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A Aliança dos Povos
A Aliança dos Povos
A Aliança dos Povos
E-book784 páginas16 horas

A Aliança dos Povos

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Sobre este e-book

EXCLUSIVO DIGITAL!
Thomas, Erin e Vince partem de seu mundo medieval para planetas distantes com um único objetivo: encontrar aliados na luta desesperada contra os temidos nergals. Após atravessar uma fenda espacial, entre o tecnológico povo de Gaia e estranhos alienígenas, os três jovens enfrentam novos perigos, traições e até a própria morte. Mudu-za, líder dos nergals, espera apenas o momento certo para desferir o golpe final.
Aliança dos povos é o segundo volume da série A Caverna de Cristais, uma das sagas de fantasia/ficção científica pioneiras dentro da promissora literatura fantástica brasileira. A exclusiva edição eletrônica, incansavelmente revisada pela talentosa autora e dividida em sete volumes, conta com uma apresentação de Leandro "Radrak" Reis. Helena Gomes já tem mais de vinte obras publicadas, algumas delas selecionadas para programas de leitura como o PNBE, e recebeu distinções importantes, como o selo Altamente Recomendável da FNLIJ.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de jun. de 2014
ISBN9788581224039
A Aliança dos Povos

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    Pré-visualização do livro

    A Aliança dos Povos - Helena Gomes

    Helena Gomes

    A Caverna de Cristais - LIVRO II

    SUMÁRIO

    Para pular o Sumário, clique aqui.

    Apresentação

    Parte III

    Prólogo

    1 - O aniversário

    2 - Sonho

    3 - Kyoto

    4 - O mensageiro

    5 - A pedra opaca

    6 - A Sala Branca

    7 - O último guardião

    8 - Leão

    9 - O ataque

    Parte IV

    Prólogo

    1 - Segunda chance

    2 - Aliança

    3 - Loxian

    4 - Sorte

    5 - Babylon

    6 - Refugiados

    7 - Atma

    8 - A Patrulha

    9 - Líder

    10 - As quatro crianças

    11 - A rainha

    12 - O guitarrista

    13 - Brilho dos cristais

    Parte V

    Prólogo

    1 - A audiência

    2 - Lobos

    3 - O troco

    4 - Beijo

    5 - Reencontro

    7 - Confronto

    8 - Esperança

    9 - Círculo

    Epílogo

    Créditos

    A Autora

    APRESENTAÇÃO

    Visitar A Caverna de Cristais foi uma experiência única, trazida a mim pelo destino para despertar sentimentos diversos. Suas páginas trouxeram-me saudosismo através das divertidas referências à cultura pop, ansiedade no misterioso desenrolar de sua trama e fascínio pelo mundo desconhecido e, ao mesmo tempo, tão familiar.

    Mas você já sabe disso. Assim como eu, você também experimentou tais sentimentos na jornada que nos levou à Caverna de Cristais, em que descobrimos seus segredos ao lado de nosso estimado Thomas. Naquele momento, uma porta se abriu e todo um universo se apresentou aos nossos olhos.

    De repente, o céu deixou de ser o limite.

    Nas próximas páginas, você poderá atravessá-lo, explorando além do domo azul e aventurando-se junto de nossos heróis a anos luz de sua origem. Descobrindo junto deles não só as grandes distâncias que separam os povos, mas também o imenso poder dentro de si.

    Saudosismo, ansiedade e fascínio, entre os inúmeros sentimentos que A Caverna de Cristais nos desperta, estão prestes a retornar aos nossos corações. Portanto, escolha um lugar calmo e aproveite ao máximo esta viagem fantástica.

    Leandro Radrak Reis

    Leandro é autor de Filhos de Galagah, Senhor das Sombras, Enelock e Garras de Grifo, todos ambientados em Grinmelken, mundo criado pelo autor e alimentado com contos e descrições, no seu site: www.grinmelken.com

    Thyr enfrentou Mudu-za, à espera do gesto que lhe tiraria a vida. Adiante, os dois eloras, seus companheiros na perigosa jornada, estavam mortos.

    – A luta ainda não terminou – disse o guerreiro.

    A espada Satva brilhou em sua mão.

    PARTE III

    O Herdeiro

    "Se as coisas são estilhaços

    Do saber do universo,

    Seja eu os meus pedaços,

    Impreciso e diverso.

    Eles foram e não foram."

    (Fernando Pessoa)

    PRÓLOGO

    O templo

    Ano 1.302 antes da Era Arthur

    Apedra que Gotihan fazia flutuar desabou no chão. O garoto piscou duas vezes, assustado, trazendo os pensamentos de volta à aula. O barulho surpreendeu os outros alunos, que também deixaram cair suas respectivas pedras. O mestre olhou para o garoto, franzindo as sobrancelhas.

    – Distraiu-se outra vez, Gotihan? – disse ele, com um suspiro.

    O garoto sentiu as bochechas vermelhas e procurou o apoio do irmão mais velho, Caleb, que ainda conservava sua pedra flutuando à altura do rosto. Ele o observava, preocupado. Gotihan sabia o que o irmão pensava sobre ele: se não levasse os estudos a sério, seria proibido de continuar como aluno do templo. Sem dúvida, uma vergonha para sua linhagem de sacerdotes myrhans.

    – Eu vou me concentrar, mestre, juro! – prometeu, fitando, constrangido, os próprios pés.

    O mestre fez sinal para que os outros alunos continuassem o exercício. O garoto tentou, mas a pedra se recusou a sair do lugar. Instintivamente, desviou o olhar para a porta do templo, de onde podia ver a Cordilheira Azul. Lá estavam as fantásticas cavernas de cristais, para onde sempre escapulia quando queria brincar. Caleb, que costumava acompanhá-lo em suas aventuras, de uns tempos para cá resolvera dedicar todo o tempo livre para estudar. Era um adolescente de doze anos muito sério e responsável.

    – Por que você não faz como Caleb, Gotihan? – costumava dizer a mãe, ansiosa em melhorar o futuro nada promissor do caçula.

    Em seu mundo, a evolução espiritual era a essência de tudo, o objetivo primordial da sociedade. Os myrhans deveriam caminhar em direção às estrelas, em busca do sentido completo da própria existência.

    Gotihan, aos oito anos de idade, achava toda aquela história muito chata. E era o único que pensava assim, o que provocava constrangimento para a família e os amigos. Só Caleb entendia-o, apesar de não concordar com ele.

    – Não pretende mais treinar? – perguntou o mestre, parando à frente do garoto.

    – Eu não consigo...

    Tinha certeza de que era incapaz de executar o que toda criança myrhan já nascia sabendo: mover objetos telepaticamente e ter premonições, entre outros talentos. Ao crescer, elas desenvolviam e aprimoravam essas potencialidades, em sucessivas aulas, no templo.

    Gotihan nascera sem nenhum talento especial que pudesse mostrar com sucesso. Os pais tinham adiado ao máximo sua primeira aula, numa tentativa de ocultar a vergonha que carregavam. Ah, se eu fosse como o Caleb..., pensou o garoto, espiando o irmão, que adorava como verdadeiro herói. Acho que, quando minha raça evoluir, vão me deixar para trás, resmungou baixinho, assim que o mestre, frustrado com tanta incompetência, se afastou.

    ...

    – Posso lhe ajudar com o treinamento – sugeriu Caleb ao final da aula.

