Plásticos são para sempre?

Plásticos são para sempre?

(Esta newsletter foi enviada em primeira mão para os assinantes do Reset, em 03 de maio. Inscreva-se aqui.)

As COPs do clima recebem a maior atenção por razões óbvias, mas existem outros fóruns de negociação internacional que tratam de questões ambientais.

Em outubro deste ano acontece na Colômbia a conferência da ONU de biodiversidade, e em dezembro a Arábia Saudita recebe a COP do combate à desertificação.

Na última segunda-feira terminou no Canadá outro encontro pouco noticiado e de status ligeiramente inferior na hierarquia das Nações Unidas, mas de importância indiscutível: a “COP dos Plásticos”.

Enquanto as COPs tradicionais são um processo contínuo, a discussão sobre plásticos tem começo, meio e fim. (E tecnicamente não se trata de uma COP.)

O objetivo é estabelecer um acordo vinculante – ou seja, com obrigações para os países – até o fim do ano.

No mundo ideal, seria assinado um compromisso semelhante ao Protocolo de Montreal, de 1987, talvez o maior caso de sucesso de uma iniciativa desse tipo.

Foi por causa desse acordo que a produção dos químicos que causavam o buraco na camada de ozônio foi reduzida dramaticamente.

No mundo real, estamos muito longe disso.

Em novembro, as conversas continuarão na Coreia do Sul, no que será a última tentativa de chegar a um tratado com medidas claras para atacar os dois grandes problemas causados pelos plásticos: o acúmulo de lixo e as emissões de gases de efeito estufa associadas à sua produção.

Com o diagnóstico todos concordam. Já a solução continua presa num impasse que parece ter vários dedos do poderoso lobby das petroleiras.

Soterrados sob plástico. Antes de entrar no detalhe das discussões, não custa lembrar alguns dos números estarrecedores que envolvem esses derivados do petróleo.

  • Mais da metade de toda a produção de plástico da história ocorreu desde o ano 2000;

  • No ritmo atual, o volume produzido anualmente vai passar dos cerca de 400 milhões de toneladas (dado de 2022) para quase 1,5 bilhão de toneladas em 2050, segundo estimativas;

  • Somente 9% do total utilizado em um ano é reciclado, e 12% é incinerado. A imensa maioria, 79%, acaba em aterros ou na natureza;

  • Anualmente, entre 19 milhões e 23 milhões de toneladas de resíduos plásticos contaminam ecossistemas aquáticos, incluindo lagos, rios e oceanos;

  • Cerca de 3% de todos os gases de efeito estufa lançados na atmosfera vêm da fabricação ou do descarte de plásticos;

  • O negócio é grande, muito grande: o setor movimentou US$ 712 bilhões em 2023 e deve passar de US$ 1 trilhão em dez anos.

É o total reciclado de todo o plástico produzido anualmente

o tamanho estimado para a indústria dos plásticos daqui dez anos

O poder do lobby. Na cúpula que terminou agora em Ottawa, Ruanda e Peru apresentaram uma proposta batizada de “estrela guia”. Ela prevê uma redução global de 40% nos polímeros plásticos produzidos em 2040, na comparação com 2025.

Outros 31 países apoiaram a ideia e assinaram um documento chamado de “Ponte para Busan”, em referência à cidade da Coreia do Sul onde acontece em novembro a rodada final de negociações.

Eis o trecho chave da declaração: “Enfatizamos que o ciclo de vida completo dos plásticos inclui a produção dos polímeros plásticos primários”.

Não é difícil perceber o paralelo com as conferências do clima: foi só no ano passado, depois de 30 anos, que o texto final de uma COP falou sobre combustíveis fósseis (e ainda assim de maneira ambígua).

Nos plásticos, os Estados Unidos encabeçam a resistência. A posição dos americanos e de seus aliados é que o problema pode ser resolvido cuidando do desperdício e priorizando a reciclagem.

Um argumento muito parecido se ouve a respeito de petróleo e gás natural. O problema não é a queima desses combustíveis, mas sim o lançamento dos gases na atmosfera. Bastaria capturar as emissões na fonte e tudo estaria resolvido.

Mas em ambos os casos a solução proposta não parece realista. Os  sistemas de sequestro de carbono ainda são caríssimos e não chegam perto da escala necessária.

Reciclar plásticos é tecnicamente muito mais simples – mas o sistema inteiro é  muito complexo, como mostram as ínfimas porcentagens de reaproveitamento atuais.

Além de uma rede de coleta que chegue a todos os cantos do planeta, é necessário separar os diferentes tipos (pois cada um exige sua técnica específica de reciclagem) e destiná-los para o lugar certo. 

