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Contos & Crônicas
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E-book240 páginas2 horas

Contos & Crônicas

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Sobre este e-book

"Nunca escrevi, sou apenas um tradutor de silêncios" − Mia Couto. Quando li os contos de José Victor do Lago pela primeira vez, esta frase me veio à mente. Entretanto, há uma diferença entre os autores: Mia Couto é um tradutor de silêncios e José Victor é um tradutor de sentimentos que reverberam na alma e fazem barulho.
Os causos, contados de maneira tão genuína pelo autor, levam-nos por caminhos incríveis, repletos de personagens intensos que habitam em suas memórias e nos permitem conhecer espaços nunca antes imaginados. Que surpresa a minha quando me peguei construindo imagens, delineando paisagens e viajando nesses contos como se também eu fizesse parte de cada um deles.
As narrativas de José Victor chegam ao papel com fluidez, ora nos trazem palavras suaves, ora falam de amor, ora se tornam ácidas, picantes e surpreendentes.
Excelente viagem a você, leitor!
REGIANE APARECIDA SÊCO
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jun. de 2024
ISBN9786556255637
Contos & Crônicas

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    Contos & Crônicas - José Victor do Lago

    ©José Victor do Lago, 2024

    Todos os direitos desta edição reservados à Editora Labrador.

    Coordenação editorial PAMELA OLIVEIRA

    Assistência editorial LETICIA OLIVEIRA, JAQUELINE CORRÊA

    Projeto gráfico e capa AMANDA CHAGAS

    Diagramação NALU ROSA

    Preparação de texto MAURÍCIO KATAYAMA

    Revisão MARIANA GÓIS

    Imagem de capa VICTOR DIÓGENES

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Jéssica de Oliveira Molinari - CRB-8/9852

    LAGO, JOSÉ VICTOR DO

    Contos & crônicas / José Victor do Lago. São Paulo : Labrador, 2023.

    224 p.

    ISBN 978-65-5625-563-7

    1. Literatura brasileira 2. Contos brasileiros 3. Crônicas brasileiras I. Título

    24-1272

    CDD B869

    Índice para catálogo sistemático:

    1. Literatura brasileiro

    Labrador

    Diretor-geral DANIEL PINSKY

    rua Dr. José Elias, 520, sala 1

    Alto da Lapa | 05083-030 | São Paulo | sp

    [email protected] | (11) 3641-7446

    editoralabrador.com.br

    A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal e configura uma apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor. A editora não é responsável pelo conteúdo deste livro.

    Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real será mera coincidência.

    SUMÁRIO

    VIAGENS NA IMAGINAÇÃO

    A bela e seu amor

    A farra do paulistano

    A herança

    Atrás daquele olhar

    Márcia

    O chato

    O natal de ana

    O prego na botina (mineirês)

    O prego na botina

    O reprodutor

    O tiziu incômodo

    Renan e ronei

    Roubadores de peixes

    Só Manuela

    Uai! faiô a bateria (mineirês)

    Uai! a bateria falhou

    Valdemar pés de bicho

    Viva e morta

    CONTOS DE MINAS

    A força do ciúme

    A mulher do retrato preto e branco

    A serra do bicho

    A sina do jorginho

    Arlindo e rosa

    Assombrações da quaresma

    Maldições do casarão

    Nos porões do casarão

    O nó

    O violeiro macabro

    Uma tarde de domingo

    Pacto macabro

    REFLEXÕES PESSOAIS

    A condição da mulher

    A fome engole o enjoamento

    A fuga do mascate

    A praça chile e meu medo

    A rabeca e a minha saudade

    A tala larga, quem inventou?

    A vida surpreende

    Aconteceu, mas não aconteceu!

    Acontecimentos intrigantes

    Amizades

    Baita confusão

    Brincando com o destino

    Caminhão amarelo

    Castigos

    Cavalgaduras

    Clichês

    Complexidades

    Compreendendo as crianças

    Compreensões

    Crônica ou prosa? os dois?

    Dará tempo?

    De quem era a pitangueira?

    Descobrindo o mundo

    É dura, mas é docinha

    É preciso mudar para que continue igual

    É você quem decide?

