M H Abrams Critica Literaria Parte 1
M H Abrams Critica Literaria Parte 1
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CRÍTICA LITERÁRIA
ARTIGOS DO GLOSSÁRIO DE TERMOS LITERÁRIOS
PRIMEIRA PARTE
M. H. Abrams
Cornell University
A Glossary of Literary Terms, 7th edition
Heinle & Heinle, 1999
traduzido do inglês por Bruna T. Gibson
em dezembro de 2009
NOTA DO TRADUTOR. A partir da obra A Glossary of Literary Terms, de M. H. Abrams,
membro do Departamento de Inglês da Cornell University, selecionei os artigos rela‐
cionados às diversas correntes de crítica literária. Esta primeira parte inclui os textos:
Criticism; Current Theories of Criticism; Influence and the Anxiety of Influence; Arche‐
typal Criticism; Aestheticism, or the Aesthetic Movement; Speech‐act Theory; Decon‐
struction; e Dialogic Criticism.
Crítica literária
Crítica, ou mais especificamente crítica literária, é o termo geral para os estudos
relacionados à definição, classificação, análise, interpretação e avaliação de obras lite‐
rárias. A crítica teórica propõe uma teoria explícita da literatura – no sentido de prin‐
cípios gerais – juntamente com um conjunto de termos, distinções e categorias a se‐
rem aplicados na identificação e análise de obras literárias, e também o critério (pa‐
1
drões ou normas) pelos quais essas obras e seus autores devem ser avaliados. O mais
antigo e duradouramente importante tratado de crítica teórica foi a Poetics [Poética]
de Aristóteles (século IV a.C.). Dentre os críticos teóricos mais influentes nos séculos
seguintes estão Longino, na Grécia; Horácio, em Roma; Boileau e Sainte‐Beuve, na
França; Baumgarten e Goethe, na Alemanha; Samuel Johnson, Coleridge e Matthew
Arnold, na Inglaterra; e Poe e Emerson, nos EUA. Marcos da crítica teórica na primeira
metade do século XX são Principles of Literary Criticism [Princípios da crítica literária]
(1924), de I. A. Richards; The Philosophy of Literary Form [A filosofia da forma literária]
(1941, rev. 1957), de Kenneth Burke; Mimesis [Mimese] (1946), de Eric Auerbach;
Critics and Criticism [Críticos e crítica] (1952), de R. S. Crane (ed.); e Anatomy of
Criticism [Anatomia da crítica] (1957), de Northrop Frye.
Desde a década de 1970 surgiu um grande número de escritos – continentais,
americanos e ingleses – que propunham novas, diferentes e radicais formas de teoria
crítica. Estes estão listados e datados no artigo Teorias críticas atuais; cada teoria na
lista também possui um artigo individual neste Glossário. Para uma discussão dos usos
especiais do termo “teoria” nesses movimentos críticos atuais, ver Pós‐estruturalismo.
A crítica prática, ou crítica aplicada, se ocupa da discussão de obras e autores em
particular; numa crítica aplicada, os princípios teóricos que controlam o modo de aná‐
lise, interpretação e avaliação são frequentemente deixados implícitos, ou apresenta‐
dos apenas quando a ocasião exige. Dentre as obras mais influentes de crítica literária
na Inglaterra e nos EUA estão os ensaios literários de Dryden no Restoration [Restau‐
ração]; Lives of the English Poets [Vida dos poetas ingleses] (1779‐81), do Dr. Johnson;
os capítulos de Coleridge sobre a poesia de Wordsworth, na Biographia Literaria
(1817), e também suas palestras sobre Shakespeare; as palestras de William Hazlitt
sobre Shakespeare e os poetas ingleses, nas segunda e terceira décadas do século XIX;
Essays in Criticism [Ensaios de crítica] (1865 e seguintes), de Matthew Arnold; Practical
Criticism [Crítica prática] (1930) de I. A. Richards; Selected Essays [Ensaios escolhidos],
de T. S. Eliot; e os diversos ensaios críticos de Virginia Woolf, F. R. Leavis e Lionel
Trilling. The Well Wrought Urn [A urna bem forjada] (1947), de Cleanth Brooks, exem‐
plifica a “leitura próxima” de textos em particular que era a forma típica de crítica prá‐
tica na Nova Crítica norte‐americana.
A crítica prática às vezes se divide em crítica impressionista e judicial:
A crítica impressionista procura representar em palavras as qualidades sentidas
de uma passagem ou obra em particular, e expressar as respostas (a “impressão”) que
a obra evoca diretamente no crítico. Como William Hazlitt colocou em seu ensaio “On
Genius and Common Sense” [Sobre o gênio e o senso comum] (1824): “Você decide a
partir do sentimento, e não da razão; quer dizer, da impressão que as coisas exercem
sobre a mente... apesar de não poder analisar ou explicar os particulares.” E Walter
Pater disse posteriormente que, na crítica, “o primeiro passo para ver um objeto como ele
realmente é, é conhecer a própria impressão como ela realmente é, discriminá‐la, com‐
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preendê‐la distintamente”, e colocou como a questão básica – “O que é esta música ou
imagem... para mim?” (prefácio do Studies in the History of the Renaissance [Estudos sobre
a história da Renascença], 1873). Levada ao seu extremo, essa forma de crítica se torna, na
frase de Anatole France, “as aventuras de uma alma sensível entre obras‐primas.”
A crítica judicial, por outro lado, procura não meramente comunicar, mas analisar
e explicar os efeitos de uma obra, referindo‐se a seu tema, organização, técnicas e
estilo, e basear os julgamentos individuais do crítico em critérios específicos de exce‐
lência literária. Raramente essas duas formas de crítica se distinguem agudamente na
prática, mas bons exemplos de comentários primariamente impressionistas podem ser
encontrados em Longino (ver a caracterização da Odisséia, em seu tratado On the
Sublime [Sobre o sublime]), Hazlitt, Walter Pater (o locus classicus do impressionismo
em sua descrição da Mona Lisa de Da Vinci, em The Renaissance [A Renascença],
1873), e em alguns dos ensaios críticos do século XX de E. M. Forster e Virginia Woolf.
Os tipos de teorias críticas tradicionais e de crítica aplicada podem ser proveito‐
samente diferenciados tendo como referência, no momento da explicação e julgamen‐
to de uma obra literária, o fato de relacionarem a obra principalmente ao mundo ex‐
terno, ao leitor, ao autor, ou então tratá‐la como uma entidade em si mesma:
1. A crítica mimética vê a obra literária como uma imitação, reflexo ou repre‐
sentação do mundo e da vida humana, e o critério primário aplicado à obra é
o da “verdade” da sua representação em relação ao assunto que representa,
ou deveria representar. Essa forma de crítica, que primeiramente apareceu
em Platão e (de forma qualificada) em Aristóteles, permanece característica
das teorias modernas de realismo literário. (Ver imitação.)
2. A crítica pragmática vê a obra como algo que é construído com o objetivo de
alcançar certos efeitos na audiência (tais como prazer estético, instrução ou
espécies de emoção), e tende a julgar o valor da obra de acordo com o suces‐
so no alcance desse objetivo. Essa abordagem, que amplamente dominou as
discussões literárias desde o versificado Art of Poetry [Arte da poesia], do ro‐
mano Horácio (século I a.C.), e por todo o século XVIII, foi revivida na recente
crítica retórica, que enfatiza as estratégias artísticas pelas quais um autor en‐
gaja e influencia as respostas dos leitores em relação aos temas representa‐
dos numa obra literária. A abordagem pragmática também foi adotada por
alguns estruturalistas que analisam o texto literário como jogo sistemático de
códigos que afetam as respostas interpretativas do leitor.
3. A crítica expressiva trata a obra literária principalmente em relação a seu au‐
tor. Define a poesia como uma expressão, transbordamento, ou declaração
de sentimentos, ou como o produto da imaginação do poeta operando em
suas percepções, pensamentos e sentimentos; tende a julgar a obra por sua
sinceridade, ou adequação à visão individual ou estado de espírito do poeta;
3
e frequentemente busca na obra evidências do temperamento e experiências
em particular do autor, que, consciente ou inconscientemente, revelou‐se na
obra. Esses pontos de vista foram desenvolvidos principalmente por críticos
românticos, no início do século XIX, e permanecem atuais em nossa época,
especialmente nos escritos dos críticos psicológicos e psicanalíticos, e nos crí‐
ticos da consciência tais como George Poulet e a Escola de Genebra.
4. A crítica objetiva trata a obra literária como algo que permanece livre do que
é comumente chamado de relações “extrínsecas” do poeta, audiência ou
ambiente. Ao invés disso, descreve o produto literário como objeto auto‐
suficiente e autônomo, senão um mundo‐em‐si‐mesmo, que teve ser con‐
templando como seu próprio fim, e analisado e julgado unicamente por crité‐
rios “intrínsecos” tais como complexidade, coerência, equilíbrio, integridade
e as inter‐relações dos elementos que lhe compõem. O ponto de vista geral
da auto‐suficiência de um objeto estético foi proposto na Critique of Aesthetic
Judgement [Crítica do juízo estético] (1790), de Kant – ver distância e envol‐
vimento –, adotado pelos proponentes da arte pela arte, na segunda parte do
século XIX, e elaborado em formas detalhadas de crítica aplicada por diversos
críticos importantes desde a década de 1920, incluindo os Novos Críticos, a
Escola de Chicago, e os proponentes do formalismo europeu.
