Pneumologia Pediátrica

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Pneumologia Pediátrica

TEMAS EM DESTAQUE
Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC):
Importância, implantação e futuros desafios
Asma nos lactentes e pré-escolares: diagnóstico,
fenótipos e relevância destes para o tratamento
2 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
DIRETORIA - BIÊNIO 2010 | 2011 SUMÁRIO
Diretoria (biênio 2010/2011)
Presidente: Jaquelina Sonoe Ota Arakaki 4 EDITORIAL
Vice-Presidente: Mônica Corso Pereira • As perspectivas futuras da Pneumologia
Secretária Geral: Valéria Cristina Vigar Martins
1º Secretária: Lara Maris Nápolis Pediátrica Paulista
2ª Secretária: Nephtali Segal Grinbaum
Diretor de Finanças: Ricardo Milinavicius
• Pneumologia Pediátrica
Diretor de Assuntos Científicos: Oliver Augusto
Nascimento
Diretor de Divulgação: Carlos Viana Poyares Jardim 6 TEMAS EM DESTAQUE
Diretor de Informática: Roberta Pulcheri Ramos • Registro Brasileiro de Fibrose Cística
Comissões
Assuntos do Interior: Roberto Rodrigues Júnior (REBRAFC): Importância, implantação e
Defesa Profissional: Fabiola Gomes Rodrigues
Ensino: Roberto Saad Júnior futuros desafios
Promoções: Paulo Manuel Pêgo Fernandes • Tosse crônica em pediatria
Assuntos da Grande São Paulo: Igor Bastos Polonio
• Asma nos lactentes e pré-escolares:
Cirurgia Torácica:
Luiz Carlos Filgueiras Leiro diagnóstico, fenótipos e relevância destes
Ricardo Kalaf Mussi para o tratamento
Altair da Silva Costa Júnior

Endoscopia Respiratória:
29 ARTIGOS EM DESTAQUE
Luiz Hirotoshi Ota
Ascedio Rodrigues • Principais artigos na área de sono em
Viviane Rossi Figueiredo
pediatria nos últimos dois anos
Pediatria: • Atualização em asma em pediatria: discussão
Marina Buarque de Almeida
Lucia Harumi Muramatu das metanálises publicadas nos últimos 2 anos
Sonia Mayumi Chiba

Fisioterapia Respiratória: 29 RESUMINDO E RECORDANDO


Luciana Dias Chiavegato
Carla Malaguti • Broncoscopia na prática pediátrica
Priscila Batista de Souza
• Triagem neonatal para fibrose cística: o que
Conselho Fiscal fazer diante de um resultado alterado?
Efetivos:
Alberto Cukier • Pneumonias de repetição em pediatria
José Antônio Baddini Martinez • Pneumonias adquiridas na comunidade em
Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano
lactentes, crianças e adolescentes
Suplentes:
Irma de Godoy
José Eduardo Delfini Cançado 48 RELATO DE CASO
Sonia Maria Faresin
• Tratamento de hemangiomas de vias aéreas em
Conselho Deliberativo
Ana Luisa Godoy Fernandes
crianças utilizando propranolol
Carlos Alberto de Castro Pereira • Pneumatocele gigante com resolução
Fernando Augusto Fiuza de Melo
Francisco Vargas Suso espontânea
Jorge Nakatani
Manuel Lopes dos Santos
Miguel Bogossian
Nelson Morrone
Ricardo Beyruti NOSSA CAPA
Roberto Stirvulov
Virgílio Alexandre Nunes de Aguiar Ilustração:
Bira Dantas
PNEUMOLOGIA PAULISTA
Órgão Informativo da Sociedade Paulista de
Pneumologia e Tisiologia
Editores Responsáveis:
Mônica Corso Pereira e Carlos Viana Poyares Jardim
Editoração Eletrônica: Miriam Miranda
Impressão: Gráfica Riopedrense • Tiragem: 1200 exemplares

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 3


EDITORIAL

As perspectivas futuras da
Pneumologia Pediátrica Paulista

É
difícil prever o que o futuro nos reserva, entretanto, indústria farmacêutica e os futuros jovens pesquisadores,
algumas esperanças podemos ter quanto aos atendendo aos interesses mútuos de promover as pesquisas
progressos da nossa especialidade. Já temos 8 a nível nacional e internacional.
Centros formadores em Pneumologia Pediátrica no Sabemos que o Departamento de Pneumologia Pediátrica
Estado de São Paulo. da Sociedade de Pediatria de São Paulo continuará a agregar
Esperamos que os pneumologistas que estão se os membros pela excelente e diversificada programação e
formando, tenham, seguramente, maiores facilidades e menos pela troca de experiências entre os participantes.
dificuldades em se afirmar na profissão, ao contrário dos As equipes de Pneumologia Pediátrica dos departamentos
colegas mais velhos que iniciaram a pneumologia pediátrica de Pediatria das universidades, estaduais e federal de São
paulista nas décadas de 70 e 80. Paulo continuarão a receber residentes e estagiários,
Esperamos que o uso da internet permita ainda mais, como formarão mestres e doutores com capacitação para
já tem permitido, a pronta e permanente atualização na assistência, ensino e pesquisa e para formação de novos
especialidade, e que os sites das sociedades de Pediatria e núcleos da especialidade.
de Pneumologia, através da educação continuada, possam O que os pneumologistas mais velhos e experientes
suprir as lacunas nos conhecimentos e, a qualquer momento, poderiam desejar aos mais novos? Que possam exercer a
permitam que os jovens obtenham relevantes informações especialidade com dignidade e remuneração condizente com
em contraposição aos recursos de antigamente, quando era os anos de estudo e que possam publicar suas pesquisas e
necessário se passar horas na biblioteca transcrevendo teses sem maiores percalços. Que não desanimem frente às
manualmente os títulos do Index Medicus. dificuldades ou demora para divulgar suas experiências e
Esperamos que os pneumologistas do futuro, dada a ideias e que se mantenham firmes no rumo de contribuir com
abrangência dos conhecimentos adquiridos, tenham mais o crescimento da Pneumologia Pediátrica paulista.
discernimento do que nós tivemos, e que acumulem capacidade A presente edição prestigia a Pneumologia Pediátrica
de analisar com ponderação e espírito crítico as publicações, os paulista e contribui para a divulgação científica das práticas,
artigos, os ensaios baseados em evidências ou as metaanálises. do ensino e das pesquisas sobre diversos temas de interesse
Esperamos que a proposta do futuro da Pneumologia em nossa especialidade. Foi escrita por vários colegas
Pediátrica paulista seja de estabelecer os protocolos de pneumologistas atuantes, que não pouparão esforços em
atuação em nível regional e mesmo nacional, estimular e transmitir a sua experiência a todos que estiverem lendo a
apoiar atividades conjuntas da especialidade, manter Revista Pneumologia Paulista.
contatos e estabelecer intercâmbio entre os grupos de estudo
de São Paulo e outras cidades ou estados. Tatiana Rozov
Os estudos multicêntricos serão bem vindos e constituirão Livre Docente do Departamento de Pediatria da Faculdade
a base das futuras pesquisas, já que permitirão maior número de Medicina da Universidade de São Paulo.
de pacientes, maior abrangência de resultados e conclusões Orientadora do Curso de Pós-graduação em Reabilitação
de maior peso, com reconhecimento internacional das da Universidade Federal de São Paulo e médica voluntária do
publicações. A qualidade de vida, a aderência aos tratamentos Centro de Reabilitação Pulmonar da Disciplina de
e os modos de intervenção para melhorá-la poderão ser os Pneumologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp/
assuntos futuros a serem investigados nos nossos pacientes Lar Escola São Francisco.
com diversas doenças. Membro do Departamento de Pneumologia Pediátrica da
Esperamos que exista uma saudável parceria entre a Sociedade de Pediatria de São Paulo

4 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


EDITORIAL

Pneumologia Pediátrica

N
as linhas abaixo procurei, dentro dos limites da Docente e passei a Professor Pleno.
memória não registrada, descrever a minha Aqui chegando, já encontrei o Dr. Joel Rodrigues Bastos
participação no nascimento, difusão e e o Dr. Paulo Alighieri atendendo os pacientes com
aperfeiçoamento desse setor da Pediatria. broncopneumopatias.
Com quatro exceções não citei nomes para evitar o risco Muitos outros Hospitais Públicos, Universitários,
de injustiças imperdoáveis. Estaduais e Municipais, além de Ambulatórios já estavam
Em 1948, foi inaugurado no Rio de Janeiro o Hospital começando a atender essas crianças separadamente. A
dos Servidores do Estado (HSE) do antigo Instituto de organização, gerenciamento e qualidade assistenciais, como
Previdência e Assistência dos Servidores do Estado era previsível, variavam de acordo com os inúmeros fatores
(IPASE). que todos nós médicos conhecemos. Merecem, entretanto,
Na época ele foi classificado por Instituição Americana citação especial o setor do Instituto da Criança da USP,
que avaliava, por critérios rigorosos, como o único de onde, além da equipe de alto padrão, assistência e ensino
classe A no Brasil. modelares, ainda pesquisas eram feitas.
Além das exigências básicas, o HSE apresentava As grandes incidência e prevalência das doenças
inovações ainda não existentes no Brasil como, por respiratórias na infância funcionaram como um estímulo,
exemplos, a Unidade de Terapia Intensiva, a Residência um atrativo para que os jovens médicos procurassem
Médica e a divisão das clínicas básicas em setores residências especializadas e frequentassem os cursos,
especializados jornadas regionais e congressos, criando em suas regiões
O serviço de Pediatria foi entregue ao Prof. Luiz Torres de origem unidades de atendimento especializado.
Barbosa, que entre muitas qualidades, tinha a de ser Nos trinta anos seguintes participamos, sós ou com
entusiasta das novidades existentes nos Hospitais da outros colegas antigos, de um número muito elevado
França e dos Estados Unidos, onde fizera residência e desses eventos.
diversos estágios. Essas minha longa atuação clínica, principalmente na
Desta forma, pediatras selecionados após rigorosos rede pública, logo me fez perceber que, além da capacidade
concursos públicos foram encarregados de criar inúmeros profissional, a correta assistência às crianças portadoras
setores como, por exemplo, a Puericultura, Metabolismo e das doenças respiratórias agudas e/ou crônicas deveria
Nutrição, Berçários de normais, prematuros e patológicos... obedecer algumas premissas:
e a Pneumologia. Este setor foi entregue ao prof. Afrânio 1. Facilitar os tratamentos e diminuir as internações.
Raul Garcia, futuro Prof. Titular da Faculdade Federal de 2. Criar estrutura assistencial adequada.
Medicina do Rio de Janeiro, e que imediatamente criou o 3. Basear o primeiro item na classificação das
terceiro ano de Residência para possível dedicação pneumonias agudas de etiologia não determinada em
exclusiva à especialidade. características clínico-radiológicas estabelecendo
Entretanto, “cláusula pétrea” determinava que, apesar esquemas de tratamento para cada uma delas.
dessa dedicação, nenhum pediatra abandonasse o conceito 4. O segundo item deve ser baseado no princípio da
da criança como unidade, sobre todos os aspectos. hierarquia e na continuidade assistenciais. Retornos devem
Em 1955, ingressei, também por concurso, como ser marcados pela equipe a partir do segundo dia após o
assistente do grupo. Com este grande mestre e amigo muito início do tratamento seguindo-se então diversos caminhos
aprendi de Medicina, Ética e amor pelos nossos pequenos de acordo com a evolução de cada caso.
clientes. Este esquema aqui resumido foi plenamente
Salvo qualquer equívoco, pelo qual me desculpo, ele foi desenvolvido e constitui o que denominamos PROGRAMA
o pioneiro e grande divulgador da Pneumologia Infantil no DRI que implantamos como modelo na Santa Casa.
Brasil. Comprovada sua eficiência, vantagens e possibilidade de
Em 1969, fui convidado e aceitei vir para São Paulo e execução, em todo ou em partes, passamos a tentar
assumir o título de Professor Associado na Clínica implantá-lo em todo o sistema de saúde na capital e no
Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa Estado de São Paulo.
de Misericórdia. Posteriormente prestei concurso de Livre Sendo assessor temporário da Organização

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Panamericana da Saúde e do Ministério da Saúde, tentei como também os inúmeros relatórios e estatísticas, que
expandi-lo através de treinamentos e de documentos para demonstram que muitos doentes deles se beneficiaram
o resto do Brasil. De forma facilitada, principalmente para enquanto funcionou.
áreas carentes de recursos em todo mundo, utilizando Afastado por mais de dez anos da especialidade, não
Agentes de Saúde treinados também para o Programa de sei em que situação ela se encontra.
Reidratação oral. Tenho porém a esperança em que grandes descobertas
Paralelamente, e no sentido de contribuir para o darão em futuro próximo a cura como também a melhora da
diagnóstico e tratamento das pneumopatias crônicas e/ou qualidade de vida dessas crianças. Os transplantes, a
recidivantes, publicamos em 1987/88, três artigos imunologia, a cirurgia especializada, as células tronco e a
denominados Bronquiolopatia Pós Viral. Este foi o nome descoberta de novos antibióticos para combater as
que achei adequado para as seqüelas Brocopumonares das superbactérias e os vírus, transformarão essas esperanças
Bronquiolites agudas e da conqueluche. em certezas.
Em um dos trabalhos apresentamos 25 casos Que minhas últimas palavras sejam para os muitos
acompanhados em ambulatório por muitos anos. colegas em toda a rede pública que nos acompanharam e
Principalmente na capital, mas também em alguns nos apoiaram durante estes cerca de trinta anos em que
municípios do interior, a implantação do Programa DRI foi atuamos no estado de São Paulo. Em particular os que
muito satisfatória. Infelizmente as constantes mudanças formaram comigo uma equipe sem os quais me faltaria fôlego
nas chefias, a intervenção da má política em áreas técnicas para implantar e controlar o projeto. Aqueles que entraram
e a falta de empenho de alguns, fizeram com que esse e saíram do grupo, durante todo esse período,
intenso trabalho fosse aos poucos sendo abandonado. compartilhando vitórias e derrotas, o meu maior
Razões por mim mal conhecidas impediram também que reconhecimento e a certeza de que ela foi a melhor forma de
ele prosperasse nas regiões pobres do mundo, onde consolidar amizades e de ter a certeza do dever cumprido.
poderiam ter evitado muitas milhares de mortes de crianças.
Do Programa DRI, guardo não só os documentos iniciais, Theotonio V. de Miranda Ribeiro

PRÓXIMA EDIÇÃO
Publicação dos traballhos apresentados no
14o. Congresso Paulista de Pmeumologia e Tisiologia

6 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


TEMAS EM DESTAQUE

Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC):


Importância, implantação e futuros desafios
AUTORES: Luiz Vicente Ribeiro Ferreira da Silva Filho1,3, Neiva Damaceno2,3

1
SERVIÇOS: Instituto da Criança, Hospital das Clínicas da FMUSP
2
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
3
Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC)

1
Mestre e Doutor em Ciências da Saúde pela FMUSP, Médico Assistente, responsável pelo REBRAFC
2
Médica Assistente do Grupo de Pneumologia Pediátrica, Presidente do (GBEFC)

A fibrose cística (FC) é a doença genética de herança Foundation, CFF) possui um registro norte-americano há
autossômica recessiva mais letal entre brancos e cerca de 40 anos, e atualmente publica relatórios anuais sobre
recentemente reconhecida também entre não brancos. A a situação de cerca de 24.000 pacientes norte-americanos.10
doença tem envolvimento multissistêmico (sistema Já a Sociedade Européia de Fibrose Cística (ECFS)
respiratório, gastrintestinal, hepático e genitourinário), mas implementou o registro em 1994, inicialmente com recursos
na maioria dos casos a morbiletalidade está relacionada ao da empresa farmacêutica Roche, e operado por uma empresa
dano pulmonar.1 Os pulmões são normais ao nascimento, de pesquisa clínica (Quintiles). Em 1999, o registro da ECFS
mas a tosse e o acúmulo de secreção pulmonar podem ocorrer contava já com dados de 13.700 pacientes de 9 países
precocemente, habitualmente desencadeados por uma europeus.11
infecção viral.1 Em seguida, observa-se colonização do trato Em 1989 quatro Centros de quatro países da América Latina
respiratório por patógenos peculiares como o (Argentina, Brasil, Chile e México) realizaram um estudo
Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae, multicêntrico com o objetivo de comparar os dados de seus
Pseudomonas aeruginosa, complexo Burkholderia cepacia Centros e analisar de maneira global seus pacientes com FC.
e Stenotrophomonas maltophilia com desenvolvimento de Foram incluídos 743 pacientes, dos quais 59 brasileiros,
alterações inflamatórias na árvore traqueobrônquica dos resultando numa publicação na revista Pediatric
pacientes.1;2 O processo infeccioso e inflamatório crônico Pulmonology em 199112 e que foi o embrião do Registro Latino
acaba por levar à formação de bronquiectasias e destruição Americano de Fibrosis Quística (REGLAFQ). Em 1993, devido
da arquitetura pulmonar, culminando com insuficiência às dificuldades de conhecermos os dados do Brasil,
respiratória crônica, “cor pulmonale” e óbito.1;2 separados dos dados da América Latina, foi fundado o
A fibrose cística é uma doença complexa ainda pouco Registro Brasileiro de Mucoviscidose (REBRAM). Os
conhecida em nosso país, apesar da existência de alguns resultados preliminares foram apresentados no Congresso
estudos de prevalência de mutações de FC na população Latino Americano de FC em Cuba, em 1997. Devido à grande
brasileira.3-5 Para que os avanços no tratamento desta doença dificuldade de se obter os dados dos vários Centros
no País continuem, é muito importante o conhecimento da Brasileiros, principalmente quanto ao preenchimento das
situação da saúde e do tratamento dos pacientes planilhas em papel, o REBRAM foi desativado logo em
acompanhados nos diversos Centros Brasileiros. seguida, em 1998.
A implementação de registros sobre doenças crônicas Em 2004 foi fundado o Grupo Brasileiro de Estudos de
vem crescendo em todo o mundo, promovendo a coleta e Fibrose Cística (GBEFC), uma associação civil, de direito
armazenamento de dados longitudinais de pacientes privado e sem fins lucrativos, constituído por médicos
acompanhados nos Centros participantes. 6-8 Existem especialistas em fibrose cística de Centros de referência no
evidências ainda de que a implementação de registros pode diagnóstico e tratamento de vários Estados do Brasil. Esta
trazer, através do melhor conhecimento do tratamento e entidade organizou o 1o Congresso Brasileiro de Fibrose
evolução das doenças crônicas, a identificação de Cística na cidade de São Paulo, em 2006. Em 2007, durante
marcadores de mau prognóstico, como a hipertensão uma reunião do GBEFC em Cuiabá (MT), as bases para a
pulmonar na esclerose sistêmica progressiva.9 elaboração de um novo Registro nacional sobre a doença
A Fundação Americana de Fibrose Cística (Cystic Fibrosis foram discutidas e decidiu-se que uma plataforma de internet

