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Olhar de frente
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Olhar de frente
E-book116 páginas1 hora

Olhar de frente

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Sobre este e-book

Beto é um adolescente comum, que vai à escola e está apaixonado. Vladmir é um senhor rabugento, que está sempre se lamentando por ser cego. Sebastião é um catador de material reciclável, que vive espalhando sua alegria mesmo a quem não é tão receptivo, como Vladmir. Três gerações, três vidas completamente diferentes, três histórias que se cruzam nesta sensível narrativa. Cada um desses personagens, na busca pela superação de seus conflitos, vai mostrar ao leitor uma nova maneira de ver o mundo – mais humana, e cheia de possibilidades.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de out. de 2020
ISBN9788510073608
Olhar de frente

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    Pré-visualização do livro

    Olhar de frente - Tânia Alexandre Martinelli

    Abertura

    A casa da infância

    O mundo tem muitas cores.

    O céu, por exemplo. Ele pode ser azul-claro, com poucas nuvens, mas também pode ser branco e cinza. Amarelo, laranja e vermelho ao entardecer; azul-marinho na chegada da noite. Ainda é possível encontrar outras nuances, basta prestar atenção. Há cores em tudo. E Vladmir sempre gostava de lembrar.

    Quando era criança, brincava na rua até tarde, sem muitas regras e horários. E, tão logo ficava noite, procurava a primeira estrela que surgia. Não só ele, como todos os seus amigos: Primeira estrela que vejo, realize o meu desejo!, diziam. E a sorte estava lançada.

    Aprendeu na escola que essa estrela, na verdade, é um planeta: Vênus, também conhecido como Estrela-d’Alva. Havia certa música de que seu pai gostava bastante e que falava justamente dessa estrela, de seu esplendor. Lembrava-se dele mexendo no botão do rádio sobre o móvel de madeira, na cozinha, entre a geladeira e o fogão, debaixo da janela. Todas as tardes, antes do jantar, ele puxava a cadeira trazendo-a para perto do móvel e ficava muito quieto, o ouvido colado no rádio, completamente entregue à melodia e à letra.

    A cozinha era pequena, assim como os outros cômodos da casa. A mesa retangular acomodava seis cadeiras, e em cima dela havia sempre uma toalha de crochê com alguma peça enfeitando o centro. Na parede oposta ao móvel do rádio, uma cristaleira onde a mãe guardava travessas, pratos e copos. O banheiro ficava à direita do corredor, e à esquerda, o quarto onde Vladmir dormia com os irmãos. Seguindo três metros adiante, ficava a sala e o quarto do pai e da mãe, numa entrada ao lado do sofá pequeno. Era o bege que predominava nas paredes da casa.

    Sua mãe cultivava flores no quintal, dálias amarelas, rosas cor-de-rosa, cravos e margaridas, além de uma horta com folhas de variados tons de verde. O colorido da casa permanecia intacto na sua memória.

    – Estou ficando velho… – Vladmir murmurou.

    – Por que o senhor acha isso?

    O homem virou para o lado, surpreso com a pergunta:

    – Por nada, Humberto. Não era para ninguém ter escutado, falava comigo mesmo.

    – O senhor é a única pessoa que me chama de Humberto.

    Vladmir só moveu a cabeça para a frente, alheio à informação. Estava sentado em uma poltrona numa espécie de sala de estar próxima à recepção. Havia duas portas em cada uma das paredes laterais e, ao fundo, ficava o refeitório.

    – Minha mãe também, às vezes... – continuou o garoto, mantendo-se em pé, na frente de Vladmir. Estava só de passagem, nem teria parado se achasse que não era com ele. – Mas finjo não saber por quê.

    – Finge?

    – Que eu não sei que o assunto é sério. Ela deve achar que parece mais importante se falar Humberto em vez de Beto. Já chamaram o senhor de Vlad?

    – Antigamente…

    – Seu Vlad é estranho.

    – Estranho, por quê?

    Beto ergueu os ombros:

    – Sei lá. Não combina, na minha opinião.

    Vladmir não concordou nem discordou.

    – Pra ser sincero, eu é que não combino com Humberto.

    – Humberto é um nome bonito.

    – É o nome do meu pai. Se um dia eu tiver um filho nunca vou ter essa ideia da minha mãe de colocar o mesmo nome.

    Vladmir não deu sequência e a conversa morreu por aí. A sala tornou a ficar silenciosa e o pensamento das cores da infância ressurgiu. Tinha hora que achava bom lembrar-se delas com tamanha riqueza de detalhes, vozes chegavam a coçar o ouvido soprando-lhe diálogos antigos.

    Mas isso não era bom o tempo inteiro. Às vezes, era exatamente o contrário.

    Período da manhã

    Sentado num dos degraus da arquibancada da escola, Beto escutava a gritaria dos amigos que jogavam na quadra. Não tinham muito tempo de intervalo entre as aulas, mas dava para transformar aquela pausa num momento de diversão. De vez em quando, e quando era possível, algum professor jogava junto, voltando para a sala mais suado que os alunos.

    Subitamente o som de um apito, acompanhado de veemente protesto, chamou a atenção de quem assistia ao jogo ou simplesmente estava por ali batendo papo:

    – Pode parar com isso! Não foi falta coisa nenhuma!

    – Foi, sim! – Beto gritou sem pensar duas vezes, dando o seu veredicto de acordo com a penalidade do juiz. Não sabia quem marcava as faltas naquele dia, mas sabia muito bem quem era o reclamante: Samuca, seu amigo.

    – Cala a boca, Beto! – a repreensão chegou praticamente no mesmo instante.

    Como se adiantasse:

    – Falta dele, juiz! Eu vi tudo!

    – Beto, eu vou subir aí e te sentar a mão!

    Beto gargalhou num balanço que levou seu corpo para a frente e para trás, vaivém típico de quem está rachando de rir. Divertia-se ao provocá-lo.

    Por fim, a discussão não foi levada adiante, pois logo ouviram o sinal para o retorno à classe. Fim de jogo sem nenhuma conclusão esclarecedora.

    Samuca subiu a escadaria e deu um tapa no boné do amigo, que foi parar alguns degraus acima:

    – Trouxa!

    – Ei! – Beto falou passando a mão no topete desmanchado. – Pega lá, Samuca!

    – Não devia! Pô, Beto, sou seu amigo ou não sou? – Samuca enxugou o suor da testa na manga da camiseta e foi buscar o acessório sob protesto. Ao voltar, enfiou o boné de qualquer jeito na cabeça do traidor. – Besta.

    Já em sala de aula, Beto abriu o notebook e foi anotando as falas mais importantes do professor. Achou ótima a pergunta da Valquíria, ainda mais da Valquíria!, pois era praticamente o mesmo que ia perguntar minutos antes. Economizou discurso e tempo. Não só por isso.

    Escreveu o que achou que tinha entendido e, depois, deixou-se ficar sem muita atenção ao que o professor dizia. Mãos e braços descansaram ao longo do corpo e a

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