Descascar Laranjas
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Sobre este e-book
"Descascar Laranjas" conta-nos a história de como Derek Foley, através dos diários do falecido pai e da correspondência entre a mãe e um homem do IRA, descobre que Patrick Foley, um diplomata da Espanha de Franco, não era o seu verdadeiro pai. A mãe de Derek, doente, não quer falar sobre o passado, forçando o filho a lançar-se numa busca que o levará aos primórdios da diplomacia irlandesa, a Espanha e, por fim, à Irlanda do Norte, até descobrir, com trágicas consequências, quem é o pai. "Descascar Laranjas" é um romance repleto de intriga pessoal e política e de ideologia e que cruza duas nações emergentes - a Irlanda e a Espanha. É também uma bela e lírica história de amor de infância - entre o apolítico Derek e a fervorosa nacionalista, Sinéad Ní Shúilleabháin.
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Descascar Laranjas - James Lawless
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Nadie ha visto jamás una naranja.
(Nunca ninguém viu uma laranja
).
José Ortega y Gasset.
À memória de Kit e Nell
Prefácio do autor
Descascar Laranjas: A Origem de um Romance.
Na década de 90, escrevi um conto chamado Diaries (Diários
) sobre Derek Foley que, ao encontrar os diários do falecido pai, um diplomata na Espanha franquista, descobre informações que o fazem questionar a sua paternidade. Mostrei o conto a Bernard Farrell, dramaturgo, que o elogiou e viu nele aquilo a que chamou de qualidade mística
.
Durante anos, não toquei no conto, entrei no mundo académico e concluí um mestrado. Recuperei-o mais tarde. Havia algo, como um prurido ou uma dor, que me incomodava. T.S. Eliot descreveu a falta de criatividade de um artista como uma obstipação. Talvez fosse isso, talvez houvesse algo incompleto na personagem de Derek Foley que carregava a incerteza como se fosse, nas suas próprias palavras, uma ferida
. Por esta altura, adquirira o hábito de fazer pesquisas, tendo concluído, pouco antes, uma tese sobre a poesia como forma de comunicação. Dei por mim no recente arquivo nacional, em Dublin, a estudar Espanha e os primórdios da diplomacia irlandesa, temas que no passado foram encobertos, camuflados, em particular no que respeita ao envolvimento da Espanha e da Irlanda na Guerra Civil espanhola. Aos poucos, começou a desenhar-se uma história maior e esta personagem, Patrick Foley, o diplomata, o morto do meu conto, começou a regressar à vida.
A história da Irlanda, em vários dos seus aspectos, foi tema de diversos romances irlandeses. Mas, tanto quanto sei, foi a primeira vez que a diplomacia irlandesa em Espanha assumiu um destaque. Não conseguia deixar de identificar paralelismos entre as duas nações emergentes – a Irlanda e a Espanha, nos seus respectivos trajectos turbulentos rumo à democracia: as guerras civis, a pobreza, o papel da religião, o despertar artístico. Yeats com o teatro, Federico García Lorca e as suas viagens pelo país com as suas peças, com consequências fatais, acrescente-se. Tal como na Irlanda, onde tudo foi camuflado, Franco fez o mesmo em Espanha – negou sempre qualquer envolvimento em Guernica ou na morte de Lorca.
Martha, a mãe do protagonista, era uma mulher do bairro Liberties[1] e, devido ao seu trabalho na área do apoio social, conhecia a pobreza e partilhava essa empatia com os espanhóis pobres. Mas, se há um tema subjacente a este romance, esse tema é a ideologia: como ela influencia os comportamentos das pessoas. O que será que lhes dá sentido à vida, como Patrick Foley se pergunta a respeito de Gearóid MacSuibhne, quando o visita na sua cela imunda, na prisão de Burgos. O próprio Patrick, com as suas contradições religiosas/sexuais, é ainda mais complexo do que Gearóid, com as suas convicções de republicano empedernido.