Um empreendimento que o leitor comum subestima é estabelecer o texto de uma
obra literária a ser impresso; ver o artigo crítica textual. É também um procedimento
frequente distinguir os tipos de crítica que trazem à literatura diversas áreas do conhe‐
cimento, numa tentativa de identificar as condições e influências que determinam as
características e valores particulares de uma obra literária. Nesse sentido, temos a “crí‐
tica histórica”, “crítica biográfica”, “crítica sociológica” (ver sociologia da literatura e
crítica marxista), crítica psicológica (uma subespécie é a crítica psicanalítica), e crítica
arquetípica ou mítica (que empreende explicar a formação dos tipos de literatura por
referências às perspectivas sobre mito e ritual na antropologia cultural moderna).
Para uma discussão detalhada da classificação de teorias tradicionais que é repre‐
sentada neste ensaio, ver M. H. Abrams, The Mirror and the Lamp [O espelho e a lâm‐
pada] (1953), capítulo 1, e “Types and Orientations of Critical Theories” [Tipos e orien‐
tações de teorias críticas] em Doing Things with Texts: Essays in Criticism and Critical
Theory [Fazendo coisas com textos: ensaios de crítica e teoria crítica] (1989). Sobre os
tipos de abordagens críticas, referir‐se também a René Wellek e Austin Warren, Theory
of Literature [Teoria da Literatura] (rev. 1970). Histórias da crítica: Classical Criticism
[Crítica clássica], ed. George A. Kennedy (1989); Bernard Weinberg, A History of Lite‐
rary Criticism in the Italian Renaissance [Uma história da crítica literária na Renascença
italiana] (2 vols., 1963); René Wellek, A History of Modern Criticism, 1750‐1950 [Uma
história da crítica moderna] (7 vols.; 1955 ff.); The Cambridge History of Literary Criti‐
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cism [História da crítica literária] (vários vols.). Sobre a crítica no início do século XIX
ver Abrams, The Mirror and the Lamp, e sobre a crítica do século XX, S. E. Hyman, The
Armed Vision [A visão armada] (1948); Murray Krieger, The New Apologists for Poetry
[Os novos apologistas da poesia] (1956); Jonathan Culler, Structuralist Poetics [Poética
estruturalista] (1975) e Literary Theory: A Very Short Introduction [Teoria Literária: uma
pequena introdução]; Grant Webster, The Republic of Letters: A History of Postwar
American Literary Opinion [A república das letras: uma história da opinião literária nor‐
te‐americana do pós‐guerra] (1979); Frank Lentricchia, After the New Criticism [Depois
da Nova Crítica] (1980); Chris Baldick, Criticism and Literary Theory, 1890 to the Present
[Crítica e teoria literária, de 1890 até hoje] (1996).
Antologias convenientes de crítica literária: A. H. Gilbert e G. W. Allen, Literary
Criticism, Plato to Croce [Crítica literária, de Platão a Croce] (2 vols., 1940‐41); W. J.
Bate, Criticism: The Major Texts [Crítica: os textos mais importantes] (1952); Lionel
Trilling, Literary Criticism: An Introductory Reader [Crítica literária: uma leitura introdu‐
tória], (1970). Antologias de crítica recente e atual: Hazard Adams e Leroy Searle, eds.,
Twentieth‐Century Literary Theory: An Introductory Anthology [Teoria literária do sécu‐
lo XX: uma antologia introdutória] (1987); David Lodge, ed., Modern Criticism and
Theory [Teoria e crítica modernas] (1988); Robert Con Davis e Ronald Schleifer,
Contemporary Literary Criticism [Crítica literária contemporânea] (rev., 1989). Leituras
sugeridas sobre tipos atuais de teoria crítica estão incluídas nos artigos correspondentes
desse Glossário.
Teorias Críticas Atuais
O artigo deste Glossário sobre crítica descreve tipos tradicionais de teoria literária
e de crítica aplicada, de Aristóteles até o começo do século XX. Desde a I Guerra Mun‐
dial, e especialmente a década de 1960, surgiu um grande número de teorias literárias
e métodos de análise crítica inovadores, incluindo versões revisadas e ampliadas de
formas anteriores de crítica marxista e crítica psicanalítica. Artigos sobre cada um des‐
ses novos modos de crítica estão neste Glossário, de acordo com a ordem alfabética
dos títulos. A seguir, uma tabela com a época aproximada em que essas formas se tor‐
naram proeminentes na crítica literária:
décadas de 1920 e 1930 Formalismo Russo.
décadas de 1930 e 1940 crítica arquetípica.
décadas de 1940 e 1950 Nova Crítica; crítica fenomenológica.
década de 1960 crítica estruturalista; formas modernas de crítica femi‐
nista; estilística.
5
década de 1970 teoria da ansiedade da influência; desconstrução; aná‐
lise do discurso; várias formas de estética da recepção;
teoria da recepção; semiótica; teoria dos atos da fala.
década de 1980 crítica lógica; novo historicismo; estudos culturais.
década de 1990 estudos pós‐colonialistas; teoria queer.
Ansiedade da Influência
Críticos e historiadores da literatura têm por muito tempo tratado do que se cha‐
mou de influência de um autor ou tradição literária sobre outro autor posterior que se
diz ter adotado, e ao mesmo tempo alterado, aspectos do tema, forma ou estilo de
escritores anteriores. Entre os tópicos tradicionais de discussão, por exemplo, estão a
influência de Homero sobre Virgílio, de Virgílio sobre Milton, de Milton sobre
Wordsworth, e de Wordsworth sobre Wallace Stevens. A ansiedade da influência é
uma frase usada pelo influente crítico contemporâneo Harold Bloom para identificar
sua revisão radical dessa teoria padrão de que a influência consiste em um “emprésti‐
mo” direto, ou assimilação, dos materiais e características encontrados em autores
anteriores. Bloom acredita que, na composição de qualquer poema, a influência é i‐
nescapável, mas evoca no autor uma ansiedade que compele a uma distorção drástica
da obra de um predecessor. Ele aplica esse conceito da ansiedade tanto na leitura co‐
mo na escrita da poesia.
Na teoria de Bloom, um poeta (especialmente desde a época de Milton) é motiva‐
do a compor quando sua imaginação é capturada por um poema ou poemas de um
“precursor”. As atitudes do poeta “tardio” em relação a seu precursor, como aquelas
na análise freudiana da relação edípica do filho para com o pai, são ambivalentes; quer
dizer, são compostas não apenas de admiração, mas também (já que um poeta forte
sente uma necessidade persuasiva de ser autônomo e original) de ódio, inveja e medo
da preempção pelo precursor do espaço imaginativo do descendente. O poeta tardio
salvaguarda seu senso da própria liberdade e prioridade ao ler o poema‐pai “defensi‐
vamente”, de forma tal a distorcê‐lo para além de seu próprio reconhecimento consci‐
ente. Não obstante, ele não pode evitar a incorporação do poema‐pai distorcido na
sua própria tentativa infrutífera de escrever um poema de originalidade sem prece‐
dentes; o melhor que até mesmo o maior poeta tardio pode alcançar é escrever um
poema tão “forte” que resulte numa ilusão de “prioridade” – isto é, uma ilusão de que
escapou da precedência temporal do poema‐precursor e que o excede em grandeza.
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Bloom identifica seis processos distorcedores que operam na leitura de um pre‐
cursor; ele chama esses processos de “razões revisionistas”1 e os define principalmen‐
te no modelo freudiano dos mecanismos de defesa (ver crítica psicanalítica). Ele tam‐
bém equipara esses mecanismos aos estratagemas a partir dos quais os cabalistas me‐
dievais reinterpretaram a Bíblica Hebraica, e também a diversos tipos de tropos retóri‐
cos (ver linguagem figurada). Já que na teoria de Bloom as razões revisionistas são as
categorias através das quais todos nós, poetas ou não, necessariamente lemos nossos
precursores, ele conclui que nunca poderemos conhecer “o poema‐em‐si‐mesmo”;
toda interpretação é “um equívoco necessário”, e toda “leitura é portanto equívoco –
ou leitura errada”. Uma “leitura errada fraca” é uma tentativa (fadada ao fracasso) de
chegar ao que o texto realmente quer dizer, enquanto que uma “leitura errada forte”
é aquela na qual as defesas de um leitor individual estão inconscientemente licencia‐
das a remodelar de forma inovadora o texto que o leitor procura interpretar.
Como Bloom acredita que “todo poema é uma leitura errada de um poema‐pai”,
recomenda que os críticos literários pratiquem o que ele chama de crítica antitética –
isto é, que aprendam “a ler qualquer poema como uma leitura errada intencional do
poeta, enquanto poeta, de um poema precursor ou da poesia em geral.” O resultado
de tais leituras fortes será antitético tanto em relação ao que o próprio poeta pensou
em dizer quanto ao que as fracas más interpretações padrão consideraram que o po‐
ema quis dizer. Nos seus próprios escritos poderosamente individualistas, Bloom aplica
essa crítica antitética a poetas que vão desde o século XVIII, passando pelos românti‐
cos mais importantes, até Yeats e Stevens. Ele tem consciência de que, nos termos da
teoria, suas próprias interpretações tanto de poetas como de críticos são necessaria‐
mente leituras erradas. Afirma que as interpretações antitéticas são leituras erradas
fortes, portanto “interessantes”, e por isso tomarão seu lugar no acúmulo de leituras
erradas que constitui a história tanto da poesia quanto da crítica, desde pelo menos o
século XVII – apesar de essa história ser necessariamente trágica, já que, com o passar
do tempo, haverá um declínio constante da área de possibilidades imaginativas dispo‐
níveis aos poetas.
