Viagens pelo Rio Amazonas: Cartas do Mundus Alter
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Viagens pelo Rio Amazonas - Gonçalves Dias
SUMÁRIO
UMA VIAGEM COM GONÇALVES DIAS
CARTA A UM AMIGO SOBRE A AMAZÔNIA
HISTÓRIA PÁTRIA
CAPÍTULO I – REFLEXÕES SOBRE OS ANAIS HISTÓRICOS DO MARANHÃO POR BERNADO PEREIRA DE BERREDO
CAPÍTULO II– RESPOSTA À RELIGIÃO
CAPÍTULO III– AMAZONAS
NOTAS
CAPÍTULO IV – O DESCOBRIMENTO DO BRASIL POR PEDRO ÁLVARES CABRAL FOI DEVIDO A UM MERO ACASO?
REFLEXÕES ACERCA DA MEMÓRIA DO ILUSTRE MEMBRO O SR. JOAQUIM NORBERTO DE SOUSA E SILVA
ÍNDICE ONOMÁSTICO
Uma viagem com Gonçalves Dias
Marcos Frederico*
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), o grande poeta da primeira geração romântica brasileira, tornou-se conhecido e idolatrado – em sua época e ainda hoje – pelo seu grande talento lírico, pelo arrojo poético de suas imagens e pelo excelente trabalho com os metros dos versos. Um poema, porém, o tornou famoso: a Canção do exílio
, composta em 1843, quando o poeta estudava em Coimbra,
Pertenceu à corrente indianista, aquela que exaltou o índio brasileiro, elevando-o à categoria de herói. Nessa vertente, escreveu poemas líricos imortais, como Marabá
e O Canto do Piaga
. Elaborou também os poemas épicos Os Timbiras
e I-Juca-Pirama
– o título deste último significa aquele que deve morrer
.
Outro Gonçalves Dias nos revela este livro: o ensaísta polêmico, o historiador com uma visão que acreditamos fosse contestadora e arrojada em sua época. Nele não nos deparamos com o poeta sensível e musical, com o poeta que, sofrendo as dores do amor, trabalhou de forma plangente e dolorida esse sentimento. Com um poeta capaz de elevar o gênero lírico a píncaros onde só os grandes chegaram. O que vemos nesta obra é um raivoso (no bom sentido) debatedor, que, para impor suas ideias, argumenta com bastante tenacidade.
Divide-se este livro em quatro partes, aliás, cinco, pois, como Apresentação
, encontra-se uma carta de Gonçalves Dias ao amigo Antônio Henriques [Leal]. Essa missiva é elucidativa do título e do subtítulo da obra. Sabendo-se que o poeta jamais viajou pelo rio Amazonas – mas apenas pelo Madeira e pelo Negro –, qual a razão do livro se chamar Viagem pelo rio Amazonas e ter como subtítulo "Cartas do mundus alter? Pois a resposta ao enigma está nessa carta. Mesmo a obra não sendo publicada pelo autor, é elucidativo e fato de ele viajar por
outro mundo que não o da poesia. E viajar em assuntos tão densos como o são as águas do
real rei dos rios do universo", como disse o cearense Quintino Cunha.
Observa-se uma percepção diferente da vida – não apenas do poeta, mas da sociedade do tempo. Assim, ao tratar da bacia fluvial, Gonçalves Dias diz que o Amazonas, o Solimões e o Maranhão, esta trindade fluvial num só corpo, é um grande destruidor; mas também um criador por excelência. Ilhas e praias faz ele ou desmancha com assombrosa facilidade
. Também o espanta o fenômeno da terra caída
; apesar disso, elogia a região (na época não havia o termo Amazônia), descrevendo-lke as maravilhas e antecipando aquilo a que Mário Ypiranga Monteiro chamaria de edenismo, a tendência a supervalorizar as benesses dos rios e da floresta.
Entretanto, temos depois o reverso da medalha: o infernismo, momento em que chega a vez dos malefícios. Com alguma ironia, o poeta indianista afirma que estamos na ilha de Calipso sem a deusa e sem as ninfas que a serviam
. E relaciona os meruins, os micuins, os piuns, os mosqueteiros, as mutucas e os carapanãs – as aranhas, os lacraios, as cobras, todo o arsenal do Diabo em número infinito de instrumentos
. Nesse momento, estamos diante de um autor que preserva a verdade, diferente do poeta romântico idealizador da natureza.