Em oposição a tudo isto, o protagonista Derek Foley é apolítico, o que lhe permite uma perspectiva externa em relação a tudo, até ser atraído, claro, pelo amor que sente pela maior das ideólogas, Sinéad Ní Shúilleabháin.
O título original do romance, antes de ser alterado para uma versão considerada mais simples, era Compreender Laranjas. O mote foi a frase de Ortega y Gasset Nunca ninguém viu uma laranja
. Afinal, uma laranja é uma esfera. Eu pretendia transmitir a ideia de que todos temos de uma percepção apenas parcial do mundo; ninguém conhece toda a verdade – como professam algumas religiões ou ideologias, tornando-se, assim, incendiárias, algo que Derek observa durante a sua viagem para Norte. A pretensão do olho que tudo vê é, na verdade, a visão limitada do súil amháin[2].
A europeização de Derek reforçou cada vez mais a sua natureza apolítica, naquilo que se poderia entender como o reflexo de uma Irlanda moderna a fugir da sua insularidade para se unir à CEE, em 1973, o ano em que o romance termina. O que é que Pearse[3] pensaria de ti, Derek?
diz Sinéad, repreendendo-o quando ele regressa de Espanha e a critica pelo seu nacionalismo. Derek não pensava em Pearse, em olhar em frente com uma visão única, tal como o líder de 1916 ensinara, no ród seo romhainn[4], mas em Picasso e na mulher dele, de olhos apontados a várias direcções ao mesmo tempo.
Pese embora a minha nostalgia em relação ao título original, a simbologia da laranja mantém-se: descascar laranjas para aliviar o enfisema da mãe marca a tentativa de Derek de desvendar as camadas do mistério e chegar à verdade sobre as suas origens. Estamos todos cobertos por sete véus, dizia a mãe, e ninguém os tira todos.
As laranjas foram o estímulo dado às crianças para contrariar a ideologia do imperialismo britânico, aquando da visita da rainha Vitória a Dublin, em 1900.
As laranjas foram o único alimento que manteve Gearóid vivo nas trincheiras durante a Guerra Civil espanhola.
As laranjas tornaram-se numa profecia auto-realizada; nas palavras de Yeats, foram o eufemismo para as bombas do IRA que, em 1039, destruíram a cidade medieval de Coventry.
Todos os símbolos, as laranjas, os lírios, as papoilas, os distintivos, as bandeiras ou os actos simbólicos foram, tal como Martha conta a Derek num raro momento de revelação, a origem de todos os caminhos futuros que a vida toma.
O que aconteceu ao velho Liberties, agora dizimado, com estradas a abrir caminho onde antes havia ruas impregnadas de mistérios labirínticos? Para Brendan Behan, todos os que viviam para lá do Dolphin’s Barn[5], eram culchies[6]. A mãe de Martha, que, durante algum tempo, morou na Aughavanagh Road, ansiava por regressar ao Liberties, por se sentir tão sozinha.
As pessoas do Liberties, segundo Martha e por oposição ao incómodo sentido por Derek (devido à própria relutância da mãe), tinham o coração na boca; não tinham medo de dizer o que sentiam, a alegria e a tristeza da vida, que, nesta nossa era mais sofisticada, talvez sejam menos evidentes. Estas qualidades encontraram exemplo na amiga Huguenote de Marta, a Sr.ª Chaigneau.
No romance, os subúrbios são representados por Rathfarnham[7], talvez até de forma injusta, como um local frio para Martha e Derek, sendo isso mais influenciado pelas circunstâncias do que pelo sítio em si. A ida para os subúrbios, um fenómeno dos anos cinquenta, quando aqueles eram considerados a cura para todos os males, é um tema em si mesmo e a preocupação central de um romance posterior, A Avenida. Mas, para Martha e Derek, Rathfarnham representava o cenário de um enorme trauma e um lugar a que não conseguiam chamar casa
.