Um precursor da teoria de Bloom foi The Burden of the Past and the English Poet
[O fardo do passado e o poeta inglês] (1970), de Walter Jackson Bate, que descreve a
luta dos poetas, desde 1660, para superar o efeito inibidor do medo de que seus pre‐
cursores talvez tenham exaurido as possibilidades de escrever grandes poemas origi‐
nais. Bloom apresentou sua própria teoria de leitura e escrita de poesia em The
Anxiety of Influence [A ansiedade da influência] (1973), depois desenvolveu a teoria e
demonstrou sua aplicação a diversos textos poéticos em três livros rapidamente sub‐
sequentes, A Map of Misreading [Um mapa da leitura errada] (1975), Kabbalah and
1
Razão: do inglês ratio, no sentido de proporção, relação entre duas coisas expressa em nú‐
meros ou quantidades. [N. T.]
7
Criticism [Cabala e crítica] (1975), e Poetry and Repression [Poesia e repressão] (1976),
e também em diversos textos que tratavam de poetas em particular. Ver também a
coleção de escritos de Bloom, Poetics of Influence [Poética da influência], ed. John
Hollander (1988). Para análises e críticas de sua teoria da literatura, ver Frank
Lentricchia, After the New Criticism [Depois da nova crítica] (1980), capítulo 9; David
Fite, Harold Bloom: The Rhetoric of Romantic Vision [Harold Bloom: a retórica da visão
romântica] (1985); M. H. Abrams, “How to Do Things with Texts” [Como fazer coisas
com textos], em Doing Things with Texts [Fazendo coisas com textos] (1989). Bloom
propôs sua teoria, é importante dizer, em relação a homens; para uma aplicação da
ansiedade da influência a escritoras, ver Sandra Gilbert e Susan Gubar, The Madwoman
in the Attic [A louca no sótão] (1980), discutido no artigo crítica feminista.
Arquetípica, Crítica
Em crítica literária, o termo arquétipo denota esquemas narrativos, padrões de
ação, tipos de personagens, temas e imagens recorrentes que podem ser identificados
numa ampla variedade de obras literárias, assim como em mitos, sonhos e até mesmo
rituais sociais. Esses itens recorrentes são considerados o resultado de formas ou pa‐
drões elementares e universais na psique humana, cuja materialização numa obra lite‐
rária evoca uma resposta profunda no leitor atento, porque ele ou ela compartilha os
arquétipos expressados pelo autor. Um antecedente importante da teoria literária do
arquétipo foi o tratamento do mito por um grupo de antropólogos comparatistas da
Universidade de Cambridge, especialmente James G. Frazer, cujo The Golden Bough [O
ramo dourado] (1890‐1915) identificou padrões elementares de mito e ritual que, se‐
gundo ele, recorrem nas lendas e cerimônias de diversas e distantes culturas e religi‐
ões. Um antecedente ainda mais importante foi a psicologia aprofundada de Carl G. Jung
(1875‐1961), que aplicou o termo “arquétipo” ao que ele chamou de “imagens primordi‐
ais”, o “resíduo psíquico” de padrões repetidos de experiências humanas comuns nas vidas
de nossos ancestrais muito remotos que – ele defendeu – sobrevivem no “inconsciente
coletivo” da raça humana e são expressos em mitos, religião, sonhos e fantasias particula‐
res, e também em obras literárias. Ver crítica junguiana, em crítica psicanalítica.
A crítica literária arquetípica ganhou ímpeto com o Archetypal Patterns in Poetry
[Padrões arquetípicos na poesia] (1934), de Maud Bodkin, e floresceu especialmente
durante as décadas de 1950 e 1960. Alguns críticos arquetípicos deixaram de conside‐
rar a teoria junguiana do inconsciente coletivo uma fonte importante desses padrões;
nas palavras de Northrop Frye, essa teoria é “uma hipótese desnecessária”, e os arqué‐
tipos recorrentes simplesmente existem, “independentemente de como surgiram”.
Entre os praticantes proeminentes de várias formas de crítica arquetípica, além de
Maud Bodkin, estão G. Wilson Knight, Robert Graves, Philip Wheelwright, Richard
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Chase, Leslie Fiedler e Joseph Campbell. Esses críticos tendem a enfatizar a ocorrência
de padrões míticos na literatura, presumindo que os mitos estão mais próximos do
arquétipo elementar do que as manipulações artísticas de escritores sofisticados (ver
críticos do mito). O tema morte‐renascimento é frequentemente mencionado como o
arquétipo dos arquétipos, e diz‐se ser baseado no ciclo das estações e no ciclo orgâni‐
co da vida humana; esse arquétipo, afirmou‐se, ocorre nos rituais primitivos do rei que
é anualmente sacrificado, nos mitos muito difundidos de deuses que morrem para
renascer, e numa multidão de textos diversos, incluindo a Bíblia, a Divina Comédia de
Dante, do início do século XIV, e “Rime of the Ancient Mariner” [A balada do velho ma‐
rinheiro], de Samuel Taylor Coleridge, de 1798. Entre outros temas, imagens e perso‐
nagens arquetípicos frequentemente encontrados na literatura são a viagem ao sub‐
terrâneo, a ascensão ao céu, a busca pelo pai, a imagem Paraíso‐Hades2, o rebelde‐
herói prometeico, o bode expiatório, a deusa da terra e a mulher fatal.
Em seu notável e influente livro Anatomy of Criticism [Anatomia da crítica] (1957),
Northrop Frye desenvolveu a abordagem arquetípica – a qual ele combinou com a in‐
terpretação tipológica da Bíblia e a concepção da imaginação nos escritos do poeta e
pintor William Blake (1757‐1827) – numa revisão radical e abrangente dos fundamen‐
tos tradicionais tanto da teoria da literatura como da prática da crítica literária. Frye
propõe que a totalidade de obras literárias constitui um “universo literário auto‐
contido” que foi criado através dos séculos pela imaginação humana para incorporar o
mundo natural indiferente e estranho a formas arquetípicas que servem para satisfa‐
zer necessidades e desejos humanos perenes. Neste universo literário, quatro mythoi
radicais (isto é, formas de enredo, ou princípios estruturais organizadores), correspon‐
dentes às quatro estações no ciclo do mundo natural, são incorporados aos quatro
principais gêneros da comédia (primavera), romance (verão), tragédia (outono) e sátira
(inverno). Dentro do arco de mitos arquetípicos de cada um desses gêneros, obras par‐
ticulares de literatura também variam entre um número de arquétipos mais limitados
– isto é, padrões e tipos convencionais que a literatura compartilha com rituais sociais
e também com teologia, história, direito e, na verdade, com todas as “estruturas ver‐
bais discursivas”. Vista arquetipicamente, Frye afirma, a literatura acaba tendo um
papel essencial na remodelação do material universal impessoal em um universo ver‐
bal alternativo que é inteligível e viável, porque adaptado a necessidades e preocupa‐
ções humanas universais e essenciais. Frye continuou, em uma longa série de textos
posteriores, a expandir essa teoria arquetípica, a dar lugar em seu âmbito geral e em
diferentes níveis, à inclusão de muitos conceitos e procedimentos críticos tradicionais,
e a aplicá‐la tanto a práticas sociais como à elucidação de textos que vão desde a
Bíblia até poetas e romancistas contemporâneos. Ver A. C. Hamilton, Northrop Frye:
Anatomy of His Criticism [Northrop Frye: anatomia de sua crítica] (1990).
2
Hades: na mitologia grega, o mundo dos mortos. [N. T.]
9
Em acréscimo às obras mencionadas anteriormente, consultar: C. G. Jung, “On the
Relation of Analytical Psychology to Poetic Art” [Sobre a relação entre a psicologia ana‐
lítica e a arte poética] (1922), em Contributions to Analytical Psychology [Contribuições
à psicologia analítica] (1928), e “Psychology and Literature” [Psicologia e Literatura],
em Modern Man in Search of a Soul [O homem moderno em busca de uma alma]
(1933); G. Wilson Knight, The Starlit Dome [A cúpula estrelada] (1941); Robert Graves,
The White Goddess [A deusa branca] (rev., 1961); Richard Chase, The Quest for Myth [A
busca pelo mito] (1949); Francis Fergusson, The Idea of a Theater [A ideia de um tea‐
tro] (1949); Philip Wheelwright, The Burning Fountain [A fonte em chamas] (rev.,
1968); Northrop Frye, “The Archetypes of Literature” [Os arquétipos da literatura], em
Fables of Identity [Fábulas de identidade] (1963); Joseph Campbell, The Hero with a
Thousand Faces [O herói de mil faces] (2ª ed., 1968). Na década de 1980, críticas femi‐
nistas desenvolveram formas de crítica arquetípica que revisaram as bases e precon‐
ceitos masculinos de Jung e outros críticos arquetípicos. Ver Annis Pratt, Archetypal
Patterns in Woman’s Fiction [Padrões arquetípicos na ficção feminina] (1981), e Estella
Lauter e Carol Schreier Rupprecht, Feminist Archetypal Theory: Interdisciplinary
Re‐Visions of Jungian Thought [Teoria arquetípica feminista: re‐visões interdisciplinares
do pensamento junguiano] (1985).