    – Por que eu não posso ter uma vida diferente? Por que tenho que seguir as escolhas que já fizeram por mim? – perguntou Gotihan, irritado.

    – Não sei dizer, Go. Mas bem que você podia ter um pouco de boa vontade! Facilitaria bastante. Vai querer minha ajuda ou não?

    O garoto concordou, mal-humorado. Os dois saíram do templo e pegaram o caminho para casa, atravessando uma floresta de árvores delicadas e coloridas.

    – Por que não voltamos? Acho que lá seria o melhor lugar para você me treinar – sugeriu Gotihan, com os olhos brilhantes. Acabara de ver a oportunidade ideal para pôr em prática uma ideia que nutria há algum tempo.

    – O que você está planejando...? – perguntou o irmão, desconfiado. Era muito difícil enganá-lo.

    – Treinar.

    – Só isso?

    – Claro!

    Ainda sem acreditar muito, Caleb deu meia-volta e seguiu-o. O local estava vazio quando entraram. Caleb sentou-se sobre o piso de cristal fosco e colocou uma pedra à sua frente, convidando o irmão a se sentar também. Gotihan, agitado e ansioso como de costume, quis permanecer em pé.

    – Não tem ninguém aqui, não é mesmo? – começou ele, após arrancar com os dentes, distraído, um pedacinho de uma das unhas da mão. – Podíamos aproveitar para dar uma espiada nas perenthis...

    – Eu sabia que você estava me colocando em alguma encrenca!

    – Ah, Cal, esquece um pouco que você é o irmão bonzinho e responsável e me ajuda! Também está curioso para vê-las, não é mesmo?

    Caleb hesitou. Ele nunca dizia não às vontades do caçula.

    – Escute, Go, apenas os sacerdotes têm permissão para abrir a caixa onde as esferas estão... Elas são sagradas para os myrhans, uma herança de um povo desconhecido.

    – Só quero olhar. Sabe, venho sonhando com elas há vários dias...

    – Por que não me contou?

    – Porque, se contasse, você não viria comigo até aqui, como fez agora.

    O irmão mais velho sorriu.

    – Ainda vou acabar mal graças às suas travessuras... – murmurou ele, levantando-se.

    Sem pressa, aproximou-se do altar feito de um magnífico cristal avermelhado. Apoiando a mão sobre uma saliência, abriu um compartimento oculto. Caleb era um aluno de nível avançado, que ajudava o mestre como monitor para as turmas mais novas, como a de Gotihan. Dessa forma, tinha acesso aos segredos mantidos pelos sacerdotes.

    De dentro do compartimento, retirou com cuidado uma caixa branca, de madeira.

    – Nunca a abri – comentou, trazendo-a até o irmão.

    Sem perder tempo, Gotihan puxou a tampa e parou boquiaberto, observando as três pequenas esferas. No mesmo instante, duas delas flutuaram até a altura dos seus olhos e começaram a brilhar intensamente até desaparecerem no ar.

    Terrivelmente tonto, o garoto deu um passo para trás e caiu desacordado.

    CAPÍTULO 1

    O aniversário

    Ano 838 da Era Arthur

    Thomas ficou de queixo caído, impressionado com o brilho dos cristais à sua volta. Nunca vira tanta beleza em reflexos de faces múltiplas, expostos por ângulos inusitados na ampla caverna. Caminhou para fora e admirou a cadeia de montanhas azuis, tomadas àquela hora pela luz difusa de um tranquilo final de tarde.

    – Onde estamos? – perguntou, ainda boquiaberto, sem olhar para Mithrrah, ao seu lado.

    – Numa reprodução de Myrhan, o planeta natal de Gotihan.

    – E por que me trouxeste para cá?

    – Não querias saber mais sobre o líder?

    O rapaz observou-a, pensativo.

    – Este planeta agora é Gaia?

    – Não. Gaia fica na mesma galáxia. Hoje, Myrhan é apenas um local turístico.

    – Como assim?

    – Um lugar que as pessoas visitam quando querem relaxar e se divertir.

    Thomas mordeu os lábios. Agora que se preparava para conhecer um mundo novo, precisaria se adaptar a conceitos diferentes daqueles com os quais convivera em Britanya.

    – Como era esse Gotihan? – perguntou, após se sentar. Uma brisa suave soprava em seus cabelos, trazendo de longe o aroma de flores estranhas.

    – E qual a utilidade em ter esse conhecimento?

    – Bem, preciso saber como devo agir, não?

    Mithrrah sorriu para ele.

    – Mas tu não és Gotihan.

    – N-Não sou? – disse ele, sem entender mais nada.

    – O que quero dizer é que não és apenas Gotihan. Teu espírito traz a soma de todas as tuas vidas anteriores. O líder myrhan é apenas uma delas.

    – Então nascemos, vivemos e morremos várias vezes?

    – É a evolução sem fim, a busca eterna pela perfeição. Temos sempre novas chances para acertar e aprender.

    Thomas coçou a cabeça. Não pretendia desistir tão fácil.

    – Mithrrah, eu preciso saber mais sobre Gotihan. Afinal, ele foi um ser corajoso, um grande líder e...

    – Deves enxergar o homem que se esconde atrás da lenda.

    – O que queres dizer?

    – Quero te mostrar que Go era um ser falível, como qualquer pessoa. Sabias que ele não tinha nem uma parte dos poderes que tu desenvolveste nos últimos anos?

    – Não?!

    – Ele costumava dizer que era o pior myrhan de toda a sua espécie.

    – Mas, pelo menos, ele dominava o poder da transferência de energia?

    – Sim, esse era seu grande dom. Caleb, por exemplo, dominava muito mais habilidades do que ele.

    A jovem parou de falar, como se tivesse deixado escapar alguma informação importante.

    – E esse Caleb era...? – quis saber Thomas, sem perder a deixa.

    – O irmão mais velho de Go.

    O rapaz cruzou os braços. Ela tentou desviar o olhar, porém já era tarde demais.

    – Vince é Caleb – murmurou ele, com um meio sorriso. Não sabia se essa informação ajudava ou atrapalhava sua convivência com o cavaleiro esnobe. Ainda era difícil confiar completamente nele. – Gotihan e o irmão davam-se bem?

    – Não entendes que o que aconteceu em uma vida não precisa se repetir necessariamente em outra? Em cada renascimento, o espírito pode desenvolver aspectos da personalidade que manteve adormecidos em alguma vida anterior. Isso gera opções, ações e resultados diferentes.

    – Falas como se Gotihan tivesse matado o próprio irmão! Afinal, posso ou não confiar em Vince?

    – És tu quem deve decidir. Não devo influenciar tuas escolhas.

    – Essa é boa! E o que tu e tuas irmãs fizestes com minha vida até hoje? – irritou-se Thomas. – Vais me dizer que não sofri nenhuma... influência?

    Ele voltou para dentro da caverna, onde encontrou Menethrrah. Estremeceu. Ainda não se acostumara com a ideia de conversar com uma reprodução de Alix De Brusk.

    – Queres que eu mude minha aparência? – perguntou ela, com suavidade.

    – Não, não é isso – disse Thomas, mirando os próprios pés. – É que eu nunca tive a oportunidade de falar com minha mãe.

    Menethrrah acariciou-lhe o rosto.

    – Gostaria de ser essa pessoa que tu tanto amas...