É claro que, para Marta, o impacto não foi despoletado apenas pela migração interna, mas também por uma emigração muito concreta – o exílio para Madrid, longe do cheiro do lúpulo da cerveja Guinness e da padaria Jacobs. Exílio: uma forma de amputação, segundo Patrick, citando Colmcille. Mas, nas ruas de Madrid, Martha testemunhou a mesma pobreza dos cortiços de Dublin e reconheceu o lamento universal da necessidade.
Então, e Patrick Foley e o mundo da diplomacia? O que escondiam aqueles arquivos que de Valera, durante tantos anos, não quis que fossem relevados? Censurou a cobertura mediática dos anos da Guerra, para assegurar a nossa neutralidade, outra política que partilhava com Franco, apesar das ofertas de Hitler. Tudo se camuflava para manter a tranquilidade sob controlo.
O que é um diplomata? Derek tentou descobri-lo nos diários de Patrick? Do grego diplomas, significa manter documentos. Patrick, ao procurar refúgio nos Pirenéus durante a Guerra Civil espanhola, teve tempo para reflectir sobre a sua função. A diplomacia irlandesa, nos seus primórdios, era vista, na Europa, como um mero complemento da política colonial britânica. Mas, o reconhecimento do regime franquista antes da Grã-Bretanha (algo crucial), significou que a Irlanda passasse a ser vista como um estado independente. Isto assumiu uma enorme relevância nacional e internacional: em 1939, Patrick Foley recebeu ordens para regressar a Madrid e participar na marcha de vitória de Franco. Nos círculos diplomáticos, este foi o sinal de que a Irlanda reconhecia a ditadura, ao contrário da Grã-Bretanha. Consequentemente, a Irlanda passaria a ser entendida, a nível internacional, como um estado autónomo.
Contudo, o cerne do romance é a descoberta da impotência de Patrick. Daí, surge a busca pela paternidade que leva Derek numa aventura a Espanha e à Irlanda do Norte, passando por todas as acepções da laranja, para descobrir, numa densa teia de história e religião e ideologia, quem é o pai verdadeiro.
E, claro, pelo caminho, encontra o Amor.
Gosto de pensar em Descascar Laranjas, acima de tudo, como uma história de amor, uma busca não tanto pela paternidade, mas pelo amor materno, que ditou a forma como, na idade adulta, Derek entende o amor e marca a confusão perante Sinéad e a sua ideologia. O episódio de abuso no internato deixa claro o que Derek sempre sentiu: a ausência de amor e que a mãe não o ama, o que se torna evidente quando parece não conseguir defender-se no dia em que ela, impiedosamente, o mandou para o internato, por ele andar a remexer demasiado no seu passado.
Sinéad, o amor da vida de Derek, a sua paixão de infância, a imagem dela em menina, sem peito, na praia de Dublin, subitamente à sua frente e transformada em estudante universitária dotada, como depressa percebe, de todas as curvas e contracurvas de uma mulher.
Mas como poderia ele rasgar aquela capa nacionalista com a qual Sinéad cobre? É este o principal dilema do romance: pode a ideologia ser mais forte do que o amor? E é apenas perto do fim da história que conseguimos deslumbrar a resposta.
O mito e a criação de mitos são essenciais às histórias. Alguém disse que, em nome da verdade, o artista nunca devia perder uma boa história. Talvez precisão
ou facto
sejam os termos mais correctos, pois o artista é sempre verdadeiro ou, pelo menos, procura sempre uma verdade superior, uma verdade poética, uma verosimilhança que rompe com os factos que por vezes nos dominam e nos cegam, como o personagem de Dickens, o Sr. Gradgrind, em Tempos Difíceis. O que quero são factos... A vida só precisa de factos.
Ou o Shylock de Shakespeare, em O Mercador de Veneza, que exige a lei, mas é incapaz de mostrar misericórdia.
O mito tem, obviamente, dois significados: o mito das histórias e das lendas antigas que Martha conta a Derek na forma de ameaça, como o conto de Labhras Loingseach e do rei com orelhas de cavalo. No entanto, para infelicidade da mãe, o efeito não foi o que ela pretendia, como veremos.