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seria a melhor alternativa, permitindo acesso controlado e médico recebe em seu e-mail um convite válido por 60 dias e
seguro e tornando o depósito de informações possível a que dará acesso ao sistema. Este acesso é restrito ao perfil
partir de qualquer lugar do país. de médico, que permite apenas a execução de ações
Os objetivos do Registro Brasileiro de Fibrose Cística permitidas aos médicos dentro de seus Centros.
(REBRAFC) ficaram assim definidos: Para os responsáveis dos Centros de tratamento também
existe um perfil específico de acesso. A ferramenta permite
Objetivos diferentes tipos de acessos que podem ser controlados pelos
• Identificar, coletar, classificar, armazenar e analisar perfis de acessos cadastrados. Estes perfis permitem ações
informações sobre incidência e tratamento da fibrose cística específicas que poderão ser executadas apenas nos
no Brasil. domínios ao qual o usuário estiver “logado”.
• Coletar, classificar e armazenar informações sobre Os dados inseridos são confidenciais, e protegidos por
pacientes em seguimento e pacientes com diagnóstico vários mecanismos, que incluem desde o acesso restrito ao
recente. espaço físico onde estão instalados os servidores até acesso
• Promover e facilitar o uso das informações coletadas em ao sistema por senha criptografada e diferentes perfis de
projetos de pesquisa aprovados e no planejamento e acesso à plataforma, garantindo que apenas as informações
administração dos Serviços. relevantes ao perfil de acesso sejam apresentadas aos
• Publicar um relatório periódico baseado nas atividades usuários. Os dados pessoais dos pacientes são visíveis
do Registro. apenas para o Centro onde o paciente é atendido; o mesmo
• Oferecer assistência e informação em relação a qualquer só aparecerá como um código alfanumérico para a equipe
aspecto da fibrose cística para Instituições Públicas de Saúde, responsável pelo REBRAFC. Os dados são armazenados e
profissionais de saúde e pessoas com fibrose cística. disponibilizados para profissionais de saúde de acordo com
• Produzir informação sobre o prognóstico de longo prazo o disposto nas normas estabelecidas pelo Conselho Federal
de pacientes com fibrose cística no Brasil, inclusive de Medicina para Registros Eletrônicos em Saúde.
desfechos de tratamentos e qualidade do atendimento O Registro contém dados de três níveis distintos de
prestado, e comparar esta informação a dados de outros informação, como ilustrado na figura 1, e apenas uma delas
países ou continentes. necessita atualização anual, com os dados do Seguimento
• Desenvolver uma plataforma baseada em internet para do ano anterior. Este nível contém o número de atendimentos
inserção dos dados pelos profissionais dos Centros a que o paciente se submeteu, dados funcionais e
participantes. nutricionais, tratamentos em uso, dados microbiológicos e
• Registrar dados sobre a identificação, diagnóstico e escore de Schwachman-Kulczycki.
genética de pacientes com fibrose cística no Brasil. Assegurar
a veracidade das informações e a segurança dos dados Implantação
depositados, e utilizar os dados obtidos efetivamente. Após teste inicial da plataforma, todos os Centros
• Divulgar periodicamente relatórios sobre a incidência, Brasileiros e profissionais de saúde ligados ao seguimento/
prevalência e regimes de tratamento dos pacientes tratamento de pacientes com fibrose cística foram
registrados, em detalhe suficiente para que seja disponível convidados a participar do REBRAFC. Um contrato formal
para aqueles envolvidos. foi elaborado e celebrado entre o GBEFC e cada um dos
Após conversações iniciais para definição de prazos e Centros que concordaram em participar do REBRAFC; o
custos, uma parceria foi firmada entre o GBEFC e o Laboratório objetivo deste contrato foi garantir a confidencialidade dos
de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da dados e ao mesmo tempo assegurar a cada um dos Centros
Universidade de São Paulo para desenvolver e gerenciar a a salvaguarda das informações contidas e o compromisso
plataforma de internet e o banco de dados contendo as de incluir dois integrantes de cada Centro em publicações
informações do REBRAFC. A escolha do LSI da POLI-USP de dados inseridos na plataforma. Além disso, o contrato
foi baseada na grande experiência acumulada pela Instituição expressa de forma explícita a proibição do fornecimento de
no desenvolvimento do portal Onconet, de registro e dados contidos no REBRAFC à indústria farmacêutica e
tratamento de câncer infantil. mesmo a disponibilização de dados do REBRAFC para
O portal de internet foi desenvolvido com recursos de realização de pesquisas, o que só pode ser feito com a
software livre e aberto e a segurança do sistema definida em expressa concordância de cada um dos Centros que inseriu
várias camadas, utilizando interceptação baseada no seus dados. Há, entretanto, o compromisso do GBEFC de
framework Struts2. O acesso à plataforma é obtido através promover a divulgação anual dos dados do REBRAFC, na
de convite e geração de login e senha individuais, mas sempre forma de uma publicação aberta a toda a comunidade
monitorizado (rastreável). (Relatório Anual).
Para que os médicos e/ou colaboradores utilizem o sistema, Foi necessário ainda proceder à tramitação do Projeto do
eles precisam ser convidados pelo responsável da Instituição REBRAFC na Comissão de Pesquisa e Ética de cada um dos
ao qual este médico está ligado. Quando o convite é feito, o Centros envolvidos. A Comissão de Pesquisa e Ética do

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Aspectos Demográficos Aspectos do Diagnóstico
• Nome • Data do diagnóstico
• Nome da mãe • Condiçõespara o diagnóstico
• Número do CPF • Valores de tripsinogênioimunorreativo,
• Data e local de nascimento dosagem de cloro no suor, mutações
identificadas

Dados Clínicos
• Atualizados anualmente
• Número de consultas
• Dados nutricionais e funcionais
• Tratamentosatuais
• Dados microbiológicos
• Escore de Schwachman-Kulczycki

Hospital das Clínicas da FMUSP foi a primeira a apreciar o fornecemos um folheto informativo ilustrado contendo
projeto e sua aprovação pode ser utilizada pelos Centros explicações e dúvidas frequentes (Figura 2).
que não dispõem de Comissão de Ética local, entretanto a A plataforma foi aberta à inserção de dados em março de
obtenção de consentimento informado de cada um dos 2010, mas poucos Centros o fizeram de forma sistemática
pacientes ou seus responsáveis foi definida como nos primeiros meses. Durante o Congresso Brasileiro de
obrigatória. Para facilitar a apresentação da ideia do Fibrose Cística em setembro de 2010, decidimos montar um
REBRAFC para os pacientes e seus responsáveis estande do GBEFC voltado para mostrar a plataforma de

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Internet, celebrar contratos com Centros ainda não incluídos, entretanto, é a produção de artigos científicos com as
fornecer os documentos de apoio à iniciativa e tirar dúvidas informações depositadas no REBRAFC, contemplando na
dos diversos profissionais acerca do funcionamento do autoria coletiva todos os colegas participantes da iniciativa;
REBRAFC. Além disso, um apoio financeiro incondicional esta tarefa já está em andamento com os dados de
foi prestado pela empresa farmacêutica Roche, que promoveu seguimento ano 2009, depositados durante o ano 2010.
um prêmio para os Centros com maior inserção de dados e Estamos certos ainda que as informações do REBRAFC
disponibilizou uma verba de apoio a digitadores – estas poderão ser de grande valia no planejamento de novos
iniciativas foram o estopim da entrada crescente de dados, e estudos epidemiológicos ou de intervenção terapêutica, e
chegamos ao fim de 2010 com cerca de 1300 pacientes somente conhecendo a situação dos pacientes brasileiros
registrados, o que acreditamos representar cerca de um terço será possível pensar numa atuação nacional uniforme no
da casuística nacional. diagnóstico e tratamento desta condição.

Futuros desafios Referências Bibliográficas


Muito trabalho ainda existe pela frente, para que possamos 1. Ratjen F, Doring G. Cystic fibrosis. Lancet 2003 Feb
colocar esta engrenagem a girar de forma contínua e 22;361(9358):681-9.
2. Govan JR, Deretic V. Microbial pathogenesis in cystic
independente. Os principais desafios referem-se à obtenção
fibrosis: mucoid Pseudomonas aeruginosa and Burkholderia
de recursos financeiros, ao gerenciamento da plataforma cepacia. Microbiol Rev 1996 Sep;60(3):539-74.
(incluindo a adesão dos profissionais ao REBRAFC) e à 3. Raskin S, Phillips JA, III, Krishnamani MR, Vnencak-Jones
geração de conhecimento com os dados armazenados. C, Parker RA, Rozov T, et al. DNA analysis of cystic fibrosis
Como qualquer iniciativa que depende de pessoas e in Brazil by direct PCR amplification from Guthrie cards.
recursos de hardware e software, é preciso dinheiro para Am J Med Genet 1993 Jul 1;46(6):665-9.
4. Raskin S, Philips JA, III, Krishnamani MR, Vnencak-Jones
manter o REBRAFC funcionando. Atualmente o custo mensal C, Parker RA, Dawson E, et al. Regional distribution of
de manutenção e desenvolvimento do sistema gira ao redor cystic fibrosis-linked DNA haplotypes in Brazil: multicenter
de R$ 5.000,00, mas este valor nada representa frente às study. Hum Biol 1997 Feb;69(1):75-88.
demandas dos diversos Centros de financiamento para 5. Raskin S, Phillips JA, Kaplan G, McClure M, Vnencak-
digitadores e auxiliares e investimento em infra-estrutura de Jones C, Rozov T, et al. Geographic heterogeneity of 4
common worldwide cystic fibrosis non-DF508 mutations
informática e acesso à internet. O GBEFC tem sido o
in Brazil. Hum Biol 1999 Feb;71(1):111-21.
responsável por todos os custos e iniciativas do REBRAFC, 6. Proctor SJ, Taylor PR. A practical guide to continuous
e claro que há um forte apoio das indústrias farmacêuticas population-based data collection (PACE): a process
para que estes recursos sejam obtidos. Se por um lado há facilitating uniformity of care and research into practice.
uma perspectiva de se pagar este custo com recursos do QJM 2000 Feb;93(2):67-73.
Estado, por outro lado consideramos que o controle destas 7. Glover GR. A comprehensive clinical database for mental
health care in England. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol
informações deve ser o mais independente possível e distante 2000 Nov;35(11):523-9.
de eventuais manipulações com fins políticos. 8. Singh G. Arthritis, Rheumatism and Aging Medical
Neste sentido, a participação de mais profissionais no Information System Post-Marketing Surveillance Program.
gerenciamento e desenvolvimento do REBRAFC é J Rheumatol 2001 May;28(5):1174-9.
fundamental para que tenhamos uma atividade 9. Mukerjee D, St GD, Coleiro B, Knight C, Denton CP, Davar
J, et al. Prevalence and outcome in systemic sclerosis
verdadeiramente representativa e plural. Além disso, estamos
associated pulmonary arterial hypertension: application of
certos de que mais cérebros pensando juntos vão contribuir a registry approach. Ann Rheum Dis 2003 Nov;62(11):1088-
muito com ideias de melhorias para a plataforma, que poderia 93.
vir a ser o embrião de um prontuário eletrônico para 10. Cystic Fibrosis Foundation. Cystic Fibrosis Foundation
atendimento a pacientes com FC. Infelizmente tivemos Patient Registry Annual Report 2006. Bethesda, Maryland,
grandes dificuldades para conseguir a adesão de alguns USA; 2007.
11. Strobl J, Enzer I, Bagust A, Haycox A, Smyth R, Ashby D,
Centros, que não participaram ativamente por questões
et al. Using disease registries for pharmacoepidemiological
operacionais locais ou simplesmente por não confiarem na research: a case study of data from a cystic fibrosis registry.
instituição responsável pelo REBRAFC (GBEFC). Esperamos Pharmacoepidemiol Drug Saf 2003 Sep;12(6):467-73.
uma nova onda de adesões para este ano, com a divulgação 12. Macri CN, de Gentile AS, Manterola A, Tomezzoli S, Reis
do 1o Relatório Anual do REBRAFC, que pretendemos FC, Largo G, I, et al. Epidemiology of cystic fibrosis in
distribuir em todo o território nacional. Latin America: preliminary communication. Pediatr
Por fim, a produção de conhecimento a partir do REBRAFC Pulmonol 1991;10(4):249-53.
é outro desafio que temos pela frente; vários pesquisadores
já demonstraram interesse em realizar estudos com os dados
Luiz Vicente Ribeiro Ferreira da Silva Filho
armazenados, mas o fluxo de autorizações e as regras para
[email protected]
avaliação e encaminhamento destas propostas de estudo
ainda não estão definidos. Uma tarefa que temos pela frente,

10 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Tosse crônica em pediatria
AUTORA: Lidia Alice G. M. M. Torres1

SERVIÇO: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

1
Mestre e Doutora em pediatria. Responsável pelo serviço de Pneumologia Pediátrica do Departamento
de Puericultura e Pediatria

Introdução Etiologia
A tosse é um dos sintomas mais frequentes em pediatria. Há poucos dados estatísticos sobre as causas da tosse
Atinge todas as faixas etárias e é manifestação de várias crônica e esses variam com o local e a faixa etária. A história
doenças. De acordo com a definição mais recente, é o quadro clínica é fundamental: as características da tosse, tempo de
que se arrasta por oito semanas ou mais e os múltiplos fatores início, se houve modificação no padrão de tosse e se há história
etiológicos podem se somar ou modificar, ocorrendo alguns familiar de atopia, se houve melhora com algum tratamento e
episódios de agudização durante a evolução.1,2 se existe algum fumante ou tossidor crônico no ambiente.4
Apesar de considerado um quadro de difícil resolução,
os estudos de literatura mostram que com uma investigação Etiologias mais frequentes
racional e ordenada, chega-se ao esclarecimento diagnóstico 1. Rinite alérgica: O mecanismo principal seria pela
na maioria dos casos.2 respiração bucal e aporte de ar ressecado às vias aéreas,
com estimulação dos receptores extratorácicos causada tanto
Funções da tosse pelo gotejamento pós-nasal quanto pelo processo
A tosse é o principal mecanismo de defesa inespecífico inflamatório presente no local.4,5 É um tipo de tosse seca,
do aparelho respiratório, eliminando bactérias, muco e irritativa, que ocorre no início do sono da criança. Não
material particulado que se depositam ao longo da traquéia costuma ser um quadro grave, nem evoluir com piora, a não
e brônquios; evita que o alimento penetre no aparelho ser que haja complicações. O tratamento consiste no uso de
respiratório e a hiperdistensão das vias aéreas prevenindo antihistamínicos e/ou instituição de medicação profilática
sua ruptura. para rinite como antihistamínicos, corticosteróides
inalatórios ou antileucotrienos.
Fisiologia 2. Rinossinusite: À obstrução nasal e coriza somam-se
O objetivo é gerar um fluxo de ar em alta velocidade outros sinais como cefaléia, otite média secretora e gotejamento
varrendo toda a árvore traqueobrônquica. Isso é obtido pós-nasal mais intenso.5 A tosse inicia-se seca, mais intensa no
por meio de uma inspiração profunda, seguida por início do sono e evolui para produtiva ou rouca e pode passar
fechamento das cordas vocais, glote e epiglote. Em seguida a incessante. Pode estar associada a quadros de laringite e
há o relaxamento do diafragma, com contração dos músculos bronquite, pela extensão do processo inflamatório e pode
intercostais e abdominais, o que gera uma pressão de mais desencadear uma crise de asma. Embora o diagnóstico de
de 300 mmHg. Ocorre então, abertura súbita da glote, com sinusite seja clínico, a infecção é provável quando o Rx mostra
expulsão do material presente na traquéia e brônquios. A velamento unilateral ou nível líquido e em alguns casos está
velocidade atingida nesse processo é a de ¾ da velocidade indicada a nasofibroscopia e até tomografia para melhor
do som e provoca o colabamento da parte não cartilaginosa elucidação. O tratamento, quando comprovada infecção, além
da traquéia. Esse efeito desloca a secreção dos sulcos entre dos citados para a rinite alérgica é antibioticoterapia por 15
os anéis.3 a 20 dias, dependendo do tempo de evolução.
O estímulo para aparecimento da tosse vem de receptores 3. Asma: A tosse na asma tanto pode fazer parte da
que se localizam desde a faringe até os bronquíolos sintomatologia intercrítica quanto pode ser a forma de
respiratórios. A via aferente é dada pelo vago e apresentação: asma variante tosse.6 No primeiro caso, pode
glossofaríngeo e o centro de integração desse reflexo é o se apresentar durante ou após a realização do exercício físico
chamado centro da tosse, localizado na ponte e tronco ou durante a noite e no início da manhã, mas a criança também
superior. A via aferente ocorre por meio do vago, frênico, apresenta as crises clássicas. O segundo caso é um quadro
nervos motores espinhais para a laringe, diafragma, músculos mais frequentemente encontrado em crianças maiores,
torácicos, abdominais e do assoalho pélvico. quando somente a tosse persiste. Tem sido descrito que

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 11


esses pacientes teriam uma resposta de hipersensibilidade da motilidade e dificuldade de esvaziamento esofagiano com
à mesma, com alterações de osmolaridade ou mecanismos RGE, mas nesse caso, a pHmetria não tem se mostrado um
relacionados a receptores neurológicos, superajuntados ao bom instrumento diagnóstico16, sendo a SEED o exame de
processo inflamatório alérgico que leva à broncoconstrição.7 escolha. O hábito de alimentar a criança adormecida e/ou
É considerado um quadro de risco, já que o tratamento é deitada também pode ser causa de tosse, já que a criança
retardado e aumenta o risco de distensão das vias aéreas e sonolenta perde os mecanismos de proteção contra a
remodelamento. Em casos de tosse crônica, em crianças penetração na laringe ou refluxo nasal, ocasionando rinite
maiores que seis anos, é obrigatória a realização da ou sinusites de repetição.
espirometria, que pode documentar a presença de obstrução 6. Infecções crônicas: A Chlamidia trachomatis
brônquica.8 Em lactentes, o diagnóstico definitivo baseia- (lactentes) e Chlamidia pneumoniae e Mycoplasma
se na presença de história familiar e pessoal de atopia e pneumoniae (>5 anos) podem levar à tosse crônica e seca,
asma, confirmado pela resposta positiva ao tratamento de irritativa, acompanhada de velamento reticulado bilateral
prova. presente no RX de tórax. A febre pode fazer parte do quadro
4. Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE): O e a sorologia com detecção de IgM anti-clamidia está
mecanismo principal de tosse é aspiração do material associada à tosse com mais de 3 meses de duração.17 A
gástrico levando a atelectasia e pneumonia, mas se o bronquiolite viral pode ter uma evolução arrastada e também
aspirado for menor que 01mL provoca inflamação brônquica é causa de tosse crônica associada à hiperreatividade.18 A
e peribrônquica, de evolução silenciosa e que pode culminar tuberculose costuma evoluir com tosse de mais de oito
em pneumonite intersticial e bronquiolite obliterante.9 O semanas de duração, febre, perda de peso, sudorese noturna
segundo mecanismo seria por estímulo de receptores e inapetência e a tosse pode ocorrer por lesão
irritantes localizados na traquéia e brônquios, em que a queda parenquimatosa ou compressão ganglionar.
de pH levaria a um quadro de espasmo laríngeo ou traqueal 7. Bronquiolite obliterante: descrita como complicação
para evitar a entrada do alimento nos pulmões. Nesses casos, de uma bronquiolite viral, também pode estar associada a
a tosse costuma ser súbita, alta, estridente e em algumas processos de agressão ao parênquima pulmonar tais como
situações pode ocorrer um quadro agudo de asfixia. No DRGE, inalação de vapores e gases tóxicos, uso de oxigênio
terceiro mecanismo, existe uma ação irritativa à distância, em longo prazo, aspirações, doenças do colágeno e uso de
onde a presença de material ácido no esôfago leva à quimioterápicos. A tosse e a sibilância são perenes, mas
broncoconstrição à distância.10 Isso também poderia ocorrer ocorrem exacerbações, às vezes com necessidade de uso de
por estímulo dos receptores térmicos, de estiramento ou de oxigênio. A patologia mostra de um processo inflamatório
pH, existentes na mucosa, levando a broncoconstrição reflexa.11 endobrônquico ou peribrônquico que obstrui as vias aéreas e
A esofagite também é descrita como causadora de só é reversível com uso de corticóide em longo prazo ou
hiperreatividade brônquica, mas é importante considerar que pulsoterapia. Geralmente evolui ou vem acompanhada de
os sintomas respiratórios têm maior relação com a falta de bronquectasias.9,18 A persistência de velamento pulmonar ou
clareamento esofágico do que com o número de episódios.12 de áreas de hiperinsuflação localizada no RX são sugestivas
Podem ocorrer ainda rinite, sinusite e otite crônica ou recorrente, do quadro e devem ser confirmadas pela tomografia de tórax
por ação direta do material refluído. Todos esses eventos podem de alta resolução (TCAR).
modificar a tosse. Cinquenta a 75% dos casos de refluxo 8. Bronquectasias: Podem ser de causas congênitas,
evoluem sem sintomas gastrintestinais, o que dificulta o genéticas (fibrose cística, discinesia ciliar) ou associadas
diagnóstico; entretanto tem sido descrita maior gravidade de aos processos de agressão pulmonar, mas certamente é uma
lesões por refluxo alcalino e maior chance de infecção.13-15 A doença subestimada. A tosse com expectoração esverdeada
pHmetria é o exame de escolha, mas também deve ser realizada é matinal e sem relação com esforço físico. Geralmente
a seriografia do esôfago, estômago e duodeno (SEED) para responde mal aos antitussígenos, antialérgicos e
descartar alterações anatômicas. Nos sintomas altos, a broncodilatadores, mas apresenta melhora com uso de
nasofibroscopia pode fornecer informações mais precisas. antibióticos e fisioterapia, e em alguns casos está indicado
5. Outras síndromes aspirativas: A tosse ocorre por ação o uso de fluidificantes. As causas pós infecciosas tem
irritativa direta do alimento ou por causar pneumonia, rinite, diminuído de incidência após as vacinações em massa, mas
sinusite e otites de repetição. Os distúrbios de deglutição ainda é freqüente nos países em desenvolvimento. 17 O
são freqüentes em crianças com neuropatias ou com diagnóstico é obtido pela TCAR, sendo a espirometria útil
anormalidades anatômicas como fístulas traqueoesofágicas, apenas para seguimento.
fendas submucosas, micrognatia, macroglossia, atresia de 9. Compressão extrínseca: Pode ser causada por tumores
coanas, mas também podem ocorrer em menor grau e com mediastinais que são classificados didaticamente de acordo
menor freqüência em hipertrofia acentuada de amígdalas ou com a sua localização. Cistos tímicos ou timomas e linfomas
adenóides, sondas de alimentação enteral ou entubação são anteriores e superiores, ao passo que os tumores de
orotraqueal prolongada. É preciso lembrar que a correção células germinativas e neuroblastomas localizam-se no
da atresia de esôfago deixa como sequela uma incoordenação mediastino posterior. As anomalias vasculares mais