Na História Pátria
, capítulo I, Dias faz uma crítica a Bernardo Pereira de Berredo, português que escreveu sobre a História do Maranhão. É a ocasião em que, perfeitamente sintonizado com os ideais indianistas, defende os impropriamente chamados selvagens
. Sobre as posições ideológicas de Berredo assim o condena: O que é português é grande e nobre; o que é de índios é selvático e irracional; o que é de estrangeiros é vil e infame
. Em relação aos nativos brasileiros, diz que Berredo nos índios só vê bárbaros, nos franceses piratas, [n]os holandeses heréticos e sacrílegos: é tudo um misto de patriotismo exclusivo e de cego fanatismo, porque Berredo é o órgão dos colonos portugueses com todas as suas crenças, com todos os seus preconceitos
.
Com extrema argúcia, percebe que a tática dos portugueses, apesar de condenável, foi mais eficaz que a dos holandeses: estes não dividiram os indígenas, ao contrário do que fizeram os lusitanos.
Dias lamenta sempre a sorte dos nativos, por isso afirma: O primeiro tópico de que havemos de tratar na história do Brasil é dos índios. Eles pertencem tanto a esta terra como os seus rios, como os seus montes, e como as suas árvores
. Apesar de louvar os primeiros habitantes da terra, percebe-se que ele não desmerece a civilização branca
.
Com a consciência possível a seu tempo, o poeta não percebe o que os mitólogos chamam de deprivation (não o percebe, evidentemente, com essa nomenclatura). Esse fenômeno é caracterizado pelo decréscimo populacional dos povos indígenas, pela perda de suas terras e de sua cultura, pelas doenças trazidas pelo branco. Mas o poeta registra que, mediante a cisão das tribos, várias etnias se deslocaram. Dá como exemplo os tupinambás, que saíram de Pernambuco e foram até o Maranhão. Acrescentamos a essa informação que esse povo veio até o Amazonas, haja vista a ilha onde se situa Parintins se chamar Tupinambarana.
Também o poeta sonha com uma inversão que favoreça os índios, com um fim de mundo que estabeleça um recomeço diferente. Sem o saber, ele aspira ao que se define em mitologia como milenarismo: Deus havia de dar uma volta a este mundo, fazendo que o céu ficasse para baixo e a terra para cima, e que os índios haviam de dominar os brancos, assim como então os brancos dominavam os índios!
Eis aí o raivoso debatedor
a que nos referimos.
O capítulo II é uma extensão do primeiro. Trata-se de um artigo em que Gonçalves Dias responde aos redatores da revista Religião, que criticaram o seu artigo sobre Berredo, principalmente porque ele não atacou apenas o historiador, mas também os jesuítas.
No capítulo seguinte encontramos uma dissertação muito erudita sobre a existência ou não das amazonas. Para defender seu ponto de vista – que é o de negar a existência das chamadas mulheres guerreiras
–, Dias faz um percurso histórico verdadeiramente impressionante e nos deixa abismados e deleitados com o volume de informações que transmite. Situa essa lenda
nas antigas Cítia e Líbia; percorre a mitologia grega, quando Hipólita, a rainha amazona, entregou o cinturão a Hércules; expõe a opinião de vários autores, inclusive um para quem as amazonas não eram senão homens bárbaros, chamados mulheres por seus inimigos por usarem vestidos compridos como as mulheres da Trácia, trazerem o cabelo em coifas e raparem a barba
.
Chega então o momento maior dessa viagem diacrônica que se empreende com Gonçalves Dias. Depois de percorrer terras e lugares os mais diversos, ele nos traz ao rio Amazonas, rio que tirou seu nome dessas mulheres. Antecipando o que, mais de cem anos depois, diria Sérgio Buarque de Holanda sobre o fenômeno, qual seja, o de que ele não passa de uma transposição cultural, o poeta afirma sobre os muiraquitãs (termo que lhe era desconhecido), aos quais ele chama de pedras verdes
:
Se, porém, os antigos [...] davam o nome genérico de esmeralda a todas as pedras verdes, – a mais estimada, a mais bela de todas, a verdadeira esmeralda era a pedra do país das amazonas – a esmeralda da Cítia. Quero crer, portanto, não só que a íntima correlação da história das pedras verdes com as das amazonas é uma recordação da Antiguidade, como que é desse fato que se originou a fé nos seus pretendidos milagres.