    – Mithrrah não quer me ajudar – resmungou ele, procurando afastar da mente a lembrança materna.

    – Tu és mesmo teimoso, hein? – disse Mithrrah, logo atrás dele.

    – Por que não dás um exemplo de como a informação de uma vida passada pode atrapalhar a presente? – sugeriu Menethrrah para a irmã.

    A outra suspirou, sem alternativa. Thomas não a deixaria em paz tão cedo.

    – Muito bem, amigo. No processo de evolução espiritual, tu e Caleb seguistes caminhos distintos, sem se encontrar por muito tempo. Os dois renasceram como myrhans e depois como humanos muitas vezes após os fatos que envolveram a guerra com os nergals.

    – Em alguma dessas ocasiões, encontrei outra vez as perenthis?

    – Não. Só retomamos contato na tua vida atual.

    – Vince e eu só voltamos a cruzar nossos caminhos agora?

    – Houve uma vez, há mais de oitocentos anos. Caleb foi Arthur, o sacerdote idealista que criou o reino de Britanya.

    Thomas quase se engasgou com a informação.

    Vince foi aquele lunático?

    – Exatamente – concordou Mithrrah.

    – E quem eu fui?

    – O sacerdote conhecido como Merlin, filho caçula de Arthur e futuro nobre das terras de Sutter. Foi nesta vida que tu desenvolveste parte dos poderes que utilizas hoje.

    Thomas precisou se sentar no chão para não cair. Aquilo era maluquice demais. Já era difícil aceitar Vince como irmão. Como pai, era absolutamente impossível!

    – E quem era minha mãe? – murmurou ele, sentindo-se pálido.

    – Tu conheces como Shannon a mulher que criou Merlin – respondeu Menethrrah.

    Num gesto impulsivo, o rapaz abraçou os joelhos, sem saber o que pensar de tudo o que ouvira.

    – Entendes agora por que não te lembras de tuas decisões como Gotihan? – disse Menethrrah, ajoelhando-se ao seu lado. – Todos, quando renascem, esquecem suas experiências anteriores. Se houvesse qualquer lembrança de fatos passados, seria impossível começar uma nova etapa de evolução. Como alguém pode se apaixonar por uma jovem lembrando-se que, em outra vida, ela foi sua avó ou sua mãe?

    – Por acaso Erin...? – perguntou ele, assustado.

    – Queres mesmo descobrir? – disse Mithrrah, tocando-lhe as mãos.

    – Não, não quero!

    As irmãs estavam certas. Em algum momento, no passado, ele fora Gotihan. No presente, ele era Thomas. Isso era o que realmente importava.

    ...

    Um leve movimento ao lado de Thomas despertou-o. Erin, ao seu lado na cama, levantava-se para retornar à cela que ocupava no Monastério.

    – Fica mais um pouco... – sussurrou ele, abrindo os olhos.

    – Já vai amanhecer – respondeu ela, no mesmo tom de voz. – Não quero que irmão Michel me encontre aqui contigo.

    Beijou-lhe levemente os lábios e afastou-se para se vestir. Dois minutos depois, já na porta, acenou para ele e saiu.

    O rapaz espreguiçou-se. Pensava no sonho estranho que acabara de ter com Mithrrah e Menethrrah. Agradeceu aos céus por ignorar todos os laços que o uniam a Erin através dos tempos. Pensou em Vince e no motivo que levara a si próprio a chamar pelas perenthis antes de dormir. O contato feito através do espelho do gabinete de Dines, apenas um dia antes, fora frustrante. O objeto limitara-se a acionar um chamado, enviado automaticamente para Tolkien. Nada mais acontecera. Michel aconselhara-os a esperarem por qualquer sinal dos guardiões. Vince, no entanto, queria partir imediatamente. Segundo ele, os nergals já estavam a par dos acontecimentos nas ruínas de Sutter.

    – Eles têm uma consciência única, estão ligados entre si – argumentara. – Souberam de imediato quando tu mataste Savac e os outros. Na verdade, acompanharam tudo, de camarote! Estamos perdendo tempo aqui.

    Seu maior temor era que Arnon se tornasse um prisioneiro dos nergals.

    – Tu quase morreste para eliminar quatro dessas criaturas. O que podes fazer contra vinte delas? Não há motivo para que nosso mundo não seja atacado agora, Tom. O pacto de Kirian foi quebrado.

    Thomas não respondera de imediato e preferira ir até o salão subterrâneo, tentar desvendar a composição do pó amarelo com a ajuda do computador. Vince e Erin haviam aproveitado a oportunidade para explorar a biblioteca, um lugar que fascinava a ambos. Passaram o dia sem trocar uma única palavra, cada um em canto oposto do local. A trégua não verbal que ocorrera em Durham terminou assim que eles colocaram os pés no Monastério. Thomas desconfiava que não era apenas a aposta perdida que motivava Vince a provocar Erin o tempo todo. Claro que o cavaleiro se mostrava um péssimo perdedor, mas...

    Uma batida na porta obrigou o rapaz a sentar-se.

    – Bom dia, filho! – cumprimentou Michel ao abrir parcialmente a porta. – Hora de acordar!

    ...

    Quando Erin entrou na cozinha, Thomas já estava lá, ajudando um jovem monge a tirar um tabuleiro de pães do forno.

    – Feliz aniversário! – disse Thomas, largando o que fazia para abraçá-la. Oz, deitado no piso de pedra, pulou para ela, abanando o rabo.

    – Acreditas que eu tinha esquecido que hoje é 1º de maio? – Ela riu, adorando aquele momento de atenção.

    – Comprei no mercado antes de deixarmos Durham – disse ele, sem jeito, ao entregar-lhe um minúsculo embrulho. – Na verdade, gastei aquele dinheiro que me emprestaste. Não dá para dizer que isso é um presente...

    Ansiosa, Erin abriu o embrulho e sorriu. Thomas escolhera para ela um par de delicados brincos de cristal azul, a cor preferida da jovem.

    – São lindos! Obrigada, Tom!

    Ela se pendurou em seu pescoço e lhe tascou um beijo na boca, o que deixou o jovem monge vermelho de vergonha.

    Erin colocou os brincos e foi se sentar para se servir do pão, ainda quente, que Thomas deixava sobre a mesa. Nesse instante, um mal-humorado Vince De Angelis, com a cara mais sonolenta do mundo, entrou no aposento. Oz, que se acomodara aos pés da jovem, rosnou para ele. Sem olhar para ninguém, o cavaleiro jogou-se no banco de madeira, ao lado da jovem, e esticou as pernas para a frente.

    – Quero café – resmungou, azedo.

    – Eu já estou atrasado para a missa – comunicou o monge antes de escapulir.

    – Incompetente!

    – Por que não trouxeste teu criado de York? – provocou Erin.

    Vince nem se deu ao trabalho de responder. Cruzou os braços sobre a mesa e afundou a cabeça sobre eles.

    – Por que diabos se acorda tão cedo neste lugar? – reclamou.

    – Como queres teu café? – perguntou Thomas, compreensivo, enquanto abria uma gaveta do armário e tirava de lá um pote de vidro escuro.

    – Puro.

    – Uma das minhas tarefas aqui no Monastério era preparar o café para mestre Dines – disse o rapaz para Erin. – Eu mesmo cultivei alguns pés da planta na nossa horta.