12 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


importantes são o arco aórtico à direita com ligamento tranqüilizada, deixando-se claro que está sendo tratada e de
arterioso à esquerda e o duplo arco aórtico, Outra causa de que não se trata de nada grave.21
tosse de difícil diagnóstico e resolução é a presença de corpo 13. Anomalias congênitas: Várias malformações podem
estranho esofágico ou dilatação do órgão, afetando a traquéia ocasionar tosse e algumas delas inclusive no período além
adjacente. Geralmente provocam tosse metálica, estridente, do de lactente, pois alterações do tipo seqüestro pulmonar
repetitiva e desencadeada por mudança de posição. ou malformações adenomatóide cística podem passar a ser
Obviamente, o tratamento medicamentoso é ineficaz e a sintomáticas posteriormente. Entretanto, algumas são
evolução pode ocorrer com aparecimento de bronquectasias, características nos primeiros meses de vida, como a
pela dificuldade de drenagem da secreção. A suspeita é feita laringotraqueomalácia, o enfisema lobar congênito e alguns
na análise da SEED e confirmada pela angioressonância ou cistos broncogênicos. A fístula traqueoesofágica em H pode
angiotomografia de tórax. ser muito pequena, e tanto pode ter manifestações precoces
10. Drogas: Os betabloqueadores provocam tosse crônica como tardias. Em alguns casos pode ser difícil o diagnóstico,
por broncoconstrição. Já os inibidores da enzima conversora passando a criança a ter velamento pulmonar mantido e
de angiotensina, também causam tosse, mas o mecanismo quadros de sibilância repetidos e graves, com lesões
não é conhecido. A utilização de quimioterápicos progressivas. Nas anomalias congênitas a tosse pode ter
antineoplásicos em doses crescentes tem aumentado a origem variada, podendo ser causada tanto por compressão
ocorrência de pneumopatias crônicas. Podem desencadear extrínseca, quanto por obstrução brônquica, ou ambos os
quadros de pneumonite intersticial e/ou doença bronquiolar, mecanismos.22 A TCAR é o exame de escolha, após a suspeita
sendo a bleomicina a principal incriminada. As lesões do RX.
persistem após o término do tratamento e muitas podem ser 14. Disfunção de cordas vocais: é uma manifestação
irreversíveis. Entre as drogas inaladas ainda devem ser comum em alguns pacientes adultos e adolescentes, em que
lembradas a maconha e o cigarro, por consumo próprio ou se observa um movimento paradoxal de cordas vocais, com
por exposição passiva, que podem levar à hiperreatividade fechamento durante a inspiração. Esse quadro está associado
brônquica, agindo também como irritantes inespecíficos. A a disfunções laríngeas com disfonia, aumento do reflexo
retirada dessas drogas pode levar à melhora do quadro. glótico e redução do fluxo inspiratório após provocação,
11. Mecanismos de defesa prejudicados: entre esses, o além do movimento paradoxal. Pode estar associado a outras
quadro mais comum é a chamada tosse ineficaz.20 Ocorre por doenças respiratórias tais como asma e doença do refluxo
perda de força muscular, hipotonia, traqueostomia, paralisia gastroesofágico e o diagnóstico é feito por meio de
de cordas vocais ou de diafragma e deformidade torácica. laringoscopia. Nos casos de alteração puramente das cordas
Nessas situações, as secreções do aparelho respiratório não vocais, observa-se boa resposta à fonoterapia.23
conseguem ser eliminadas, passando a obstruir os brônquios
e a facilitar o aparecimento de bronquectasias. Tratamento
12. Tosse psicogênica: Normalmente deve ser Deve ser sempre dirigido à doença de base, evitando-se a
considerado como um diagnóstico de exclusão e só deve utilização de medicamentos sintomáticos. Embora na literatura
ser aventada quando outras causas tenham sido descartadas. haja estudos realizados em adultos com bronquite que
É uma tosse rouca, de alto timbre, estridente, seca e nunca mostram melhora da tosse com a utilização de brometo de
ocorre durante o sono nem em acessos, ao contrário da maioria ipratrópio, codeína e dextrometorfano, os estudos em criança
dos quadros. Quando é emitida a criança observa o efeito são escassos ou inconclusivos e os consensos os consideram
causado sobre as pessoas que a rodeiam. Geralmente diminui não seguros e não devem ser utilizados em crianças.16,24 Os
quando o fator de stress desaparece, mas também é descrita opiáceos, alem do efeito depressor respiratório, causam
uma boa resposta à psicoterapia e hipnose. A criança deve ser constipação, náuseas, vômitos e cefaléia, devendo ser

Tabela 1 - Distribuição da tosse de acordo com a faixa etária


LACTENTE PRÉ-ESCOLAR ESCOLAR E ADOLESCENTE
Malformação congênita Gotejamento pós-nasal (rinite Asma
Fibrose cística alérgica, sinusite, adenoidite) Gotejamento pós-nasal
Aspiração (por distúrbio de DRGE Tosse psicogênica
deglutição ou por refluxo Corpo estranho Fumo (passivo ou ativo)
gastroesofágico) Asma Infecção (viral, mycoplasma,
Infecção (viral, chlamidia, Fibrose cística pertussis, tuberculose, fúngica)
pertussis, raramente tuberculose) Bronquectasia (pós- infecção, Tumor ou outra lesão localizada
Irritantes ambientais (fumante cílios imóveis, secundária à Bronquectasias
passivo, poluição) doença localizada ou DRGE
Asma imunodeficiência) Disfunção de cordas vocais

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 13


evitados em asmáticos, na suspeita de síndrome da apnéia do 6. Brightling CE. Cough due to asthma and nonasthmatic
eosinophilic bronchitis. Lung. 2010; 188(suppl1): s13-17.
sono e nos pacientes com idade inferior a 5 anos. O
7. Turcotte SE, Lougheed MD.Cough in Asthma. Current Opinion
dextrometorfano deprime a atividade ciliar, facilita o acúmulo Pharmacol. 2011; 11: 231-237.
de secreção e não parece ter uma ação realmente efetiva como 8. Thiadens HA et al. Can peak expiratory flow measurements
antitussígeno.25 reliably identify the presence of airway obstruction and
bronchodilator response as assessed by FEV1 in primary care
Já os pró-tussígenos, como fluidificantes e soluções
patiients presenting with a persistent cough? Thorax 1999;54:
hipertônicas estão indicados somente em pacientes com 1055-1060.
secreção anormalmente espessa, pois podem causar 9. Oue K, Mukaisho K-I, Higo T, Araki Y, Nishikawa M, Hattori
dificuldade na eliminação do muco, que fica muito fluido e T et al. Histological examination of the relationship between
respiratory disorders and repetitive microspirations using a rat
dificulta o batimento ciliar.17
gastro-duodenalcontents reflux-model. Exp Animal. 2011;
Como visto acima, a tosse que cursa com aumento de 60(2): 141-150.
secreção não deve ser sedada. Deve-se fluidificar as secreções 10. Morice A H. Is reflux cough due to gastroeophageal disease or
por meio da hidratação oral, inaloterapia e fisioterapia para laryngopharyngeal reflux? Lung.2008: 186(suppl 1):s103-s106.
11. Platzker ACG. Gastroesophageal reflux and aspiration
facilitar a expectoração e para que os acessos de tosse se
syndromes In Chernik & Boat, Kendig’s Disorders of the
tornem mais curtos e menos frequentes. A inalação visa hidratar respiratory tract in children. Philadelphia. W B Saunders. 6th
as secreções das vias aéreas superiores onde a maioria das edition. 1998.
partículas da solução inalada fica retida, podendo amenizar o 12. Gorestein A, Levine A, Boaz M. Severity of Acid
Gastroesophageal Reûux Assessed by pH Metry: Is It
processo inflamatório. Através dessa via é possível a
Associated With Respiratory Disease? Ped Pulmonol. Pediatric
veiculação de drogas β2- adrenérgicas, indicadas na asma e Pulmonol. 2003; 36:330–334.
que também aumentam o batimento ciliar facilitando a 13. Fontana GA, Pistolesi M. Cough 3: chronic cough and gastro-
eliminação das secreções. O brometo de ipratrópio, através oesophageal reflux. Thorax 2003;
14. Dettmar P W, Castell DO, Heading RC. Reflux and its consequences
da sua ação colinérgica, resseca e diminui as secreções. – laryngeal, pulmonary and oesophageal manifestations.
Outra medida para eliminar o muco é a fisioterapia Aliment Pharmacol Ther. 2011; 33(suppl 1): 1-71.
respiratória. As sessões devem ser realizadas antes das 15. Rosen R, Johnston N, Hart K, Khatwa U, Katz E, Nurko E.
Higher rate os bronchoalveioalr lavage culture positive in
refeições e de dormir, como mecanismo adjuvante ao
children with nonacid reflux and respiratory disorders. J Ped.
tratamento específico da tosse, principalmente se produtiva. 2011 (in press) (www.jped.com)
16. Catalano P, DiPace MR, Caruso AM, Casuccio A, Di Grazia
E. Gastroesoçhageal reflux in young children treated for
Conclusão esophageal atresia: evaluation with ph-multichannel intraluminal
Tosse crônica é um sintoma frequente e restritivo na criança impedance. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2011; 52(6):686-690.
e pode estar associado a várias doenças, inclusive algumas 17. Kim WJ, Lee HY, Lee ME, Lee S-J. Serology of Chlamidia
graves e de difícil controle. A busca da etiologia deve ser pneumoniae in patients with chronic cough. Respirology.
2006;111(6): 805-808.
diligente, mas pode ser obtida na maioria dos casos por meio 18. Zhang L, Silva FA. Bronquiolite obliterante em crianças. J
da história clínica e exames usuais, e isso é fundamental para pediatria ( Rio J) 2000:76: 185-192.
o sucesso do tratamento, que deve visar a correção do 19. Pasteur MC, Bilton D, Hill AT, British Thoracic Society
processo de base. Tudo que afeta o aparelho respiratório pode Bronchiectasis non-CF Guideline Group. British Thoracic
Society guideline for non-CF bronchiectasis. Thorax. 2010;
causar tosse, mas atenção especial deve ser dada à rinite 65(supp1):i1-i58.
alérgica, sinusite, DRGE e Asma. Nos casos de tosse crônica 20. Irwin, RS. Managing cough as a defense mechanism and as a
a utilização de antitussígenos e expectorantes está formalmente symptom. A consensus panel report of the American College
of Chest Physician. Chest. 1998;114: 133S-181S.
contraindicada, preferindo-se a fluidificação das secreções
21. Grunnet GW. Psychogenic coughing. A review and case report.
por aumento da ingesta de água, inaloterapia e fisioterapia, Compr Psychiatry. 1987;27:28-34.
até que o tratamento etiológico mostre resultados. 22. Clements B. Congenital malformations of the lungs and airways
in Taussig LM, Landau LI. Pediatric Respiratory Medicine. St
Louis, Mosby,1998.
Referências Bibliográficas 23. Ryan NM, Gibson PG. Characterization of laryngeal
1. A.H. Morice. Chronic cough: epidemiology. Chron Respir Dis. dysfunction in chronic persistent cough. Laryncoscope. 2009;
2008; 5(1): 43-47. 119(4): 640-645.
2. Shields MD, Bush A, Everard ML, McKenzie S, Primhak R 24. Commitee on Drugs AAP. Use of codeine and dextromethorphan
and the British Thorax Society Cough Guideline Group et al. - containing cough remedies in children. Pediatrics 1997; 99:918-
Recommendations for the assessment and management of cough 920.
in children. Thorax. 2008; 63(Suppl III): iii1-iii5. 25. Goldsobel B, Chipps BE. Cough in pediatric population. JPed
3. Black P. Evaluation of chronic or recurrent cough. In Hilman, (on line). 156(3):352-357. (www.jped.com)
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first edition, 1993. Imunodeficiências em Pediatria. Ribeirão Preto, Tecmedd, 2006.
4. Bucca CB, Bugiani M, Culla B, Gueda G, Heffler E Mielta S et
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5. Pratter MR. Chronic upper airway cough syndrome secondary Lidia Alice G. M. M. Torres
to rhinosinusis disease ( previously referred as postnasal drip [email protected]
syndrome): ACCP evidence based clinical practice guidelines.
Chest. 2006; 129 (1 suppl): 63 S- 71 S.

14 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Asma nos lactentes e pré-escolares:
diagnóstico, fenótipos e relevância
destes para o tratamento
AUTORES: Eduardo Ferone1, Bernardo Kiertsman2

SERVIÇO: Serviço de Pneumologia Pediátrica – Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
– Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

1
Pós-graduando
2
Professor Adjunto e Chefe do Serviço de Pneumologia Pediátrica

Introdução genética incluindo vários genes aliada a gatilhos ambientais


A época da vida correspondente aos estágios dos e biológicos, como por exemplo, infecções9, alérgenos10 e
lactentes e pré-escolares, delimitada entre os 0-2 anos e os alterações hormonais em mulheres11, convergem de alguma
3-5 anos, respectivamente, é marcada por experiências maneira para o desenvolvimento da doença.5
próprias deste período do desenvolvimento. Os pulmões A asma constitui a terceira causa de hospitalização pelo
ainda não completaram sua maturação, iniciada Sistema Único de Saúde no Brasil12, e segundo o grande
precocemente na gestação e extendida até os oito anos de estudo multicêntrico internacional ISAAC (International
idade 1 , podendo ocorrer alterações na sequência do Study of Asthma and Allergies in Childhood), a prevalência
desenvolvimento por algum evento concomitante entre escolares (seis e sete anos) e adolescentes (treze e
indesejado. O sistema imunológico do indivíduo passa por catorze anos) em nosso meio manteve-se estável na última
uma fase de imaturidade imune adaptativa. A memória década, em torno de 20%.13 Dados da prevalência da asma
imunológica, que se refere ao conjunto de anticorpos e entre lactentes e pré-escolares são escassos, em grande parte
linfócitos T específicos formados através de experiências devido à dificuldade em estabelecer o diagnóstico de certeza.
com diferentes antígenos ao longo da vida, ainda está por se O quadro clínico nessa faixa etária se confunde com o de
estabelecer. A quantidade e a qualidade das imunoglobulinas uma série de outras entidades patológicas e também com
produzidas são inferiores às de crianças mais velhas e de algumas situações, de certa forma, fisiológicas e próprias da
adultos, o que aumenta a susceptibilidade para infecções idade, como a fragilidade da caixa torácica que favorece o
respiratórias e suas comorbidades associadas.2 Além disso, colapso das vias aéreas nos pequenos lactentes.14
a imaturidade de elementos do sistema imune facilita A sibilância ou chiado recorrente nessas crianças pode
respostas atópicas nas crianças.3 resultar de diferentes situações, sendo que a maioria dos
Por sua vez a asma, que é a doença crônica mais comum lactentes sibilantes não continuará a ter crises na idade
na infância, resulta de interações entre estes dois importantes escolar, isto é, não será asmática.15 Pesquisas apontam que
sistemas, o respiratório e o imunológico.4 Sua principal mais de um terço das crianças menores de três anos
característica fisiopatogênica é a inflamação brônquica, que apresentam pelo menos um episódio de chiado16 e sabe-se
está presente em todos os asmáticos, sintomáticos ou não. que grande parte dos eventos acompanhados por sintomas
A asma pode ser definida como uma doença inflamatória de asma nestas crianças tem origem infecciosa viral e,
crônica das vias aéreas que envolve episódios recorrentes portanto, são transitórios. Além disso, outras condições
de obstrução ao fluxo de ar e hiperresponsividade brônquica, predispõem à sibilância recorrente como o tabagismo materno
variáveis para diferentes pacientes e para um mesmo paciente na gestação17 e o pequeno calibre das vias aéreas aquém da
ao longo do tempo.5 Apesar de poder manifestar-se também média em alguns lactentes16, situação que tende à resolução
em indivíduos com ausência de características próprias dos com o crescimento pulmonar.
alérgicos, através de mecanismos ainda não completamente
elucidados, a predisposição genética para o Padrões de sibilância recorrente em pacientes
desenvolvimento de resposta IgE mediada é um importante pediátricos: os fenótipos de sibilância
fator associado ao desenvolvimento de asma em todas as A partir da observação da história natural de crianças
idades.6,7 Ela é mais comum em crianças com história familiar que iniciaram muito cedo episódios recorrentes de chiado,
de atopia8, porém, muito possivelmente a predisposição foram propostos quatro padrões diferentes de fenótipos de

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 15


sibilância18,19: Respiração ruidosa, vômitos associados à tosse
1-Sibilância transitória: crianças que chiam durante os 2- Presença de retrações
3 primeiros anos de vida, mas não depois dos três anos; Dificuldades para se alimentar (grunhidos, sucção débil)
2-Sibilância não atópica: principalmente desencadeada Mudanças na frequência respiratória
por infecção viral e que tende à remissão mais tarde na
infância; Para crianças maiores de 2 anos, pesquisar:
3-Asma persistente: sibilância recorrente associada a um
índice clínico preditivo para asma positivo (ver adiante) Respiração curta (durante o dia ou noite)
4-Sibilância grave intermitente: episódios agudos de Fadiga (redução nas brincadeiras em relação aos
sibilância infrequentes e associados à: colegas, aumento da irritabilidade)
- mínima morbidade fora das exacerbações Queixas de “não se sentir bem”
- características atópicas, incluindo eczema, sensibilização Baixo rendimento escolar ou faltas
alérgica e eosinofilia no sangue periférico. Redução na frequência ou intensidade de atividades
Vale ressaltar que os dois primeiros fenótipos acima físicas
descritos podem ser identificados apenas retrospectivamente. Prevenção de atividades (ex. dormir fora, visitar amigos
Estes estudos resultaram em uma guia para a prática clínica que tenham animais de estimação)
formulada por especialistas das academias européia e norte Gatilhos específicos: esportes, aulas de ginástica,
americana de alergia e imunologia20, segundo a qual, nos exercícios/ atividades
lactentes, a persistência dos sintomas é um importante indicador
E para todas as crianças com suspeita de asma ainda
de gravidade e havendo sibilância na maior parte do tempo em
sugere-se averiguar:
um período de três meses, o diagnóstico de sibilância persistente
deve ser considerado, após exclusão de outras causas. Em Tosse, chiado
pacientes com menor frequência de exacerbações, também é Gatilhos específicos: tabagismo passivo, poeira,
possível avaliar a gravidade a partir da observação da infecções respiratórias entre outros
necessidade de recursos médicos no manejo das crises. Padrão de sono alterado: despertares, tosse noturna,
Já para os pré-escolares, a diferença entre os fenótipos apnéia
se dá basicamente a partir da observação da persistência Exacerbações no último ano
durante o último ano. Assim sendo, e não deixando de Sintomas nasais: prurido, coriza, obstrução
classificar cada um dos seguintes fenótipos quanto à
gravidade, a apresentação da doença permite diferenciar a Rotineiramente, o diagnóstico não é confirmado pela
asma nos pré-escolares em: induzida por vírus, induzida por demonstração de limitação variável ao fluxo de ar através
exercício, induzida por alérgenos e asma não alérgica. das medidas da função pulmonar, uma vez que esse tipo de
A asma grave apresenta características próprias que a avaliação a partir dos aparelhos convencionais exige
definiriam como um fenótipo em particular: nos lactentes, a colaboração do paciente para a realização das manobras,
doença persistente deveria ser considerada grave, enquanto alcançada por volta dos 6 anos de idade.24
nas crianças mais velhas, exacerbações graves seriam Através da anamnese é possível pesquisar a exposição a
aquelas que exigem oxigênio e hospitalização. alérgenos relacionados com a asma. A sensibilização pode
ser estudada a partir de testes in vivo (prick test) ou in vitro
Diagnóstico de asma (concentração sanguínea de IgE específica) em qualquer faixa
Estudos demonstram que um elevado percentual das etária25, consideradas as devidas limitações, porém com
crianças asmáticas desenvolve sintomas antes do quinto resultados menos fidedignos abaixo dos dois anos de idade,
ano de vida21, idade em que o diagnóstico clínico geralmente quando os níveis de IgE específica são menores e existe
pode ser feito com maior grau de certeza, uma vez que o hiporreatividade da pele à histamina.2
indivíduo já atingiu certa maturidade dos órgãos e sistemas Uma vez que ainda não há marcadores laboratoriais ou
envolvidos. O diagnóstico e tratamento precoces promovem genéticos capazes de prever o prognóstico de uma criança
melhora da sintomatologia e reduzem o número de que apresenta sibilância recorrente, outras tentativas de
exacerbações sem alterar a história natural da doença.22,23 antecipar um prognóstico foram buscadas. Baseando-se em
Para estabelecer o diagnóstico clínico, devem-se buscar parâmetros clínicos, foi proposto um índice preditivo de asma
evidências de uma ou mais manifestações compatíveis com a partir da observação de mais de mil crianças desde o
asma que podem ser pesquisadas através da anamnese nascimento em conjunto com seus familiares, capaz de prever
dirigida pela faixa etária. o desenvolvimento futuro de asma com elevadas
Segundo o documento Practall20, para crianças menores sensibilidade e especificidade.8 Segundo seus autores, para
de dois anos o diagnóstico de asma deve ser considerado a ser positiva para este índice, a criança deveria apresentar
partir de três episódios de obstrução reversível nos últimos relatos de sibilância recorrente no ano anterior (4 ou mais
seis meses. Para essa idade é relevante questionar sobre: episódios) e UM de DOIS critérios maiores (diagnóstico

