Treino é treino, jogo é jogo.

Treino é treino, jogo é jogo.

Para um intérprete, um dia de jogo se dá num evento remunerado, na cabine de um grande congresso ou na sala de uma reunião de negócios, quando lidamos com um conteúdo real e de grande importância para nossos clientes. Mas a gente também treina, e muito. Uma das formas mais legais de treinar são as sessões de prática entre colegas.

Funciona assim: numa reunião de Zoom, com recurso de interpretação simultânea habilitado, um grupo de intérpretes experientes, interessados em aperfeiçoar competências, se reúne para algumas horas de “malhação profissional conjunta”.

As tarefas são divididas entre os voluntários. Alguns preparam palestras, em diferentes idiomas, que simulem as situações (e as dificuldades) reais do dia a dia: conteúdo técnico, vocabulário especializado, discurso em alta velocidade, guinadas súbitas para assuntos inesperados, etc.

Outros voluntários traduzem simultaneamente as palestras, também para línguas variadas, com o objetivo de exercitar aptidões específicas num ambiente protegido entre pares: ritmo de fala, entonação, acurácia na tradução de siglas e números complexos, reorganização do discurso original para uma estrutura que faça sentido e fique clara no idioma de chegada, entre outras tantas características que definem uma boa interpretação.

Há quem assuma a tarefa de escutar atentamente os colegas e depois avaliar o trabalho – sempre, sempre, SEMPRE com o cuidado de apontar tanto os pontos fortes quanto os aspectos que podem ser melhorados (e nunca apenas criticar). E há ainda a indispensável equipe de bastidores, que monta a agenda de encontros, procura voluntários, distribui papéis e faz tudo funcionar como uma orquestra.

Foi assim no sábado, em mais uma deliciosa (e difícil!) sessão da Amerivox, um dos vários grupos de treino para intérpretes profissionais que existem por aí. Em anos recentes, essas reuniões foram facilitadas pela possibilidade de usar o ambiente remoto, sem depender da estrutura de um local com cabines físicas – embora a gente ainda curta demais as práticas presenciais, organizadas em várias partes do mundo (links úteis no final do texto).

Neste último evento, tinha gente da Espanha, da Argentina, da Guatemala, de São Paulo, de Belo Horizonte; tinha intérprete de inglês, português, espanhol e francês. As palestras foram sobre criptoativos e blockchain, temas contemporâneos que a gente vive enfrentando em situações reais. E os palestrantes voluntários não deram colher de chá para os colegas que praticavam no Zoom: as apresentações foram densas, cheias de conteúdo cabeludo, números escalafobéticos (gentil oferecimento de Daniel Erlich, CT ), com falas proferidas em ritmo alucinante (obrigada, Joaquim Fanton ). Bem do jeitinho que acontece, pra valer, no nosso cotidiano de trabalho.

Sempre saio dessas sessões mais apaixonada pela interpretação do que já era antes. É muito legal aprender com as soluções inteligentes dos colegas, reforçar habilidades, experimentar diferentes estratégias – e até preparar as palestras, pois isso nos coloca do outro lado do balcão, na pele dos oradores que costumamos traduzir (e a gente vê que estar nesse lugar também não é fácil).

Ao final do encontro, todo mundo comenta como foi a experiência, quais foram as dificuldades e as táticas adotadas para lidar com diferentes armadilhas, onde a gente se saiu bem e onde ainda pode fazer um ajuste fino. Até essa sessão de “terapia profissional coletiva” é interpretada, num exercício metalinguístico de tradução simultânea sobre... tradução simultânea.

Obrigada Patricia Loreto Daniele Fonseca Daniel Pereira Maciel Rafaela Chammé por organizarem esse jogo tão produtivo e enriquecedor. E obrigada aos colegas que se juntaram para mais um bate-bola dos bons.

Onde praticar:

Practice interpreting, plataforma conjunta com grupos online criados por intérpretes de vários países e combinações linguísticas

Co>lab, que oferece intensivões presenciais (quase sempre no Canadá, mas eu já fui a uma edição no México)

Cambridge Conference Interpretation Course, talvez o mais renomado de todos, que ocorre presencialmente na Inglaterra

Booth Camp, online

(Colegas, por favor ajudem a aumentar a lista acrescentando os cursos de prática que eu certamente deixei de incluir!)

Airton Gontow

jornalista, cronista e diretor da Gontof Comunicação e do site de relacionamento Coroa Metade e repórter especializado em Turismo.

1 m

A cada leitura fico ainda mais fascinado pelo tema e impressionando com a somatória de qualidades necessárias para os profissionais da área: além do perfeito domínio dos idiomas, é fundamental concentração, jogo de cintura, criatividade, cultura geral (e bota geral nisso!!!), capacidade de aprender e muitas vezes se apaixonar por novos temas e assuntos que até há pouco eram distantes ou mesmo completamente desconhecidos; e muito mais. Eu já me atrapalhei ao “ouvir,” em português, a palavra “escalafobéticos”…

Roberto Nogueira

Tradutor de inglês, francês e espanhol para português brasileiro | Revisor de textos | Transcritor

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Quero fazer parte desses grupos, quando eu crescer!

Thaís Daou

Tradutora-Intérprete e Consultora Linguística | ING ⇌ PRT BR 🌎🕊️

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Parabéns por esse texto, Beatriz!

Daniele Fonseca

Comunicadora multilíngue que aproxima as pessoas e suas ideias / Intérprete AIIC

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Beatriz, é sempre um prazer ter você conosco. Eu aprendo muito com as suas soluções!

Flor Maria Vidaurre Lenz da Silva

Tradutora e Intérprete; Membro da Associação Profissional de Intérpretes de Conferência - APIC

1 m

Ótimo texto, querida Bia. A AmeriVox é uma prática incrível e para mim foi um prazer participar, mais uma vez, como intérprete de relay.

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