    – O que é afinal esse tal de café? – perguntou ela. Tomar aquela bebida era um hábito praticamente desconhecido para a grande maioria de britons, mesmo para os nobres de Durham.

    – O melhor amigo para quem não gosta de acordar cedo. Estou errado, Vince?

    O cavaleiro levantou a cabeça e apoiou o queixo em um dos antebraços. Erin, atenta ao preparo da bebida, não percebeu o olhar maldoso que ele lhe lançava.

    – Quero minha fatia com bastante geleia – disse ele, empurrando-lhe o pão.

    – Por que tu mesmo não preparas? – retrucou ela, irritada.

    – Para que serve uma mulher por perto se ela não sabe nem preparar o desjejum?

    – Eu já te disse como ficaste bem com teu novo corte de cabelo, sr. De Angelis? É uma ótima maneira de voltar no tempo e virar um adolescente outra vez, não achas?

    – Aposto, Tom, como cozinhas melhor do que ela.

    Erin bufou, agitada. Claro que Thomas sabia cozinhar! O rapaz crescera como ajudante do irmão Michel. Já a jovem, em Durham, tinha o costume de passar longe das panelas.

    – Cozinhar é algo de que gosto – disse Thomas, sem prestar atenção às provocações. Estava preocupado com outro problema. Ele deixou sobre a pia o coador de pano e levou o bule e mais três canecas para a mesa. – Gosto de misturar ingredientes, de inventar receitas. É como preparar um remédio.

    Despejou a bebida e sentou-se de frente para Erin e Vince. O jovem mal-humorado tomou seu café aos poucos, como se despertasse lentamente. A jovem bebericou o conteúdo de sua caneca.

    – Tem um gosto horrível! – criticou, com uma careta. – Como vós podeis apreciar isso?

    – Cuidado com a língua – advertiu Vince, sério.

    – Por quê?

    – Podes mordê-la sem querer. Aí, Thomas terá que ir correndo à biblioteca para inventar um antídoto contra teu próprio veneno.

    Furiosa, Erin chutou-lhe a perna com violência.

    – Ei, isso dói! – gritou ele. – Por que partes para a agressão toda vez que ficas sem respostas?

    – É só deixá-la em paz que isso não acontecerá mais – disse Thomas, com uma expressão ameaçadora. Depois, respirou fundo e tomou seu primeiro gole de café.

    Vince pegou sua caneca e foi para o outro lado da mesa. Antes de se acomodar, espreguiçou-se. Oz latiu para ele e rosnou mais uma vez.

    – Se tu não ficares quieto, eu te chuto contra a parede – disse o cavaleiro.

    – Cuidado com o que dizes... – advertiu Thomas.

    – Está bem, vamos mudar de assunto. Já conseguiste descobrir a composição do pó amarelo?

    – Não foi difícil. O antídoto é feito a partir do próprio pó, com dois elementos diferentes. Ainda bem que são encontrados neste mundo. Temia que Savac tivesse importado alguma coisa que só existisse em Gaia, por exemplo.

    – Acho que ele pensou que ninguém aqui seria capaz de decifrar o antídoto. – Esperou alguns segundos antes de tocar no assunto que mais lhe interessava. – Já tomaste alguma decisão sobre nossa partida?

    Erin prendeu a respiração. Temia que Thomas resolvesse deixar o Monastério imediatamente, sem esperar pelos guardiões. Não queria pensar na possibilidade de ter o sobrinho do arcebispo como guia em um mundo estranho e perigoso.

    – A nave que trouxe Stuart e Motik ainda deve estar esperando pela volta deles – disse Vince, aproveitando a hesitação do irmão. – Acho que eles se teletransportaram para cá e a deixaram em órbita. Mas não penso que seja uma boa ideia usar essa nave. Ela seria localizada pelos nergals num piscar de olhos.

    – Estás pensando na nave de Moriarty? – perguntou Thomas.

    – Sim. Podemos ir até o pântano e usar o scanner do arcebispo para encontrá-la.

    – Se formos para Gaia sem esperar pelos guardiões, corremos o risco de não encontrá-los depois...

    – Escuta, Tom, quando esses guardiões receberam o sinal do espelho, os nergals já deviam estar na metade do caminho para nosso planeta. Não temos mais tempo! Tua presença aqui põe em perigo Britanya; isso sem falar no rei e nas pessoas de quem tu gostas.

    Erin pensou no pai. Apavorava-lhe a possibilidade de Durham ser devastada pelos nergals. Mesmo sem desejar, lembrou-se de Lady Claire e das crianças. Na última vez que a vira, sua madrasta surpreendera-a, apoiando-a na sua revolucionária decisão de usar calça comprida, cortar os cabelos e, ainda, partir numa jornada com o homem que amava. Nunca imaginara que Lady Claire pudesse ter algum tipo de sensibilidade em sua visão limitada do mundo.

    – Podemos deixar um recado para os guardiões se eles vierem até aqui – insistiu Vince.

    – Que recado? – perguntou Thomas, desconfiado.

    – Pede a Michel que avise que estaremos na Hippo’s. Todo mundo no universo, tirando este mundo atrasado, sabe onde fica.

    – Partiremos depois que os monges saírem da missa.

    Ele fitava, sério, o rosto do irmão mais velho. Vince sorriu, aliviado, revelando o rapaz bonito e charmoso por trás do cavaleiro intragável. Pegou duas fatias de pão e saiu assobiando uma canção que Erin desconhecia.

    – Não sei se vou aguentar mais uma viagem com essa criatura mimada – disse a jovem, aborrecida. – Tu confias nele?

    – O suficiente.

    – Às vezes, acho que Vince vai nos entregar diretamente aos nergals.

    ...

    Logo que a missa terminou, Thomas passou para Michel as instruções necessárias para a produção do antídoto. Estavam em um dos jardins internos, acompanhados de Vince e Erin. Oz andava agitado ao redor deles. Parecia pressentir que o deixariam para trás outra vez.

    – É melhor preservar esta produção em segredo, monge – completou Vince. – Um certo senhor das Terras Ermas não hesitará em atacar o Monastério se perceber que o lucrativo negócio que ele mantém com a venda do pó pode ser ameaçado de alguma forma.

    – Não te preocupes, senhor – respondeu Michel, ajeitando os óculos com cuidado sobre o nariz.

    – A quem te referes, Vince? – perguntou Thomas.

    – Uma coisa eu ainda não entendi – interrompeu Erin. – Se o pó é um segredo dos nergals, como os nobres daqui conseguem produzi-lo?

    – O segredo foi passado a eles há muitos anos, para facilitar o controle sobre os bárbaros – explicou Vince.

    – Savac sabia da venda da droga entre os próprios britons? – perguntou Thomas, inquisidor.

    – Óbvio que sim – respondeu o cavaleiro, sustentando o olhar. – O arcebispo nunca se importou realmente com quem ele considerava inferior.

    – E como ele te considerava?

    Michel e Erin fitavam-no sem piscar. Vince respirou fundo, sem desviar o rosto.

    – Queres saber por que nunca me integrei a um nergal? – perguntou. – Por que não me tornei um ser poderoso e quase indestrutível?

    Thomas assentiu.