16 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


médico de dermatite atópica ou diagnóstico médico de asma tratamento da asma persistente e também na evidência de
em um dos pais ou em ambos) ou DOIS critérios menores atopia. Para crianças entre 3-5 anos, a primeira opção de
(eosinofilia em sangue periférico, sibilância fora de resfriados tratamento recai sobre os corticóides inalatórios, podendo
ou diagnóstico médico de rinite alérgica). Com o avanço das os antileucotrienos serem utilizados como monoterapia em
pesquisas, incluindo resultados de estudos de coorte com casos mais leves ou associados aos corticosteróides
mais de vinte anos de observações, foram adicionados a inalatórios, quando não é alcançado o controle. Já na asma
este índice outros parâmetros relevantes que podem melhorar induzida por exercícios, caso este seja o único sintoma, o
ainda mais a previsão do risco de asma futura, como por uso de broncodilatadores de curta duração 10-15 minutos
exemplo, a evidência de sensibilização precoce a antes da atividade pode prevenir o broncoespasmo, mas
aeroalérgenos e alimentos.26,27 havendo outras manifestações associadas seria mais
indicado iniciar profilaxia com corticóides inalatórios de uso
Tratamento contínuo ou antileucotrienos.
A decisão de iniciar um tratamento de manutenção para O principal objetivo do tratamento da asma é obter o
lactentes e pré-escolares com recorrência de sintomas de controle das manifestações clínicas e funcionais da doença
asma deve se basear na relação risco-benefício do tratamento melhorando a qualidade de vida do paciente, em detrimento
para cada caso, uma vez que o diagnóstico de certeza de de sua cura ou prevenção total dos sintomas, uma vez que o
asma é, inúmeras vezes, difícil de fechar. Grande parte das início precoce do tratamento profilático parece não alterar a
recomendações para o tratamento de asma nessas faixas gravidade subjacente ou a progressão da asma. 22 A
etárias é baseada em dados obtidos a partir de crianças mais estratégia básica é tratar prontamente as exacerbações e,
velhas ou mesmo dos adultos. Tendo em vista este cenário, quando necessário, instituir um tratamento profilático de
o tratamento pode assumir um caráter de teste terapêutico e manutenção na menor dose necessária para o controle dos
não havendo melhora do quadro dentro de 8-12 semanas, sintomas, com recursos farmacológicos atuais que
deve-se revisar a hipótese de asma, reconsiderar outras frequentemente conduzem a um elevado grau de controle da
possibilidades diagnósticas e, em determinadas ocasiões, doença, mesmo em menores de cinco anos.28
até mesmo repetir a tentativa de tratar como asma num Conforme proposto pelo NAEPP, o manejo da asma pode
segundo momento.28 ser organizado em etapas (quadro 1), diferentes entre si pela
Segundo o Programa Nacional de Educação e Prevenção complexidade dos recursos utilizados, e que devem ser
da Asma dos Estados Unidos (National Asthma Education aplicadas conforme exigido pela variabilidade das condições
and Prevention Program - NAEPP)5, baseado em extensas de controle do paciente, ora subindo, ora descendo na escala
revisões de literatura, iniciar o tratamento profilático: de tratamento, a cada reavaliação periódica (em média a cada
- é recomendado para crianças com significativa 3 meses, ou a critério individual).
propensão para o diagnóstico de asma (com um índice clínico A classificação da gravidade é importante na abordagem
preditivo de asma positivo) (Evidência A) inicial do paciente que ainda não recebe tratamento profilático,
- deve ser considerado para reduzir os danos em lactentes uma vez que vai indicar o esquema terapêutico mais adequado
e crianças jovens que consistentemente requerem tratamento para alcançar o controle no menor prazo possível (Quadro 2).
sintomático mais de duas vezes por semana por um período O acompanhamento seriado de marcadores inflamatórios
maior do que quatro semanas (Evidencia D) (Ex: óxido nítrico exalado) é uma forma útil de monitorar o
- deve ser considerado para reduzir o risco em lactentes e controle da asma, já estudada inclusive em crianças mais
crianças jovens que venham a ter uma segunda exacerbação jovens29, porém ainda inviável na prática diária. A observação
que exija corticóide sistêmico para tratamento em um período dos parâmetros clínicos permite, de uma maneira mais
de seis meses (Evidencia D) simples, classificar o nível de controle da doença e a partir
- pode ser considerado, para uso apenas durante os daí guiar a conduta a ser escolhida para cada caso,
períodos previamente documentados como de risco para a considerando sempre o parâmetro de maior gravidade,
criança (Evidência D), por exemplo, possivelmente durante conforme exposto no quadro 3.
as estações de elevada frequência de infecções respiratórias O controle tem sido considerado o ponto central do manejo
das vias aéreas superiores da asma segundo os guias de recomendações mais recentes,
- é recomendado para crianças maiores de cinco anos que contam com a opinião de especialistas e evidências
com diagnóstico de asma persistente (Evidência A) científicas bem documentadas.5,20 e 28 Elas diferem muito
O documento Practall relaciona de um modo semelhante pouco quanto aos parâmetros clínicos considerados na
o fenótipo de apresentação dos episódios de sibilância com avaliação do controle, como por exemplo, em relação ao
o tratamento profilático de escolha. Para menores de dois número de exacerbações da asma no último ano: enquanto o
anos, sugere os antagonistas de receptores de leucotrienos NAEPP considera até uma exacerbação por ano compatível
como primeira opção para o tratamento da sibilância com bom controle, o documento Practall aumenta o limite para
recorrente induzida por vírus, enquanto ressalta os até 2 exacerbações ao ano, desde que não haja outros sintomas
corticóides inalatórios como a opção mais indicada para o fora das crises.

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 17


Quadro 1: Abordagem por etapas do manejo da asma em crianças entre 0-4 anos de idade

Quadro 2: Classificando a gravidade da asma e iniciando o tratamento em crianças entre 0-4 anos de idade

Embora a intenção seja manter o controle da asma por de potencial, o pequeno risco de atraso do crescimento pelo
períodos prolongados, devem-se considerar os efeitos uso contínuo de corticóides inalatórios parece ser
adversos potenciais, as interações medicamentosas e o custo compensado por sua efetividade (Evidência A).22 Além disso,
dos medicamentos.30 Particularmente em pediatria, devem-se outras pesquisas de longa duração indicam que a maioria
confrontar os possíveis efeitos em longo prazo de uma asma das crianças tratadas com as doses recomendadas dos
não controlada adequadamente com os possíveis efeitos principais corticóides inalatórios atinge sua estatura alvo
adversos da medicação administrada por muito tempo. Apesar na idade adulta.31

18 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Quadro 3: Avaliação de controle da asma e ajuste da terapia em crianças entre 0-4 anos de idade - NAEPP – National Asthma
Education and Prevention Program / NHLBI – National Heart Lung and Blood Institute. August 28, 2007

Quanto à técnica de uso das medicações para asma em Por fim, mas não menos importante, é essencial para o
lactentes e pré-escolares, contamos basicamente com os sucesso do tratamento orientar a família sobre a doença,
nebulizadores e os inaladores pressurizados acoplados a fornecendo informações básicas a respeito da higiene
espaçadores valvulados. Estes dispositivos permitem ambiental, fatores desencadeantes, aspectos do tratamento
administrar corticóides inalatórios com ou sem de manutenção e também das crises. Estudos envolvendo
broncodilatadores de longa ação, em regime profilático, e crianças demonstram baixa aderência ao tratamento
broncodilatadores de curta ação, para alívio das crises, de profilático33, possivelmente por falta de informações a
forma passiva com o auxílio de máscara facial (figura 1). Os respeito da asma. Informar, inclusive por escrito, todos os
inaladores pressurizados acoplados a espaçadores são os mais envolvidos nos cuidados diários da criança asmática, como
indicados28 e a partir dos 5-6 anos de idade, técnicas que a creche ou a escola, é uma medida comprovadamente útil
dispensam o uso de máscaras podem começar a ser treinadas.5 para o bom manejo destes pacientes.34
Outra possibilidade terapêutica é a imunoterapia, que
consiste na administração controlada de alérgenos Conclusão
específicos para pacientes comprovadamente sensibilizados, A asma na infância precoce é subdiagnosticada e muitos
com o objetivo de desenvolver tolerância. A imunoterapia asmáticos deixam de receber o tratamento adequado. Por
sublingual parece ser uma alternativa eficaz em relação à outro lado, nem todo chiado ou tosse são decorrentes da
técnica subcutânea, embora a eficácia em crianças menores asma nessa faixa etária, sendo de extrema importância
de cinco anos seja menos documentada.32 descartar outras condições típicas desta população.

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20 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


ARTIGOS EM DESTAQUE

Principais artigos na área de sono


em pediatria nos últimos dois anos
AUTORES: Beatriz Neuhaus Barbisan1, Gustavo Antonio Moreira2

SERVIÇO: Universidade Federal de São Paulo

1
Especialista em Pneumologia Pediátrica e Medicina do Sono. Mestre em Ciências
2
Especialista em Terapia Intensiva Pediatria e Medicina do Sono. Doutor em Ciências

Principais artigos na área de sono em rotineiramente em todos os indivíduos submetidos à AAT


pediatria nos últimos dois anos (82% dos pacientes). Foi avaliada a contribuição dos
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é seguintes fatores para o índice de apneia/hipopneia (IAH)
caracterizada por obstrução parcial ou completa das vias pós-operatório: idade, índice de massa corpórea, asma, IAH
aéreas durante o sono, levando a hipoxemia, hipercapnia, pré-AAT, sexo, etnia, tempo entre as duas PSG e rinite
fragmentação do sono e sintomas diurnos.1 Diferentemente alérgica. Foram analisados dados de 578 crianças com idade
do adulto, a criança com SAOS raramente apresenta média de 7 anos. Aproximadamente 50% das crianças eram
sonolência diurna excessiva, sendo mais evidentes as obesas. A AAT resultou em diminuição do IAH médio de 18
alterações cognitivas,2 déficit de aprendizado3 e problemas para 4/hora, mas somente 157 crianças (27%) obtiveram
de comportamento.2 Só recentemente comprovou-se que a resolução completa da SAOS considerando critério de IAH
SAOS em crianças e adolescentes ocasiona hipertensão < 1. Cento e vinte e cinco crianças (22%) mantiveram IAH >
arterial sistêmica,1 disfunção de ventrículo esquerdo4 e 5/hora. Os dois principais fatores que influenciaram o IAH
alterações endoteliais.5 pós-cirúrgica foram idade maior que 7 anos e índice de massa
Nesses últimos anos o conhecimento da SAOS em corpórea. A presença de asma e a magnitude do IAH pré-
crianças e adolescentes foi muito ampliado, principalmente operatório afetaram discretamente o IAH pós-operatório
no que se refere ao impacto da epidemia da obesidade nas entre as crianças não obesas. Os autores concluíram que,
anormalidades metabólicas e na eficácia do tratamento. A apesar da melhora significativa do IAH, uma grande
seguir são descritos vários estudos que abordam esses proporção de crianças mantém doença residual após a
temas. cirurgia. Sugerem que as crianças mais velhas e as obesas e
(1) Desfechos da Adenotonsilectomia no Tratamento da as crianças não obesas portadoras de asma ou SAOS
Apneia Obstrutiva do Sono em Crianças. Um estudo acentuada devam realizar PSG pré e pós-operatória.
multicêntrico e retrospectivo.6 Embora a AAT seja o tratamento de escolha para a SAOS
A adenotonsilectomia (AAT) é considerada como a em pediatria7, sabemos que ela não resulta em cura total
primeira linha de tratamento para a Síndrome da Apneia numa porcentagem considerável dos casos. Estudos têm
Obstrutiva do Sono (SAOS) em crianças segundo a Academia sido realizados no sentido de estabelecer as taxas de sucesso
Americana de Pediatria. É indiscutível que a AAT leva à cirúrgico e os fatores de risco para falha terapêutica. Neste
melhora da SAOS, porém existem poucos estudos sobre a contexto, o estudo referido é importante devido ao número
eficácia global da AAT e dos fatores que contribuem para a de casos incluídos e à atualidade e repercussão clínica do
persistência da SAOS após a cirurgia. O objetivo do estudo tema. A taxa de sucesso encontrada neste estudo é inferior a
foi quantificar os efeitos de fatores demográficos e clínicos de outros estudos semelhantes. Meta análise de 20098
que possam influenciar o sucesso da AAT no tratamento da encontrou cura de 66% quando considerado o critério de
SAOS em crianças. Trata-se de estudo retrospectivo realizado cura especificado por cada estudo (23 estudos) e de 60%
em oito centros (seis nos Estados Unidos e dois na Europa). quando o critério de cura foi o de IAH < 1 (9 estudos). A
Foram revisadas polissonografias (PSG) realizadas antes e diminuição média do IAH foi de 18 / hora. Uma das questões
após AAT para tratamento de SAOS em crianças sem outras que pode ter influenciado os resultados do presente estudo
doenças. Dentre os centros, quatro realizavam os exames é o fato de ser um estudo retrospectivo, onde 18% dos

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 21


pacientes pertenciam a centros que não realizavam PSG pré insuficiência cardíaca congestiva, 15 acidente vascular
e pós AAT de rotina. Possivelmente, nesses centros, tenham cerebral 16 e morte por fatores cardiovasculares. 17 O
sido incluídos pacientes mais graves. Outro fator a tratamento com CPAP nasal em adultos com SAOS protege
considerar, é a grande porcentagem de pacientes obesos. contra eventos cardiovasculares fatais e não fatais.18 Só
Meta análise de AAT em crianças obesas encontrou taxa de recentemente relatou-se que crianças com SAOS apresentam
sucesso de 12% (IAH < 1/hora) e de 49% (IAH < 5/hora); a hipertensão arterial sistêmica diurna,11 aumento da pressão
diminuição do IAH foi de 29 para 10/hora.9 Os valores do arterial sistêmica noturna,12 mudanças da função ventricular
estudo atual são intermediários entre os de crianças obesas esquerda 4 e disfunção endotelial. 5 O estudo de
e os valores de crianças em geral. Em relação aos fatores de Apostolidou 13 e esse são os primeiros a demonstrar a
risco para SAOS residual têm sido reconhecidos como fatores reversão da HAS após adenotonsilectomia. Esse achado é
de risco: gravidade da SAOS, obesidade, história familiar de mais um fator para corroborar a SAOS como fator etiológico
SAOS e afro descendência. A obesidade é fator consensual da HAS. A significância clínica desse evento ainda não é
entre os autores.10 Em relação à idade, encontrada como risco clara, mas esses dados sugerem que complicações
importante neste estudo, é possível que a hipertrofia de cardiovasculares podem estar presentes mesmo num breve
amígdalas e adenoide não seja o único ou mais importante período de fragmentação do sono e hipóxia intermitente,
fator para SAOS em crianças mais velhas. Este é o primeiro como acontece na SAOS em crianças. O fato de 10 crianças
estudo a associar asma com risco para SAOS residual. A etnia, apresentarem HAS após AAT é preocupante, os achados
que é identificada em alguns estudos como fator de risco11, sugerem que possa estar associado à SAOS residual (IAH>1/
não foi significativa no estudo em questão. A prevalência h). Como oito dessas crianças eram normotensas antes da
maior de SAOS em afro-descendentes tem sido descrita em AAT, possivelmente o MAPA apresenta variabilidade alta
vários estudos epidemiológicos.12 Certamente, mais estudos em múltiplos testes. Esse estudo tem algumas limitações:
são necessários para identificar a importância dos diversos ser retrospectivo, ter amostra relativamente pequena,
fatores de risco para o insucesso da cirurgia como tratamento ausência de valores normais de MAPA nas crianças chineses
único da SAOS em pediatria e quais os grupos que necessitam e apresentar viés de encaminhamento (repetiram quem
controle polissonográfico pré e pós-operatório. provavelmente tinha doença residual). Apesar desses
problemas, esse estudo oferece achados provocantes num
(2) Pressão Arterial Ambulatorial antes e após segmento da pesquisa clínica onde as investigações são
Adenotonsilectomia em Crianças com Apneia Obstrutiva escassas, propiciando campo para mais investigações e
do Sono.13 alertando pediatras sobre os risco de complicações na SAOS
A hipertensão arterial sistêmica está associada com a em crianças e adolescentes.
SAOS tanto em crianças como em adultos. Os dados sobre
os efeitos da adenotonsilectomia (AAT) em crianças com (3) Adolescentes com Apneia Obstrutiva do Sono têm baixa
SAOS são limitados e controversos. O objetivo do estudo adesão ao PAP, mas aqueles que usam PAP demonstram
foi avaliar o impacto da AAT nos diferentes parâmetros da melhora da atenção e do aproveitamento escolar. 14
monitorização ambulatorial de 24 horas da pressão arterial O uso de pressão positiva contínua em vias aéreas
(MAPA) em crianças com SAOS. Foi realizada (BiPAP/CPAP) melhora o funcionamento diurno de adultos
polissonografia pré e pós operatória. Quarenta e quatro com SAOS, porém, a adesão ao tratamento é um problema.
crianças foram identificadas e incluídas na análise. A média Como não existem estudos que avaliem o impacto do
do índice de apneia-hipopneia (IAH) reduziu de 14,1+15,9 tratamento com PAP em adolescentes, os autores procuraram
para 3,3+7,1. Vinte crianças (45%) curaram a SAOS (IAH<1/ determinar se o tratamento com PAP melhora o funcionamento
h). A carga da pressão arterial diastólica diminuiu diurno de adolescentes. Treze adolescentes obesos com
significantemente após a AAT. No grupo com hipertensão SAOS e 15 adolescentes obesos sem SAOS (controles) foram
arterial pré-AAT, tanto a pressão sistólica, como a pressão avaliados quanto a notas escolares, desempenho acadêmico
diastólica diminuíram significantemente após a AAT. No e qualidade de vida escolar. A adesão ao PAP foi avaliada
entanto, oito crianças normotensas pré-AAT tornaram-se por inquérito nos quatro meses após o inicio do PAP. O
hipertensas após a AAT. As dez crianças hipertensas após a tempo de uso de PAP variou de 0% a 88%, sendo a mediana
AAT estavam mais propensas a ter IAH > 1/h do que as de 21%. Segundo esse critério, os adolescentes que usaram
crianças não hipertensas (7/10 e 14/34), mas a diferença não PAP foram divididos naqueles com boa adesão (n=6) e má
foi estatisticamente significante (p=0,11). Os autores adesão (n=7). A idade dos adolescentes variou de 10 a 16
concluíram que na monitorização da pressão arterial anos, ~70% eram do sexo masculino, e o índice de massa
ambulatorial de 24 horas em crianças com SAOS ocorreu corpórea era maior no grupo SAOS (45,4+15,1) do que no
uma queda significante da carga da pressão arterial diastólica grupo controle (34,9+4,4). Na avaliação inicial, os
após AAT. No entanto, a hipertensão arterial pode persistir adolescentes não eram diferentes quanto a idade, raça,
ou mesmo aparecer naqueles previamente normotensos aproveitamento escolar e grau de alerta. Os adolescentes
apesar da melhora do IAH. obesos com e sem SAOS não diferiram quando ao IMC e o a
Adultos com SAOS têm maior risco de hipertensão arterial gravidade da SAOS. Os adolescentes com boa adesão,
sistêmica (HAS), arritmias cardíacas, doença coronariana,14 quando comparados aos de má adesão, apresentaram melhora