    Escrevi sem raiva

    Estereótipo

    Eu te amo

    Fogo na caixa-d’água

    Foi bobice?

    Gostosa novidade

    Homem que é homem não chora?

    Indeis, indês ou index?

    Liderança

    Lindas paisagens

    Marido de aluguel

    Meio eu meio drummond

    Milagres da natureza

    Mug: o amuleto da sorte

    O alquimista é um louco?

    O carneiro pode com o touro?

    O escafandrista

    O passado é uma roupa que não se usa mais1

    O porquê da gemada

    O tarzan ficou com a banana na mão... pagou o mico!

    O tremembé e minha saudade

    Observando

    Palavras indestrutíveis

    Pelé! é dor? é saudade? é gratidão? é o quê?

    São paulo – metrópole

    Se não tem remédio...

    Ser esperto é ser bom naquilo que faz

    Será que estou certo?

    A serenidade faz a diferença

    Sofrimento e sorte

    Sonhei com a caloi 10

    Superstição?

    Tempos de feirante

    Um gesto de amor

    Uma coisa puxa outra

    Vaidade das vaidades

    Viciado em balas toffee

    Vira o santo

    Vivências

    Zé da sunab

    A BELA E SEU AMOR

    ISBELA, QUE ERA BELA, VIROU BELA E FOI BELA BELA até que Bela bela lenda se tornou.

    Lenda da ave bela que no seu táa tá tu tu tu clamava por seu amor.

    Naquele pedaço de chão, de fazendas e matas, nasceu Isbela. A família não era rica; seu pai tinha um bom sítio de gado e café, era gente da luta diária e de bom entendimento com parentes e não parentes que se avizinhavam dali.

    Bela conheceu o amor, conheceu logo a desilusão. O seu amor era pobre, não possuía chão nem tostão. Foi escorraçado feito um cão sem dono, nem seu nome se conheceu; pobre, pobre, pobre, pobre Romeu?. A Bela se embrenhou na mata, o fim nunca se soube, dizem que aquela ave é a Bela chamando por seu amor.

    A lenda ficou conhecida e muito repetida por todos. O táa tá tu tu tu da ave inspirava brincadeiras constantes, anos e anos, entre os moradores. Cada um criava e encaixava a sua frase naquele ritmo melódico que a ave emitia.

    O menino, como era de sua obrigação todos os dias, saiu à tarde tangendo o gado para uma pastagem mais longe. Era uma tarde de um dia longo da primavera. Naquele dia aconteceu que, ao retornar, a noite apenas se embocava, era penumbra do sol que se foi. A restinga de onde corria a água límpida, lugar que ele muito amava, refúgio, seu lugar de sonhar. Ali mesmo, molhando seus pés, ouviu: Roo meu vem pra mim; sim, foi a ave no seu táa tá tu tu tu, acontece que o menino há muito aprendera a encaixar o seu nome Romeu no canto daquela ave. Romeu tirou sua roupa, juntou com seu cajado de bambu, deixou tudo na beira da estrada e, caminhando no rego d’água restinga adentro, desapareceu.

    Não encontraram o menino e a ave não mais piou. Dizem que finalmente a Bela Isbela encontrou o seu amor.

    A FARRA DO PAULISTANO

    QUARTA-FEIRA, TRÊS DA TARDE, PAROU POR UM INSTANTE e observou a cidade pela janela do escritório. Voltou-se, olhou para sua colega de trabalho, a tentadora boazuda de todos os dias, não pensou, agarrou-a e lascou em sua boca um beijo violento. Largou-a, deu um bico no cesto de lixo espalhando papel para todo lado. Arrancou a gravata e jogou no ventilador ligado. Virou a mesa com tudo o que havia em cima, computador, telefone, papéis. Deu uma direita com toda a força na gaveta aberta do arquivo. Foi até a sala do chefe, abriu a porta com um pontapé, encantoou-o, catou-lhe pelo colarinho:

    — Seu corno filho da puta, nesta hora seu vizinho está lá na sua casa!

    Saiu apressado corredor afora, chamou o elevador, mas não esperou.