Para discussões e críticas da teoria e prática arquetípica, ver H. M. Block, “Cultural
Anthropology and Contemporary Literary Criticism” [Antropologia cultural e crítica
literária contemporânea], Journal of Aesthetics and Art Criticism 11 [Jornal de estética
e crítica de arte] (1952); Murray Krieger, ed., Northrop Frye in Modern Criticism
[Northrop Frye na crítica moderna] (1966); Robert Denham, Northrop Frye and Critical
Method [Northrop Frye e método crítico] (1978); Frank Lentricchia, After the New
Criticism [Depois da Nova Crítica] (1980), capítulo 1.
Arte pela Arte, ou Esteticismo
O Esteticismo foi um fenômeno europeu da segunda metade do século XIX que
teve seu centro na França. Em oposição ao domínio do pensamento científico, e desa‐
fiando a hostilidade ou indiferença generalizadas da classe média da época em relação
a qualquer arte que não tivesse utilidade ou não ensinasse valores morais, os escrito‐
res franceses desenvolveram a opinião de que uma obra de arte é o valor supremo
entre os produtos humanos precisamente porque é auto‐suficiente e não tem utilida‐
de ou objetivo moral além de si própria. O objetivo de uma obra de arte é simplesmen‐
te existir em sua perfeição formal; isto é, ser bela e ser contemplada como um fim em si
mesmo. A frase “l’art pour l’art” – arte pela arte – tornou‐se um lema para o Esteticismo.
O Esteticismo tem suas raízes históricas na ideia proposta pelo filósofo alemão
Immanuel Kant, no seu Critique of Judgment [Crítica do juízo] (1790), de que a experi‐
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ência estética “pura” consiste na contemplação “desinteressada” de um objeto que
“agrada por si só”, sem referência à realidade ou aos fins “externos” de utilidade ou
moralidade. Como movimento auto‐consciente, entretanto, diz‐se que o Esteticismo
francês data da defesa espirituosa por Théophile Gautier de sua afirmação de que a
arte é inútil (prefácio de Mademoiselle de Maupin, 1835). O Esteticismo foi desenvol‐
vido por Baudelaire, que recebeu forte influência da afirmação de Edgar Allan Poe (em
“The Poetic Principle” [O princípio poético], 1850) de que a obra suprema é um “poe‐
ma per se”, um “poema escrito unicamente em razão de si mesmo”; foi posteriormen‐
te aceita por Flaubert, Mallarmé e muitos outros escritores. Em sua forma extrema, a
doutrina esteta de arte pela arte tomou a direção de uma doutrina moral e quase‐
religiosa de vida pela arte, com o artista representado como um sacerdote que renun‐
cia às preocupações práticas da vida comum e se dedica ao que Flaubert e outros
chamaram de “a religião do belo”.
As opiniões do Esteticismo francês foram introduzidas na Inglaterra vitoriana por
Walter Pater, com sua ênfase no artifício grandioso e na sutileza estilística, sua reco‐
mendação de encher a vida de sensações requintadas, e sua defesa do valor supremo
da beleza e do “amor da arte por si mesma.” (Ver sua conclusão de The Renaissance [A
Renascença], 1873.) As opiniões artísticas e morais do Esteticismo também foram ex‐
pressas por Algernon Charles Swinburne e por escritores ingleses da década de 1890
como Oscar Wilde, Arthur Symons e Lionel Johnson, e também pelos artistas J. M.
Whistler e Aubrey Beardsley. A influência das ideias enfatizadas pelo Esteticismo –
especialmente a de “autonomia” (auto‐suficiência) de uma obra de arte, a ênfase no
ofício e no talento artístico, e o conceito do poema ou romance como um fim em si
mesmos e investidos de valores “intrínsecos” – foi importante para os escritos de pro‐
eminentes autores do século XX tais como W. B. Yeats, T. E. Hulme e T. S. Eliot, e tam‐
bém para a teoria literária dos Novos Críticos.
Para desenvolvimentos semelhantes, ver decadência e torre de marfim. Remeter
a: William Gaunt, The Aesthetic Adventure [A aventura estética] (1945, reimpresso em
1975); Frank Kermode, Romantic Image [Imagem romântica] (1957); Enid Starkie, From
Gautier to Eliot [De Gautier a Eliot] (1960); R. V. Johnson, Aestheticism [Esteticismo]
(1969). Para as condições intelectuais e sociais, durante o século XVIII, que fomenta‐
ram a teoria de que a obra de arte é um fim em si mesmo, ver M. H. Abrams, “Art‐as‐
Such: The Sociology of Modern Aesthetics” [Arte‐como‐tal: a sociologia da estética
moderna], em Doing Things with Texts: Essays in Criticism and Critical Theory [Fazendo
coisas com textos: ensaios sobre crítica e teoria crítica] (1989). Coleções úteis de tex‐
tos sobre o Movimento Estético são Ian Small, ed., The Aesthetes: A Sourcebook [Os
estetas: uma antologia], e Eric Warner e Graham Hough, eds., Strangeness and Beauty:
An Anthology of Aesthetic Criticism 1848‐1910 [Estranheza e beleza: uma antologia de
crítica estética 1848‐1910] (2 vols.; 1983). Um guia descritivo útil de livros sobre o te‐
11
ma é Aestheticism and Decadance: A Selective Annotated Bilbiography [Esteticismo e
decadência: uma bibliografia seleta e anotada] (1977), de Linda C. Downling.
Atos da Fala, Teoria dos
A Teoria dos Atos da Fala, desenvolvida pelo filósofo John Austin, foi descrita de
forma mais completa no livro póstumo How to Do Things with Words [Como fazer coi‐
sas com palavras] (1962), e foi explorada e expandida por outros “filósofos da lingua‐
gem‐comum”, incluindo John Searle e H. P. Grice. A teoria de Austin é direcionada con‐
tra as tendências tradicionais dos filósofos de (1) analisar o significado de sentenças
isoladas, abstraídas do contexto de um discurso e das circunstâncias conexas nas quais
uma sentença é criada; e de (2) presumir, algo que Austin descreve como uma obses‐
são lógica, que a sentença padrão – da qual os outros tipos constituem apenas varian‐
tes – é uma declaração que descreve uma situação ou afirma um fato e que pode ser
julgada como verdadeira ou falsa. A adoção e desenvolvimento por John Searle da teo‐
ria dos atos da fala, de Austin, opõe a essas opiniões a afirmação de que quando pres‐
tamos atenção ao contexto linguístico e situacional geral – incluindo as condições insti‐
tucionais que governam muitos usos da linguagem – percebemos que ao falar ou es‐
crever realizamos simultaneamente três, e às vezes quatro, tipos distintos de atos da
fala: (1) Proferimos uma sentença; Austin chamou esse ato de “locução”. (2) Nos refe‐
rimos a um objeto, e predicamos algo sobre esse objeto. (3) Realizamos um ato ilocu‐
cionário. (4) Com frequência também realizamos um ato perlocucionário.
O ato ilocucionário realizado por uma locução pode de fato ser o que recebe des‐
taque na filosofia e lógica tradicionais, para afirmar que algo é verdadeiro, mas pode
ser, ao contrário, um entre vários outros possíveis atos da fala, tais como questionar,
ordenar, prometer, advertir, elogiar, agradecer, e assim por diante. Uma sentença
constituída pelas mesmas palavras e com a mesma forma gramatical, como “Deixarei
você amanhã”, pode acabar tendo, num contexto verbal e situacional em particular, a
“força ilocucionária” de uma asserção, uma promessa ou uma ameaça. Num ato ilocu‐
cionário que não é uma asserção, o critério principal (apesar de a afirmação poder se
referir a algum estado das coisas) não é o de verdade ou falsidade, mas se o ato foi ou
não realizado com sucesso, ou nos termos de Austin, “felizmente”. A realização feliz de
um ato ilocucionário em particular vai depender de ele ir ao encontro das “condições
de adequação” daquele ato; essas condições são convenções ou regras linguísticas e
sociais (ou institucionais) tácitas, compartilhadas por falantes e intérpretes competen‐
tes de um idioma. Por exemplo, a performance bem sucedida de um ato ilocucionário
de promessa, tal como “Virei vê‐lo amanhã”, depende do atendimento ao conjunto
especial de condições de adequação: o falante deve ser capaz de cumprir sua promes‐
sa, deve ter a intenção de cumpri‐la, e deve acreditar que o ouvinte deseja que ele a
12
cumpra. Se a última condição falhar, por exemplo, a mesma afirmação verbal pode ter
a força ilocucionária de uma ameaça.
Em How to Do Things with Words, John Austin estabeleceu uma distinção inicial
entre dois tipos amplos de locuções: constativas (sentenças que afirmam algo sobre
um fato ou estado de coisas e que se julga verdadeiras ou falsas) e performativas (sen‐
tenças que são ações que realizam algo, tal como questionar, prometer, elogiar, e as‐
sim por diante). Enquanto dava seguimento a sua sutil análise, Austin, no entanto, de‐
monstrou que essa divisão inicial de afirmações em duas classes agudamente exclusi‐
vas não se sustentava, pois muitos performativos também envolvem referência a esta‐
dos das coisas, enquanto que constativos também realizam uma ação ilocucionária.