22 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


significativa do desempenho acadêmico e da atenção. Além 6. Bhattacharjee R, Kheirandish-Gozal L, Spruyt K, et al.
Adenotonsillectomy outcomes in treatment of obstructive
de uma melhora, estatisticamente limítrofe, do grau de alerta
sleep apnea in children: a multicenter retrospective study.
(p=0,052) e da qualidade de vida escolar (p=0,054) relatada Am J Respir Crit Care Med 2010;182:676-83
pelos pais. Os autores concluíram que muitos adolescentes 7. Schechter MS. Technical report: diagnosis and management
não usam regularmente o PAP durante o sono, porém, of childhood obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics
2002;109:e69.
aqueles que têm boa adesão melhoram a atenção e o 8. Friedman M, WilsonM, Lin HC, Chang HW. Updated
aproveitamento acadêmico. systematic review of tonsillectomy and adenoidectomy for
Vários estudos controlados já demonstraram que a terapia treatment of pediatric obstructive sleep apnea/hypopnea
syndrome. Otolaryngol Head Neck Surg 2009;140:800–808.
com CPAP em adultos com SAOS melhora o índice de apneia- 9. Costa DJ, Mitchell R. Adenotonsillectomy for obstructive
hipopneia (IAH), a sonolência excessiva diurna, a pressão sleep apnea in obese children: a meta-analysis. Otolaryngol
arterial, as funções cognitivas e a qualidade de vida.15 A Head Neck Surg 2009; 140:455–460.
falta de estudos na população pediátrica ocorre porque a 10. Persistence of obstructive sleep apnea syndrome in children
after adenotonsillectomy. Tauman R, Gulliver TE, Krishna
adenotonsilectomia é a terapia mais efetiva para crianças e J, Montgomery-Downs HE, O’Brien LM, Ivanenko A,
adolescentes com SAOS, assim poucas crianças são Gozal D. J Pediatr. 2006 Dec;149(6):803-8.
elegíveis para o tratamento com PAP. Outros estudos em 11. Predictors of sleep-disordered breathing in children with a
history of tonsillectomy and/or adenoidectomy. Morton S,
crianças com SAOS já haviam demonstrando melhora do Rosen C, Larkin E, Tishler P, Aylor J, Redline S. Sleep
IAH e boa adesão ao PAP.16-17 Esse é o primeiro estudo em 2001;24(7):823-9.
adolescentes, que mostra não só uma melhora do IAH com 12. Epidemiology of pediatric obstructive sleep apnea. Lumeng
PAP, mas também observa melhora nas funções cognitivas. JC, Chervin RD. Proc Am Thorac Soc 2008;5(2):242-52
13. Ng DK, Wong JC, Chan CH, Leung LC, Leung SY.
A má adesão em adolescentes está em concordância com Ambulatory blood pressure before and after
outros tratamentos em jovens com doenças crônicas. adenotonsillectomy in children with obstructive sleep apnea.
Algumas limitações desse estudo precisam ser destacadas. Sleep Med 2010;11:721-5.
14. Shahar E, Whitney CW, Redline S, et al. Sleep-disordered
Os grupos não foram feitos de forma aleatória, não foi breathing and cardiovascular disease: cross-sectional results
controlado com “Sham-CPAP” e a medida da adesão não foi of the Sleep Heart Health Study. Am J Respir Crit Care
objetiva (horímetro). Isso sugere que estudos melhor Med 2001;163:19-25.
desenhados devem ser realizados para replicar esses dados, 15. Yaggi HK, Concato J, Kernan WN, Lichtman JH, Brass
LM, Mohsenin V. Obstructive sleep apnea as a risk factor
mas os achados desse estudo têm relevância clínica em vista for stroke and death. N Engl J Med 2005;353:2034-41.
de dados recentes de que somente da adenotonsilectomia 16. Marin JM, Carrizo SJ, Vicente E, Agusti AG. Long-term
não é suficiente para o tratamento completo da SAOS em cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep
apnoea-hypopnoea with or without treatment with
crianças e adolescentes. Essa situação clínica será cada vez continuous positive airway pressure: an observational study.
mais frequente na clínica pediátrica devido ao aumento da Lancet 2005;365:1046-53.
prevalência da obesidade na população pediátrica nos EUA 17. Bixler EO, Vgontzas AN, Lin HM, et al. Blood pressure
associated with sleep-disordered breathing in a population
e nos países em desenvolvimento.
sample of children. Hypertension 2008;52:841-6.
Os últimos anos têm trazido novos desafios em relação à 18. Li AM, Au CT, Ho C, Fok TF, Wing YK. Blood pressure is
SAOS da criança e do adolescente. Estudos mais minuciosos elevated in children with primary snoring. J Pediatr
têm evidenciado que complicações, que se acreditava serem 2009;155:362-8 e1.
19. Apostolidou MT, Alexopoulos EI, Damani E, et al. Absence
exclusivas do adulto, também ocorrem nas crianças com SAOS.13 of blood pressure, metabolic, and inflammatory marker
Além disso, diante da epidemia de obesidade, o tratamento changes after adenotonsillectomy for sleep apnea in Greek
cirúrgico não pode mais ser considerado como tratamento único children. Pediatr Pulmonol 2008;43:550-60.
20. Beebe DW, Byars KC. Adolescents with obstructive sleep
e os indivíduos com risco para doença residual devem ser apnea adhere poorly to positive airway pressure (PAP),
investigados.6 A inclusão de tratamentos complementares but PAP users show improved attention and school
viáveis se torna necessária nesta nova conjuntura.14 performance. PLoS One 2011;6:e16924.
21. Giles TL, Lasserson TJ, Smith BJ, White J, Wright J, Cates
CJ. Continuous positive airways pressure for obstructive
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disordered breathing during sleep in children: a obstructive sleep apnea. J Pediatr 1995;127:88-94.
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5. Capdevila OS, Kheirandish-Gozal L, Dayyat E, Gozal D. Gustavo Antonio Moreira
Pediatric obstructive sleep apnea: complications, [email protected]
management, and long-term outcomes. Proc Am Thorac Soc
2008;5:274-82.

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 23


24 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011
Atualização em asma em pediatria:
discussão das metanálises publicadas
nos últimos 2 anos
AUTOR: Alfonso Eduardo Alvarez1

SERVIÇO: Hospital Vera Cruz (Campinas)

1
Pneumologista Pediátrico e Mestre em Saúde da Criança e Adolescente pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP)

Introdução inalatório (CI), quando o paciente não está bem controlado


A asma é a doença crônica mais comum na infância e a apenas com o último, tem sido recomendada nas diretrizes
principal causa de morbidade entre as doenças crônicas internacionais para o manejo da asma, como no “Global
quando avaliada pelo número de dias de ausência escolar, Initiative for Asthma” (GINA) 1,6, e também nas Diretrizes
consultas de emergência e hospitalizações. 1 Apesar do Brasileiras para o Manejo da Asma.7 Recentemente, porém,
número de internações por asma no Brasil na rede pública vários estudos têm questionado sua segurança e sua eficácia,
ter caído 51% nos últimos 10 anos, diminuindo de 397.333 principalmente na faixa etária pediátrica. Nos últimos 2 anos,
em 2000 para 192.601 em 2010, a asma continua sendo um foram realizados alguns estudos através de metanálise para
grave problema de saúde pública e representa a terceira causa tentar elucidar esta questão.
de internação entre todas as doenças em crianças e adultos Uma metanálise da Cochrane avaliou a associação de
jovens.2 Um estudo multicêntrico (International Study for LABA ao CI comparada à mesma dose de CI, em adultos e
Asthma and Allergies in Childhood – ISAAC) revelou que a crianças acima de 2 anos. Foram selecionados 77 estudos
prevalência média mundial de asma é de 11,8% entre crianças com 21.248 pacientes (4.625 crianças e 16.623 adultos), os
de 6 a 7 anos e de 13,8% entre adolescentes de 13 a 14 anos; quais apresentavam obstrução ventilatória moderada apesar
no Brasil a prevalência nesse estudo foi de 23,3% e 22,7% do uso de CI. Nos adultos a associação com LABA reduziu
respectivamente. 3 A terceira fase do estudo ISAAC 4, o número de exacerbações com necessidade de corticóide
publicada 7 anos depois da primeira, bem como um estudo oral [Risco Relativo (RR) 0,77; intervalo de confiança de 95%
multicêntrico em 20 cidades brasileiras 5, confirmaram (IC95%) 0,68 a 0,87], levou a um maior aumento do Volume
prevalências semelhantes para as duas faixas etárias. Expiratório Forçado no primeiro segundo (VEF1) (0,11 litros;
Muito do conhecimento que se tem hoje em relação à IC95% 0,09 a 0,13), proporcionou um maior aumento de dias
asma na infância vem de trabalhos científicos realizados com sem sintomas (11,88%; IC95% 8,25 a 15,50) e reduziu a
a população adulta, e até não serem reproduzidos na utilização de β2 agonista de curta duração (-0,58 aerogações/
população pediátrica permanece a dúvida se as conclusões dia; IC95% -0,80 a -0,35); não houve diferença em relação à
podem ser aplicadas a essa faixa etária. ocorrência de efeitos colaterais sérios (RR 1,00; IC95% 0,97
O objetivo deste trabalho foi selecionar os artigos a 1,04). Em crianças, porém, os efeitos da adição de LABA
científicos mais relevantes em relação à asma na infância foram muito incertos e não permitiram concluir que seja uma
publicados nos últimos 2 anos. Nesse período foram alternativa eficiente nessa faixa etária.8
publicados 2942 trabalhos científicos indexados sobre asma Em outra revisão foi comparada a adição de LABA ao CI
na faixa etária de 0 a 18 anos, sendo 42 metanálises. Este com o aumento da dose do CI, em adultos e crianças com
trabalho apresenta e discute as metanálises de maior asma persistente que não estavam controlados com a
relevância para a prática clínica, reunindo a discussão dos utilização de CI. A revisão incluiu 48 estudos, totalizando
artigos nos tópicos correspondentes. 15.155 pacientes, sendo 1.155 crianças e 14.000 adultos.
Houve um menor risco estatisticamente significativo de
Broncodilatadores de longa duração exacerbação com necessidade de corticóide sistêmico no
A associação de β2 agonista de longa duração (LABA- grupo que recebeu LABA (RR 0,88; IC95% 0,78 a 0,98). O
sigla em inglês para Long Acting β2 Agonist) ao corticóide grupo com LABA apresentou maior aumento da função

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 25


pulmonar, menos sintomas e menor uso de medicação de pulmonar melhor e melhor escore de sintomas, quando
regate. De maneira geral não houve diferença significativa comparadas ao grupo que utilizou Montelucaste.12
no risco de internação (RR 1,02; IC95% 0,67 a 1,56) e na Nos pacientes com asma persistente, que não estejam
ocorrência de efeitos colaterais (RR 1,12; IC95% 0,91 a 1,37). controlados com a utilização de CI, pode-se optar, de acordo
Os resultados foram dominados por estudos em adultos, e com as atuais diretrizes para o manejo da asma pela adição de
os dados de 3 estudos pediátricos demonstraram uma um antagonista de Leucotrienos ou de LABA.1,2,6 Estudos
tendência a um risco aumentado do uso de corticóide oral recentes tem tentado elucidar qual dessas opções é melhor
de resgate (RR 1,24; IC95% 0,58 a 2,66) e internação hospitalar para crianças. Uma metanálise da Cochrane, avaliando 17
(RR 2,21; IC95% 0,74 a 6,64) no grupo que utilizou a estudos randomizados controlados, demonstrou que em
combinação com LABA.9 pacientes com asma em uso de CI a adição de LABA foi
Outra metanálise da Cochrane avaliou a adição de LABA ao superior a adição de antagonista de Leucotrienos em relação
CI como primeira linha de terapia para asma persistente em à diminuição das exacerbações com necessidade de corticóide
adultos e crianças que nunca haviam usado CI. Foram avaliados sistêmico (RR 0,83; IC95% 0,71 a 0,97), melhora da função
27 estudos (22 em adultos e 5 em crianças) totalizando 8.050 pulmonar e da qualidade de vida. Não foi possível, porém,
pacientes. A combinação de LABA ao CI não foi associada a determinar qual dos tratamentos é superior para crianças.13
um menor risco de exacerbações com necessidade de corticóide Com base nessas metanálises é preferível, para as crianças
oral (RR 1,04; IC95% 0,73 a 1,47) ou hospitalização (RR 0,38; e adolescentes com asma leve a moderada, iniciar o tratamento
IC95% 0,09 a 1,65) comparado ao grupo que só usou CI na com CI a Montelucaste. Em adultos e adolescentes com asma
mesma dose. O grupo que utilizou LABA apresentou, porém, não controlada com CI é preferível associar um LABA a um
maior aumento no VEF1, menos sintomas e menor utilização de antagonista de Leucotrienos. Não é possível, porém,
β2 agonista de resgate, comparado com o grupo que apenas determinar qual dessas opções é mais eficiente em crianças.
utilizou CI. Não houve diferença entre os grupos na ocorrência
de efeitos adversos (RR 1,02; IC95% 0,96 a 1,09). Os autores Dose inicial de corticóide inalatório
relatam que não foi possível tirar nenhuma conclusão precisa Uma metanálise brasileira comparou o uso de doses
em relação à terapia combinada em crianças que ainda não moderadas (300-400 microgramas/dia) com baixas (200
usaram corticóide inalatório, devido ao pequeno número de microgramas/dia ou menos) de beclometasona ou
crianças avaliadas no estudo.10 equivalente em crianças e adolescentes de 3 a 18 anos com
Um estudo inglês avaliou a segurança do uso de Formoterol asma persistente leve a moderada. Foram avaliados 14
em crianças (4 a 11 anos) e adolescentes (12 a 17 anos). Foram estudos randomizados controlados, totalizando 5.768
analisados 42 estudos englobando 11.849 pacientes. O estudo pacientes, e verificou-se que houve um aumento maior do
demonstrou que o uso de Formoterol não aumentou o risco VEF1 no grupo que usou doses moderadas comparado com
de hospitalização quando comparado ao grupo que não usou o que usou doses baixas de CI, não houve, porém, diferença
LABA, tanto em crianças (1,16% (38/3263) vs 1,11% (24/2165), significativa ao comparar as duas doses em relação ao pico
quanto em adolescentes (0,51% (23/4533) vs 0,85% (16/1888)), de fluxo expiratório, escore de sintomas e uso de β2 agonista.
independente do grupo étnico avaliado.11 Os autores concluem que em crianças com asma persistente
Analisando estes estudos verificamos que a utilização leve a moderada não há vantagens clínicas relevantes no
de LABA para o controle da asma parece ser segura em uso de doses moderadas de corticóide inalatório em relação
crianças acima de 12 anos e adultos. Nessa faixa etária, a ao uso de doses baixas, e que são necessários mais estudos
combinação de LABA ao CI para os pacientes que não randomizados e controlados para avaliar as doses mais
estejam controlados demonstra eficácia em relação à melhora adequadas para cada caso.14
da função pulmonar, diminuição dos sintomas e das Esta questão é muito relevante, pois segundo as diretrizes
exacerbações. Em crianças menores de 12 anos a associação para o manejo da asma, devemos tentar controlar os pacientes
de LABA ao CI ainda necessita ser mais estudada para com a menor dose de CI possível. Este estudo fornece
determinar a eficácia e segurança de sua utilização. subsídios para iniciar o tratamento com doses baixas.

Antagonistas de leucotrienos Utilização de omalizumabe


Vários estudos recentes têm tentado definir se é melhor Para pacientes com asma mediada por IgE e que não
iniciar o tratamento de manutenção da asma com CI ou com estejam controlados com a utilização de CI associado a
antagonistas de Leucotrienos. Uma metanálise chilena, LABA ou antagonistas de Leucotrienos, as diretrizes para o
avaliando 18 estudos, com 3.757 pacientes, comparou a manejo da asma referem que pode ser considerada a
eficácia do CI ao Montelucaste em crianças escolares e associação com Omalizumabe, um anticorpo monoclonal
adolescentes com asma persistente leve a moderada. Os recombinante que inibe a ligação da IgE com seu receptor de
pacientes recebendo CI tiveram menor risco de exacerbação alta afinidade. 2,6 A segurança e tolerabilidade dessa substância
que os que receberam Montelucaste (RR 0,83; IC95% 0,72 a em menores de 12 anos não estão demonstradas na literatura.
0,96). As crianças recebendo CI tiveram também uma função Mais recentemente, um estudo americano analisou 2

26 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


estudos duplo-cego placebo-controlados em crianças de 6 desenvolvimento de asma.
a 12 anos com asma moderada a grave mediada por IgE, Uma metanálise escocesa avaliou 62 estudos que
avaliando a segurança do uso de Omalizumabe. As crianças verificavam a associação entre ingesta de vitaminas e
estavam em tratamento adequado com CI e outras medicações nutrientes e a prevenção de asma. A metanálise revelou que
e foram randomizadas para receber Omalizumabe ou placebo. a dosagem sérica de vitamina A é menor em crianças com
Foram analisadas 926 crianças e os resultados demonstraram asma comparada ao grupo controle (OR 0,25; IC95% 0,10 a
que o risco de efeitos adversos do Omalizumabe foi similar 0,40) e que uma dieta materna rica em vitamina D e E durante
ao placebo, e a ocorrência de efeitos adversos sérios foi de a gestação protegeu contra o desenvolvimento de sibilância
3,4% e 6,6%, respectivamente.15 na infância (OR 0,56; IC95% 0,42 a 0,73 e OR 0,68; IC95%
Esses resultados são bastante relevantes, pois ao 0,52 a 0,88, respectivamente). Foi demonstrado também que
demonstrarem a segurança do Omalizumabe fornecem uma nova aderir a uma dieta mediterrânea (frutas, legumes e peixes)
opção terapêutica para crianças na faixa etária de 6 a 12 anos ajudou na prevenção de sibilância persistente (OR 0,22;
com asma não controlada após seguirem os passos anteriores IC95% 0,08 a 0,58). Não foi possível estabelecer essa relação
das recomendações das diretrizes do manejo da asma. com vitamina C ou selênio, e também não foi possível
estabelecer relação entre o consumo desses nutrientes e a
ocorrência de outras alergias.18
Exacerbações de asma
Outra metanálise estudou 50.004 crianças de 8 a 12 anos
Devido à alta morbidade e mortalidade associada às
em 29 países avaliando a influência da dieta na prevalência
exacerbações de asma, diversos estudos têm buscado avaliar
de asma. O consumo de frutas foi associado a uma menor
quais são as melhores formas de tratamento. Algumas
prevalência de sibilância (OR 0,85; IC95% 0,74 a 0,97). O
práticas no manejo das exacerbações são baseadas em
consumo de peixe (OR 0,85; IC95% 0,74 a 0,97) e de legumes
pequenos estudos e careciam de uma avaliação mais ampla.
cozidos (OR 0,78; IC95% 0,65 a 0,95) foi associado a uma
Uma dessas questões era a prática de dobrar a dose do CI
menor prevalência de asma. Nenhum alimento foi associado
nas exacerbações. Uma metanálise da Cochrane comparando
a uma menor sensibilização alérgica.19
o efeito de dobrar a dose com manter a dose do CI nas
Analisando estes estudos verificamos que a adesão a
exacerbações de asma avaliou 5 estudos randomizados e
uma dieta mediterrânea (frutas, legumes e peixes), bem como
controlados envolvendo 1.250 pacientes e demonstrou que
uma dieta rica em vitaminas A, D e E parece auxiliar na
não houve redução significativa da necessidade de
prevenção de sibilância e asma na infância, devendo então
corticóide oral de resgate na exacerbação de asma após
ser estimulada nas crianças.
dobrar a dose de CI comparado com a manutenção da mesma
dose [Odds Ratio (OR) 0,85; IC95% 0,58 a 1,26].16
Outra prática comum é a utilização de Formoterol, um
Conclusão
LABA, no tratamento das exacerbações de asma no lugar Com base nas metanálises publicadas nos últimos 2 anos
dos β2 agonista de curta duração, em função de seu rápido em relação à asma na faixa etária pediátrica podemos concluir:
início de ação. Uma metanálise da Cochrane, avaliando 8 • A utilização de LABA para o controle da asma parece ser
estudos com 22.604 pacientes (a maioria adultos) comparou segura em crianças acima de 12 anos e adultos. Nessa faixa
o uso do Formoterol com β2 agonista de curta duração para etária, a combinação de LABA com CI para os pacientes que
alívio da exacerbação de asma. Os resultados demonstraram não estejam controlados demonstra eficácia em relação à
que em adultos, o grupo que usou Formoterol apresentou melhora da função pulmonar, melhora dos sintomas clínicos
menor número de exacerbações com necessidade de e diminuição das exacerbações.
corticóide oral do que o grupo que usou β2 agonista de • Em crianças menores de 12 anos a associação de LABA
curta duração. Os autores destacam, porém, que não há ao CI ainda necessita ser mais estudada para determinar a
informação suficiente nos estudos avaliados que permita eficácia e principalmente a segurança de sua utilização.
conclusões quanto à segurança e eficácia do Formoterol • Em crianças com asma leve a moderada é preferível iniciar
como medicação de resgate das crises de asma para a faixa o tratamento com CI a iniciar com antagonista de Leucotrienos.
etária pediátrica.17 • Em adultos e adolescentes com asma não controlada
Desta forma é importante ressaltar, que à luz do com CI é preferível associar um LABA que um antagonista de
conhecimento atual, não deve ser indicada para crianças Leucotrienos. Não é possível, a luz dos conhecimentos atuais,
com exacerbações de asma a conduta de dobrar a dose do CI determinar qual dessas opções é mais eficiente em crianças.
nem de utilizar o Formoterol como medicação de alívio em • Em crianças com asma persistente leve a moderada deve-
substituição ao β2 agonista de curta duração. se optar por iniciar o tratamento com doses baixas de CI, não
havendo vantagens na utilização de doses moderadas.
Influência da dieta na prevalência de asma • O Omalizumabe pode ser utilizado com segurança em
Estudos epidemiológicos têm sugerido que a deficiência crianças acima de 6 anos de idade, quando houver indicação
de nutrientes como selênio, zinco, vitaminas A, C, D e E, e de sua utilização pelas diretrizes no tratamento de asma.
baixa ingestão de frutas e verduras pode estar associada ao • Não há vantagens em dobrar a dose do CI nas exacerbações

