Coração das Trevas
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Sobre este e-book
Joseph Conrad
Polish-born Joseph Conrad is regarded as a highly influential author, and his works are seen as a precursor to modernist literature. His often tragic insight into the human condition in novels such as Heart of Darkness and The Secret Agent is unrivalled by his contemporaries.
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Coração das Trevas - Joseph Conrad
Coração das Trevas
Heart of Darkness by Joseph Conrad
Copyright © 2022 by Amoler Ltda.
EDITOR: Luiz Vasconcelos
ASSISTENTE EDITORIAL: Fernanda Felix e Lucas Luan Durães
PREPARAÇÃO: Ana C. Moura
REVISÃO: Fernanda Felix e Luisa Bruno
DIAGRAMAÇÃO: Gabriela Maciel
ILUSTRAÇÃO DE CAPA: Hiroshi Satoi
COMPOSIÇÃO DE CAPA: Fernanda Felix, Gabrielly Saraiva e Lucas Luan Durães
EBOOK: Sergio Gzeschnik
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1º de janeiro de 2009.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Índice para catálogo sistemático:
1. Ficção inglesa
TEL: (11) 95960-0153 – WHATSAPP
E-MAIL: [email protected]
WWW.AMOLER.COM.BR
I
Aescuna de cruzeiro Nellie sacolejou em torno da âncora sem o tremular das velas e descansou. A maré havia baixado, o vento beirava a calmaria e agora, descendo pelo rio, a única coisa que restava a Nellie era esperar pela vazante.
O estuário do Tâmisa se estendia à nossa frente como o começo de um canal interminável. No horizonte, o mar e o céu se fundiam, mas sem qualquer pino, e, no espaço luminoso, as velas desbotadas pelo sol dos barcos que levantavam na preamar pareciam imóveis em amontoados de lonas vermelhas, de cantos pontiagudos e brilho de espichas envernizadas. Uma névoa pairava sobre as margens mais baixas que davam para o mar numa planície etérea. O ar estava escuro acima de Gravesend e, ainda mais além, parecia se condensar em um breu pesaroso, urubuzando, ainda que parado, por cima da maior e melhor cidade da Terra.
O diretor da Companhia era nosso comandante e anfitrião. Com carinho, nós quatro observávamos as costas dele, ele em pé na proa olhando adiante, para o mar. Em todo o rio, nada tinha um aspecto tão náutico. Ele lembrava um piloto, o que, para um homem do mar, significa ser a personificação da confiança. Era difícil tomar consciência de que o trabalho dele não estava ali, no estuário iluminado, mas atrás dele, adentrando a escuridão turva.
Entre nós, havia, como já mencionei em algum lugar, a ligação do oceano. Além de manter nossos corações unidos através de longos períodos de separação, tinha o efeito de nos fazer tolerar as histórias – e até convicções – uns dos outros. O advogado – o melhor dos velhos companheiros – era o único que tinha uma almofada no tombadilho, por seus muitos anos e suas muitas virtudes, e estava deitado no único tapete que existia ali. O contador já sacara uma caixa de dominós e brincava com as peças como se fosse um arquiteto. Marlow estava sentado de pernas cruzadas, perto da popa, recostando-se no mastro da mezena. Ele tinha bochechas fundas, tez amarelada, costas retas, um aspecto ascético e, com os braços soltos e as palmas da mão à mostra, parecia um totem. O diretor, satisfeito com a firmeza da âncora, dirigiu-se à popa e se sentou entre nós. Trocamos umas poucas palavras, com preguiça. Então, houve silêncio a bordo da embarcação. Por algum motivo, não engatamos naquele jogo de dominós. Nós estávamos com ar contemplativo e nos sentíamos inaptos a fazer qualquer outra coisa que não o ponderar plácido. O dia chegava ao fim com uma serenidade de brilho tranquilo e raro. A água reluzia em sossego; o céu, sem mácula, era uma imensidão benigna de luz pura; a própria névoa sobre o charco de Essex parecia uma camada de gaze radiante, estendida dos morros arborizados e se descortinando nas margens baixas com pregas diáfanas. Apenas o breu ocidental, espraiando-se pelos pontos mais altos, ensombrecia a cada minuto, como se zangada com a aproximação do sol.
E, enfim, em sua queda curvilínea e imperceptível, o sol baixou no horizonte, e o branco luminoso se tornou um vermelho opaco sem raios e sem calor, como se estivesse prestes a se apagar a qualquer momento, num golpe mortal pelo contato das trevas acima da multidão de homens.
De súbito, uma mudança tomou as águas, e a serenidade perdeu o brilho e se intensificou. O velho rio, em sua larga extensão, repousava imperturbado no findar do dia, depois de eras de bons serviços prestados à raça que lhe povoava as margens, estirando-se na dignidade tranquila de um curso d’água levando aos confins mais distantes da Terra. Olhávamos para esse curso venerável não com o relampejo vívido de um dia curto que vem e se vai para sempre, senão sob a luz augusta de memórias duradouras. E, de fato, nada é mais fácil para um homem que, diz a expressão, segue o mar
com reverência e afeto do que evocar o grande espírito do passado nas margens baixas do Tâmisa. A corrente fluvial vai e vem em seu serviço incessante, lotada de memórias de homens e navios que transportou ao descanso doméstico ou às batalhas no mar. O rio havia conhecido e servido todos os homens de quem a nação se orgulha, de Sir Francis Drake a Sir John Franklin, todos cavaleiros, com ou sem títulos – os grandes cavaleiros errantes do mar. Havia transportado todos os navios cujos nomes resplandecem como joias pelos tempos, como o Golden Hind, voltando com os flancos rotundos cheios de tesouros, para ser visitado por Sua Alteza Real e assim transmitir seu relato gigantesco, até Erebus e Terror, que iam em direção a outras conquistas – e nunca mais voltaram. Conheceu os navios e os homens. Haviam partido de Deptford, de Greenwich, de Erith – aventureiros e colonos; navios reais e navios comerciantes; capitães, almirantes, os clandestinos
tenebrosos do comércio com o Oriente e os generais
contratados pelas frotas das Índias Orientais. Perseguindo o ouro ou a fama, todos haviam descido por aquela corrente empunhando uma espada e frequentemente uma tocha, mensageiros dos poderosos na terra, portadores de uma centelha do fogo sagrado. Quanta grandeza não terá flutuado na vazante desse rio para dentro do mistério de uma terra desconhecida...! Sonhos de homens, semente de nações, os germes de impérios.
