Os carros brasileiros na encruzilhada

Os carros brasileiros na encruzilhada

(Esta newsletter foi enviada em primeira mão para os assinantes do Reset, em 28 de março. Inscreva-se aqui.)

A indústria automobilística está diante da maior transformação da sua história. Em boa parte do mundo, o roteiro já está definido: saem os tanques de gasolina, entram as baterias.

A motivação principal é a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A janela para evitar consequências ainda mais graves da mudança do clima está fechando, e rápido.

Mas no Brasil ainda é difícil enxergar a frota desse mundo pós-carbono. Um poderoso lobby de aliados improváveis, somado a certas características únicas do país, complicam uma decisão que parece óbvia em qualquer outro lugar.

Trata-se basicamente de uma escolha entre dois caminhos. Eles não são excludentes, mas as jornadas e os destinos são muito distintos.

De um lado estão as montadoras tradicionais e seus fornecedores, os produtores de biocombustíveis e os sindicatos. Eles defendem que a opção lógica é investir em carros híbridos com motor flex.

Do outro estão desafiantes chinesas, que veem na ruptura tecnológica do carro elétrico uma chance de desbancar empresas centenárias.

O governo diz ser neutro em relação à rota tecnológica: desde que comprometidas com a descarbonização, todas as companhias poderão se beneficiar do recém-anunciado programa Mover e seus R$ 19,3 bilhões em incentivos fiscais até 2028.

Ambos os lados têm argumentos persuasivos. Tentei resumi-los abaixo, como se estivéssemos assistindo a um debate. É disso que se trata: as decisões tomadas agora vão repercutir por décadas e influenciar o lugar do país no mapa-múndi da economia verde.

Que caminho devemos tomar? Leia e tire suas conclusões.

À moda brasileira. A solução são os carros híbridos flex. Eis o porquê.

  • Eles são muito mais eficientes que os tradicionais porque têm bateria, mas não dependem de uma rede de recarga, pois o carregamento é feito pelo próprio motor a combustão (e também pela frenagem).

  • Nossa indústria de biocombustíveis é a mais desenvolvida e sofisticada do mundo.

  • Todo posto tem bombas de etanol, e a mistura do anidro com a gasolina pode chegar a 35% (desde que tecnicamente viável), segundo o projeto de lei do Combustível do Futuro sendo apreciado no Senado.

  • Oito entre dez carros que saem das concessionárias hoje são flex, uma inovação brasileira. Podemos liderar a descarbonização do Sul Global, exportando tecnologia.

  • Ela não se resume aos motores. O conhecimento acumulado em cinco décadas produzindo alternativas aos fósseis pode ser aplicado na África e no Sudeste Asiático, onde a cana-de-açúcar também pode prosperar.

  • Carros movidos a bateria custam caro demais e são um luxo até nos países ricos. Não há a menor chance de subsidiar a renovação da frota, como fez o bilionário pacote verde de Joe Biden nos Estados Unidos.

  • A conta é complexa e sujeita a muitas variáveis, mas considerando o ciclo de vida completo de um carro – da produção das matérias-primas ao descarte e incluindo a rodagem, claro –, há cálculos indicando que a pegada de carbono de um veículo tradicional é menor que a de um movido a bateria.

  • Por fim, a transição tem de ser justa. Precisamos preservar a indústria automotiva. Um motor a combustão tem cerca de dez vezes mais peças que um elétrico.

  • Isso significa menos empregos nas oficinas, nas fábricas de autopeças e em toda a longa cadeia automobilística, menos arrecadação e mais importação de componentes.

Em defesa das baterias. Não vamos mudar o perfil da frota tão rápido como os países ricos, mas as baterias são o futuro. Considere: 

  • O carro híbrido flex vendido como resposta para a descarbonização no Brasil nem sequer entra nas estatísticas mundiais de veículos elétricos ou "eletrificados".

  • O sistema foi introduzido pelo Prius, da Toyota, em 1997. Houve ganhos incrementais desde então, mas esse tipo de carro foi literalmente ultrapassado pela tecnologia.

  • A bateria é pequena e dá só um empurrão. O que move o carro é o motor de combustão, que funciona o tempo todo. Etanol no tanque diminui as emissões, mas os particulados continuam sendo lançados no ar.

  • O Brasil tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. Carregar uma bateria aqui faz todo o sentido (e sai mais barato que encher o tanque).

  • Sim, o preço dos elétricos ainda é maior. Mas o componente de maior custo, a bateria, fica mais barato. E não há trégua na corrida por melhores materiais, mais eficiência e capacidade.

  • Não é necessário pular direto para os elétricos puros. Os híbridos plug-in oferecem o melhor dos dois mundos. Eles têm baterias grandes, carregadas na tomada.

  • Os elétrons movimentam o carro nos deslocamentos do dia a dia. Vai viajar ou ficar longe de estações de recarga? O tanque está aí para isso.

  • Sim, a transição tem de ser justa. O governo pode investir em requalificação. Novos empregos serão criados. Com recursos minerais, o país pode fabricar as células de bateria em vez de importá-las.

  • O Sul Global pode trilhar uma rota parecida com a brasileira? Sem dúvida. Mas a onda da eletrificação pode ser mais rápida. Para que outros mercados o país exportaria?

  • Podemos nos dar ao luxo de não aprender e desenvolver aqui dentro as várias tecnologias do carro elétrico? O Brasil será o último refúgio do motor de combustão interna?