    – Diabos, porque não sou o Herdeiro! – explodiu ele, com as bochechas vermelhas. – Quando os nergals descobriram que eu não era o tal do Gotihan, não viram necessidade em me manter vivo. Afinal, a única coisa que sei fazer é mover objetos com a mente. Uma habilidade bem desprezível para um possível candidato a hospedeiro. Mas o arcebispo argumentou que precisava de mim para manipular Arnon e, claro, ser o sucessor real. Então, ele criou um personagem que justificasse minha sobrevivência, o futuro rei que considerava ideal para Britanya, o homem que atenderia aos interesses dos nergals sem questionamentos. Há anos sou treinado para ser Vince De Angelis, o cavaleiro corajoso, capaz de derrotar os inimigos com facilidade sem demonstrar fraquezas e emoções. O campeão inatingível, o herói irreal que mobiliza o povo... Não é assim que se faz a lenda?

    Suas palavras trouxeram de volta aos pensamentos de Thomas o que Mithrrah lhe dissera sobre Gotihan.

    – O arcebispo queria que eu fosse a lenda, a pessoa de confiança que prepararia o caminho para a dominação nergal – continuou o irmão. – Não tive opções em minha vida até que tu apareceste.

    – Nunca desejaste ser um nergal, como Kirian?

    – O que achas? Claro que não! Fiquei aliviado quando fui reprovado na seleção desses malucos. Sempre existiu gente demais controlando minha vida. Não preciso de uma criatura repugnante me falando o tempo inteiro o que devo ou não fazer.

    – Como nergal, tu desenvolverias teus poderes...

    – E para quê?

    – Como assim?

    – Não me interessa dominar mais nenhum poder.

    – Dizes que não és o cavaleiro insuportável que Savac imaginou para ti. Quem és, então?

    – Apesar de tudo o que já aconteceu conosco, ainda não confias em mim, não é, irmãozinho? – perguntou Vince, numa voz cansada.

    O arqueiro preferiu não responder. O cavaleiro deu de ombros, assumindo outra vez o ar esnobe.

    – Se quiseres saber quem sou, então terás que descobrir sozinho – disse, encerrando o interrogatório. – Quem vai querer ir comigo até o Pântano do Terror?

    ...

    A última coisa que Thomas viu antes de ser teletransportado foi a imagem de Oz pulando em seu colo. Sem pensar, estendeu os braços para recebê-lo. Quando o Pântano do Terror e seu ambiente asfixiante se materializaram à sua frente, ele segurava o cachorrinho contra o peito.

    – Que bom que esta criaturinha adorável veio conosco! – ironizou Vince. – Ela será uma interessante variação no cardápio dos lúpus.

    – Podes mandá-lo de volta? – perguntou Thomas.

    Vince ignorou-o e pôs-se a verificar os resultados exibidos pelo scanner em sua mão. Ao redor deles, árvores altas, de vegetação espessa, bloqueavam parcialmente a entrada dos raios solares. O lamaçal, que os atingia na altura dos joelhos, exalava um cheiro insuportável.

    – Eu te fiz uma pergunta, sr. De Angelis.

    – E eu não pretendo respondê-la, arqueiro.

    Thomas avançou, nervoso, mas Erin o impediu de se aproximar.

    – Ele só está te provocando. Não vale a pena perder a paciência – aconselhou ela.

    – Se esse é o eu verdadeiro dele, estou começando a sentir saudades do sobrinho do arcebispo – murmurou o rapaz, com raiva.

    Vince sorriu, zombeteiro.

    – Localizei sinais de partículas onis a sete quilômetros daqui, a oeste – disse, após alguns segundos. – Acho que...

    Não conseguiu terminar a frase. Um tentáculo imenso surgiu do lamaçal, agarrou-o pelo braço e puxou-o para baixo. Vince desequilibrou-se, mas resistiu, evitando imergir por completo. Thomas jogou Oz para a segurança de um tronco de madeira flutuante e segurou o irmão pela cintura, enquanto Erin golpeava o tentáculo com a espada para livrá-lo, sem sucesso. No mesmo instante, outro tentáculo subiu à superfície e apertou a perna de Thomas, afundando-o totalmente na lama. Ele se soltou de Vince, que foi outra vez puxado para baixo.

    Quase sufocando, Thomas pegou sua adaga e, sem enxergar nada, acertou a criatura que o prendia. Para sua surpresa, ela o largou no mesmo instante. O rapaz emergiu o mais rápido que pôde. Erin, pálida e assustada, ajudou-o a ficar em pé sobre a parte mais rasa do lamaçal.

    – Onde está Vince? – perguntou ele, desesperado.

    A jovem balançou a cabeça. O cavaleiro não retornara à superfície.

    ...

    Com a ajuda de Erin, Thomas quase revirou de cabeça para baixo o trecho do pântano onde os três haviam sido atacados, embora fosse impossível encontrar qualquer coisa naquele local escuro.

    – Vamos atrás da nave de Moriarty –decidiu após mais de uma hora de busca.

    Oz já ocupava seu lugar preferido no bolso da capa do dono. Tinha suas vantagens ser um cachorro tão pequeno.

    Por um bom tempo, os jovens avançaram com dificuldade na direção indicada por Vince. Algumas áreas do pântano eram intransponíveis, obrigando-os a darem voltas e mais voltas até achar um caminho transitável.

    Exausta, Erin encostou-se numa das árvores para descansar. Thomas, ofegante, fez o mesmo. Foi então que uma sombra imensa os cobriu. Oz colocou a cabeça para fora do bolso e rosnou.

    Uma criatura observava-os. Ela abriu o focinho cheio de dentes pontudos na direção deles.

    – Eu sabia que não devia ter saído da cama hoje – comentou Vince, que inesperadamente surgiu à esquerda dos jovens. Estava coberto de lama da nuca aos pés.

    – É bom te ver, irmão – disse Thomas, feliz, apesar do terror que a criatura, quase do tamanho de um homem de dois metros, inspirava. Ela lembrava um tipo de lagarto escamoso, com um rabo comprido e pesado.

    – Bem que tu podias ter aparecido do lado de lá, atrás daquele monstro – resmungou Erin. – Era só atacá-lo de surpresa e nos ajudar a sair vivos deste lugar horrível!

    – Por que é tão difícil deixar uma mulher feliz? – murmurou o cavaleiro.

    – Vou invocar o fogo – decidiu Thomas.

    Fez aparecer uma parede de chamas entre eles e a criatura. Deu certo. Ela se amedrontou com a ameaça e mergulhou na lama de onde viera.

    – Tenho uma boa e uma má notícia – disse Vince, também se apoiando na árvore. Estava exausto.

    – Qual é a má? – perguntou o irmão, prevendo algum desastre.

    – Perdi o scanner e o teletran.

    – E qual é a boa? – quis saber Erin, desolada.

    – Eu voltei!

    – Então são duas notícias ruins – concluiu ela, franzindo a testa.

    – Como te livraste dos tentáculos? – perguntou Thomas.

    – Na verdade, a criatura é que se livrou de mim, depois de me arrastar pela lama por não sei quantos metros.

    – Uma criatura sensata, não achas? Ninguém te aguenta por muito tempo.

    Vince quis rir, mas não evitou uma expressão de dor.

    – Estás ferido – disse Thomas, abaixando-se para verificar o estrago feito pelo tentáculo em sua bota de couro. Um tipo de ácido corroera-a parcialmente.

    – Vive acontecendo comigo o tempo todo, desde que te conheci.

    Ele abriu a capa de viagem e mostrou os cortes profundos no braço e na perna atingidos pela criatura.