O sol se pôs; o crepúsculo caiu sobre a correnteza, e luzes começaram a aparecer ao longo da costa. O farol de Chapman, um troço de três pernas montado na planície lodosa, iluminava com força. Luzes de navios se moviam a distância – um alvoroço grande de brilhos subindo e descendo. Mais a oeste, nas margens elevadas, o ponto da cidade monstruosa ainda estava marcado de maneira sinistra no céu, uma sombra taciturna em meio à luz do sol, um resplandecer lúrido sob as estrelas.
– E este é também – disse Marlow de súbito – um dos pontos escuros da Terra.
Ele era o único de nós que ainda seguia o mar
. O pior que se podia dizer a seu respeito era que não representava a própria classe. Era um marujo, mas também um errante, enquanto a maioria dos homens do mar tem, se o sujeito escolher se expressar dessa maneira, uma vida sedentária. Suas mentes são da ordem dos que ficam em casa, e suas casas sempre os acompanham – o navio –, assim como o seu país – o mar. Um navio é muito parecido com outro, e o mar é sempre o mesmo. Na imutabilidade daquilo que os cerca, as praias estrangeiras, os rostos estrangeiros, a imensidão mutante da vida passam ao largo, veladas não por um sentimento de mistério, mas por uma ignorância ligeiramente desdenhosa, pois não há nada misterioso a um homem do mar, exceto o próprio mar, senhora de sua existência e tão inescrutável quanto o Destino. Quanto ao resto, depois das horas de trabalho, basta-lhe uma caminhada ou farra casual em terra firme para desvendar o segredo de um continente inteiro, e em geral ele descobre que o segredo nem valia tanto a pena. As histórias dos homens do mar têm uma simplicidade, o significado inteiro delas cabem numa casca de noz quebrada. Mas Marlow não era um homem típico (exceto por sua propensão a desfiar histórias longas), e para ele o significado de um acontecimento não estava do lado de dentro, como uma semente, mas do lado de fora, envolvendo o relato que trazia, assim como a luz desfaz a neblina, parecido com um daqueles halos nebulosos que às vezes aparecem sob a luz espectral da lua.
Sua observação não pareceu nada surpreendente. Era típico de Marlow. Foi aceita em silêncio. Ninguém se incomodou a ponto de sequer resmungar; em seguida, ele disse, bastante devagar:
– Estava pensando nos velhos tempos, quando os romanos recém tinham chegado aqui... mil e novecentos anos atrás... ontem... A luz brilha deste rio desde... vocês diriam desde os tempos de cavalaria? Sim, mas é como uma chama correndo por uma planície, como um relâmpago nas nuvens. Nós vivemos na faísca... Que ela dure enquanto a terra girar! Mas a escuridão esteve aqui ontem. Imaginem os sentimentos de um comandante de uma bela... como é que chamam? Trirreme no Mediterrâneo, enviada subitamente para o norte; cruzar as terras dos gauleses às pressas; assumir comando de uma dessas embarcações de legionários... e que bando de homens talentosos devem ter sido, também... eles costumavam construir, aparentemente às centenas, em um mês ou dois, se acreditamos no que lemos. Imaginemos esse homem aqui... no próprio fim do mundo, o mar cor de chumbo, o céu um tom de fumaça, um barquinho com a firmeza de um acordeão... e subindo esse rio com suprimentos, ou encomendas, ou o que seja. Bancos de areia, pântanos, florestas, homens selvagens... pouquíssimo para alimentar um homem civilizado, nada além da água do Tâmisa para beber. Nada de vinho falerno aqui, nada de desembarcar. Aqui e ali, um campo militar perdido na vastidão, como uma agulha num palheiro... frio, neblina, tempestade, doença, exílio e morte... a morte espreitando o ar, a água, os galhos. Deviam morrer como moscas por aqui. Ah, sim... Ele conseguiu. E se saiu muito bem ainda, sem dúvida, e sem precisar pensar muito a respeito disso, exceto talvez depois para se gabar do que havia aguentado em seu tempo. Eram homens o suficiente para encarar a escuridão. E talvez ele se inspirasse com um olho na oportunidade de uma promoção para uma frota de Ravena mais cedo ou mais tarde, se ele tivesse bons amigos em Roma e sobrevivesse ao clima terrível. Ou imaginem um jovem cidadão de toga... talvez gostasse demais dos dados, vocês sabem como é... vindo para cá junto de algum magistrado, ou cobrador de impostos, ou até comerciante, para tentar dar um jeito na fortuna. Desembarca num pântano, marcha pela floresta e, em algum posto avançado, sente que a selvageria, a selvageria completa, o havia cercado... toda aquela vida misteriosa do selvagem que se agita na mata, nas selvas, nos corações de homens bravios. Tampouco existe um ritual de iniciação para tais mistérios. Ele deve viver em meio ao incompreensível, que também é detestável. E existe uma fascinação, também, que o