Mas há ainda o outro tipo de mito: os perigosos mitos modernos de cuja veracidade nos tentamos convencer. O mito da História. A forma como percepcionamos o mundo como nos convém, de modo que Derek, quando chega a professor de História e dá uma palestra sobre O papel do mito na História
, pergunta: o que acontece quando o mito se quebra?
A língua irlandesa, muito presente no romance, poderia talvez ser salva, se despojada da sua carga ideológica, como Derek observou quando a usou abertamente numa praia espanhola. Mas tudo estava ligado a Sinéad e à causa nacionalista da visão Éire gaelach, Éire saor[8] de Pearse.
Por vezes, somos levados a questionar se Sinéad via Derek como um ser humano. Será que ela se apercebia do brilho nos olhos dele ou será que, para ela, ele não passava de um conceito, uma vírgula numa teoria? Enquanto ouvia os sinos de Domingo, Derek concluiu que até eles possuem uma retórica própria. Resta-nos especular quanto ao resultado, até que, no último momento, um novo factor entra em jogo.
––––––––
James Lawless
Fevereiro, 2014
I
Uma Mente Órfã
Quando era miúdo, pensava que o cobrador de seguros era o meu pai. Não que o conhecesse (só o vi uma vez), mas ouvi-o vezes suficientes. Lembro-me da voz da minha mãe a implorar-lhe. Seria por dinheiro? Não éramos pobres, apesar de o meu pai (o meu pai verdadeiro) ter morrido. Tinha sido diplomata, por isso não nos deixou propriamente na miséria. Mas meti na cabeça que a minha mãe não tinha dinheiro para pagar ao cobrador de seguros e que ele pretendia receber em géneros. Devo dizer que a minha mãe era uma mulher invulgarmente bonita. Eu sei que, aos olhos dos filhos, todas as mães são bonitas. Mas a beleza da mãe era universalmente reconhecida. No auge da sua juventude, os seus olhos azul-claros e sua figura esguia atraíram muitos pretendentes, incluindo, para além do cobrador de seguros, estudantes de medicina, membros do corps diplomatique e até um do IRA. Este último era amigo do irmão mais velho, o Tomás.
Ela descobriu que o Tio Tomás era membro do IRA um dia, quando, ainda miúda, andava a limpar a casa da Muddy (a minha avó) e descobriu o revólver dentro de um livro sem miolo. Agora, está no escritório do meu falecido pai, entre livros a sério, como uma espécie de relíquia de família.
Mais tarde, quis negar, ou pelo menos não dar importância, a qualquer tipo de envolvimento republicano. No entanto, teve sempre um fraquinho pelo Michael Collins e, frequentemente, comentava que era um desperdício de um bom pedaço de homem
. É claro que tudo isto aconteceu antes de ter assentado e casado com o diplomata, Patrick Foley. Bom, assentar não é o termo certo.
Com o cobrador de seguros, ouviam-se gritos e discussões e uma familiaridade que não é comum em relações meramente comerciais – talvez fosse por isso que eu pensava que ele era o meu pai. Faltava-me um exemplo, de qualquer forma. O meu pai verdadeiro morreu quando eu tinha dois anos, ou assim me contam.
Devo salientar que os gritos eram do homem, pois a minha mãe era muito doce e raramente elevava o tom de voz. Eu era muito chegado a ela. Ou assim acreditava. Sendo o único elemento masculino da família, sentia que me competia protegê-la. Certa vez, entrei na sala, quando o cobrador de seguros estava a repreendê-la e ela em lágrimas. Diante de mim, vi um gigante. Lembro-me de umas grandes botas pretas, muito brilhantes. Quando olhei para cima, vi uma espessa barba vermelha que me assustou. A barba era para disfarçar alguma coisa. O Pai Natal só tinha barba para que as crianças não conseguissem reconhecê-lo. Quando chegava a casa, tirava a barba, as botas e o fato. Todas as crianças sabiam disso. A barba era para eventos especiais. A barba não era para coisas do dia-a-dia, como cobranças de seguros.