    – Argh, estes ferimentos são horríveis! – avaliou Erin.

    – Tu sabes mesmo como fazer uma pessoa se sentir melhor, Lady Erin... – comentou o cavaleiro, fechando os olhos. – Vamos logo, Tom, estou cansado de encontrar criaturas mutantes em todo lugar aonde vou. Quero ir para casa.

    – E onde fica tua casa? – perguntou o irmão.

    – Em Gaia.

    Thomas fitou-o, surpreso, antes de iniciar o processo de cura. Que tipo de vida Vince De Angelis poderia ter em um mundo tão estranho como Gaia?

    ...

    Os três andaram por mais algumas horas até uma área descoberta, quase sem vegetação. Um rio atravessava-a. A claridade do dia mal se refletia sobre sua superfície escura.

    – É, parece que é aqui – sorriu Vince, avançando distraidamente pelo local.

    A nave estava a poucos metros de distância, na água. Lembrava o formato retangular de um tijolo esverdeado. Para Thomas, pareceu ter o tamanho exato do carroção em que viajava quando criança.

    De repente, um pressentimento fez com que segurasse o irmão pelo braço e o impedisse de dar mais um passo.

    – Por que tudo tem que ser tão complicado? – suspirou Vince, desolado.

    – O que é aquilo? – cochichou Erin, sem coragem de falar mais alto.

    Parcialmente submerso, um ser monstruoso, quase uma cobra com orelhas, usava o corpo comprido e lustroso para proteger a nave, como uma mãe zelosa. Ao notar a aproximação dos intrusos, abriu os olhos para avaliar, sem se mover, se o filhote que adotara corria algum perigo. Oz pôs a cabeça para fora do bolso e, apavorado, nem pensou em latir.

    – Alguém tem alguma sugestão? – perguntou Thomas, explorando mentalmente todas as possibilidades. Teve certeza de que os poderes que dominava não dariam conta de resgatar a nave.

    – A única saída é enfraquecer a criatura – disse Erin, decidida. – Deves sugar-lhe a energia, como farias a um nergal. Isso dará tempo suficiente a Vince para que ele possa mover mentalmente a nave da água até aquela plataforma de terra firme, ali adiante.

    – Eu não posso fazer isso! – protestou Vince, pálido. – A nave é muito pesada!

    – Faz dar certo, sr. De Angelis – impôs a garota. Voltou-se para Thomas. – Enquanto tu enfraqueces a criatura, corres o risco de ser atacado por ela. É aí que eu entro no plano. Vou distraí-la!

    Sem esperar pela resposta dos rapazes, a jovem tirou a espada da bainha e pulou para a margem lamacenta, correndo até ficar de frente para a criatura.

    – Isso não vai dar certo... – murmurou o cavaleiro.

    Thomas deixou Oz no chão e seguiu Erin, parando a poucos metros de distância.

    – Ei, monstro feio! – gritou ela, ameaçando-a com a espada. – Estás com algo que nos pertence!

    O ser moveu lentamente a cabeça e abriu a boca, revelando uma língua peçonhenta. Thomas esticou as mãos para a frente. Não tinha ideia se teria força suficiente para dominar um animal tão gigantesco.

    – É melhor soltares nossa nave! – continuou Erin. – Não temos medo da tua cara!

    Se a jovem realmente não tinha medo, Thomas não sabia. Ele estava apavorado, assim como Vince, que não se mexia, sem saber como agir.

    A criatura deu o bote, quase engolindo Erin. Extremamente ágil, a jovem jogou-se para o lado, rolando na lama antes de se colocar em pé.

    – Tom, rápido! – gritou, com raiva.

    O rapaz retomou a atenção no monstro. Sentiu o corpo atrair para si uma energia estranha, que o fez tremer de frio. O monstro pareceu entender o que ele pretendia e se virou para atacá-lo. Erin foi mais rápida, golpeando-lhe a cabeça. O corte, apenas um arranhão, não o feriu. O ataque, no entanto, deixou-o furioso. Mais uma vez tentou abocanhar a jovem, um movimento que o obrigou a soltar a nave.

    Erin tentou se jogar para longe, mas seus pés ficaram presos na lama. Caiu sentada. A boca aberta e apavorante do monstro chegou a centímetros de seu corpo...

    Com um suspiro, ele fechou a boca e acomodou a cabeça suavemente ao lado de Erin. Adormeceu, cansado demais para ficar acordado. Thomas tivera sucesso em enfraquecê-lo. A jovem ergueu-se e, com muito cuidado, contornou a cabeça para ir até ele. Sorria, radiante. Não durou muito.

    A nave afundava na água, estagnada.

    – Ele não conseguiu... – lamentou.

    Vince fitava o ponto exato onde a nave desaparecia. Só desviou os olhos quando Thomas e Erin foram ao seu encontro.

    – Perdoai-me – disse o cavaleiro, arrasado.

    – Por que não tentas outra vez? – insistiu Erin.

    Era difícil para ela aceitar o fracasso após arriscar o próprio pescoço.

    – Já te expliquei que não consigo. Não sou nenhum mestre Yoda!

    – Quem?

    – Um personagem de um fil... Ah, esquece! Tu não vais entender mesmo.

    Thomas apoiou o braço sobre os ombros do irmão.

    – Tu já foste mais poderoso do que Gotihan – disse, pesando bem o que pretendia lhe contar.

    – Queres dizer... em alguma vida passada? Nem te dês ao trabalho de me contar!

    – E por quê?

    – Prefiro deixar de lado estas bobagens myrhans sobre renascimentos e evolução infinita. Minha vida atual já é complicada demais.

    Talvez seja melhor assim, pensou Thomas. Oz aproximou-se deles e pediu o colo de Erin.

    – E agora? Retornamos ao Monastério? – perguntou ela.

    – Dizem que ninguém sai vivo deste pântano – sentenciou Vince, pessimista.

    Uma ideia passou pela cabeça de Thomas.

    – Esta nave é feita de material orgânico, certo? – disse, após um silêncio quebrado apenas pelos sons soturnos do pântano. No céu, nuvens escuras denunciavam a chegada de um temporal. – E se eu me conectar a ela e pedir que te ajudes a flutuá-la?

    – Estaríamos combinando nossos poderes – deduziu Vince. – Mas, para isso, deves confiar em mim. Estás pronto para esta alternativa tão aterradora?

    – Tenho escolha?

    – Palavra que és a criatura mais teimosa e cabeça-dura deste universo! Não sei por que ainda me preocupo em mudar o que pensas sobre mim. Muito bem, vamos ao trabalho! O que eu tenho que fazer?

    – Tente apenas mover a nave. Eu cuido do resto.

    – Vamos deixar os bruxos trabalharem – disse Erin para Oz, afagando-lhe as orelhas.

    Os rapazes levantaram-se, cada um se concentrando no que deveria ser feito. Após alguns minutos, nada aconteceu. O monstro ressonava.

    – O que não queres que eu descubra? – zangou-se Thomas. – Por que bloqueias tua mente?

    Vince abaixou a cabeça, perturbado, sem responder.

    – Se tu não ajudares, nunca sairemos deste lugar.

    – Deixa-me tentar outra vez sozinho.

    – Se é o que desejas... – rosnou Thomas. Não havia mais qualquer dúvida de que o irmão mais velho escondia algum segredo. O que ele pretendia? Entregá-lo aos nergals?