    Pela escada foi deixando suas roupas. Sapatos, meias, paletó, camisa, calça, terminou ficando apenas com a cueca. Ganhou a rua Direita, entupida de gente como sempre. Na maior das alturas cantava em inglês fajuto ai sambariloveyou.

    A multidão era indiferente, ele era só mais um maluco naquele meio.

    Atravessou a praça do Patriarca, fez fusquinha e mostrou a língua para o prefeito.

    No Viaduto do Chá, como um equilibrista, desfilou sobre a grade de proteção cantando canções populares enquanto exibia seu genital para aqueles que lá de baixo aguardavam a sua queda.

    Do topo da escada do Theatro Municipal encenou uma comédia com referência aos grandes políticos do país: brasileiros e brasileiras, meus amigos, minhas amigas. Encarnou Getúlio e discursou para a plateia festiva: trabalhadores do Brasil... Em-

    punhando um tubo vazio de papel foi Dom Pedro I, no seu momento maior: independência ou morte!

    Seguiu a Barão, atravessou a Ipiranga, na República...

    — Nossa! Que coisa mais fofa! — disse alguém.

    — Vá, vá! Deixe-me passar!

    Subiu a Ipiranga cantando, gritando palavrões, desafiou policiais.

    Na praça, em frente à igreja, plantou bananeira e deu uns mortais. Na Consolação, entre os carros, com suas peraltices fez o trânsito parar. Em frente à Escola da Magistratura aprontou pra valer, dançou tindô-lê-lê, adaptou Bocage em Pavarotti e lascou! Bradou irônico em alto tom, defendendo melhoria de salário para os magistrados.

    Consolação acima, em frente ao cemitério fez continência e um minuto de silêncio. Deu meia-volta, fez macaquices e aplaudiu os bombeiros.

    Na Paulista, comemorou cantando por estar no ponto mais alto da cidade. No vão do Masp, com uma lasca de gesso desenhou a nossa bandeira e escreveu Ordem e Progresso Sem Roubalheira. Lá na calçada da Fiesp, ironizou o quanto pôde, falou em queda de juros, de enxugamento da máquina, de privatização, de terceirização, de portos, aeroportos, de ferrovias. Gritou a Deus pedindo um céu só para eles. À direita, Brigadeiro abaixo, chegou ao Ibirapuera.

    Passando pela Assembleia Legislativa, fez cenas provocativas, mostrou que não tinha bolso, mostrou que não tinha nada para ser roubado. Correu pelo parque, pegou o violão de um jovem que dormia no gramado, subiu em um banco e cantou rock pesado para alguns que fumavam entre os arbustos.

    Cansado, arrancou a cueca e jogou para algumas meninas que passavam, correu entre crianças e mergulhou no lago. Uma morena jambo, um tanto entusiasmada, tirou toda a roupa e foi atrás dele, deu-lhe um abraço apertado e um beijo gostoso.

    — Menino! Vem almoçar!

    — Ô, Mãe! Hoje é domingo, quero sonhar.

    A HERANÇA

    TROUXE CONSIGO DA GUERRA UMA PROMOÇÃO a tenente-coronel e uma enormidade de traumas. Reencontrou sua mulher um tanto envelhecida; o sofrimento fez mais diferença que a idade, também não pouca. Ela o amava. Foram tempos difíceis.

    Agora afastado da atividade militar, o quartel ficou lá, longe de onde o coronel escolheu para passar o restante dos seus dias. Dois anos e meio, exatamente, foram o que lhe restou.

    Mais de dois anos naquela pequena cidade interiorana. Fechado em seu jeito de ser, mantinha uma convivência discreta com os moradores dali. Sua mulher também o acompanhava nesse modo de vida, não que fosse assim na sua juventude, mas, pelo tempo que passou ao lado dele, acabou por assimilar o seu comportamento.

    A curiosidade dos moradores era exacerbada. Especulações exageradas campeavam pelos quatro cantos da cidade. Por que teriam escolhido justamente ali para virem morar? — perguntavam uns aos outros. É que não se tinha notícia de ninguém que teria vindo de fora, alguém que tenha escolhido ali para residir. Todos se conheciam e eram todos dali. Por que alguém viria para um lugar tão pacato e monótono?