Quando entrei na sala, ele calou-se. Foi apanhado de surpresa. Depois, sorriu-me, mas, quando tentou passar-me a mão na cabeça, peguei no atiçador da lareira e avancei na direcção dele.
- O que fizeste à minha mãe? - gritei.
Esquivou-se aos ataques e segurou-me pelos braços, imobilizando-os, e o atiçador caiu ao chão.
- Quando for maior do que tu, mato-te, cabrão!
- Então, Derek. Cabrão
? Que palavrão vindo de um buachaill beag[9].
Acho que foi o que ele disse.
Tudo isto foi há tanto tempo que mais parece uma fabricação da minha memória. Mas a minha tentativa de ataque está bem vívida. A mãe recusou falar comigo sobre o incidente; tentou fazer de conta que não tinha acontecido. Disse que eu tinha uma imaginação demasiado fértil. Disse que, naquele dia, não se sentia bem e que o Sr. Counihan estava apenas a tentar consolá-la. Quando me disse que ele tinha uma forma muito agressiva de consolar as pessoas, ela dirigiu-me um dos seus olhares fulminantes e deu o assunto por encerrado.
Desde então, percebi que a minha mãe e eu não éramos assim tão próximos e, pouco depois daquele episódio, fui enviado para um internato no interior.
A clausura do internato desperta uma socialização forçada entre os estudantes (e creio que também junto do corpo docente e não docente). Somos, frequentemente, forçados a estar na companhia de pessoas com quem temos pouco ou nada em comum. Predomina o espírito mais forte (normalmente, a voz de um rufia). Nunca fui adepto do conceito de ter de me dar bem com todos porque o homem é ser social, etc. Para mim, isso significava que todos eram iguais e que não existia individualidade, diferença ou liberdade de escolha. Estas qualidades eram reprimidas (muitas vezes, de forma perversa pelo homem social
) com a justificação de que moldavam um comportamento anti-social. Mas, nos meus estudos solitários, descobri que as conquistas do empreendimento humano foram alcançadas por indivíduos, geralmente contra a pressão colectiva e social.
Na verdade, carregava comigo um sentimento de insegurança para onde quer que fosse: na minha mochila, no meu stick de hurley[10], na minha voz, quando tinha de falar ou ler em público. A confiança nasce num ambiente de amor e de estabilidade. Algures, perdera a capacidade de confiar nas pessoas. A minha caneta era o único instrumento que fluía livremente, como se as próprias dúvidas procurassem uma saída através da tinta. Do ponto de vista académico, dei-me muito bem, especialmente em História, disciplina em que fui premiado com uma medalha de ouro.
Alguns dos meus pares eram também filhos de diplomatas, mas não me sentia bem com nenhum deles. Por várias vezes, tentei dizer que não era um filho de diplomata
a sério. Ou seja, o Patrick morrera e, desde então, tanto eu como ela não saíramos da Irlanda. Ter de ver a minha mãe menos vezes do que os outros rapazes, cujos pais estavam destacados, era uma forma cruel de justiça. Não me integrei. Costumava ir para a biblioteca, em vez de socializar, ainda que com mera conversa de circunstância.
Nas noites de sexta-feira, fazíamos fila para receber doces. Aos Domingos, recebia uma dose dupla, porque não ia a casa aos fins-de-semana. Os doces eram bons. Os doces conseguiam mitigar aquela escuridão que impregnava os dormitórios vazios nas noites de Domingo, quando todos os sons tinham eco.
Lembro-me que, no meu primeiro ano de internato, a escola alugou um projector. Alugaram os filmes Mise Éire e O Sinal de Zorro. Naquela altura, passavam sempre dois filmes e por isso é que permitiram o Zorro, apesar de ser um filme estrangeiro. Foram sorteados bilhetes para a entrada. Saiu-me o número onze.
Na minha turma, havia um rapaz pequeno e magricela, com um nariz achatado que lhe valeu a alcunha de Pug[11]
. Ele não gostava de mim porque me isolava, porque me recusava a idolatrá-lo