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 27


de asma, não devendo então ser indicada essa prática. 9. Ducharme FM, Ni Chroinin M, Greenstone I, Lasserson TJ.
• Apesar do Formoterol ter demonstrado ser superior aos Addition of long-acting beta2-agonists to inhaled steroids versus
higher dose inhaled steroids in adults and children with
â2 agonistas de curta duração no tratamento das persistent asthma. Cochrane Database Syst Rev. 2010 Apr
exacerbações de asma em adultos, não foi possível ainda 14;(4):CD005533.
estabelecer sua segurança em crianças. 10. Ni Chroinin M, Greenstone I, Lasserson TJ, Ducharme FM.
• A adesão a uma dieta mediterrânea (frutas, legumes e Addition of inhaled long-acting beta2-agonists to inhaled
peixes), bem como uma dieta rica em vitaminas A, D e E steroids as first line therapy for persistent asthma in steroid-
naive adults and children. Cochrane Database Syst Rev. 2009
parece auxiliar na prevenção de sibilância e asma na infância. Oct 7;(4):CD005307.
Analisando os estudos publicados, e as conclusões dos 11. Price JF, Radner F, Lenney W, Lindberg B. Safety of formoterol
autores, é importante ressaltar a necessidade da realização in children and adolescents: experience from asthma clinical
de mais estudos randomizados e controlados em asma na trials. Arch Dis Child. 2010;95(12):1047-53.
faixa etária pediátrica. 12. Castro-Rodriguez JA, Rodrigo GJ. The role of inhaled
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Addition of long-acting beta2-agonists to inhaled corticosteroids
versus same dose inhaled corticosteroids for chronic asthma in
adults and children. Cochrane Database Syst Rev. 2010 May Alfonso Eduardo Alvarez
12;(5):CD005535. [email protected]

AGENDE-SE

www.congressosppt.com.br

28 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


RESUMINDO E RECORDANDO

Broncoscopia na prática pediátrica


AUTORES: Ascedio Jose Rodrigues1, Silvia Regina Cardoso2,Manoel Ernesto Peçanha Gonçalves3

SERVIÇOS: Instituto do Coração, Instituto da Criança - HCFMUSP

1
Médico Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória do Incor
2
Médica Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória do ICR
3
Médico Chefe do Serviço de Endoscopia Respiratória do ICR

Introdução • Suspeita de corpo estranho


A laringotraqueobroncoscopia, amplamente conhecida pelo • Atelectasias persistentes ou recorrentes
termo “broncoscopia”, é um procedimento que permite a • Pneumonias de repetição ou pneumonia persistente
visualização da laringe, traquéia e brônquios. A primeira • Disfonia
broncoscopia do mundo foi realizada pelo alemão Gustav Killian, • Ronco noturno
em 1897, com equipamento rígido, no tratamento de uma • Intubação de via aérea difícil
aspiração de corpo estranho, um osso de porco.1Somente em • Extubação de via aérea difícil
1966, o japonês Shigeto Ikeda apresentou ao mundo o primeiro • Avaliação de traqueostomia
broncoscópio flexível. Em 1978, Robert Wood publicou o • Hemoptise
primeiro artigo de broncoscopia flexível pediátrica.2 • Coleta de lavado broncoalveolar e biópsia transbrônquica
Podemos citar três tipos de broncoscopia, a flexível, a rígida e endobrônquica
e recentemente a virtual. Broncoscopia rígida é realizada com Anomalias que podem ser diagnosticadas durante
um tubo metálico aberto, inflexível, introduzido via oral que avaliação endoscópica:
permite a visualização das vias aéreas centrais e proximais. • Atresia ou estenose de coanas
Permite a ventilação do doente durante o procedimento sendo • Tumores nasais (cisto dermóide, meningocele,
utilizado principalmente no tratamento de retirada de corpo hemangioma, neurofibroma, glioma, pólipos)
estranho, dilatação de estenoses, desobstruções tumorais, • Hipertrofia de adenóides
higienização de secreções espessas e coágulos sanguíneos. • Hipertrofia de tonsilas palatinas
A broncoscopia flexível é atualmente a mais realizada. O • Faringomalácia ou colapso faríngeo
broncoscópio flexível é bem tolerado e permite a avaliação • Laringomalácia
das fossas nasais, faringes, laringe, traquéia, vias aéreas • Discinesia de pregas vocais
proximais, segmentares até a terceira geração de ramificação. • Paralisia de pregas vocais
A broncoscopia virtual consiste em imagens geradas por • Estenose subglótica
computador da árvore endobrônquica, que são construídos • Hemangioma laríngeo
a partir de tomografia computadorizada (TC) do tórax. Tem a • Cisto laríngeo
vantagem de ser não invasiva, fornecendo informações • Papilomatose laríngea
importantes sobre estruturas fora das vias aéreas. No entanto, • Membrana laríngea
ainda não substitui a broncoscopia tradicional pois as • Cleft laríngeo
anormalidades da mucosa não são bem vistas, a avaliação • Estenose traqueal
dinâmica é inacessível e não é possível coletar material. Vale • Traqueomalácia
lembrar que uma broncoscopia virtual normal, na suspeita • Compressões extrínsecas da via aérea central
de aspiração de corpo estranho não exclui a necessidade da • Fístula traqueoesofágica
broncoscopia tradicional.3 Anomalias craniofaciais que podem necessitar de
avaliação endoscópica das vias aéreas:
Indicações • Sequência Pierre Robin
As principais indicações para broncoscopia em crianças • Síndrome de Crouzon
estão relacionadas a seguir: • Síndrome de Treacher Collins
• Estridor persistente ou recorrente • Síndrome de Apert
• Sibilância persistente ou recorrente • Síndrome de Down
• Crises de cianose • Síndrome de Beckwith-Wiedemann

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 29


Estridor persistente Pneumonias recorrentes
O principal motivo de estridor em crianças é a Crianças com pneumonias de repetição ou com imagens
laringomalácia que geralmente é autolimitada. No entanto, pneumônicas persistentes, principalmente quando ocorrem
crianças que apresentam estridor e baixo ganho ponderal, no mesmo local anatômico podem se beneficiar de exame
episódios de sufocação, crises de cianose, disfagia, broncoscópico, por meio do qual podem ser realizados
síndromes genéticas e, principalmente, antecedentes de diagnósticos diferenciais pela coleta de lavado
prematuridade e intubação laringotraqueal, devem ser broncoalveolar.
avaliadas. Diagnósticos diferenciais incluem estenose
laringotraqueal, paralisia de pregas vocais, membrana Disfonia
laríngea, cisto laríngeo, hemangioma, papilomatose, cleft Casos de disfonia persistente, laringites de repetição,
laríngeo e outros.4 episódios de rouquidão recorrentes, principalmente quando
acompanhados de dispnéia necessitam de avaliação. Em
Sibilância persistente ou recorrente crianças, um motivo comum para disfonia são os nódulos
Pacientes com quadro de sibilância persistente apesar de vocais benignos. Outros diagnósticos incluem papiloma
tratamento adequado, dissociação clínica radiológica, não laríngeo, pólipos, paralisia de pregas vocais, membrana
responsiva ao tratamento ou com evolução atípica, podem laríngea, cistos laríngeos, hemangioma laríngeo, laringite por
ter anomalias anatômicas que podem ser identificadas pela refluxo e granulomas inflamatórios.
broncoscopia como cleft laríngeo, traqueomalácia, fístula
traqueoesofágica, aspiração de corpo estranho, estenose Intubação de via aérea difícil
traqueal, anel vascular, hemangioma e malformações da árvore Crianças com malformações faciais, abertura da boca
brônquica.5 limitada, fenda palatina, macroglossia, micrognatia, protrusão
dentária, cifoescolioses, suspeita de lesões congênitas da
Aspiração de corpo estranho laringe, lesões vasculares ou quaisquer deformidades
Crianças previamente saudáveis que apresentam história anatômicas que indiquem dificuldade para intubação, podem
de engasgo acompanhado de tosse súbita, crise de cianose, ser submetidas à colocação do tubo endotraqueal com
sibilância de início súbito com apresentação muito grave ou auxílio endoscópico.11
de difícil controle podem estar relacionadas à aspiração de
corpo estranho. Caso seja levantada a hipótese de aspiração Falha de extubação
de corpo estranho, a broncoscopia é obrigatória, mesmo que Crianças que apresentem dificuldade de extubação
todos os exames radiológicos sejam normais.6,7 associada à insuficiência respiratória alta podem ser
extubadas sob visão broncoscópica para avaliação estática
Atelectasias persistentes ou recorrentes e dinâmica da laringe. A laringite pós intubação é bastante
Pacientes com quadros de atelectasias sem melhora com comum e em sua maioria reversível. Casos mais graves onde
tratamento convencional podem ter benefício com a há tecido de granulação, úlceras e exposição de cartilagens
realização de broncoscopia. Atelectasias em crianças podem exigir traqueostomia. Não é obrigatória a realização
intubadas ou internadas geralmente requerem medidas mais de broncoscopia em crianças com indicação formal de
agressivas quando comparadas aos pacientes traqueostomia. No entanto, o acompanhamento endoscópico
assintomáticos, em acompanhamento ambulatorial. Nos para averiguação de seqüelas e possível decanulação é
casos assintomáticos, é recomendada broncoscopia se a desejável.
atelectasia durar mais do que 6 semanas. As causas incluem
compressão extrínseca, rolhas de secreção, aspiração de Traqueostomia
corpo estranho, broncomalácia, processos infecciosos
(tuberculose) e tumores.8, 9 É frequente a avaliação da traqueostomia quando ocorre
sangramento que aparentemente não seja proveniente do
Hemoptise peritraqueostoma externo. Em crianças muito pequenas ou
A hemoptise é uma queixa comum em crianças com alterações que impeçam a intubação orotraqueal, a troca
traqueostomizadas. Distinguir um sangramento do da cânula de traqueostomia com auxílio da broncoscopia
traqueostoma de um sangramento de via aérea baixa pode deve ser considerada para reduzir o risco de insucesso. Antes
não ser uma tarefa fácil. Outras causas de hemoptise são da decanulação definitiva da traqueostomia é obrigatória a
bronquiectasias, pneumonia lobares, infecções realização de laringotraqueobroncoscopia com avaliação
endobrônquicas, malformação vascular, cavitações dinâmica da laringe.12
pulmonares, aspiração de sangue proveniente das cavidades
nasais e do trato gastrointestinal, lesões pós intubação e Coleta de lavado broncoalveolar
trauma de aspiração.10 O lavado broncoalveolar (LBA) é um procedimento

30 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


diagnóstico que permite avaliar a celularidade e a bioquímica diagnóstico de sarcoidose, tuberculose e pneumocistose.
da superfície epitelial da árvore respiratória inferior e Apesar de amplamente utilizada no diagnóstico de
identificar a presença de microorganismos, através da diversas doenças pulmonares em pacientes adultos, seu uso
instilação e posterior recuperação de soro fisiológico. em crianças com doenças intersticiais ainda é controverso,
necessita de estudos prospectivos e o rendimento
LBA com o intuito de identificar um agente diagnóstico ainda não substitui a biópsia cirúrgica.
As complicações mais graves da BTB são o sangramento
infeccioso
e o pneumotórax. Outras complicações que podem ocorrer
Suas indicações incluem quadros respiratórios crônicos
incluem hipoxemia, dispnéia, broncoespasmo e febre. No
inespecíficos, imagens radiológicas persistestes ou
entanto, o procedimento é seguro e a incidência de
recorrentes, sintomas sugestivos de doenças intersticiais e
complicações graves varia entre 1 a 3%.17, 18
infecções do trato respiratório inferior.
Quando o LBA é solicitado para avaliação microbiológica
nas suspeitas de infecções do trato respiratório inferior, podem Biópsia endobrônquica
ser identificados patógenos como Mycobacterium A biópsia endobrônquica pode ser realizada em lesões
tuberculosis, Mycoplasma pneumoniae, Pneumocystis visíveis, como tumores ou em mucosa íntegra, permitindo
jiroveci, Legionella pneumophila, Toxoplasma gondii, estudar o epitélio.
Strongyloides stercoralis, Histoplasma capsulatum, Pode ser utilizada no diagnóstico de tuberculose,
Mycoplasma pneumoniae, Nocardia, vírus influenza, vírus sarcoidose, infecções fúngicas e discinesia ciliar primária.
sincicial respiratório, citomegalovirus, Aspergillus, Candida Também tem utilidade no manejo da asma de difícil controle,
albicans, Cryptococcus e micobactérias atípicas. Em caso de em crianças com fibrose cística e sibilância recorrente.19, 20
bactérias, considera-se significante a presença de pelo menos A técnica é simples, bem tolerada e segura. A principal
10.000 UFC/ml no LBA para que o paciente deva ser complicação é a tosse.
considerado portador de infecção.
O LBA pode ser valioso em pacientes imunossuprimidos, Contra indicações
seja por HIV, deficiências primárias, pós quimioterapias e Incluem insuficiência cardíaca descompensada,
transplantados. Também é muito útil em pacientes com instabilidade hemodinâmica (hipotensão, hipertensão,
pneumonia crônica, suspeita de tuberculose e fibrose cística bradicardia, arritmias), crise de asma, hipoxemia grave com
com falha terapêutica. saturação de oxihemoglobina menor de 90% com uso
Em crianças imunocompetentes com pneumonia o LBA oxigênio complementar. O uso de anticoagulantes, anti
deve ser utilizado somente em casos com evolução atípica, agregantes plaquetários, trombocitopenia (<50.000), uréia e
não sendo um exame de primeira escolha ou sequer de rotina. creatinina elevadas contraindicam a realização de biópsias
pelo risco de sangramento.
LBA nas doenças pulmonares não infecciosas
O LBA pode ser diagnóstico em algumas doenças Complicações
pulmonares crônicas intersticiais como proteinose alveolar, A anestesia geral é um fator importante nos casos de
hemossiderose pulmonar, histiocitose pulmonar, pneumonia depressão respiratória. Crianças com obstrução
lipoídica, microlitíase alvéolo pulmonar e aspiração pulmonar respiratória e hipoxemia pré existente no início do exame
crônica.13 A análise do LBA pode auxiliar no diagnóstico de tem maior morbidade. 22,22 As complicações mais
pacientes com sarcoidose, pneumonite de hipersensibilidade, freqüentes são epistaxe, hipoxemia, laringoespasmo,
pneumonia eosinofílica e fibrose pulmonar.14 broncoespasmo. Podem ocorrer ainda arritmias cardíacas
O LBA também pode ser utilizado como tratamento e bradicardia por estímulo vagal.23 Edema laríngeo é uma
complementar nas atelectasias pulmonares e remoção de plugs complicação que ocorre mais frequentemente na
de secreção. Instilação de acetilcisteina, antibióticos, dornase broncoscopia rígida.
alfa, surfactante e bicarbonato de sódio estão descritos na Uma série de 1328 broncoscopias diagnósticas em
literatura, mas com resultados inconclusivos.15, 16 crianças foram relatadas 5,2% de complicações menores
O LBA é bem tolerado e seguro. Complicações possíveis (tosse, dessaturação, náusea, laringoespasmo transitório e
incluem tosse, broncoespasmo, infiltrado pulmonar epistaxe) e 1,7% de complicações maiores (dessaturação
transitório, febre e hipoxemia. abaixo de 90%, laringoespasmo com dessaturação,
broncoespasmo e pneumotórax).24
Biópsia transbrônquica
A biópsia transbrônquica (BTB) permite a obtenção de Considerações finais
parênquima pulmonar para análise microscópica evitando O surgimento da broncoscopia flexível com imagens em
a biópsia a “céu aberto”. Seu uso é bem estabelecido na alta definição e os avanços da anestesiologia no manejo,
vigilância de crianças pós transplante pulmonar.17 monitorização e descoberta de novas drogas ampliou o campo
A BTB permite o diagnóstico de infecção por de atuação da broncoscopia na população pediátrica, trouxe
citomegalovirus em imunossuprimidos e pode auxiliar no mais segurança para os pacientes e aumentou a eficácia do

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 31


procedimento. As inovações tecnológicas permitiram a próprias com suas vantagens e desvantagens. A
miniaturização dos broncoscópios que hoje atingem incríveis broncoscopia virtual com reconstrução 3D não permite a
3,4 mm, 2,8mm, 2 mm e 1mm de diâmetro permitindo a realização avaliação dinâmica da via aérea, não permite a coleta de LBA
da broncoscopia em quaisquer idades, até mesmo na fase ou biópsia, os detalhes da mucosa traqueobrônquica e
intra-uterina (broncoscopia fetal).25, 26 estruturas laríngeas são sofríveis e os níveis de radiação
A maioria dos exames são realizados com anestesia geral ionizante são elevados. Na prática, a broncoscopia e a
sob ventilação espontânea. Em alguns casos, principalmente radiologia caminham juntos no diagnóstico e avaliação
nas crianças clinicamente estáveis submetidas a avaliação evolutiva de doenças pulmonares.
da via aérea superior como a laringoscopia, podem ser Existem inúmeras indicações para a realização de
realizadas somente com anestesia tópica nasal ou sedação broncoscopia nas crianças. O procedimento bem indicado é
consciente, dependendo de alguns fatores como cooperação, esclarecedor e traz benefícios para a criança, mesmo quando
o exame é normal. A exclusão de doenças é uma etapa
compreensão dos pais e da criança.
importante nos diagnósticos diferenciais. Como exemplos
O procedimento pode ser realizado em centro cirúrgico,
clássicos, citamos a suspeita de aspiração de corpo estranho,
unidade de terapia intensiva ou em sala apropriada para este suspeita de fístula traqueoesofágica e estenose subglótica
fim desde que esteja preparado para o manejo de emergências que são excluídos quando o exame endoscópico é normal,
em via aérea. ajudando o médico na condução de casos complicados sem
Rotineiramente, em um serviço adequado com equipe diagnósticos definitivos.
treinada, o exame é realizado ambulatorialmente com dispensa
domiciliar após algumas horas de observação, mas alguns
pacientes podem necessitar de internação, dependendo da Referências Bibliográficas
situação clínica da criança, da doença e do procedimento 1. Zollner F. Gustav Killian, father of bronchoscopy. Arch
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A broncoscopia é um procedimento seguro quando bronchoscopes in infants and children. Chest. 1978 May;73(5
realizado por equipe experiente. As complicações menores Suppl):737-40.
incluem epistaxe, traumas relacionados a passagem do 3. Veras TN, Hornburg G, Schner AM, Pinto LA. Use of virtual
aparelho, episódios de dessaturação de oxigênio e hipoxemia bronchoscopy in children with suspected foreign body
transitórias durante o procedimento. Complicações mais aspiration. J Bras Pneumol. 2009 Sep;35(9):937-41.
graves como broncoespasmo, sangramentos e pneumotórax 4. Boudewyns A, Claes J, Van de Heyning P. Clinical practice: an
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são eventos raros.26, 27
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Os exames radiológicos e a broncoscopia são 5. Weinberger M, Abu-Hasan M. Pseudo-asthma: when cough,
complementares. Cada técnica tem suas características wheezing, and dyspnea are not asthma. Pediatrics. 2007

Tabela 1 - Correlação entre doenças/anomalias e sintomas:


Estridor Disfonia Sibilância Cianose Dispnéia Hemoptise noturno
Atresia ou estenose de coanas + +
Tumores nasais + + +
Hipertrofia de adenóides +
Hipertrofia de tonsilas palatinas +
Faringomalácia ou colapso faríngeo + + + +
Laringomalácia + + + +
Discinesia de pregas vocais + + + + +
Paralisia de pregas vocais + + + + +
Estenose subglótica + + + + +
Hemangioma laríngeo + + + + +
Cisto laríngeo + + + + + +
Papilomatose laríngea + + + + + +
Membrana laríngea + + + + + +
Cleft laríngeo + + +
Estenose traqueal + + + +
Traqueomalácia + + + + +
Compressões extrínsecas + + + + + + +
Fístula traqueoesofágica + +
Aspiração de corpo estranho + + + + + + +
A tabela acima resume os sinais clínicos mais frequentes relacionados às doenças. Os sintomas podem variar dependendo da gravidade,
podendo estar ou não presentes.