    Nesse instante, as duas perenthis, Mithrrah e Menethrrah, surgiram no ar e flutuaram por alguns segundos diante de Vince.

    – É só fazer isso? – murmurou ele, mirando-as com atenção. – Não pode ser tão simples!

    Thomas sentiu uma pontada de ciúme. Agora suas duas amigas também se comunicavam com o sobrinho do arcebispo? Isso era demais! Será que elas não podiam notar o cheiro de traição no ar?

    As esferas brilharam até desaparecer. Vince fitou novamente o ponto em que a nave afundara. No mesmo instante, ela veio à superfície e voou suavemente para a plataforma de terra firme que Erin indicara.

    – O que era tão simples? – perguntou ela, acompanhando os rapazes até a nave. – O que as perenthis te disseram?

    – O mesmo princípio que Yoda ensinou a Luke. Estou começando a achar que acabei preso numa história de ficção científica do século XX!

    – Não entendi...

    – As irmãs explicaram que não há diferença entre mover uma colher ou uma nave espacial – esclareceu Thomas. – A diferença estava apenas na mente dele.

    – Sim, o princípio para o deslocamento é o mesmo – concordou Vince.

    – Leste esta história sobre Yoda e Luke em algum livro? – quis saber Erin, interessada. – Será que há uma cópia no Monastério?

    – Ela não está em um livro, mas em um filme – sorriu Vince. – Quer dizer, é uma trilogia, ou melhor, o segundo filme da segunda trilogia...

    – O que é um filme?

    – Escuta, Erin, há muita coisa para te explicar sobre cultura pop do início da Era da Tecnologia e...

    – Como entramos aí? – interrompeu Thomas. Pararam em frente à nave. Não havia nem sequer uma porta!

    – Ela deve ter sido programada apenas para identificar o DNA de Moriarty – explicou o irmão. – Deves tentar ativá-la com teu poder.

    Um ruído abafado atrás dos jovens mostrou-lhes a urgência da situação. O monstro acordara.

    – Vamos, Tom, anda logo com isso! – cobrou Vince. – Eu não tenho um sabre de luz.

    – Acho que vou ter que descobrir mais sobre esse tal de filme – murmurou Erin. O monstro acabava de descobrir que os ladrões tinham roubado seu filhote adotivo. – Estou cansada de não entender o que falas.

    Thomas apoiou a mão sobre a nave. No mesmo instante, a porta desenhou-se sobre a superfície esverdeada e abriu-se silenciosamente. Sem perder tempo, Vince empurrou-os para dentro. A criatura estava prestes a alcançá-los.

    ...

    Vince quase caiu de cara no piso no instante em que o monstro, furioso do lado de fora, deu uma cabeçada na nave.

    – Ele vai nos amassar! – gritou Erin. Ela conseguira se sentar na poltrona do copiloto. Oz pulou de seus braços e escondeu-se em algum compartimento. Thomas agarrara-se a um dos painéis de computador para manter o equilíbrio.

    – Ativa a nave, Tom, ou ela não vai aceitar meu comando de voz – disse Vince, enfim alcançando a poltrona do piloto. Agora precisava identificar os elementos da bancada à sua frente.

    – Sabes mesmo conduzir esta coisa? – perguntou a jovem, notando sua aflição.

    – É um modelo antigo...

    Nesse minuto, a nave pareceu ganhar vida. Thomas conseguira ativá-la com sua mente.

    – Estamos nos movendo! – comemorou a jovem.

    – Não, aquele monstro é que nos abocanhou – disse ele.

    Um movimento brusco e violento, depois outro e mais outros. A criatura resolvera sacudir a nave furiosamente. Vince, a muito custo, reconfigurou a interface.

    – Escudo defletor! – disse, sem muita certeza de que o computador obedeceria à sua voz.

    Deu certo. A proteção em forma de energia surgiu ao redor da nave, obrigando o monstro a soltá-los.

    – Velocidade 3.4 – pediu o cavaleiro, ajustando mais alguns comandos no painel. – Temos que ganhar altitude.

    Ensandecida, a criatura acertou-os pela terceira vez. Apesar dos escudos, a nave estremeceu.

    – Perda de 20% do escudo defletor – informou a voz impessoal do computador.

    – Desviar 35.4% de energia do sintetizador para os propulsores.

    Finalmente a nave ganhou velocidade, deixando para trás os perigos do Pântano do Terror.

    – Iniciar preparativos para deixar este planeta – disse Vince.

    Ele cruzou os braços para que seus companheiros não percebessem o quanto tremia de nervoso. Por um instante, tivera a certeza de que não conseguiria decifrar os comandos do painel, muito diferentes dos que vira nas naves que aprendera a pilotar em Gaia. E, para piorar, mal enxergava os minúsculos elementos da tela. Por sorte, não fizera nenhum cálculo errado...

    Num estalo, lembrou que tinha um par de óculos guardado em algum bolso. Tirou de lá o objeto de metal cromado, com lentes redondas, e colocou-o sobre o nariz e as orelhas.

    – Não sabia que tu usavas óculos – espantou-se Erin.

    – Fui proibido de usá-los em Britanya – respondeu o rapaz, sem querer esticar mais o assunto. Estava desistindo de falar qualquer coisa sobre si, pois Thomas já tinha uma opinião formada a seu respeito. Nada do que dissesse mudaria isso.

    – Não combinava com tua imagem de cavaleiro galante?

    Vince não revidou a provocação. Sentia-se esgotado. Sua vida virara de pernas para o ar em muito pouco tempo e ele ainda não tivera tempo para refletir sobre tudo o que acontecera. Pensou no cilindro com o programa holográfico de Hannah, que levava para Gaia. Lá, teria tempo para conversar com a sacerdotisa, rever a imagem do pai e...

    – Vinte minutos para deixarmos o planeta – comunicou o computador.

    – Iniciar procedimento padrão – orientou o cavaleiro após conferir as informações na tela. Agora os números tinham o tamanho ideal para leitura.

    – Não existe tecnologia em Gaia que possa corrigir teu problema de visão? – questionou Thomas, sem olhar para ele. Seu interesse estava num dos painéis, que descobrira como acessar.

    Esse garoto é mesmo inteligente, como diziam os relatórios de Tenorius, pensou Vince, admirando a rapidez com que aprendia a dominar a nova tecnologia.

    – Fizeram o possível no meu caso.

    – É grave o que tens? – insistiu Erin.

    Vince percebeu que não seria fácil dar o assunto por encerrado.

    – Quando eu tinha sete anos, um tipo de virose quase me matou – começou, sem saída. Thomas resolvera observá-lo. – Tive febre alta por muitos dias. Como consequência da doença, fiquei cego. O arcebispo levou-me a Gaia, onde passei por três cirurgias para voltar a enxergar. Os óculos são necessários se preciso ver detalhes.

    – Pensei que tiveste visitado Gaia apenas nos últimos cinco anos – disse Thomas. – Que outras mentiras contaste para nós, sr. De Angelis?

    – Já te disse que terás que descobrir – retrucou, sem paciência.

    Crescera cercado por tantas desconfianças que não suportava mais a ideia de justificar tudo o que fazia. Savac nunca confiara totalmente nele. Aliás, os nergals eram desconfiados por natureza.

    – Precisamos resolver a questão do idioma – disse, para mudar de assunto.

