COP28: Restauração de ecossistemas e fomento à bioeconomia são cruciais

COP28: Restauração de ecossistemas e fomento à bioeconomia são cruciais

Organizações discutem em Dubai a interdependência dos biomas brasileiros e a importância de povos indígenas e tradicionais para barrar a crise climática

Ana Carla Bermúdez, especial para o WWF-Brasil

Para barrar o avanço da crise climática, o Brasil deve conservar os seis biomas existentes no país. Trata-se de uma tarefa complexa e que não pode ser cumprida sem o protagonismo dos povos indígenas e tradicionais e sem respeitar as  particularidades de cada um deles. Este foi o foco do painel “Florestas, bioeconomia e desenvolvimento: o que une e o que diferencia os biomas brasileiros”, realizado no sábado (2/12), na COP28, em Dubai.

Para se ter uma ideia da importância dos ecossistemas terrestres e marinhos para o equilíbrio do clima, eles absorveram 54% das emissões de CO2 produzidas pela humanidade nos últimos 10 anos, ajudando a mitigar as consequências do aquecimento global, de acordo com o relatório mais recente do IPCC. 

No Brasil, números do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostraram que a queda de 22,3% no desmatamento na Amazônia Legal, registrada de agosto de 2022 a julho de 2023, evitou a emissão de 133 milhões de toneladas de carbono equivalente (cerca de 7,5% das emissões nacionais), evidenciando que é possível abrir caminho para a implementação imediata de ações de combate às mudanças climáticas no país. 

Mas, se de um lado o desmatamento recuou na Amazônia, no Cerrado cresceu 3% no mesmo período, em comparação aos 12 meses anteriores. Foi a maior extensão devastada desde 2016, com a destruição de 11.011,7 km² de vegetação nativa no bioma. São dados preocupantes, pois os biomas brasileiros são interdependentes e muitos dos impactos são compartilhados. 

Biomas conectados

O Cerrado, por exemplo, que abriga 5% da biodiversidade do planeta, é indispensável para o regime de chuvas no Brasil. A perda de sua cobertura vegetal traz diversas consequências negativas, como para a conservação da biodiversidade e dos processos ecológicos e econômicos do Pantanal e para a produção agrícola e o consumo em grandes centros urbanos. Já a água liberada pelas árvores da floresta amazônica, formando os chamados “rios voadores”, abastace regiões como Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

“Quando falamos sobre povos indígenas, biodiversidade e sustentabilidade, precisamos entender que, no Brasil, somos seis biomas e todos eles precisam ser protegidos igualmente para se manter o equilíbrio. Não há possibilidade de pensarmos somente em um bioma como se esse bioma fosse salvar o planeta”

, disse Lucimara Patté, liderança do povo Laklãnõ/Xokleng e cofundadora da Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade), durante o evento na COP28.Na linha de frente na defesa dos biomas, os povos indígenas e tradicionais fazem uso do seu conhecimento ancestral para proteger os ecossistemas. Mas, apesar de desempenharem esse papel relevante, são os que mais sofrem as consequências da destruição do meio ambiente - em especial as mulheres, que em geral transmitem as tradições das comunidades para as gerações futuras. Um problema que pode ser definido como racismo ambiental. 

“Infelizmente, a crise climática já tem afetado a economia e a soberania alimentar dos povos indígenas”, destacou Braulina Baniwa, diretora da Anmiga. Um dos episódios mais recentes foi a seca históricaque castigou a região amazônica, deixando comunidades inteiras sem acesso a alimentos, água potável e à navegabilidade nos rios.

Caminhos possíveis

Se nada for feito, os impactos negativos que o mundo viveu até agora vão se agravar. No entanto, existem caminhos possíveis para mitigar os efeitos da crise climática, como fomento à bioeconomia, pagamento por serviços ambientais e restauração de ecossistemas, cujas cadeias têm potencial de geração de trabalho e renda nos territórios.

Uma experiência de sucesso vem da Rede Cerrado, que trabalha na restauração do bioma incentivando a economia sustentável desde a coleta de sementes até a venda de frutos como baru e pequi.

“A comercialização dos produtos naturais está crescendo, mas nós precisamos de investimento para garantir a permanência desses povos nos territórios, com qualidade de vida”,

salientou Maria de Lourdes Nascimento, coordenadora-geral da Rede, durante a COP28.

Mas não é só no Cerrado que a bioeconomia tem um papel central na conservação da biodiversidade e na manutenção da cultura local. “Precisamos mobilizar muitos recursos porque a economia de restauração da Mata Atlântica está ligada tanto à produção de alimentos e de energia quanto à provisão de serviços ecossistêmicos”, disse Luis Fernando Guedes Pinto, da Fundação SOS Mata Atlântica, também presente no evento.

Para Gustavo Figueirôa, do Instituto SOS Pantanal, o caminho para incentivar o financiamento das iniciativas de bioeconomia passa pela criação de políticas públicas e de outros mecanismos que estimulem também a participação do setor privado. “Isso facilita muito não só o financiamento das iniciativas de bioeconomia, mas a implementação em si. A cadeia toda tem que estar pronta: não adianta estimular a ponta se não há demanda ou estrutura para dar vazão a essa produção”, alertou.

Baniwa, da Anmiga, chamou a atenção para a necessidade de priorizar as populações locais, garantindo em primeiro lugar a saúde das pessoas e da biodiversidade:

“Não somos contra o desenvolvimento, somos contra aqueles que violam nossos direitos, que violam nossos territórios. Por isso, nós, enquanto articulação, temos debatido esse processo da bioeconomia, mas questionando: que bioeconomia é essa que não garante a proteção dos corpos-territórios das mulheres indígenas? Que desenvolvimento é esse que contamina as nossas águas?”

O enfrentamento à crise passa ainda por planos nacionais de ação e adaptação climática, que devem ser implementados de forma integrada e em parceria com os povos indígenas e as comunidades tradicionais. 

Esforço conjunto

Renato Casagrande, governador do Espírito Santo e presidente do Consórcio Brasil Verde, afirmou ser importante que, para além das políticas e programas traçados pelo governo federal, os estados tenham seus próprios programas de mudanças climáticas, além de um plano de mitigação das emissões de carbono, um de adaptação e um de bioeconomia.

“O governo tem que ter um plano, mas cada estado e município tem que ter seu. O Brasil é grande demais para ficarmos só no plano federal. E precisamos ter articulação internacional, porque os países que já destruíram suas florestas e continuam queimando carvão terão que financiar e pagar pelos serviços ambientais que a floresta hoje produz”

, declarou em Dubai.

Neste contexto, o Brasil, como anfitrião da COP30, onde espera-se alcançar um compromisso internacional mais efetivo para limitar o aquecimento global, precisa atuar de forma contundente, reassumindo a liderança diplomática que já teve em COPs anteriores, mas também sendo um exemplo para o mundo.

“Estou aqui em Dubai, sendo uma agricultora familiar do norte de Minas Gerais, com a esperança de que o mundo nos ouça, que quem consome os produtos brasileiros preste atenção nos povos. Precisamos ter a titularidade das nossas terras para continuarmos trabalhando”, declarou Maria de Lourdes, da Rede Cerrado. “Os biomas precisam ser protegidos com os povos originários. Se não nos escutarem, não vão conseguir. A política colocada de cima para baixo vai continuar a destruição.”

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