Outra afirmação sobre as lendárias guerreiras, no mesmo sentido das feitas pelo autor de Visão do paraíso, é a seguinte: É certo que esta tradição correu entre os indígenas do Amazonas, e correrá talvez ainda hoje. Mas quanto a mim não fica explicado – se foram os europeus os que a receberam dos índios – ou se pelo contrário, como creio, foram eles que lhes transmitiram
.
Devido às insuficiências de informação no século XX, Dias praticamente ignora frei Gaspar de Carvajal, citando-o apenas uma vez. Carvajal, como integrante da expedição de Francisco Orellana, foi o primeiro a relatar um episódio envolvendo as amazonas. Entretanto, o poeta deseja saber o porquê da certeza dos historiadores sobre a sua existência: Se não existiam [...] que motivos tiveram Orellana e Cristóvão da Cunha, seu fiador, para nos asseverarem a sua existência
. Parece haver, no caso, uma confusão entre Carvajal com outro jesuíta: Cristóbal Acuña (nomeado como Cristóvão da Cunha), que integrou a expedição de Pedro Teixeira em 1637, quase cem anos depois da de Orellana.
Além da tese de transplante cultural, Dias invoca os exageros dos viajantes, como o de sir Walter Raleigh, que descreveu criaturas extraordinárias, seres monstruosamente fantásticos, tais como os ewaipanomas, nação de acéfalos que tinham os olhos nas espáduas e a boca nos peitos
.
Para finalizar a terceira etapa da viagem pelo rio histórico das amazonas, vejamos esta afirmação:
Vencidos e aniquilados os tupinambás, o que seria das suas mulheres? Conduzidas pelo resto dos guerreiros da tribo, a maior parte dos quais seriam provavelmente velhos e crianças, retrocederiam na sua emigração; e como os velhos e crianças sucumbiriam mais facilmente aos incômodos e fadigas da jornada chegariam de volta ao Amazonas, quase sem homens, donde, na linguagem figurada dos índios, lhe poderá ter vindo a designação – de aikeambenano, ou de mulheres que viviam sem homens.
Torna-se impossível não nos lembrarmos do argumento inicial de Jurupari, a guerra dos sexos, drama de Márcio Souza.
Finalmente, a última etapa da viagem, no capítulo IV. Nele, outra vez o erudito polemista toma o lugar do poeta. Sua tese agora, divergindo de uma Memória
escrita pelo senhor Joaquim Norberto de Sousa e Silva, é a de que a descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral aconteceu por mero acaso. Elegantemente, ele elogia o amigo Joaquim Norberto, embora exponha visão oposta sobre o fato que discorre:
Adotando plenamente a opinião do ilustre membro deste instituto, seja-me permitido pôr em dúvida a suficiência dos documentos em que ele se baseia, para provar que em Portugal se tinha conhecimento das terras que Pedro Álvares descobriu, não por mero acaso, mas desmandando-as como por propósito deliberado.
E nesse ponto temos novamente uma aula de erudição. Dias começa falando da vinda de navegantes europeus à América no final do século X. Em seguida, trata de Cristóvão Colombo, de sua tenacidade e de como, tendo seus projetos rejeitados pelo rei de Portugal, foi financiado pelos soberanos católicos da Espanha.
Em relação à viagem, ele pouco fala em Pero Vaz de Caminha, o autor que, com sua Carta, deu origem à literatura brasileira. Esse documento, dirigido ao rei português, constitui-se também no primeiro documento de nossa história. O poeta romântico, porém nos causa um estranhamento, quando afirma: Outro documento é a carta do bacharel, Mestre João, datada de 1.º de maio de 1500, escrita da frota de Pedro Álvares ao rei de Portugal, na ocasião do descobrimento do Brasil
. Qual seria, pois, o entendimento no século XIX sobre o assunto? A respeito de Caminha, Dias a ele se refere mais adiante, citando um trecho da famosa Carta.