Se não houver consenso a respeito da necessidade de cortes na produção, tudo aponta para um documento baseado em metas nacionais, sem uma obrigação coletiva e não-vinculante.

Bloquinho por bloquinho. Grandes empresas têm um papel importante na redução do uso de plásticos e na promoção da economia circular. Mas os compromissos públicos muitas vezes ficam em segundo lugar diante da pressão por resultados.

A gigante dos bens de consumo Unilever, uma das maiores consumidoras de plásticos para embalagens, havia prometido reduzir pela metade o uso de materiais virgens até o ano que vem.

Em meados de abril, a companhia anunciou uma mudança na meta: a diminuição será de somente um terço e será atingida em 2026.

Uma decisão tomada pela Lego é ainda mais ilustrativa.

O negócio da companhia é basicamente a transformação de plástico e foi descrito da seguinte maneira por David Robertson, um professor do MIT, ao Financial Times:

“Ela compra um quilo de plástico ABS por mais ou menos US$ 2 e nos revende umas 50 vezes mais caro.”

O ABS é feito de petróleo e tipicamente usado em sua forma virgem, pois os métodos de reciclagem custam caro e não produzem um material com as mesmas propriedades do novo.

Cerca de 80% dos bilhões de blocos e peças que a empresa produz anualmente dependem dessa matéria-prima.

Em 2021, a Lego anunciou que estava testando uma nova formulação, baseada em uma variante do polietileno tereftalato, ou PET – o que abriria a possibilidade de trabalhar com matéria-prima reciclada.

Depois de dois anos, a companhia capitulou. O objetivo primário era reduzir as emissões do processo completo da fabricação, e as peças de PET tinham um saldo de carbono ainda mais alto que as de petróleo.

Agora, o foco é reduzir a pegada de CO2 do ABS, que requer dois quilos de petróleo para cada quilo de plástico. A ideia é mesclar materiais orgânicos e reciclados gradualmente.

Não é realista imaginar um mundo 100% livre de combustíveis fósseis, e o mesmo vale para os plásticos.

Mas os dois casos mostram a dificuldade que é pelo menos reduzir o uso de duas coisas que têm impactos negativos mais que comprovados na nossa saúde e na do planeta.

Graham Forbes, que liderou a delegação do Greenpeace na reunião de Ottawa, resumiu da seguinte maneira uma frustração comum entre as pessoas que acompanham o lento e tortuoso processo da diplomacia internacional: 

"Até uma criança entende que não vamos resolver a crise dos plásticos se não pararmos de produzir tantos plásticos."

COP do petróleo: o retorno? O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliye disse que irá defender o direito de países ricos em combustíveis fósseis seguirem investindo em sua contínua produção. “Ter depósitos de petróleo e gás não é culpa nossa. É um presente de Deus”, afirmou, conforme reportagem da Bloomberg. O Azerbaijão é o país anfitrião da COP29, que ocorre em novembro, e vem na sequência do acordo global feito na COP28, nos Emirados Árabes Unidos, para se afastarem gradualmente dos combustíveis fósseis.

Desinformação. As gigantes do petróleo foram acusadas de negar, desinformar e ter discursos ambíguos ao tratar de combustíveis fósseis, mesmo cientes de seu prejuízo para o clima. Campanhas para confundir e enganar o público também foram planejadas para minimizar a crise climática em troca da perpetuação do óleo e gás. As investigações foram conduzidas por Democratas no Congresso americano. O Financial Times conta o caso. 

Consumo desenfreado. Em meio às milhões de compras feitas ao redor do mundo, a Patagonia quer passar a mensagem de que as pessoas precisam consumir menos. Considerada a marca de roupas mais sustentável do planeta, a empresa acaba de lançar o documentário “The Shitthropocene” (algo como  "O Merdopoceno") em uma tentativa de abordar o assunto de forma bem humorada. O New York Times escreveu sobre o filme.

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Daniel Wenzel Mendes

Diretor de Supply Chain | Suprimentos | COO I Conselheiro Consultivo

2 m

"de 400 milhões de toneladas em 2022 para quase 1,5 bilhão de toneladas em 2050", números estarrecedores. Parabéns pelo artigo!

Dener Donizeti Pereira da Silva

Consultor Especialista ESG | Profissional em Sustentabilidade para Indústria pelo MIT | Descarbonização | Especialista em Direito Corporativo e Compliance | Cultura Organizacional ESG e Sustentabilidade | Palestrante.

2 m

EX-CE-LEN-TE artigo! Muitos dados e números importantes! Parabéns a toda equipe! Que venham outros!

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