32 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


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Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 33


Triagem neonatal para fibrose cística:
o que fazer diante de um resultado
alterado?
AUTORA: Fabíola Villac Adde1

SERVIÇO: Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP

1
Médica Assistente Doutora da Unidade de Pneumologia

Introdução tripsinogênio no sangue. Somente se ambos os resultados


Em muitos países, o diagnóstico de fibrose cística (FC) forem positivos deve-se realizar o teste do suor para o
vem sendo estabelecido já nos primeiros meses de vida, com diagnóstico da FC.
a implantação de programas de triagem neonatal. Há Determinados programas incluem a pesquisa de algumas
controvérsia quanto ao real impacto dos testes de triagem mutações do gene CFTR (“cystic fibrosis transmembrane
na evolução da doença, mas têm sido observados benefícios conductance regulator”) quando o primeiro IRT for positivo.
como melhor crescimento, nutrição e função pulmonar.1-3 No Quando detectadas nos dois alelos podem estabelecer o
nosso meio, infelizmente, o sub-diagnóstico e/ou o diagnóstico; se for encontrada uma mutação, o paciente deve
diagnóstico tardio da FC ainda é uma realidade. Não são se submeter ao teste do suor, pois ele pode ser apenas
poucos os pacientes que chegam com desnutrição grave, portador de um dos genes da FC, ou apresentar a doença no
infecção pulmonar crônica por Pseudomonas aeruginosa e caso de ter uma segunda mutação desconhecida, não
bronquiectasias. A implantação da triagem neonatal pesquisada no teste genético utilizado. Quando não se
possibilita um diagnóstico mais precoce com intervenções detecta nenhuma mutação, a probabilidade de FC é baixa,
terapêuticas específicas e oportunas e consequente melhora não havendo necessidade do teste do suor.5,6
do prognóstico do paciente. Embora o IRT seja até o momento o melhor teste de triagem
para FC, ocorrem muitos resultados falso-positivos,
Tripsinogênio imunorreativo (“imunorreactive principalmente em recém-nascidos prematuros, que sofreram
trypsinogen” - IRT) grande estresse perinatal, com baixos índices na escala de
O teste mais utilizado para a triagem neonatal da FC é o que Apgar ou em afrodescendentes. Vale ressaltar que um teste
mede o nível de tripsinogênio (IRT). O tripsinogênio é um de triagem negativo não exclui o diagnóstico de FC e que a
precursor de enzima pancreática, produzido exclusivamente pelo presença de íleo meconial, sinal de alerta para o diagnóstico
pâncreas, cuja concentração costuma estar persistentemente de FC, pode estar relacionada a testes falso-negativos.5
elevada no sangue dos recém-nascidos com FC em relação ao No Brasil, dispomos de dados sobre a triagem neonatal
dos normais, mesmo nos casos em que ainda há suficiência para FC realizada no estado do Paraná. De agosto/2001 a
pancreática. Esse aumento acontece pois a fibrose pancreática abril/2004 foram realizadas 456.982 triagens e em 0,9% (4.028
que a maioria desses pacientes apresenta já ocorre no período casos) ela foi positiva (IRT > 70ng/ml). Foi possível realizar
intra-uterino, levando a um refluxo das enzimas pancreáticas um segundo IRT em 3.815 bebês com até 30 dias de vida e
para a circulação, com aumento dos níveis do IRT. A sensibilidade destes, 12,5% (478) persistiram alterados, significando que
deste teste se situa ao redor de 95%, porém sua especificidade o índice de falso-positivos foi de 87,5% no primeiro teste.
é baixa, variando de 30 a 75%, dependendo dos níveis de Os pacientes com os dois testes alterados foram então
corte estipulados pelos laboratórios para o IRT.4,5 submetidos ao teste do suor, confirmando-se o diagnóstico
Existem diversos algoritmos para a triagem neonatal da de FC em 48 casos (0,01% do total).7.
FC5, e no Brasil a dosagem de IRT tem geralmente sido Apesar de o teste de triagem neonatal para FC no teste
realizada em duas amostras. A primeira é coletada nos do pezinho já ser uma portaria do Ministério da Saúde desde
primeiros dois a três dias de vida, em gota de sangue seco 2001 8, que determina a dosagem do IRT acoplado à pesquisa
com os demais exames para o “teste do pezinho”, e a de mutações nos casos dos níveis estarem aumentados ou
segunda, se o primeiro resultado for positivo, antes do final de um segundo IRT, quando a primeira dosagem for alterada
do primeiro mês de vida da criança, para evitar resultados e não se fez o estudo da mutação na primeira dosagem, por
falso-negativos que decorrem da queda natural do nível do ora só está implantado na rotina nos estados de Santa

34 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Tabela 1. Critérios diagnósticos de Fibrose Cística
A B
1.Características fenotípicas (1 ou mais) 1.Cloro no suor > 60 mmol/L em
• doença sinusal ou pulmonar crônica 2 dosagens
• alterações gastrintestinais e nutricionais
• síndrome de perda salina
• anormalidades urogenitais resultando em azospermia
obstrutiva
2.História de irmão com Fibrose Cística 2.Identificação de 2 mutações para Fibrose Cística
3.Teste de triagem neonatal positivo 3.Demonstração de alteração no transporte iônico no
epitélio nasal
Para o diagnóstico é necessário no mínimo um do itens da coluna A e um da B.

Catarina, Paraná e Minas Gerais. Em São Paulo, a triagem na análise dos eletrólitos e resultados falso-positivos e falso-
neonatal para FC em todos os recém-nascidos vivos do negativos.
estado foi implantada recentemente (6 de fevereiro de 2010)
e no Espírito Santo está em fase de implantação. Em alguns Conclusões
outros locais do país tem sido realizada em algumas A triagem neonatal para FC tem sido realizada de forma
maternidades privadas. A experiência preliminar do crescente nos países europeus, da América do Norte e mais
ambulatório de FC do Instituto da Criança - HC com esses recentemente da América do Sul. Frente a um primeiro IRT
lactentes com diagnóstico pelo IRT seguido do teste do suor positivo o médico deve tranquilizar a família, pois há grande
alterado é que o espectro clínico da doença é bastante chance de se tratar de um resultado falso-positivo. Quando
variável: alguns casos são oligossintomáticos e outros muito o segundo IRT também for positivo ou se encontrar em
graves, com internações em UTI por insuficiência estudo genético uma ou duas mutações no gene CFTR
respiratória, desnutrição, distúrbios hidroeletrolíticos e deve-se solicitar o teste do suor para a confirmação ou não
colonização precoce por Pseudomonas aeruginosa, do diagnóstico. Os familiares dos pacientes com FC, assim
Burkholderia cepacia e Staphylococcus aureus meticilino como dos não doentes mas portadores de uma mutação no
resistente (MRSA). Como muitas destas manifestações são gene CFTR, devem receber aconselhamento genético.
no geral inespecíficas o diagnóstico de FC provavelmente Frente à confirmação do diagnóstico o paciente deve ser
seria retardado se não houvesse o alerta da triagem alterada, encaminhado a um centro de referência de FC e manter
levando a maior morbi-mortalidade. seguimento conjunto com o pediatra. A família deve estar
ciente que nos dias de hoje há muitas terapêuticas
Critérios diagnósticos de Fibrose Cística disponíveis que retardam a progressão da doença levando
Recordando, o diagnóstico de FC, segundo Rosenstein a melhora na qualidade de vida e na sobrevida (mediana
& Cutting 9,10, é estabelecido seguindo-se os critérios de sobrevida atual se situa ao redor dos 36 anos nos
descritos na Tabela 1. países desenvolvidos). 16 Há muitas pesquisas em
Este consenso sobre o diagnóstico de FC foi realizado andamento com substâncias corretoras dos diversos
em 1998, mas os critérios diagnósticos se mantêm até os defeitos do CFTR, que podem num futuro não muito
dias de hoje.11 Recentemente, os critérios diagnósticos de distante levar à cura da FC.17
FC foram revistos e a única mudança foi a de considerar, em
lactentes menores de seis meses, valores normais de cloro Referências Bibliográficas
abaixo de 30 mmol/L, e limítrofes entre 30 e 59 mmol/L, uma 1. Farrell PM, Kosorok MR, Laxova A, Shen G, Koscik RE,
vez que se tem observado que, em lactentes jovens normais, Bruns WT, et al. Nutritional benefits of neonatal screening
os valores de cloro no suor são baixos, situando-se ao redor for cystic fibrosis. N Engl J Med. 1997;337:963-9.
de 10 mmol/L.12 Dessa maneira, valores entre 30 e 59 mmol/L, 2. Farrell PM, Kosorok MR, Rock MJ, Laxova A, Zeng L, Lai
nessa faixa etária, são suspeitos e requerem repetição e maior HC, et al. Early diagnosis of cystic fibrosis through neonatal
investigação.13-15. Deve-se também ressaltar que o teste do screening prevents severe malnutrition and improves long-
term growth. Pediatrics. 2001;107:1-13.
suor deve ser feito sempre com a estimulação da sudorese
3. Collins MS, Abbott MA, Wakefield B, Lapin CD, Drapeau
pela pilocarpina13 e que a coleta do suor envolvendo partes
G, Hopfer SM, et al. Improved Pulmonary and Growth
da criança (antebraço, perna, dorso, abdome, etc) em sacos Outcomes in Cystic Fibrosis by Newborn Screening. Pediatr
plásticos (surpreendentemente ainda praticada em alguns Pulmonol. 2008;43:648-55.
laboratórios) é totalmente inadequada, levando à 4. Wagener JS, Sontag MK, Accurso FJ. Newborn screening for
contaminação e evaporação do suor, com consequente erro cystic fibrosis. Curr Opin Pediatr. 2003;15:309-15.

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 35


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6. Massie J, Clements B; Australian Paediatric Respiratory FMUSP - InCOr - Pneumologia do Hospital das Clínicas(*)
Group. Diagnosis of cystic fibrosis after newborn screening: Responsável: Prof. Dr. Rogério Souza e Dr. Carlos Jardim
the Australasian experience—twenty years and five million Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 44
babies later: a consensus statement from the Australasian Horário Atendimento: 4º e 6º feira a partir das 8h
Tel: 11 3069-5034
Paediatric Respiratory Group. Pediatr Pulmonol.
e-mail: [email protected]
2005;39:440-6.
7. Santos GP, Domingos MT, Wittig EO, Riedi CA, Rosário Hospital Servidor Público Estadual de São Paulo
NA. Neonatal cystic fibrosis screening program in the state Dr. Responsável: Dr. Carlos Alberto de Castro Pereira
of Paraná: evaluation 30 months after implementation. J Pediatr Endereço: Rua Pedro de Toledo, 1800
(Rio J). 2005;81:240-4. Horário Atendimento: 2ª feira a partir das 8h
Tel: 11 5088-8648
8. Portaria GM/MS nº 822 de 06 de junho de 2001.
9. Rosenstein BJ, Cutting GR for the Cystic Fibrosis Foundation Instituto Dante Pazzanese (*)
Consensus Panel. The diagnosis of cystic fibrosis: a consensus Endereço: Avenida Dr. Dante Pazzanese, 500 - Vila Mariana
statement. J Pediatr. 1998;132:589-95. Tel: 11 5085-6413 ou 5085-6412
10. Rosenstein BJ. What is cystic fibrosis diagnosis. Clin Chest
Med. 1998;19:423-41. UNIFESP - Hospital São Paulo - Pneumologia (*)
Responsável: Dra. Jaquelina Sonoe Ota
11. Flume PA, Stenbit A. Making the diagnosis of cystic fibrosis. Endereço: Rua José de Magalhães, Vila Clementino
Am J Med Sci. 2008;335:51-4. Horário Atendimento: 5° feira a partir das 13h
12. Farrell PM, Rosenstein BJ, White TB, Accurso FJ, Castellani Tel: 11 5549-1830
C, Cutting GR, et al; Cystic Fibrosis Foundation. Guidelines e-mail: [email protected]
for diagnosis of cystic fibrosis in newborns through older
adults: Cystic Fibrosis Foundation consensus report. J UNIFESP – Hospital São Paulo - Cardiologia (*)
Responsável: Dra. Célia Maria Camelo Silva
Pediatr. 2008;153:S4-S14 Endereço: Rua dos Otonis, 897
13. Beauchamp M, Lands LC. Sweat testing: a review of current Horário Atendimento: 2ª feira a partir das 8h
technical requirements. Pediatr Pulmonol. 2005;39:507-11. Tel: 11 5549-9064
14. Leigh MW. Diagnosis of CF despite normal or borderline sweat
chloride. Paediatr Respir Rev. 2004;5(Suppl A):S357-9. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo -
15. De Boeck K, Wilschanski M, Castellani C, Taylor C, Cuppens Cardiologia (*)
Endereço: Rua Cesário Motta Júnior, 112 - Vila Buarque
H, Dodge J, et al. Diagnostic Working Group. Cystic fibrosis: Tel: 11 2176-7000
terminology and diagnostic algorithms. Thorax. 2006;6:627-35.
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Data Report. Bethesda, Maryland. 2011 Cystic Fibrosis UNICAMP - Hospital das Clínica - Pneumologia (*)
Foundation. Responsável: Dra. Monica Corso Pereira e Prof.Dra. Ilma
Aparecida Paschoal
17. Ratjen FA. Cystic fibrosis: pathogenesis and future treatment
Endereço: Rua Zeferino Vaz S/N Prédio HC-UNICAMP
strategies. Respir Care. 2009; 54:595-605. Horário Atendimento: 4º feira a partir das 13h30
Tel: 19 3521-7776 e 3521-7907

Fabíola Villac Adde Hospital Municipal Dr. Mário Gatti


[email protected] Endereço: Av. Prefeito Faria Lima, 340 - Pq. Itália
Tel: 19 3772-5700

Botucatu
UNESP - Hospital das Clínicas de Botucatu (*)
Responsável: Prof. Dr. Hugo Hyung Bok Yoo
Endereço: Distrito Rubião Jr.
Horário Atendimento: 4º feira a partir das 8h
Tel: 14 3882-2969

Ribeirão Preto
FMUSP Ribeirão Preto - Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto (*)
Responsável: Dr. Adriana Ignácio de Pádua
Endereço: Av. Bandeirantes 3900 - Monte Alegre
Horário Atendimento: 3º feira a partir das 13h (Triagem)
Tel: 16 3602-2631

São José do Rio Preto


Hospital de Base (*)
Endereço: Av. Brig. Faria Lima, 5544 - Vila São Pedro
Tel: 17 3201-5000

36 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Pneumonias de repetição em
pediatria
AUTORES: Adyléia Aparecida Dalbo Contrera Toro1, Larissa Vanuchi Rodrigues2, Milena Grotta3;
José Dirceu Ribeiro4

SERVIÇO: FCM-Unicamp

1
Médica Assistente do Departamento de Pediatria
2
Aluna graduação do quarto ano de Medicina. Bolsista (PIBIC) de iniciação científica.
3
Mestre em Pediatria e aluna de doutorado na área da Saúde da Criança e do Adolescente
4
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria . Chefe da Disciplina de Pneumologia Pediátrica

Introdução timo, no radiograma de tórax, pela sua posição anatômica


A estimativa mundial da incidência das pneumonias pode levar a uma hipotransparência, geralmente no lobo
adquiridas na comunidade (PAC), na faixa etária pediátrica é de superior direito, resultando em um diagnóstico de
0,29 episódios em um ano, entre crianças menores de 5 anos1. A pneumonia. Essas falhas técnicas ou de interpretação podem
pneumonia é responsável pela morte de aproximadamente 3 se repetir em radiografias subsequentes, criando um
milhões de crianças dentro dessa mesma faixa etária, sendo diagnóstico errôneo de pneumonias de repetição (PR).
que 90 a 95% dessas mortes ocorrem em países em Assim, é muito importante a avaliação criteriosa de todos os
desenvolvimento2-6. Essas taxas são consideravelmente altas exames radiológicos para interpretação e diagnóstico final9.
nesses países pela presença de alguns fatores de risco, tais
como: baixo peso ao nascimento, ausência ou menor tempo de Definição de “Pneumonias de Repetição”
aleitamento materno, desnutrição, poluição do ar dentro do O conceito de pneumonias de repetição não é único entre
ambiente domiciliar, como tabagismo e queimadas domésticas7. os diversos autores, sendo difícil encontrar na literatura uma
Fatores sociodemográficos, como renda familiar insuficiente, definição universal desta situação.
famílias numerosas, baixa escolaridade dos pais e cuidados Eigen9 conceituou PR quando o processo patológico foi
precários com a higiene domiciliar, também influenciam para completamente resolvido e ocorreu novamente uma ou mais
um maior índice de pneumonia7. vezes, com pelo menos uma radiografia normal no intervalo
O diagnóstico de pneumonia é feito através da clínica do da doença. Listernick10 definiu PR pela presença de infiltrados
paciente e das alterações encontradas no radiograma de tórax. recorrentes em diferentes segmentos pulmonares ou em um
A taquipnéia é o principal sinal dentre aqueles que marcam o segmento único, por certo período de tempo, com
quadro clínico da PAC, sendo que febre, palidez, toxemia, radiografias comprovadamente normais entre os episódios.
cianose e tosse costumam também estarem presentes. O Wald 11e Owayed et al. 12, consideraram pneumonias de
radiograma de tórax confirma o diagnóstico de pneumonia, repetição como dois episódios de pneumonia em um ano ou
avalia a extensão do processo e identifica complicações. três episódios em qualquer época da vida.
Segundo a Diretriz Brasileira para Manejo da PAC Pediátrica1 No Brasil, Reis et al.13 definiram PR quando ocorre
e a Organização Mundial de Saúde (OMS)8 , as pneumonias recorrência de episódios agudos em frequência igual ou
virais apresentam predomínio de espessamentos brônquicos maior do que três ao ano, sendo essencial a existência de
e peribrônquicos, opacidades heterogêneas bilaterais, aspecto radiológico pulmonar anormal por tempo superior a
adenopatia hilar e parahilar, hiperinsuflação e atelectasia. Já doze semanas.
as pneumonias bacterianas apresentam padrão alveolar Paiva 14 definiu PR quando, após comprometimento agudo
segmentar ou lobar, que se traduz por opacidades pulmonar, houver regressão clínica e radiológica, e
homogêneas com broncograma aéreo, abscessos, considerou a necessidade de investigar os pacientes com
pneumatoceles, espessamento ou derrame pleural1, 8. A três episódios de pneumonia no período de um ano.
técnica inadequada na realização do exame radiológico Mello et al.15, em um trabalho brasileiro definiram como
simples, pode gerar imagens que serão interpretadas pneumonias de repetição os conceitos de Reis et al.13 e
erroneamente como processos pneumônicos ou atelectasias. Paiva 14 quanto ao número mínimo de pneumonias em um
Exemplo são as radiografias expiradas, irradiações com baixa ano e, com o de outros autores, quanto à necessidade de
voltagem ou o posicionamento incorreto do paciente. O radiografia normal entre os episódios. Porém, devido ao fato

