Para Ana com carinho

Eram 6:32 da manhã de um dia de semana normal, escovando os dentes ainda meio dormindo, pegando as coisas do café da manhã, quando chega uma mensagem da Ana “Laurinha amada, estou aqui no São Luiz pra colocar o cateter que vai ser usado na quimio. Me chama aqui?”. Eu sei que a Ana está enfrentando um câncer de mama, mas a última informação que eu tinha era que não estava indicada quimioterapia no caso dela. O coração pulou na garganta e liguei pra ela. Mas embora ela quisesse na verdade uma orientação sobre a conta dela do Instagram, eu queria saber como ela estava.

- Mas Ana, você vai fazer químio? Perdi esse capítulo.

- Vou sim, Laurinha. Depois da cirurgia, os médicos decidiram que é um caminho mais seguro para o tratamento. Você viu que eu cortei o cabelo? Já é pra preparar pra quando eu raspar.

- Ai Aninha, força amiga. Não sei o que dizer, só que te admiro demais e estarei sempre aqui.

Ana e eu somos amigas, amizade que nasceu no trabalho anos e anos atrás e acompanhou muitas etapas de nossa vida profissional e pessoal. Amizade que nasce no trabalho e atravessa bem etapas onde uma das pessoas está desempregada ou num momento ruim da carreira ou da vida é amizade mesmo. O restante são conexões de trabalho atreladas ao seu crachá, que são ok e têm seu papel na trajetória profissional. Mas não dá pra chamar de amizade mesmo.

Quando Ana e eu começamos a trabalhar juntas foi uma combustão na minha cabeça. Ana era cliente da minha empresa. Cliente exigente, que repara e questiona todos os detalhes. Daquelas pessoas que fazem perguntas que ninguém mais faz. Que questionam o status quo a todo tempo. Fácil não foi, confesso. Mas a cada questionamento o trabalho ficava muito melhor e eu aprendia uma coisa nova. Sem dúvida me tornei uma profissional melhor. De lá pra cá, fizemos um monte de coisas juntas, entre projetos profissionais, projetos voluntários, congressos e viagens. Ficamos amigas. Rimos, choramos, e pedimos muitos conselhos uma pra outra.

A beleza gigante da Ana está em não ser óbvia e não ser simples. Uma mulher de muitas camadas de complexidade, de história e um raciocínio incrível de acompanhar. Não conheço ninguém que consegue submergir profundamente nos detalhes de uma temática e depois voltar da forma como ela faz. Enquanto eu me distrairia com as conchinhas lá no fundo mar e as criaturas estranhas, ela vai mergulhando sabendo exatamente o caminho de volta. Admirável.

E tive a sorte de ouvir a Ana em muitos momentos profissionais e em episódios importantes da minha vida pessoal. Suas palavras me ajudaram de maneiras que acho que ela nem sabe a dimensão (pois saiba, Aninha, é imensa). Poderia ficar aqui horas falando sobre ela, mas acho que uma coisa resume nossa amizade: Ana me ensinou que o oposto do medo não é a coragem, mas a entrega. É se entregar para aquilo que você teme e resolver as questões de dentro pra fora. E vejo que é este caminho da entrega que ela está percorrendo hoje tratando o câncer.

Hoje ela começa a quimioterapia e não posso imaginar o quão difícil seja se preparar para isso. Ela tem consciência dos seus privilégios de acesso ao melhor tratamento. Tem amigos e familiares muito próximos e também tem sido apoiada de forma exemplar pela empresa que trabalha, a agência Soko. Mas nada diminui a angústia e sensibilidade deste momento.

A coragem da Ana em falar sobre seu tratamento publicamente, usando sua voz e imagem nas suas redes para partilhar seu diagnóstico, sentimentos e tratamento é parte de seu processo de cura, mas vejo que também é um presente a tantas pessoas que estão passando pelo mesmo.

Então decidi escrever essa mensagem aqui para a Ana pra reforçar minha profunda admiração e carinho por ela profissional e pessoalmente. E também para transmitir apoio a todos que estão enfrentando câncer preocupados com sua vida, suas famílias e com seu futuro profissional. Que suas comunidades e empresas possam lhes acolher da forma como a comunidade e a Soko estão acolhendo a Ana.

Ana Cortat me autorizou a publicar este texto aqui no LinkedIn. Desde aquela manhã em que ela me escreveu tenho pensado em como posso apoiá-la mais e apoiar sua luta. Viajei tanto esse mês que o que consegui foi escrever entre aviões e fusos horários em 3 continentes. Escolhi essa rede porque trabalho é sobre pessoas, sobre confiança e entrega. O universo profissional que eu desejo para nós é aquele que apoia e acolhe as pessoas em seus desafios e não deixa ninguém para trás.