Austin, no entanto, deu atenção especial ao “performativo explícito”, uma sentença
cuja própria enunciação, quando executada sob as condições institucionais (e de ou‐
tras naturezas) apropriadas, produz o estado de coisas que significa. Exemplos são “Ba‐
tizo esse navio de Rainha Elizabeth”; “Perdoe‐me”; “Declaro esta reunião aberta”.
Se um ato ilocucionário tem um efeito sobre as ações ou estado de espírito do ou‐
vinte que vai além de meramente entender o que foi dito, é também um ato perlocu‐
cionário. Desse modo, a afirmação “Vou deixá‐lo”, com a força ilocucionária de uma
advertência, pode não ser compreendida unicamente como tal, mas ter (ou falhar em
ter) o efeito perlocucionário adicional de assustar o ouvinte. De maneira similar, pelo
ato ilocucionário de prometer fazer algo, pode‐se criar o efeito de esclarecer, inspirar
ou intimidar o ouvinte. Alguns efeitos perlocucionários podem ser pretendidos pelo
falante; outros ocorrem sem a intenção do falante, e até mesmo contra essa intenção.
Para uma exploração útil das relações, em casos diversos, entre atos ilocucionários e
perlocucionários da fala, ver Ted Cohen, “Illocutions and Perlocutions” [Ilocuções e
perlocuções], em Foundations of Language 9 [Fundamentos da linguagem] (1973).
Diversos teóricos da desconstrução propuseram que o uso da língua em literatura
de ficção (a qual Austin exclui de suas considerações de atos da fala “seriamente” pre‐
tendidos) é na realidade um grande exemplo do performativo, no sentido de que não
se refere a um estado de coisas pré‐existente, mas faz surgir os personagens, as ações
e o mundo que descreve. Por outro lado, já que atos linguísticos performativos não
podem evitar recorrer à linguagem da declaração e asserção, os teóricos da descons‐
trução convertem a distinção constativo/performativo de Austin num impasse irresolu‐
to, ou oscilação, de oposições irreconciliáveis. Ver desconstrução e remeter a Barbara
Johnson, “Poetry and Performative Language: Mallarmé and Austin” [Poesia e lingua‐
gem performativa: Mallarmé e Austin], em The Critical Difference [A diferença crítica]
(1980); Sandra Petrey, Speech Acts and Literary Theory [Atos da fala e teoria literária]
(1990); Jonathan Culler, Literary Theory: A Very Short Introduction [Teoria literária:
uma breve introdução] (1997), capítulo 7, “Performative Language” [Linguagem per‐
formativa]. Judith Butler propôs que os termos que usamos para descrever gênero e
sexualidade são modos do uso performativo da linguagem, no sentido de que a aplica‐
13
ção reiterada desses termos, em concordância com as convenções que governam seu
uso, na realidade faz surgir (ou “executa”3) as identidades e formas de comportamento
que pretende descrever. Ver Judith Butler, Gender Trouble: Feminism and the Subver‐
sion of Identity [Problemas de gênero: Feminismo e a subversão da identidade] (1997);
também remeter a Teoria Queer.
Desde 1970 a teoria dos atos da fala tem influenciado de formas conspícuas e va‐
riadas a prática da crítica literária. Quando aplicada à análise do discurso direto por um
personagem no âmbito de uma obra literária, provê um quadro sistemático, porém às
vezes complicado, para identificar pressuposições, implicações e efeitos de atos da fala
não ditos que os leitores competentes e críticos sempre levaram em consideração, de
maneira sutil apesar de assistemática. (Ver análise do discurso.) A teoria dos atos da
fala também já foi usada de uma forma mais radical, no entanto, como o parâmetro
para a remodelação da teoria da literatura em geral, e especialmente a teoria das nar‐
rativas em prosa (ver ficção e verdade). O que o autor de uma obra ficcional – ou me‐
lhor, o que o narrador inventado pelo autor – narra é considerado constituinte de um
conjunto de asserções “fingidas”, que para o autor tem o intuito, compreendido pelo
leitor competente, de se libertar do compromisso comum do falante em relação à ver‐
dade do que ele ou ela afirma. No âmbito do mundo ficcional que a narrativa estabele‐
ce, todavia, as declarações dos personagens fictícios – sejam elas asserções, promessas
ou votos matrimoniais – são consideradas como responsáveis para com os compromis‐
sos ilocucionários comuns. Alternativamente, alguns teóricos dos atos da fala propõem
uma nova versão da teoria mimética (ver imitação). Críticos miméticos tradicionais
afirmaram que a literatura imita a realidade ao representar num meio verbal o ambi‐
ente, ações, declarações e interações dos seres humanos. Alguns teóricos dos atos da
fala, por outro lado, propõem que toda a literatura é simplesmente “discurso miméti‐
co”. Uma lírica, por exemplo, é uma imitação daquela forma de discurso comum pela
qual expressamos nossos sentimentos a respeito de algo, e um romance é uma imita‐
ção de uma forma particular de discurso escrito, tal como a biografia (The History of
Tom Jones [A história de Tom Jones], de Henry Fielding, 1749), ou a autobiografia (Da‐
vid Copperfield, de Charles Dickens, 1849‐50), ou até mesmo a edição acadêmica ano‐
tada de um texto poético (Pale Fire [Fogo pálido], de Nabokov, 1962). Ver Barbara
Hernstein Smith, On the Margins of Discourse: The Relation of Literature to Language
[Nas margens do discurso: a relação entre literatura e linguagem] (1978).
Para o tratamento filosófico básico dos atos da fala ver How to Do Things with
Words (1962), de John Austin; Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language
[Atos da fala: ensaios sobre a filosofia da linguagem] (1970), de John R. Searle; e H. P.
Grice, “Logic and Conversation” [Lógica e conversação], em Syntax and Semantics 3
[Sintaxe e semântica] (1975). Entre as tentativas de modelar a teoria geral da literatu‐
3
Do inglês “perform”, portanto relativo à performance. [N. T.]
14
ra, ou pelo menos da ficção em prosa, na teoria dos atos da fala, estão Richard
Ohmann, “Speech Acts and the Definition of Literature” [Atos da fala e a definição de
literatura]”, Philosophy and Rhetoric 4 [Filosofia e retórica] (1971); Charles Altieri, “The
Poem as Act” [O poema como ato], Iowa Review 6 (1975); John R. Searle, “The Logical
Status of Fictional Discourse” [O status lógico do discurso ficcional]”, em seu Expres‐
sion and Meaning [Expressão e significado] (1979), capítulo 3. Uma aplicação detalha‐
da à teoria literária é Toward a Speech Act Theory of Literary Discourse [Para uma teo‐
ria dos atos da fala do discurso literário] (1977), de Mary Louise Pratt. Para opiniões
sobre as limitações da teoria dos atos da fala quando aplicada à crítica literária, ver
Stanley Fish, “How to Do Things with Austin and Searle: Speech‐Act Theory and
Literary Criticism” [Como fazer coisas com Austin e Searle: a teoria dos atos da fala e a
crítica literária]”, em Is There a Text in This Class? [Há um texto nessa classe?] (1980); e
Joseph Margolis, “Literature and Speech Acts” [Literatura e atos da fala], Philosophy
and Literature 3 [Filosofia e literatura]. Para a análise desconstrucionista das opiniões
de Austin por Jacques Derrida, e para a resposta de John Searle, ver desconstrução.
Desconstrução
Desconstrução, aplicada à crítica literária, designa uma teoria e prática da leitura
que questiona e afirma “subverter” ou “abalar” a noção de que o sistema linguístico
provê bases que são adequadas para estabelecer os limites, a coerência ou unidade, e
os significados específicos de um texto literário. Tipicamente, uma leitura desconstru‐
cionista procura demonstrar que as forças conflitantes no âmbito do texto servem pa‐
ra dissipar a aparente exatidão de sua estrutura e significados numa série de possibili‐
dades incompatíveis e irresolutas.
O criador e nominador da desconstrução é o pensador francês Jacques Derrida,
cujos precursores incluem Friedrich Nietzsche (1844‐1900) e Martin Heidegger (1889‐
1976) – filósofos alemães que realizaram questionamentos radicais sobre conceitos
filosóficos fundamentais como “conhecimento”, “verdade” e “identidade” –, e tam‐
bém Sigmund Freud (1856‐1939), cuja psicanálise violou os conceitos tradicionais de
uma consciência individual coerente e um eu unitário. Derrida apresentou suas opini‐
ões básicas em três livros, todos publicados em 1967, intitulados Of Grammatology [Da
gramatologia], Writting and Difference [Escrita e diferença] e Speech and Phenomena
[Discurso e fenômenos]; desde então ele tem reiterado, expandido e aplicado essas
opiniões numa rápida sequência de publicações.