    Depois daquele janeiro em que o coronel faleceu, parece que não existia mais no que falar entre eles a não ser o tamanho da fortuna que a viúva herdaria. O vai e vem de comentários especulativos atiçava cada vez mais a imaginação das pessoas.

    Pouco ou quase nada de verdade era possível saber. Naqueles dois anos o casal levou uma vida muito discreta. O conforto em que viviam não havia como esconder. Isso era tomado pelas pessoas, que economicamente estariam muito bem.

    Com o passar do tempo, a viúva passou a apresentar problemas de saúde. Frequentemente visitava os consultórios médicos da cidade vizinha. Esse fato, aos poucos, foi aguçando as cobiças e alimentando as especulações. Espalhou-se o boato de que ela era rica, que tinha bastante dinheiro e que seus dias estavam por findar. Em pouco tempo ela se tornou o melhor dos partidos. Jovens, muitos muito jovens, não se importavam com o fato de ela ser uma mulher velha; sonhavam com a fortuna. É velha, mas é rica, amanhã ela morre e o rico serei eu, diziam.

    A velha passou a ter um tratamento especial. Gentilezas não faltavam. Mães interesseiras levavam-lhe quitutes, doces, faziam para ela muitos dos serviços rotineiros sem nenhum pagamento. A velha reinava soberana ali no lugar.

    Expedito, o garoto que, durante todo o tempo desde que o casal foi para lá, cuidou dos cavalos e manteve sempre impecáveis as duas charretes que o casal tinha e usava em seus passeios, que sempre gozou da confiança deles, que nunca pensara em mais nada além do seu pequeno pagamento, acabou por se deixar influenciar por aquele disse me disse do povo. Passou a olhar a velha com os olhos do interesse. Sua mãe foi a sua principal atiçadora. Ela o induzia a esse modo de pensar; sonhava com a vida rica. Via-se na posse de todos os bens da viúva. Dizia ao filho que ele estava muitos passos à frente de seus concorrentes, pois trabalhava na casa, entrava e saía com plena liberdade, que era da absoluta confiança da viúva. Dizia que, agindo com inteligência, ele colocaria a mão na fortuna da velha, e que logo seria só sua porque a velha estava perto do fim.

    Afinados, urdiram a teia. Conquistar a velha para se casar com Expedito. Com toda a matreirice de mulher madura e de malícia refinada, a mãe passou a instruir o filho. Tudo bem-feitinho, muito bem engendrado, que mulher velha não se jogaria nos braços de um vigoroso — e agora homem — de 18 anos, dizia a mãe.

    A velha estava doente, o tempo corria contra eles, precisavam de rapidez. Ninguém estava interessado em saber a doença, só se falava no pouco tempo que ela viveria e no quanto ela possuía. Muito dinheiro, sim, sim! Muito dinheiro, era a notícia que corria.

    O empenho trouxe resultado, a velha estava no papo. O futuro seria brilhante. Dias passados, casamento marcado, o moço no seu

    dilema. A velha apaixonada, sua carência insaciável, ele já enjoado. O casamento já bem pertinho, ele na encruzilhada, pegar ou largar, seguir ou parar, a liberdade, o dinheiro, o trabalho duro, a vida boa. A carência dela inesgotável.

    Casou! Comunhão de bens, como era a norma. Dinheiro? Sim! A boa pensão do coronel. Conforto, boas roupas, nada de trabalho. A velha não economizava, dava ao rapaz uma vida que ele não teria sem ela, mas exigia dele na medida de sua carência, da sua enorme carência. Os dias foram passando e já não se falava mais na doença da velha, nada de remédios nem médicos, a velha estava curada. E a fortuna? Somente a pensão do coronel, que cessaria no dia da morte da velha.

    ATRÁS DAQUELE OLHAR

    NHÔ ARFREDO, O CACHORRO CUMEU SEU DEDO!

    Quem é que pode saber de onde vem o que passa na cabeça dos moleques? Não tenho certeza de que aquele homem se chamava Alfredo.

    Ninguém se aproximava da casa nem do homem, mas de longe, quando ele se levantava e esticava os braços para a frente, apoiando-se em sua bengala, via-se que suas mãos eram defeituosas.

    Mais baixa do que a rua

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