A intérprete da intérprete

A intérprete da intérprete

Essa aí na foto comigo é minha grande amiga Olga Vlahou. Nos últimos dias, a Olga foi também minha intérprete. Explico.

Fui passar uns dias de férias na Grécia. E eu não falo grego (grego, pra mim, é grego – com perdão da piada infame). Por isso, contei demais com o apoio da Olga para entender e me fazer entender.

A Olga não é intérprete profissional. Ela é fotógrafa, das boas. Nasceu no Peloponeso, imigrou ainda criança com os pais para o Brasil, e há alguns anos decidiu voltar a viver na sua cidadezinha natal.

Graças à Olga, a seu domínio do português e do grego, a seus conhecimentos das culturas de ambos os países, eu pude conversar com as pessoas, entender nuances da vida e dos hábitos locais, e ter uma experiência muito mais profunda da Grécia.

Confesso que me peguei fazendo, com a Olga, algumas coisas que nós, intérpretes, não gostamos muito que façam com a gente… Tipo tratá-la como se ela fosse um dicionário: “como é que se fala tal palavra?”. (Intérpretes detestam esse tipo de pergunta! A gente não traduz vocábulos isolados - traduz ideias, histórias, conceitos, informações. A gente gosta de contexto.)

De vez em quando eu dizia pra Olga: “chega de traduzir, você precisa de um descanso”. Eu sei, por experiência própria, como é exaustivo o exercício mental de ir e vir, sem cessar, entre dois idiomas. Não à toa, intérpretes profissionais sempre trabalham em dupla, numa prática adotada internacionalmente pela categoria.

Minha viagem à Grécia foi maravilhosa por vários motivos. Um deles foi esse: eu, intérprete acostumada a entender e falar com tranquilidade mais de uma língua, me vi sentada do outro lado do balcão. Ignorante do idioma local, dependia totalmente de outra pessoa para me comunicar. Voltei para casa muito grata à Olga, e dando ainda mais valor ao ofício que exerço.

Dito isso, duas observações sobre excursões para países cuja língua não falamos:

1. É bem legal fazer algumas semanas de aulinhas básicas no Duolingo. No meu caso, ajudou bastante. Cheguei à Grécia munida de palavras essenciais para demonstrar um mínimo de delicadeza e boa vontade: “por favor”, “obrigada”, “desculpe”, “bom dia”, “com licença”, “olá”, “tchau”, etc. Aprendi também duas ou três frases rudimentares, sendo que a mais útil de todas foi “eu não falo grego” – em grego. Eu dava essa cartada toda vez que alguém se aproximava de mim falando grego (e em seguida eu recorria à Olga: “o que é que ele está dizendo?”). Além disso, pude ao menos identificar as letras do alfabeto e os sons correspondentes, o que me permitia ler uma placa ou outra. (Vejam só as voltas que o mundo dá: aqui no Brasil, nós usamos outro alfabeto, o latino. Mas, no alfabeto latino, a palavra “alfabeto” vem das duas primeiras letras do alfabeto… grego! Alfa e beta). 

2. Por outro lado, para nós intérpretes – treinados, por exigência da profissão, a entender tudo, o tempo todo, em várias línguas –, a possibilidade de não compreender absolutamente nada é libertadora! Às vezes eu sentava num café ou numa praia e me deleitava com a paz de ficar alheia às conversas vizinhas, só com meus pensamentos, a paisagem ao redor e o burburinho daquelas vozes ininteligíveis. Nessas horas, eu sentia que estava realmente de férias. Uma delícia.

Agora: a riqueza vocabular que herdamos dos gregos é um tesouro de valor inestimável. Uma viagem à Grécia é, também, uma viagem etimológica às origens da nossa língua. Mas isso é papo para outro texto.

Em tempo: na foto, Olga e eu estamos nas ruínas da cidade de Olímpia, cenário dos primeiros Jogos da Antiguidade, um lugar impressionante com mais de 2.500 anos de história.

Flor Maria Vidaurre Lenz da Silva

Tradutora e Intérprete; Membro da Associação Profissional de Intérpretes de Conferência - APIC

1 m

Que ótima experiência, Bia!

Estar na Grécia com a Olga Vlahou, mergulhar na História da Humanidade, visitar suas praias, experimentar pratos incríveis, conhecer os hábitos e a cultura de seu povo e ouvir o idioma grego, tentando identificar uma ou outra referência, é uma soma de delícias. Seu texto conta, lindamente, como é esta experiência para uma intérprete. Obrigada pela dica do Duolingo. "Farei" umas aulinhas antes de minha próxima viagem a Vrysses.

Olga Vlahou

Licenciada em Educação Artística

1 m

Que delícia de relato! Posso dizer aqui que nunca recebi ninguém tão interessado como você para aprender a língua e conseguir se comunicar com as pessoas mais simples da aldeia. Obrigada por essa passagem inesquecível minha querida amiga 🙏🏼❤️

Ana Paula Franzoia

editora/produtora de conteúdo | Accenture Song

1 m

Que delícia de relato, Bia!

Fábio Altman

redator-chefe at Editora Abril

1 m

Muito legal! Parabéns a ambas, e que bela dupla. Gostei desse trecho aqui na postagem: “a possibilidade de não compreender absolutamente nada é libertadora!”.

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