Os textos de Derrida são complexos e elusivos, e este resumo pode apenas indicar
algumas das tendências principais. Sua posição estratégica é o que ele chama, em Of
Grammatology, de “a proposição axial de que não há fora‐do‐texto” (“il n’y a rien hors
du texte”, ou alternativamente “il n’y a pas hors‐texte”). Como todos os termos e afir‐
15
mações‐chaves de Derrida, este tem múltiplos significados, mas um sentido primário é
que o leitor não pode ir além dos signos verbais para chegar em qualquer coisa‐em‐si‐
mesma, a qual, porque independente do sistema linguístico, poderia servir para anco‐
rar um significado determinável. A afirmação reiterada de Derrida é que não apenas
todas as filosofias e teorias linguísticas ocidentais, mas todos os usos ocidentais da
linguagem, portanto toda a cultura ocidental, são logocêntricos; isto é, são centrados
ou baseados em um “logos” (que em grego significa tanto “palavra” como “racionali‐
dade”), ou, como em uma frase de Heidegger que ele adota, dependem da “metafísica
da presença”. São logocêntricos, de acordo com Derrida, em parte porque são fono‐
cêntricos; isto é, dão, implícita ou explicitamente, “prioridade” ou “privilégio” lógico à
fala em detrimento da escrita, como modelo para analisar todo o discurso. Por logos,
ou presença, Derrida quer dizer o que ele também chama de “referente último” – uma
base ou fundação auto‐asseguradora e auto‐suficiente disponível para nós totalmente
fora do próprio jogo da linguagem, que está diretamente presente para nossa percep‐
ção e serve para “centrar” (isto é, ancorar, organizar e garantir) a estrutura do sistema
linguístico, e como consequência é suficiente para estabelecer os limites, coerência e
significados específicos de qualquer declaração falada ou escrita no âmbito daquele
sistema. (Sobre a “descentralização” do estruturalismo por Derrida, ver pós‐
estruturalismo.) Exemplos históricos de defesas de bases da linguagem são Deus como
o garantidor de sua validade, ou uma forma platônica da verdadeira referência de um
termo geral, ou o “telos” ou objetivo hegeliano ao qual todos os processos se direcio‐
nam, ou a intenção de significar algo determinado que está diretamente presente na
percepção da pessoa que inicia uma declaração. Derrida procura demonstrar que essas
e todas as outras tentativas da filosofia ocidental de estabelecer um fundamento abso‐
luto na presença, e toda confiança em tal fundamento no uso da língua, estão fadados
ao fracasso. Especialmente, ele direciona essa exposição cética contra a presunção
fonocêntrica – que ele considera central nas teorias ocidentais da linguagem – de que
no instante da fala, a “intenção” do falante de querer dizer algo determinado através
de uma declaração está imediata e completamente presente na consciência desse falan‐
te, e também é comunicável a um ouvinte. (Ver intenção, em interpretação e hermenêuti‐
ca.) Na visão de Derrida, devemos sempre dizer mais, e além, do que pretendemos dizer.
Derrida expressa sua concepção alternativa de que o jogo dos significados linguís‐
ticos é “irresolúvel”, nos termos derivados da opinião de Saussure de que, num siste‐
ma de signos, ambos os significantes (os elementos materiais da linguagem, sejam
falados ou escritos) e os significados (seus significados conceituais) devem suas identi‐
dades aparentes não às suas próprias características “positivas” ou inerentes, mas às
suas “diferenças” de outros sons‐da‐fala, sinais escritos ou significações conceituais.
(Ver Saussure, em linguística na crítica moderna e em semiótica). Desse ponto de vista
Derrida desenvolve sua afirmação radical de que as características que, em qualquer
declaração particular serviriam para estabelecer o significado de uma palavra, nunca
16
estão “presentes” para nós em suas próprias identidades positivas, já que tanto essas
características como suas significações não são nada além de uma rede de diferenças.
Por outro lado, também não se pode dizer que essas características identificadoras
também estão estritamente “ausentes”; ao invés disso, em qualquer declaração falada
ou escrita, o significado aparente é o resultado unicamente de um traço “auto‐
obliterado” – no sentido de que não se tem consciência dele – que consiste em todas
as diferenças não‐presentes de outros elementos no sistema linguístico que investem
na declaração seu “efeito” de ter um significado próprio. A consequência, na opinião
de Derrida, é que nunca podemos, em nenhuma instância da fala ou da escrita, ter um
significado presente demonstravelmente fixo e decidido. Ele diz que o jogo (jeu) dife‐
rencial da linguagem pode produzir os “efeitos” de significados decididos numa decla‐
ração ou texto, mas afirma que estes são meramente efeitos e não possuem uma base
que justificaria certeza na interpretação.
Numa jogada característica, Derrida cunha o termo portmanteau4 différance, no
qual, ele explica, utiliza a grafia “‐ance” no lugar de “‐ence” para indicar a fusão de dois
sentidos do verbo francês “différer”: ser diferente, e adiar. Esse duplo sentido aponta
para o fenômeno de que, por um lado, um texto oferece o “efeito” de ter uma signifi‐
cância que é o produto de sua diferença, mas por outro lado, já que essa significância
oferecida nunca pode chegar finalmente a uma “presença” real – ou numa realidade
independente da linguagem que Derrida chama de significante transcendental – sua
especificação determinada é transferida de uma interpretação linguística a outra em
um movimento ou “jogo”, como diz Derrida, en abîme – isto é, em regresso infindável.
Na opinião de Derrida, portanto, é a diferença que torna possível o significado cuja
possibilidade (enquanto significado decidido) ela necessariamente confunde. Como
Derrida diz em outra de suas cunhagens, o significado de qualquer declaração falada
ou escrita, pela ação de forças linguísticas internas opostas, é inelutavelmente disse‐
minado – um termo que inclui, dentre suas significações deliberadamente contraditó‐
rias, a de ter um efeito de significado (um efeito “semântico”), de dispersar significa‐
dos em incontáveis alternativas, e de negar qualquer significado específico. Portanto
não há base, no incessante jogo de diferenças que constitui qualquer idioma, para a‐
tribuir um significado decisivo, ou mesmo um conjunto finito de significados determi‐
nadamente múltiplos (que ele chama “polissemia”), a qualquer declaração falada ou
escrita. (Derrida chama de “polissemia” o que William Empson chamava de “ambigui‐
dade”; ver ambiguidade.) Como Derrida coloca em Writing and Difference [Escrita e
diferença]: “A ausência de um significado transcendental estende o domínio e o jogo
da significação ao infinito” (p. 280).
4
Termo (ou palavra) portmanteau: em linguística, uma palavra que combina o significado de
duas outras (ou, raramente, mais de duas), e é formada pela combinação dessas palavras, ge‐
ralmente unindo a primeira parte de uma e a última parte da outra. [N. T.]
17
Muitos dos procedimentos céticos de Derrida tiveram influência especial na crítica
literária desconstrucionista. Uma foi a subversão das inúmeras oposições binárias –
tais como fala/escrita, natureza/cultura, verdade/erro, masculino/feminino – que são
elementos estruturais essenciais na linguagem logocêntrica. Derrida demonstra que
tais oposições constituem uma hierarquia tácita, na qual o primeiro termo funciona
como privilegiado e superior, e o segundo termo como derivativo e inferior. O proce‐
dimento de Derrida é inverter a hierarquia, ao demonstrar que se pode fazer parecer
que o termo secundário é derivado do termo primário, ou é um caso especial deste;
mas ao invés de parar nessa reversão, ele continua a desestabilizar as duas hierarqui‐
as, deixando‐as em condição de irresolução. (No âmbito da crítica literária desconstru‐
cionista, uma demonstração do tipo é inverter a oposição hierárquica padrão de litera‐
tura/crítica, para tornar a crítica primária e a literatura secundária, e com isso repre‐
sentar, com um conjunto irresolúvel de oposições, as asserções de que a crítica é uma
espécie de literatura e que a literatura é uma espécie de crítica.) Uma segunda opera‐
ção influente no campo da crítica literária é a desconstrução por Derrida de qualquer
tentativa de estabelecer uma margem ou limite seguramente determinado para uma
obra textual, para poder diferenciar o que está “dentro” do que está “fora” da obra.
Uma terceira operação é a análise de não‐logicidade inerente, ou “retoricidade” – isto
é, a dependência inescapável de figuras retóricas e linguagem figurada – em todos os
usos da língua, incluindo o que os filósofos tradicionalmente afirmaram serem argu‐
mentos estritamente literais e lógicos da filosofia. Derrida, por exemplo, enfatiza a
dependência indispensável, em todos os modos de discurso, das metáforas que se su‐
põem meros substitutos convenientes para significados literais ou “apropriados”; ele
então encarrega‐se de demonstrar, por um lado, que metáforas não podem ser redu‐
zidas a significados literais, e, por outro, que os termos supostamente literais são eles
mesmos metáforas cuja natureza metafórica foi esquecida.
O procedimento característico de Derrida não é expor seus conceitos e operações
desconstrucionistas em uma demonstração sistemática, mas permitir que eles emer‐
jam em uma sequência de exemplos de leituras próximas de passagens de textos que
vão de Platão, passando por Jean‐Jacques Rousseau, até nossa época – textos que,
pela classificação padrão, são principalmente filosóficos, apesar de ocasionalmente
literários. Ele descreve seu procedimento como uma “leitura dupla”. Quer dizer, inici‐
almente ele interpreta um texto como, na forma padrão, “lisible”5 (legível ou inteligí‐
vel), já que engendra “efeitos” de ter significados determinados. Mas essa leitura, a‐
firma Derrida, é apenas “provisória”, um estágio em direção a uma segunda, ou des‐
construcionista, “leitura crítica”, que dissemina o significado provisório numa gama
indefinida de significações que, ele afirma, sempre envolvem (num termo da lógica)
5
Lisible: termo francês para “legível”. [N. T.]
