A Fera na Selva
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Sobre este e-book
Em A fera na selva, o renomado escritor inglês Henry James compôs uma obra-prima da literatura universal, fascinante e terrível ao mesmo tempo.
"Uma fera emboscada na selva, pronta a saltar sobre ele a qualquer momento." Essa era a sensação que John Marcher carregava desde que nasceu, e que – depois de anos ele viria a descobrir – era um segredo compartilhado por mais uma única pessoa, May Bartram. O encontro inesperado em Weatherend, e o fato de ela saber sobre o acontecimento que o espreitava, conduziu uma atraente ligação entre eles, multiplicando-se em encontros cada vez mais reveladores.
Por vários anos, John Marcher acreditou guardar discretamente a sua "carga pesada", sem jamais tocar no assunto, para que os outros não ficassem tão assombrados quanto ele sempre esteve. Se o resto do mundo o considerava esquisito, somente May Bartram sabia como e, acima de tudo, por que esquisito.
Uma coisa os uniu sem que eles soubessem. Enquanto envelheciam juntos, John e May mantinham uma relação de amizade e fidelidade que se tornara indispensável, à espera vigilante de que uma coisa extraordinária acontecesse.
Na obra, passado, presente e futuro são entrelaçados em uma trama articulada e envolta de mistérios, sob uma narrativa psicológica. De fato, alguma coisa tinha estado para acontecer, e o que vinha a ser a Fera na Selva poderia representar algo aterrorizador, porém de um destino comum e inevitável.
Henry James
Henry James (1843–1916) was an American writer, highly regarded as one of the key proponents of literary realism, as well as for his contributions to literary criticism. His writing centres on the clash and overlap between Europe and America, and The Portrait of a Lady is regarded as his most notable work.
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A Fera na Selva - Henry James
SELVA
1
POUCO importa o que motivou a surpreendente conversa que tiveram durante o encontro, tendo sido provavelmente apenas algumas palavras que ela disse sem qualquer intenção, enquanto os dois iam caminhando lentamente, e ficando para trás, depois de terem renovado o conhecimento um do outro. Alguns amigos o haviam trazido, uma ou duas horas antes, à casa em que ela estava hospedada; os hóspedes da casa vizinha, como ele (o que confirmava sua habitual teoria, segundo a qual não passava de mais um no meio da multidão), tinham sido convidados para o almoço. Depois do almoço, houve muita dispersão, toda ela devida ao que o motivara: conhecer Weatherend e suas preciosidades, aspectos especiais, pinturas, bens de herança, tesouros de todas as artes, que faziam o lugar quase famoso; e os enormes salões eram tantos que os hóspedes podiam vagar à vontade, destacar-se do grupo principal e, no caso daqueles que encaram essas coisas com a maior seriedade, entregar-se a misteriosas medições e avaliações. Podiam-se observar pessoas, sozinhas ou acompanhadas, curvadas sobre objetos pelos cantos, mãos apoiadas nos joelhos, balançando a cabeça com a ênfase de uma reação olfativa. Quando eram dois, chegavam mesmo a misturar sons de êxtase ou mergulhar em silêncios da mais profunda significação, a ponto de haver para Marcher em tudo aquilo um ar de dar uma olhada
, antes de uma venda intensamente anunciada, e que excita ou apaga o sonho da aquisição.
O sonho da aquisição Weatherend teria de ser realmente muito forte, e John Marcher deu consigo, ante tais sugestões, desconcertado pela presença não só dos que sabiam tudo como dos que não sabiam nada. As grandes salas sugeriam tanta Poesia e tanta História que ele sentia necessidade de se desgarrar dos demais, para se ver bem situado em relação ao lugar, embora seu impulso não pudesse ser comparado, como o olhar cobiçoso de alguns dos seus companheiros, aos movimentos de um cachorro farejando comida. Teve um resultado imediato numa direção impossível de ser prevista.
Levou-o, em suma, naquela tarde de outubro, a um encontro mais prolongado com May Bartram, em cujo rosto começou a perturbá-lo de maneira bastante agradável, não propriamente uma recordação, mas uma espécie de reminiscência, quando se achavam numa longa mesa, sentados bem longe um do outro. Parecia-lhe a sequência de algo cujo começo ele houvesse perdido. No momento, acolheu a sensação de bom grado: como se fosse uma continuação, sem saber exatamente o que aquilo continuava, e que vinha a ser um interesse ou uma distração, tanto maior quanto ele tinha também consciência – ainda que sem qualquer confirmação direta da parte dela – de que a própria jovem não havia perdido o fio da meada. Não havia perdido, mas não o daria de volta, percebeu ele, sem que de sua parte estendesse a mão para recebê-lo; não somente percebeu isso, como muitas coisas mais, coisas bastante estranhas, levando-se em conta que, no momento em que a movimentação do grupo os deixou face a face, ele estava às voltas com a ideia de que qualquer contato entre eles no passado não tivera importância.
Se não tivera importância, ele mal sabia por que a impressão que ela agora lhe causava parecia ter tanta; a resposta, todavia, era de que, naquela vida que todos no momento aparentavam levar, não se podia senão aceitar as coisas como elas aconteciam. Sem ter a menor condição de saber por quê, ele estava convencido de que aquela jovem poderia ser considerada na casa mais ou menos como uma parente pobre; também de que ela não estava ali somente para uma rápida visita, mas de certa forma como parte da organização – quase uma parte profissional, remunerada. Não desfrutava ela, de tempos em tempos, de uma proteção pela qual pagava com a sua ajuda, entre outros serviços, em mostrar a casa e explicá-la, lidando com gente cansativa, respondendo perguntas sobre datas de construção, estilo do mobiliário, autoria dos quadros, lugar preferido do fantasma? Não que ela parecesse ser dessas a quem se pode dar uns trocados – era impossível parecer menos. Ainda assim, quando afinal ela se encaminhou em sua direção, extremamente simpática, embora bem mais velha – mais velha do que era quando a vira antes – talvez o tenha feito em virtude de haver percebido que ele lhe dedicara sua imaginação nas últimas duas horas mais do que a todos os demais juntos, e tenha assim atingido uma espécie de verdade que os outros eram muito estúpidos para apreender. Ela estava ali em condições mais difíceis que qualquer outro; estava ali em consequência do que lhe aconteceu, de um modo ou de outro, naqueles anos de intervalo; e se lembrava dele tanto quanto ele dela – só que muito melhor.
Quando enfim chegaram a se falar, estavam a sós numa das salas – excepcional pelo belo retrato sobre a lareira – de onde os amigos dele haviam saído, e o encanto daquilo era que mesmo antes de se falar, os dois haviam tacitamente se entendido um com o outro a fim de ficarem para trás e conversar. O encanto, felizmente, estava em outras coisas também – em parte no fato de quase não existir em Weatherend um lugar sem alguma coisa pela qual se deixar ficar para trás. Estava na maneira em que aquele dia de outono se refletia através das altas janelas enquanto ia se esvanecendo lá fora; na maneira em que a luz vermelha, surgindo ao crepúsculo, sob um céu carregado e sombrio, estendia-se num longo raio que ia atingir antigos lambris de madeira, tapeçarias antigas, ouros antigos, cores antigas. Mais do que tudo, estava talvez na maneira pela qual ela veio a ele, como se ele pudesse, caso preferisse manter as coisas nessa mesma base, encarar a delicada atenção dela como parte de sua ocupação, já que ela a isso se dedicava. Tão logo ouviu sua