Para Gonçalves Dias, Cabral, a fim de transpor com mais segurança o cabo das Tormentas, no sul da África, navegou distante da costa ocidental desse continente, sendo arrastado por correntes marítimas até a terra que viria a se chamar Brasil. Aduz como prova, dentre ouras, uma afirmativa de Pero de Magalhães Gândavo, autor do Tratado da terra do Brasil: Reinando aquele muito católico e sereníssimo príncipe el-Rei D. Manuel, fez-se uma frota para a Índia, de que ia por capitão-mor Pedro Álvares Cabral, que foi a segunda navegação que fizeram os portugueses àquelas partes do Oriente
.
Considera ainda o poeta que a frota de Cabral se compunha de treze naus, abarrotadas de mercadorias para o comércio nas Índias. Com razão, afirma que nem Portugal nem Espanha, as duas potências do século XVI, mandaram nunca esse número de velas a fazer descobrimentos
.
Além do conhecimento que demonstra, seduz-nos a lógica expositiva de Gonçalves Dias, com seus períodos longos (próprios de seu tempo) e bem estruturados. Ler a prosa desse poeta canônico é navegar por um rio Amazonas de informação e de cultura. Voltamos ilustrados com uma viagem que não foi em vão, graças ao cicerone.
Carta a um amigo sobre a Amazônia
Antônio Henriques
Manaus, 20 de dezembro de 1861.
Principio agora com uma série de cartas,¹ tão longas cada uma delas, que o nosso correio, segundo desconfio, tais não deixará chegar às mãos, senão por intermitências. Se te chegarem constantemente, é que ele o fará de velhaco, pelo gosto de me dar um desmentido perante o respeitável, tão pouco respeitado. Ainda bem se o fizer!
As nossas coisas te interessam na dupla qualidade de brasileiro e investigador assíduo de tudo quanto respeita à nossa pátria. Aí vão, pois, umas notícias curiosas e necessárias
, como as batizaria o P.e Simão de Vasconcelos: cousas que a uma te mortifiquem e consolem, como a lança d' Abraão, que ao mesmo tempo levava à boca o mel e o ferro – receita a que teu colega Willis deu modernamente a designação de xarope calibeado. Vende-se na botica, e tanto basta para ser abominável.
Todavia, apesar destas reminiscências bíblico-farmacêuticas, vai isto escrito ao que a pena dá, sem veleidade científica e sem pretensões au grand jour de la publicité.
O Amazonas!
Ao pronunciar esta palavra todo o coração brasileiro estremece. Os que têm visto sabem que a seu respeito se tem escrito mais ou menos do que a verdade; os que não viram ainda conservam e guardam lá em um dos escaninhos da alma o desejo de o avistar ainda algum dia, pois, no meio de tudo, crê que o Amazonas nada mais é do que um rio. Vê-se e admira-se, mas é só com o auxílio da reflexão que ele se torna assombroso. Navega-se por um imenso lençol d' água, onde o vento levanta tempestades perigosas, – onde a onça e a cobra se afogam por não poderem cortar a corrente, e como que o espírito se satisfaz pensando ter já contemplado o Amazonas! – mas o que se vê de um lado e de outro são ilhas – e além destas ilhas outros canais tão volumosos como estes, e além destes, novas ilhas. A alma então se abisma não podendo fazer uma ideia perfeita do que é esta imensidade.
Supõe tu pois, um imenso arquipélago, porque de cada um dos seus grandes confluentes podes dizer que tem ainda para mais de mil ilhas e nele despejam alguns milhões de braças cúbicas de água por hora! Terra firme chama-se somente a que não é alagadiça, as margens chama-se praias, as águas elevam-se em ondas, o vento conhece-se no seu elemento. Os termos, mesmo da navegação de longo curso, quero dizer – do alto-mar, não se estranham, antes parecem aqui necessários.
Queres ouvir?
Um dia, em viagem do Pará para o rio Negro, navegávamos com mar um pouco picado no magnífico vapor Manaus da Companhia do Alto Amazonas. Seriam duas horas da tarde, e estávamos todos sobre a tolda, quando de repente brada uma voz não sei de onde: – homem no mar! Inquietos e sobressaltados, corremos todos à amurada, tripulação e passageiros, e viu-se uma cabeça de preto, que fugia, rápida como seta, pela popa do barco fora.
Ver naquele oceano uma pobre criatura lutar com o terrível elemento – o perigo em que estava, – a incerteza de salvação, a impressão daquele espetáculo assustador, – tudo estava de acordo com o grito de homem no mar porque