18
uma aporia – um impasse insuperável, ou “double bind”6, de significados incompatí‐
veis ou contraditórios que são “irresolúveis”, no sentido de que não temos bases sufi‐
cientes para escolher entre eles. O resultado, na interpretação de Derrida, é que cada
texto desconstrói a si mesmo, ao sabotar suas próprias supostas bases e se dispersar
em significados incoerentes de uma forma que, ele afirma, o leitor desconstrucionista
não inicia e nem produz; desconstrução é algo que simplesmente “acontece” numa
leitura crítica. Derrida afirma, ainda, que não tem opção além de comunicar suas leitu‐
ras desconstrucionistas na linguagem logocêntrica dominante, por isso seus textos
interpretativos desconstroem a si mesmos no próprio ato de desconstruir os textos a
que se dirigem. Ele insiste, entretanto, que “desconstrução não tem nada a ver com
destruição”, e que todos os usos padrão da linguagem serão inevitavelmente manti‐
dos; o que ele empreende fazer, afirma, é meramente “situar” ou “reinscrever” qual‐
quer texto em um sistema de diferenças que demonstra a instabilidade dos efeitos aos
quais o texto deve sua aparente inteligibilidade.
Derrida não propôs a desconstrução como modalidade de crítica literária, mas
como forma de ler todos os tipos de textos, para revelar e subverter as pressuposições
metafísicas tácitas do pensamento ocidental. Suas opiniões e técnicas, no entanto,
foram adotadas por críticos literários, especialmente nos EUA, que adaptaram a “leitu‐
ra crítica” de Derrida ao tipo de leitura próxima de textos literários em particular que
anteriormente havia sido o procedimento familiar da Nova Crítica; eles o fazem, toda‐
via, como Paul de Man afirmou, de uma forma que revela que as leituras próximas da
Nova Crítica “não eram próximas o suficiente”. Os resultados finais dos dois tipos de
leitura próxima são totalmente diversos. As explicações de textos pela Nova Crítica
procuram demonstrar que uma grande obra literária, nas rigorosas relações internas
de seus significados figurados e paradoxais, constitui uma entidade autônoma, limita‐
da e orgânica de significados múltiplos porém determinados. De forma contrária, uma
leitura próxima radicalmente desconstrucionista procura demonstrar que um texto
literário não tem um limite “totalizado” que o torne uma entidade, e muito menos
uma unidade orgânica; e também que o texto, por um jogo de forças internas, se dis‐
semina em uma gama de indefinidas significações auto‐conflitantes. Alguns críticos
desconstrucionistas afirmam que o texto literário é superior aos não‐literários, mas
apenas porque, em razão de sua auto‐referencialidade, se mostra mais consciente das
características que todos os textos inescapavelmente compartilham: sua ficcionalida‐
de, sua falta de bases genuínas, e especialmente sua aparente “retoricidade”, ou uso
de técnicas metafóricas – características que tornam qualquer “leitura certa” ou “leitu‐
ra correta” de um texto impossível.
6
Double bind: um dilema no qual alguém recebe instruções contraditórias e não pode executar
nenhuma delas. Nos textos em língua portuguesa essa expressão não costuma ser traduzida. [N. T.]
19
Paul de Man foi o mais inovador e influente dos críticos que aplicaram a descons‐
trução à leitura de textos literários. Nos textos posteriores de de Man, ele representou
as forças conflitantes básicas de um texto sob o título de “gramática” (o código ou re‐
gras da linguagem) e “retórica” (o incontrolável jogo de figuras e tropos), e as alinhou a
outras forças opostas, tais como as funções linguísticas “constativas” e “performati‐
vas” que foram identificadas por John Austin (ver teoria dos atos da fala). Em seu as‐
pecto gramático, a linguagem persistentemente aspira a determinar asserções refe‐
renciais e logicamente ordenadas, as quais são persistentemente dispersadas pelo seu
aspecto retórico em um conjunto aberto de possibilidades não‐referenciais e ilógicas.
Um texto literário, portanto, por necessidade interna diz um coisa e realiza outra, ou co‐
mo de Man alternativamente coloca a questão, um texto “simultaneamente afirma e nega
a autoridade da sua própria forma retórica” (Allegories of Reading [Alegorias da leitura],
1979, p. 17). O resultado inevitável, para a leitura crítica, é uma aporia de “possibilidades
vertiginosas”.
Barbara Johnson, ex‐aluna de de Man, aplicou as leituras desconstrucionistas não
apenas aos textos literários, mas aos escritos de outros críticos, incluindo o próprio
Derrida. Sua sucinta declaração sobre o objetivo e métodos de uma leitura desconstru‐
cionista é frequentemente citada:
Desconstrução não é sinônimo de destruição... A des‐construção de um texto
não é levada a cabo por dúvidas aleatórias ou subversão arbitrária, mas pela
provocação cuidadosa das forças antagônicas de significação no próprio âm‐
bito do texto. Se qualquer coisa é destruída numa leitura desconstrucionista,
não é o texto, mas a afirmação de dominação inequívoca de um modo de sig‐
nificação sobre outro. (The Critical Difference [A diferença crítica], 1980, p. 5)
J. Hillis Miller, antes o maior representante norte‐americano da Escola de Geneva
da crítica da consciência, é hoje o mais proeminente dos desconstrucionistas, conheci‐
do especialmente por sua aplicação desse tipo de leitura crítica à ficção em prosa. A
declaração de Miller sobre sua prática crítica indica quão drástico pode ser o resultado
da aplicação às obras literárias dos conceitos e técnicas que Derrida desenvolveu para
desconstruir as bases da metafísica ocidental:
A desconstrução como modo de interpretação se dá pela entrada cuidadosa e
circunspecta em cada labirinto textual... O crítico desconstrucionista procura
encontrar, por esse processo de reconstituição, o elemento do sistema estu‐
dado que é alegórico, o fio no texto em questão que irá desemaranhar tudo,
ou a pedra solta que desmoronará a construção inteira. A desconstrução,
mais precisamente, aniquila a fundação na qual o texto se erige ao mostrar
que o texto já aniquilou essa fundação, consciente ou inconscientemente. A
20
desconstrução não é uma desmontagem da estrutura do texto, mas uma de‐
monstração de que ele mesmo já se desmontou.
A conclusão de Miller é que qualquer texto literário, enquanto jogo interminável de
significados “irreconciliáveis” e “contraditórios”, é “indeterminável” e “irresolúvel”;
portanto, que “todas as leituras são necessariamente leituras erradas.” (“Steven’s Rock
and Criticism as Cure, II” [A pedra e crítica de Steven como cura], em Theory Then and
Now [Teoria ontem e hoje], 1991, p. 126, e “Walter Pater: A Partial Portrait” [Walter
Pater: um retrato parcial], Daedalus, Vol. 105, 1976.)
Para outros aspectos das opiniões de Derrida, ver pós‐estruturalismo e remeter a
Geoffrey Bennington, Jacques Derrida (1993). Alguns dos principais livros de Jacques
Derrida disponíveis em inglês, com as datas da tradução para o idioma, são Of
Grammatology [Da gramatologia], traduzido e introduzido por Gayatri C. Spivak, 1976;
Writing and Difference [Escrita e diferença] (1978); e Dissemination [Disseminação]
(1981). Uma antologia útil de seleções da obra de Derrida é A Derrida Reader: Between
de Blinds [Uma leitura de Derrida: entre as cortinas], ed. Peggy Kamuf (1991). Acts of
literature [Atos de literatura], ed. Derek Attridge (1992), é uma seleção das discussões
de Derrida sobre textos literários. Uma introdução acessível às opiniões de Derrida é a
edição de Gerald Graff sobre a notável disputa entre Derrida e John R. Searle acerca da
teoria dos atos da fala de John Austin, intitulada Limited Inc. (1988); sobre essa disputa
ver também Jonathan Culler, “Meaning and Iterability” [Significado e reiterabilidade],
em On Deconstruction [Sobre a desconstrução] (1982). Livros que exemplificam tipos
de crítica literária desconstrucionista: Paul de Man, Blindness and Insight [Cegueira e
visão] (1971), e Allegories of Reading [Alegorias da leitura] (1979); Barbara Johnson,
The Critical Difference: Essays in the Contemporary Rhetoric of Reading [A diferença
crítica: ensaios sobre a retórica contemporânea da leitura] (1980), e A World of Diffe‐
rence [Um mundo de diferença] (1987); J. Hillis Miller, Fiction and Repetition: Seven
English Novels [Ficção e repetição: sete romances ingleses] (1982), The Linguistic
Moment: From Wordsworth to Stevens [O momento linguístico: de Wordsworth a
Stevens] (1985), e Theory Then and Now [Teoria ontem e hoje] (1991); Cynthia Chase,
Decomposing Figures: Rhetorical Readings in the Romantic Tradition [Figuras em de‐
composição: leituras retóricas na tradução romântica] (1986). Exposições da descons‐
trução de Derrida e das aplicações na crítica literária: Geoffrey Hartman, Saving the
Text [Salvando o texto] (1981); Jonathan Culler, On Deconstruction [Sobre a descons‐
trução] (1982); Richard Rorty, “Philosophy as a Kind of Writing” [Filosofia como um
tipo de escrita], em Consequences of Pragmatism [Consequências do pragmatismo]
(1982); Michael Ryan, Marxism and Deconstruction [Marxismo e desconstrução]
(1982); Mark C. Taylor, ed., Deconstruction in Context [Desconstrução em contexto]
(1986); Christopher Norris, Paul de Man (1988). Dentre as muitas críticas sobre Derrida
e vários praticantes da crítica literária desconstrucionista estão Terry Eagleton, The
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Function of Criticism [A função da crítica] (1984); M. H. Abrams, “The Deconstructive
Angel” [O anjo desconstrucionista], “How to Do Things with Texts” [Como fazer coisas
com textos] e “Construing and Deconstructing” [Interpretando e desconstruindo], em
Doing Things with Texts [Fazendo coisas com textos] (1989); John M. Ellis, Against
Deconstruction [Contra a desconstrução] (1989); Wendell V. Harris, ed., Beyond
Poststructuralism [Além do pós‐estruturalismo] (1996).
