que, por tanto tempo, norteou a prática educativa no campo da ética. A famosa pergunta grega se a virtude pode ser ensinada deve ser dada hoje com base em uma nova compreensão do sentido da educação que implica, antes de tudo, uma rigorosa revisão da fé no conhecimento. Se desde os gregos, de uma maneira ou de outra, sempre se acreditou numa relação causal entre conhecimento