    Ele girou a poltrona para outro painel, à esquerda.

    – Computador, quero que materializes dois tradutores simultâneos.

    – Que modelo? – perguntou a voz impessoal.

    – Qual é o mais recente que tens em teu banco de memória?

    – YU-23.

    – E ele decodifica qualquer idioma, mesmo os desconhecidos para os humanos?

    – Afirmativo. Este modelo abrange 98% dos casos.

    – Serve!

    Instantaneamente, duas minúsculas cápsulas apareceram sobre uma bancada de metal.

    – Arthur, quando criou Britanya, inventou um idioma próprio, que não é o mesmo utilizado em Gaia – explicou Vince. – Vós precisareis instalar o tradutor simultâneo sob a pele. A língua britã não é compreendida em Gaia e o mesmo vale para o idioma deles, totalmente incompreensível para nós sem o tradutor.

    – Como funciona este mecanismo? – perguntou Thomas.

    – Queres saber com todos os detalhes? Ai, não me lembro direito do processo completo. Ciências exatas e biológicas nunca foram meu forte. Sei que o tradutor é um nanocomputador, que atua diretamente no cérebro, codificando e decodificando a linguagem em um tempo recorde. Podes encontrar mais informações sobre o assunto no arquivo da nave.

    – E como se instala esta coisa? – preocupou-se Erin.

    – Pressiona a cápsula sobre a pele, na altura do ouvido – disse Vince, apontando um ponto específico no rosto. – A própria pele absorve o conteúdo, que é invisível para nós.

    Ele entregou uma cápsula para cada um e esperou. Thomas examinou o objeto com cuidado antes de instalá-lo. Erin fez o mesmo.

    – Não senti nada – disse ela, avaliando a cápsula agora vazia. – E ainda estou falando em briton!

    Vince admirou a personalidade forte e, ao mesmo tempo, ingênua da filha de Mark De Durham. Ela era mesmo especial.

    – É só começarmos a conversar em outra língua. O tradutor ajusta-se automaticamente.

    Ele perguntou, no idioma de Gaia, qual era a idade de Erin. A jovem arregalou os olhos e, no mesmo idioma, respondeu que completava dezessete anos naquele dia.

    – Você faz aniversário hoje? – disse Vince, surpreso, ainda usando o idioma de Gaia. Definitivamente, um passeio no Pântano do Terror não era a melhor maneira para se comemorar uma data assim. – E o seu tradutor, Tom, está funcionando bem?

    – Tudo certo – respondeu ele, novamente distraído com o computador.

    – O que você estudava em Gaia, Vince? – perguntou Erin. – Tinha só um professor, como a gente?

    – Não. Havia vários professores e muitas disciplinas diferentes na universidade. Era lá que eu estudava.

    – E você, pelo jeito, não gosta de matemática...

    – Detesto! Não gosto de nada muito complicado.

    – E o que você estudava, então?

    – Uma porção de matérias que odiava. Para compensar, havia as aulas de artes e história.

    – Por isso sabe tanto sobre a Era da Tecnologia?

    – Para falar a verdade, eu estava desenvolvendo uma dissertação sobre a cultura da segunda metade do século XX quando me mandaram de volta a Britanya. Tive que largar tudo graças àquele torneio estúpido.

    – Você não gosta do nosso mundo? – perguntou a jovem, abaixando-se para pegar novamente o cachorro no colo. Ele deixara o esconderijo e procurava um lugar confortável para dormir.

    – Não é bem isso. É difícil conviver com os britons.

    – Por quê?

    – Sua visão do mundo não tem perspectivas. Entre os nobres com quem convivi, o único objetivo na vida era lutar e participar de torneios. Eles eram incapazes de conversar sobre qualquer outro assunto. Havia exceções...

    – Como o arcebispo?

    – Ele era um homem culto e inteligente – disse Vince, sentindo que pisava em terreno perigoso. – Você está com fome?

    Erin assentiu. O cavaleiro pediu ao computador que materializasse três barras de chocolate.

    – Isto vai quebrar o galho – explicou, oferecendo uma barra para a jovem e outra para o irmão. – Não posso gastar muita energia do sintetizador. Nossa reserva de energia anda baixa. A nave ficou muito tempo abandonada no pântano. Não sei o quanto isto a afetou.

    – Vai dar para chegar a Gaia? – perguntou Thomas.

    – Acho que sim.

    – Isto aqui é maravilhoso! – exclamou Erin, após morder seu primeiro pedaço de chocolate.

    – Comer doces é o único vício que pretendo manter – murmurou Vince para si. Devorou sua barra e depois se entregou ao painel com planos de não abrir mais a boca durante a viagem. Já falara demais sobre a vida.

    – Me ensina a pilotar? – sorriu a jovem.

    – Desde que esse cachorro fique bem longe de mim.

    Para sua surpresa, Erin não protestou. Ela entregou o cãozinho adormecido a Thomas.

    – Você pode ficar com ele?

    Pela cara que fez, Thomas detestou a ideia de vê-la tendo aulas com o sobrinho do arcebispo. Apesar de contrariado, segurou Oz no colo e concentrou-se na tela do computador.

    ...

    As pálpebras de Thomas pesaram. A tela mostrava-lhe tudo o que havia no banco de dados sobre os nergals, como solicitara. Erin dormia encolhida no chão da nave, com Oz enrodilhado a seus pés. Vince bocejou antes de pegar seu terceiro copo de café no sintetizador.

    A nave, após mais de um dia de viagem, cruzara a fenda espacial havia quase duas horas. Fora um momento especial para Thomas. Ele ficara fascinado em ver o espaço infinito se abrir de repente no segundo em que a nave ativou o portal estelar. Eles pularam literalmente para dentro do buraco e apareceram milhares de anos-luz de Britanya e seu mundo medieval.

    Vince traçara um curso direto para Gaia, ainda distante por mais um dia de viagem, e atravessavam o Quadrante Taurus, em um trecho fora dos limites sob a proteção da Aliança dos Povos.

    Tonto de sono, Thomas acomodou a cabeça sob os braços cruzados, em cima de um dos painéis. A sonolência relaxava seu corpo. Os pensamentos conduziam-no para muitos lugares estranhos. Pararam numa caverna escura e desconhecida. Do meio das sombras, um vulto deu alguns passos até cair de joelhos. Thomas reconheceu Vince.

    – Loxian... – murmurou o cavaleiro.

    Nesse instante, uma sensação sufocante despertou Thomas. Ele sentiu como se voasse em direção a uma armadilha.

    – Nós vamos cair na água... – disse, assustado, raciocinando em briton.

    – Que água? – perguntou Vince, no mesmo idioma.

    – Não sei – respondeu, esfregando os olhos cansados.

    – O que viste em tua visão?

    – É mais importante o que senti. Desde que deixamos Britanya, tenho a impressão de que vamos cair numa armadilha a qualquer momento...

    – Acreditas que vou te levar direto aos nergals, não é isso?

    Thomas desviou o rosto. Já não sabia mais o que pensar.

    – Escuta, Tom, sei que só tens dezesseis anos, mas deves pensar como um adulto. Sê racional! Se eu quisesse te entregar aos nergals, estaria esperando por eles tranquilamente no Monastério. Não ia ficar inventando um passeio arriscado até o pântano e nem estaria quebrando minha cabeça para pilotar esta velharia.

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