Dialógica, Crítica
A Crítica Dialógica é modelada a partir da teoria e técnicas de crítica do crítico so‐
viético Mikhail Bakhtin, que, apesar de ter publicado suas principais obras nas décadas
de 1920 e 1930, permaneceu virtualmente desconhecido para o ocidente até a década
de 1980, quando traduções de seus textos lhe deram uma ampla e rapidamente cres‐
cente influência. Para Bakhtin uma obra literária não é (como supõem várias teorias
pós‐estruturalistas) um texto cujos significados são produzidos pelo jogo de forças lin‐
guísticas, econômicas ou culturais impessoais, e sim um local para a interação dialógica
de múltiplas vozes, ou modos de discurso, cada um dos quais não é meramente um
fenômeno verbal, mas social, e como tal são os produtos de variados determinantes
que são específicos a uma classe, grupo social e comunidade de fala. O discurso de
uma pessoa, composto de linguagens de diversos contextos sociais, não expressa uma
individualidade pronta e autônoma; ao contrário, sua personalidade emerge no curso
do diálogo e é composta de linguagens de diversos contextos sociais. Além disso, cada
declaração, seja na via real ou representada na literatura, deve sua inflexão e significa‐
do preciso a diversos fatores concomitantes – a situação social específica na qual é
proferida, a relação de seu falante a um ouvinte real ou antecipado, e a relação às de‐
clarações anteriores às quais é (explícita ou implicitamente) uma resposta.
O interesse principal de Bakhtin estava no romance, e especialmente nas formas
como as vozes que constituem o texto de qualquer romance perturbam a autoridade a
voz única do autor. Em Problems of Dostoevsky’s Poetics [Problemas da poética de
Dostoevsky] (1929, trad. por Caryl Emerson, 1984), ele contrasta os romances mono‐
lógicos de escritores como Leo Tolstoy – que buscam subordinar as vozes de todos os
personagens ao discurso autoritário e propósitos controladores do autor – com a for‐
ma dialógica (ou “forma polifônica”) dos romances de Fyodor Dostoevsky, nos quais os
personagens são liberados para ter “uma pluralidade de vozes e consciências indepen‐
dentes e desassociadas, uma polifonia genuína de vozes inteiramente válidas”. Na vi‐
são de Bakhtin, entretanto, um romance nunca pode ser totalmente monológico, já
que os relatos pelo narrador das declarações de outro personagem são inescapavel‐
mente “duplamente vocais” (no sentido de que podemos neles distinguir o próprio
acento e inflexão do autor), e nem totalmente dialógico (já que o discurso do autor
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continuamente reforça, altera ou contesta com os tipos de discurso que relata). Em
Rabelais and His World [Rabelais e seu mundo] (trad., 1984), Bakhtin propôs seu am‐
plamente citado conceito do carnavalesco em certas obras literárias. Essa forma literá‐
ria paraleliza a zombaria da autoridade e a inversão de hierarquias sociais que, em muitas
culturas, são permitidas em época de carnaval. Realiza‐o ao introduzir uma mistura de
vozes de diversos níveis sociais que são livres para zombar e subverter a autoridade, afron‐
tar normas sociais de forma irreverente e mostrar várias formas de profanação do que é
habitualmente considerado sacrossanto. Bakhtin traça a ocorrência do carnavalesco em
autores antigos, medievais e renascentistas (especialmente em Rabelais); também afirma
que a forma recorre posteriormente, especialmente no jogo de vozes irreverentes, paródi‐
cas e subversivas, nos romances de Dostoevsky, que são dialógicos e carnavalescos.
Num ensaio sobre “Discourse in the Novel” [O discurso no romance] (1934‐35),
Bakhtin desenvolve seu conceito de que um romance é constituído pela multiplicidade
de vozes sociais divergentes e contendoras que atingem sua significância total apenas
no processo de interação dialógica entre si mesmas e com a voz do narrador. Bakhtin
posiciona explicitamente sua teoria contra a Poetics [Poética] de Aristóteles, a qual
propôs que o componente primário das formas narrativas é uma trama que evolui coe‐
rentemente de seu início até um fim no qual todas as complicações são resolvidas (ver
trama). Em vez disso, Bakhtin eleva o discurso (equivalente ao elemento subordinado
da dicção, em Aristóteles) à posição de componente primário da obra narrativa; e des‐
creve o discurso como uma mistura de vozes, atitudes sociais e valores que não apenas
estão opostos, mas são irreconciliáveis, e como resultado a obra permanece irresoluta
e aberta. Apesar de ter escrito durante o regime stalinista na Rússia, o conceito libertá‐
rio e aberto de Bakhtin da narrativa literária é obviamente, contudo tacitamente, o‐
posto à versão soviética da crítica marxista, que enfatiza a forma com que um romance
ou reflete ou distorce a verdadeira realidade social, ou expressa uma única ideologia
dominante, ou deveria exemplificar um “realismo social” que esteja de acordo com
uma linha autoritária do partido. Ver crítica marxista e, para uma discussão do pro‐
blema complexo do relacionamento de Bakhtin com a crítica literária marxista e sovié‐
tica, Simon Dentith, Bakhtinian Thought: An Introduction Reader [Pensamento bakhti‐
niano: uma leitura introdutória] (1995), pp. 8‐21.
As teorias de Bakhtin têm sido, em parte e de formas diversas, incorporadas por
representantes de vários tipos de teoria e prática críticas, tanto tradicionais como pós‐
estruturalistas. Entre os estudiosos contemporâneos da literatura, aqueles que são
identificados especificamente como “críticos dialógicos” seguem o exemplo de Bakhtin
ao propor que o componente primário na constituição das obras narrativas, ou da lite‐
ratura em geral – e igualmente da cultura geral – é uma pluralidade de vozes sociais
contendoras e mutuamente qualificativas, sem a possibilidade de alcançar por uma
resolução decisiva a verdade monológica. Auto‐reflexivamente, um crítico dialógico
minucioso, de acordo com a própria opinião de Bakhtin, considera seus próprios textos
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críticos simplesmente uma voz entre muitas na contenda de teorias e práticas críticas, que
coexistem numa tensão constante de oposição e definição mútua. Don Bialostosky, um
dos principais porta‐vozes da crítica dialógica, deu voz ao raciocínio e ideal da corrente:
Como prática auto‐consciente, a crítica dialógica transforma seu envolvimen‐
to inescapável com outras vozes em um programa de articulação de si mesma
com todas as outras vozes da disciplina, a cultura, ou o mundo de culturas ao
qual se torna responsável... Nem um relativismo viva‐e‐deixe‐viver, e nem um
autoritarismo resolver‐de‐uma‐vez‐por‐todas, mas uma dialogismo estrênuo
e aberto as manteria dialogando consigo mesmas e umas com as outras, des‐
cobrindo suas finidades sem se acomodar nelas e esclarecendo suas diferen‐
ças sem resolvê‐las. (“Dialogic Criticism” [Crítica Dialógica], em G. Douglas At‐
kins e Laura Morrow, eds., Contemporary Literary Theory [Teoria literária con‐
temporânea], 1989, pp. 223‐24)
Ver o empreendimento crítico relacionado chamado análise do discurso; e em a‐
créscimo aos textos mencionados anteriormente, remeter a The Dialogic Imagination
[A imaginação dialógica], ed. Michael Holquist (1981), e Speech Genres and Other Late
Essays [Gêneros do discurso e outros ensaios posteriores], ed. Caryl Emerson e
Michael Holquist (1986), ambos da autoria de Mikhail Bakhtin. Sobre a vida e posições
intelectuais de Bakhtin, com atenção ao problema da identificação de textos que
Bakhtin publicou sob os nomes de vários de seus colegas, ver Katerina Clark e Michael
Holquist, Mikhail Bakhtin (1984), e Gary Saul Morson e Caryl Emerson, Mikhail Bakhtin:
Creation of a Poetics [Mikhail Bakhtin: criação de uma poética] (1990). Uma exposição
inicial influente que divulgou as ideias de Bakhtin no ocidente foi Tzvetan Todorov,
Mikhail Bakhtin: The Dialogical Principle [Mikhail Bakhtin: o princípio dialógico] (1984);
um livro posterior que descreve a ampla disseminação dessas ideias é After Bakhtin
[Depois de Bakhtin] (1990), de David Lodge; e uma aplicação recente da crítica dialógi‐
ca é Don H. Bialostosky, Wordsworth, Dialogics, and the Practice of Criticism
[Wordsworth, dialógica e a prática da crítica] (1992). Para uma visão crítica das afirma‐
ções de Bakhtin, ver René Wellek, A History of Modern Criticism 1750‐1950 [Uma his‐
tória da crítica moderna 1750‐1950], vol. 7 (1991), pp. 354‐71.
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