HÍBRIDO FLEX

Esses modelos têm dois motores, um de combustão e um elétrico. Mas a bateria é pequena e não pode ser carregada na tomada – ela ajuda na eficiência. O carro não roda sem combustível 

HÍBRIDO PLUG-IN

Pode funcionar só com gasolina ou só com eletricidade. O nome plug-in indica que a bateria pode ser carregada na tomada. A ideia é que o tanque funcione como uma garantia caso não haja opção de carregamento

100% ELÉTRICO

Também conhecido pela sigla BEV (battery electric vehicle) O carro só funciona com eletricidade. Os mais conhecidos são os da Tesla, que apostou nos 100% elétricos desde sua fundação  

Sólido que desmancha no ar? As baterias sólidas para carros elétricos são vistas por parte do mercado como uma promessa para reduzir drasticamente os custos e aumentar a autonomia dos veículos ao substituir o eletrólito líquido. Mas, para o fundador e CEO da CATL, maior fabricante de baterias do mundo, a comercialização dessa tecnologia ainda está a anos de distância por conta de desafios técnicos como pouca durabilidade e problemas de segurança. Robin Zeng, o ‘rei chinês das baterias’, falou ao Financial Times sobre o assunto. 

Indústria pesada. O governo americano vai investir até US$ 6 bilhões em tecnologias para reduzir as emissões de carbono geradas pelas indústrias de difícil descarbonização, como cimento, refinaria, aço, alumínio e químicos. Foram selecionados 33 projetos em 20 Estados dos EUA para receber o aporte. Uma das selecionadas foi a Brimstone , sobre a qual escrevemos no Reset. O New York Times traz os detalhes. 

Para dar e vender. Estão sobrando eletrolisadores, os equipamentos que produzem hidrogênio a partir da água. Uma pesquisa da Bloomberg New Energy Finance (BNEF) constatou que a corrida para produzir eletrolisadores superou, e muito, o ritmo dos projetos de hidrogênio verde. No fim do ano passado, os eletrolisadores disponíveis permitiriam a geração de 31,7 GW – quase 17x a energia que de fato foi gerada. E a produção continua crescendo, como mostra o Hydrogen Insight.

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Marcio Isac

Coord. de suporte técnico MSI- Informática. Suporte Técnico da Express Serviços de Entregas Rápidas. Suporte Técnico da ABN Serviços de Entregas. Suporte técnico terceirizado da ABASE.

3 m

excelente, mas tenho algumas duvidas, como é feito o descarte de baterias de lítio e essas baterias vão para onde? a geração das baterias de litio é limpa, como ficam as minas de lítio após o uso( fim ou esgotamento)?

Leonardo de Oliveira Cadurim

Governança direcionada a inovação, sustentabilidade, geração de valor, melhoria e integração de áreas e processos. Gestão para ESG e ODS, certificações ISO e Empresas B. Mudar o comportamento de empresas e organizações.

3 m

O Hidrogênio Verde será o combustível do futuro, quase que presente. Carros elétricos estão fadados à extinção. O Hidrogênio Verde é obtido por um processo chamado eletrólise, utilizando energia limpa, o que dá o título de Verde. O Brasil, através da USP e da iniciativa privada (automobilística e sucroalcoleira), vem conseguindo grandes resultados em pesquisas na produção de Hidrogênio Verde a partir do etanol, presente em todos os postos de combustível, o que resolve mais um problema: transportar o hidrogênio. O uso do Hidrogênio Verde não necessitará alterações nos motores flex ou à álcool. Além disso, não terá emissões atmosféricas, eliminando água em forma de vapor, que pode ser condensado em água desmineralizada novamente. Se colocar um tanque para armazenar essa água, reaproveitando a energia mecânica das rodas traseiras, numa ladeira faz a eletrolise dessa água desmineralizada e reinjeta h2 no sistema. Além de tudo isso, não terá o imenso problema do descarte de baterias que os carros elétricos tem.

Bráulio Magalhães Fonseca

PhD | Planejamento Territorial | Análise Ambiental | Cidades Inteligentes | Geodesign | Geotecnologias

3 m

Mundo pós carbono? Tenho a impressão de que algumas pessoas falam como torcida e não com a racionalidade/seriedade que a situação precisa. O tempo vai nos dizer e a internet/prints vão eternizar.

Paulo Augusto Franke

Commercial Aviation - Propulsion Systems Engineer

3 m

ABVE PNME Anfavea Arnaldo Jardim MDIC Ministério de Minas e Energia Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima Zeca Chaves Adalberto Maluf Henrique Rodriguez Senado Federal Reset cravando no cravo da ferradura. Surrealmente medieval e retrógrado o caminho escolhido pelo Brasil, privilegiando biocombustíveis e combustão interna. Em detrimento da eletromobilidade. Vamos pagar muito caro por essa insana irresponsabilidade, imposta a ferro e fogo pelo poderoso mas gloriosamente tosco agronegócio.

Frank Araujo

Risk Management | CC Adaptation & Mitigation | DDR Born at 342 ppm | Opinions are mine

3 m

Ótima reportagem Reset, como sempre. Este assunto é de extrema importância dado os setores envolvidos. Tendo a achar que superestimam a capacidade do Brasil de se tornar uma plataforma de exportação de híbridos no Sul Global e competir com os puro elétricos chineses. Enfim, dá pra escrever um livro sobre este debate. Acho que podemos colocar alguns números, do lado dos híbridos o trabalho recente publicado pela LCA/MTempo. Além disso, fazer uma análise honesta e profunda dos riscos de "perder tempo" criando um mercado de híbridos a etanol enquanto (ou se) o mundo adota os elétricos puros.

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