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 37


de que muitas vezes não se consegue resgatar os exames de são aspiração, asma, defeitos e malformações anatômicas, e
imagem que comprovem as alterações pulmonares em imunodeficiências.
crianças com história de pneumonias de repetição, mas sim No estudo de Lodha et al.16, realizado em Nova Deli, Índia,
de relatos de várias pneumonias, Mello et al.15, consideraram a aspiração foi a causa mais freqüente de pneumonia de
como repetição o número de 5 episódios em qualquer época repetição em 24,2% das crianças que passaram pelo serviço
da vida por ser mais adequado à realidade brasileira. de Pneumologia do Hospital por um período de cinco anos.
Esse resultado foi seguido por 15,7% de imunodeficiência,
Prevalência e incidência das pneumonias 14,2% de asma e 8,6% de anomalias estruturais.
de repetição O estudo canadense realizado por Owayed et al.12 também
Os dados sobre prevalência e incidência de pneumonias demonstrou aspiração devido a incoordenação de deglutição
de repetição na literatura são escassos. Dentre as crianças em 47,9% das 238 crianças pesquisadas como a principal
hospitalizadas com diagnóstico de pneumonia bacteriana, etiologia das pneumonias recorrentes. As outras etiologias
7,7 a 9% apresentarão recorrência do quadro12,16-19. foram imunodeficiências, em 10,1% dos pacientes,
Em um estudo brasileiro com crianças acompanhadas em malformações cardíacas congênitas em 9,2%, asma em 7,9%,
um ambulatório de pneumologia pediátrica a prevalência de anomalias congênitas ou adquiridas no trato respiratório em
pneumonias de repetição foi de 6,27% (40/638)15 . 7,6% e doença do refluxo gastroesofágico em 5,4% dos
pacientes.
Já no estudo realizado em Valência, na Espanha27, a asma
Fatores de Risco para Pneumonias de
foi a responsável por 30,4% dos casos de pneumonias
repetição recorrentes, correspondendo a 28 das 92 crianças
Os fatores predisponentes de pneumonias de repetição
hospitalizadas pesquisadas. No entanto, nove das 28 crianças
relacionados ao paciente são, o menor tamanho das vias
somente foram diagnosticadas com asma após a recorrência
aéreas; história familiar de atopia; complicações respiratórias
do quadro de pneumonia. Seguiram como as causas mais
no período neonatal; desmame precoce; doenças
presentes de recorrência da pneumonia as cardiopatias
consumptivas ou debilitantes; desnutrição ou deficiência
congênitas, com 29,3% e a aspiração, com 27,1%.
de vitaminas. Já os fatores relacionados com o meio ambiente
são o excesso de frio ou de umidade, e poluentes Corroborando com essa perspectiva, também no estudo
extradomiciliares e domiciliares20. de Çiftçi et al.17 realizado com crianças hospitalizadas na
A desnutrição calórica protéica avaliada através da relação Turquia num período de cinco anos, a asma foi a etiologia
entre o peso e a altura está associada à maior morbidade e das recorrências dos quadros de pneumonia em 32% das 71
mortalidade de crianças com infecções de vias aéreas7. crianças que tinham os critérios para diagnóstico de
Crianças com deficiência de vitamina A têm um risco dobrado pneumonia de repetição, sendo que sete foram
de apresentarem infecções do trato respiratório. A diagnosticadas durante as recorrências e 16 somente após
suplementação da Vitamina A em crianças menores de dois os quadros de recorrência. As outras principais causas
anos, após infecção pelo vírus do Sarampo, reduziu a encontradas foram doença do refluxo gastroesofágico em
mortalidade, mas não mostrou benefícios em relação a 15% dos pacientes, imunodeficiência em 10%, cardiopatias
tratamento ou prevenção de pneumonia 21-23. congênitas em 9%, sendo que a aspiração, considerada a
Quanto à deficiência de zinco, está associada à redução do principal etiologia em alguns estudos, atingia apenas 3%
crescimento e da resposta imunológica na criança. Estudos das crianças pesquisadas.
evidenciam que a suplementação de zinco resulta em maior A aspiração decorre da incapacidade de impedir a entrada
crescimento para crianças, em menores taxas de diarréia, de objetos estranhos nas vias aéreas 25, e a causa mais comum
malária e pneumonia, além de reduzir a mortalidade na faixa de aspiração é a doença do refluxo gastroesofágico, que
etária pediátrica. Crianças que recebem suplementação de pode ser causada por diminuição da contratilidade do
zinco apresentaram menor incidência de pneumonias quando esfíncter esofágico inferior, aumento da pressão intraluminal
comparadas com crianças que não receberam suplementação, do estômago ou diminuição do esvaziamento gástrico16. A
além disso a suplementação parece acelerar a recuperação doença do refluxo gastroesofágico tem maior incidência em
daquelas com pneumonia grave24. crianças que foram prematuras e passaram por sofrimento
O tabagismo passivo tem importante papel nas doenças respiratório 25,28. Outras causas comuns de aspiração são
respiratórias13,25. O hábito tabágico materno durante a gestação incoordenação orofaríngea, através de microaspirações
aumenta as chances de prematuridade e natimortalidade. Além durante a deglutição; malformações anatômicas, como
disso, aumenta o risco de doenças pulmonares durante os broncomalácia, estenose brônquica, atresia esofágica e
primeiros cinco anos de vida e as chances do surgimento de
fístula traqueoesofágica 26.
câncer de pulmão na vida adulta13,.26.
A asma é a doença crônica mais comum da infância, sendo
definida como uma inflamação crônica das vias aéreas,
Principais causas de pneumonias de repetição levando a hiperresponsividade das mesmas. São fatores de
As etiologias mais prevalentes de pneumonias recorrentes risco para asma sensibilidade para alérgenos aéreos,

38 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


qualidade da dieta materna durante a gestação, poluentes Conclusões
ambientais, micróbios e fatores psicossociais. Sibilo, tosse Observando o panorama da pneumonia pelo mundo,
e dispnéia são os principais sinais encontrados em pacientes através da revisão bibliográfica realizada, é possível perceber
asmáticos. Diagnosticar asma em crianças com menos de o impacto social e econômico que a mesma traz. Além do alto
cinco anos é difícil. Alguns lactentes apresentam sibilância índice de mortalidade dentro da faixa etária pediátrica, o
transitória, geralmente desencadeada por infecções virais, tratamento das pneumonias de repetição onera o sistema de
que desaparece até a idade escolar. Em outros, esses saúde público, principalmente nos países em
sintomas podem ser a primeira manifestação de asma 29. desenvolvimento, uma vez que muitas vezes requerem
Alguns critérios têm sido propostos para a definição de asma hospitalização além do tratamento medicamentoso.
em lactentes, devido à dificuldade em diagnosticar asma Compreender a existência de uma etiologia para a
nessa faixa etária 30. Assim existe uma constante dúvida se a recorrência dos quadros de pneumonia é determinar uma
asma é um fator etiológico das pneumonias de repetição ou conduta terapêutica para a causa, e não para a conseqüente
se consequência. patologia, impedindo o aparecimento de novos quadros
Segundo Huerta et al.27, a asma foi a causa mais freqüente respiratórios e diminuindo a morbi-mortalidade.
de pneumonias recorrentes, sendo muitas vezes No entanto, são poucos os trabalhos e os investimentos
diagnosticada após os episódios de pneumonias. No em pesquisa, tanto em âmbito mundial como nacional, que
entanto, de acordo com Picas-Jufresa et al. 30, a pneumonia abrangem a recorrência das pneumonias, apesar da
de repetição pode ser um fator de risco para o transparente importância do assunto. Anualmente crianças
desenvolvimento de asma, apesar de não se poder dizer o são admitidas nos serviços de saúde por infecções
mesmo da situação inversa. respiratórias. É extremamente necessário compreender melhor
As imunodeficiências são causas raras de pneumonias, o que as torna susceptíveis a tal condição, o que poderia
porém devem ser pesquisadas quando outras hipóteses contribuir para a criação de um programa educativo-preventivo.
tiverem sido esgotadas e os seguintes critérios forem
encontrados: mais de quatro infecções respiratórias de origem Referências Bibliográficas
bacteriana dentro do período de um ano; bronquiectasias 1. Diretrizes Brasileiras em Pneumonia Adquirida na Comunidade em
inexplicáveis; mais de uma infecção bacteriana severa, como Pediatria, 2007. J Bras Pneumol 2007; 33(1): 531-50.
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Pneumonia in severely malnourished children in developing countries
O histórico familiar de doenças genéticas leva a uma – mortality risk, aetiology and validity of WHO clinical signs: a
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morbimortalidade infantil resultante, poucos estudos já foram 11. Wald ER. Recurrent and nonresolving pneumonia in children. Semin
realizados para que os mecanismos etiológicos fossem Respir Infect Dis. 1993; 8: 46 – 58.
esclarecidos. No Brasil, em que as condições sócio- 12. Owayed AF, Campbell DM, Wang EEL. Underlying causes of
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há a necessidade da maior realização de pesquisas acerca do
13. Reis FJC, Fonseca MTM, Assis I, Moura JAR. Pneumopatias crônicas.
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Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 39


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before HAART era. Trop Pediatr. 2006; 52(5):360-8. São Paulo
CSI Ibirapuera
Rua Phellipe Vitry, 280
Adyléia Aparecida Dalbo Contrera Toro
Tel.: 11 5515-1693
[email protected] São Paulo
Hospital Mário Covas
Av. Príncipe de Galles, 821 - Sala de Função
Pulmonar Anexo II
Tel.: 4993-5469/6829-5011
Santo André

40 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Pneumonias adquiridas na comunidade
em lactentes, crianças e adolescentes
AUTORES: Joaquim Carlos Rodrigues1, Luiz Vicente Ferreira da Silva Filho2, Marina Buarque de Almeida3

SERVIÇOS: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)


Faculdade de Medicina da USP
Instituto da Criança do HCFMUSP

1
Professor Livre-Docente do Departamento de Pediatria, Coordenador da Unidade de Pneumologia
Pediátrica
2
Mestre e Doutor em Pediatria, Médico assistente
3
Mestre e Doutora em Pediatria, Médica Assistente

Introdução de PAC, pode determinar quadros mais graves,


Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) particularmente nos lactentes e crianças menores, sendo
mostram que cerca de um terço da mortalidade mundial em muito importante a sua investigação em crianças
crianças (4 a 5 milhões de óbitos anuais) é causada pelas hospitalizadas com pneumonia.14 Nestes pacientes, outros
infecções respiratórias agudas.1 O Fundo para as Nações agentes podem ser implicados, tais como citomegalovírus,
Unidas para a Infância (UNICEF) estima que mais de 3 milhões Chlamydia trachomatis e Pneumocystis jirovecci,
de crianças morra de pneumonia a cada ano, isoladamente ou, eventualmente, simultaneamente com
predominantemente nos países em desenvolvimento.1,2 Os VSR.15 Outras causas virais, principalmente fora da estação
estudos epidemiológicos das pneumonias agudas do VSR, incluem adenovírus, parainfluenza tipos 1 e 3,
adquiridas na comunidade (PAC) mostram que o rinovírus, enterovírus, metapneumovirus e influenza.16
Streptococcus pneumoniae é o agente etiológico bacteriano A identificação do agente etiológico das PAC é
mais importante, em todas as faixas etárias, tanto nos países relativamente difícil pelos métodos habituais, novo métodos
desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. 3,4,5 A imunológicos, sorológicos e de biologia molecular (reação
resistência desse agente à penicilina e às cefalosporinas em cadeia com polimerase- PCR) com maior sensibilidade
tem aumentado progressivamente em todos os continentes tem sido utilizados com esta finalidade.3
e tem-se constituído em um fator de preocupação.6,7 Após
isolamento do pneumococo é importante, quando possível,
Manejo das Pneumonias adquiridas na
a determinação da concentração inibitória mínima com o
intuito de orientação terapêutica. 8 Nos derrames
comunidade
Frente à criança portadora de uma pneumonia aguda, duas
parapneumônicos em crianças, os pneumococos ainda são
decisões são importantes: a necessidade ou não de
os agentes predominantes, porém nos países onde é rotineira
internação e a introdução de uma terapêutica antimicrobiana
a vacinação anti-pneumocócica houve uma queda
empírica adequada.
substancial na sua prevalência com um incremento na
freqüência de Staphylococcus aureus.9
Os agentes de pneumonias atípicas, Mycoplasma Critérios para internação
pneumoniae e Chlamydophyla pneumoniae são importantes Os critérios de internação podem variar mas os mais
na etiologia das PAC, particularmente em crianças acima de 4 habitualmente utilizados na prática clínica são: toxemia ou
a 5 anos de idade, correspondendo, em países desenvolvidos, quadro séptico, hipoxemia que requer administração de
a cerca de até um terço dos casos.10,11 Algumas bactérias que oxigênio suplementar, insuficiência respiratória,
foram previamente consideradas não patogênicas no trato incapacidade de tolerar medicação via oral, fatores sociais
respiratório, tais como Haemophilus influenzae não-tipável e que impossibilitem a reavaliação caso ocorra piora clínica,
Moraxella catarrhalis, ocasionalmente têm sido implicadas idade inferior a 2 meses, pacientes com alguma doença de
nas pneumonias agudas em crianças.12 O Staphylococcus base que possa alterar a evolução clínica da pneumonia
aureus e as enterobactérias são agentes etiológicos importantes (anemia falciforme, síndrome nefrótica, imunodeficiências
nas pneumonias de aquisição intra-hospitalar, nos pacientes congênitas ou adquiridas) e presença de complicações
imunodeprimidos e nos submetidos a ventilação mecânica.13 (derrame pleural, abscesso pulmonar, pneumatoceles,
O vírus sincicial respiratório (VSR) é um agente frequente cavitações, pneumotórax).3,17,18

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 41


Antibioticoterapia inicial importantes nesse grupo etário como causa de pneumonias:
O ideal seria conhecer o agente etiológico, mas diante das vírus respiratório sincicial, influenza, parainfluenza,
dificuldades para obtenção do diagnóstico etiológico adenovirus, Chlamydia trachomatis, Ureaplasma
utilizamos, na prática, um tratamento antimicrobiano empírico, urealyticum e Citomegalovírus.3,15 A infecção por Chlamydia
com base em estudos epidemiológicos.3 Deve-se tentar, trachomatis, Ureaplasma urelyticum e Citomegalovírus
sempre que possível, coletar material (sangue, secreções, podem produzir um quadro de pneumonia afebril ou subfebril,
líquido pleural, etc.) antes da administração do antimicrobiano clinicamente indistinguíveis.15 O quadro clínico é de instalação
e, com a etiologia conhecida, adequar o esquema insidiosa, iniciando-se com coriza ou obstrução nasal seguida
medicamentoso se for necessário. 3 A antibioticoterapia por tosse seca, às vezes com paroxismos de aspecto
empírica inicial está proposta baseada em grupos etários coqueluchóide, taquipnéia leve ou moderada e preservação
segundo estudos epidemiológicos e diretrizes mais do estado geral. Raramente ocorre insuficiência respiratória
recentes.17,18,19,20,21,22,23 ou hipoxemia grave.15 A criança se mantém afebril ou sub-
febril durante toda a evolução. Na ausculta pulmonar
Período neonatal observam-se estertores de finas bolhas disseminados com ou
Nesse período, a pneumonia bacteriana quando associada sem sibilância de pequena intensidade. O quadro radiológico
a corioamnionite é causada mais frequentemente por é de um infiltrado intersticial bilateral e hiperinsuflação
enterobactérias gram-negativas ou Streptococcus agalactiae. pulmonar. Podem ocorrer atelectasias sub-segmentares.15
Contudo, Haemophilus influenzae, pneumococos, Listeria Nas infecções por Chlamydia trachomatis pode-se
sp. e anaeróbios podem estar envolvidos.3 O tratamento inicial encontrar eosinofilia no hemograma e leucocitose sem desvio
inclui o uso de ampicilina associada a uma cefalosporina de à esquerda. 10 O diagnóstico pode ser realizado pela
terceira geração (preferencialmente cefotaxima) 20 identificação do agente em material de nasofaringe através de
Alternativamente, pode-se utilizar um aminoglicosídeo cultura e de técnicas imunoenzimáticas. O diagnóstico de
(gentamicina ou amicacina) particularmente se não houver infecção por Chlamydia trachomatis e citomegalovírus é mais
evidências de meningite.20,21 O tratamento deve ser continuado frequentemente efetuado por exames sorológicos,
por pelo menos 10 dias, porém nas infecções por gram- valorizando-se um aumento de 4 vezes nos níveis de IgG
negativos podem ser requeridos 14 a 21 dias.20 específica no intervalo de 2 semanas ou detecção de IgM
específica. Recomenda-se a introdução de eritromicina por 10
Lactentes jovens a 14 dias, pois é ativa no tratamento das infecções por
Em crianças com pneumonia na faixa etária abaixo de seis Chlamydia e Ureaplasma. 10,20 Alternativamente pode-se
meses é importante tentar distinguir clinicamente as infecções utilizar azitromicina ou claritromicina. O tratamento das
bacterianas das virais.3,22 As infecções bacterianas, nesse infecções por citomegalovírus está apenas indicado nos casos
grupo etário, geralmente são caracterizadas por febre e tosse graves (pneumonite com insuficiência respiratória aguda e
produtiva. Podem existir sinais de toxemia, má perfusão retinite), sendo que nesta situação deve-se utilizar o
periférica, letargia e taquicardia.24 O pneumococo é o agente ganciclovir.3,15
mais comum de pneumonia bacteriana nesse grupo etário,
outros agentes incluem: Staphylococcus aureus, Moraxella Pré- escolares
catarrhalis e Haemophilus influenzae.3 O uso de vacinas Nesse período o pneumococo é o agente mais comum de
conjugadas contra Haemophilus influenzae tipo b teve um pneumonias bacterianas. Outros agentes como Moraxella
impacto significativo tornando-o um agente incomum.3,4 A catharralis e Haemophilus influenzae são responsáveis por
infecção pulmonar pela Bordetella pertussis pode causar uma pequena fração das pneumonias nessa faixa etária.3,12,22
anormalidades radiológicas, porém sua apresentação clínica Estudos epidemiológicos mais recentes em países
difere das outras pneumonias bacterianas. Os lactentes com desenvolvidos, sugerem que alguns “patógenos atípicos”
suspeita de pneumonia bacteriana, sem sinais de toxemia, podem ter um papel relevante na etiologia de pneumonias
desconforto respiratório ou hipoxemia podem ser tratados agudas adquiridas na comunidade nessa faixa etária.10,11,18
ambulatorialmente, sob supervisão rigorosa, com amoxicilina Vários destes organismos podem causar pneumonia atípica
por 7 a 10 dias.20,21 Caso existam indicações para hospitalização incluindo: Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila
podem receber inicialmente ampicilina por via intravenosa. pneumoniae, Legionella pneumophila e vírus
Caso não ocorra melhora clínica em 48 a 72 horas, deve-se respiratórios.10,11,16
suspeitar de infecção por Haemophilus influenzae, Moraxella O Mycoplasma pneumoniae é o agente mais frequente de
catarrhalis produtora de beta-lactamases, Staphylococcus pneumonias atípicas em crianças e adolescentes. 11 A
aureus ou pneumococo de sensibilidade intermediária ou pneumonia tem início insidioso predominando sintomas
resistente aos antibióticos beta-lactâmicos.3 Nessa situação constitucionais como cefaléia, mal estar, tosse inicialmente
pode-se empregar amoxicilina–clavulanato ou cefuroxima ou seca podendo ser paroxística e eventualmente pode se tornar
ceftriaxona por via intravenosa.20 produtiva do tipo mucóide ou mucopurulenta. Pode ocorrer
Vírus e outros agentes não bacterianos são também muito otalgia por otite e miringite bolhosa. A radiografia de tórax

42 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


pode mostrar apenas um “infiltrado” inflamatório expresso Portanto, nessa faixa etária a conduta inicial deverá ser
como espessamento peribroncovascular perihilar na fase baseada no quadro clínico, radiológico e laboratorial. Nos
inicial ou áreas de condensações alveolares, comprometimento casos que não houver indicação para internação o tratamento
intersticial e em cerca de 20% dos casos pode-se observar inicial deve ser feito com amoxicilina por via oral, caso não
derrame pleural.11 ocorra melhora após 48 a 72 horas, sem complicações
A doença pode disseminar e causar doença multisistêmica radiológicas, deve-se suspeitar de infecção por Haemophilus
e insuficiência respiratória aguda. Podem ocorrer influenzae, Moraxella catarrhalis produtora de beta-
manifestações cutâneas desde exantemas máculo-papulares lactamases ou ainda pneumococo de sensibilidade
até eritema multiforme. É um agente importante de síndrome intermediária à penicilina; neste caso sugere-se a substituição
torácica aguda em pacientes portadores de anemia falciforme. por amoxicilina-clavulanato ou por cefuroxima.18,19,20,21 Nas
Pode ser causa de pneumonia necrosante em crianças.11 crianças com idade igual ou superior a 3 anos cuja pneumonia
O diagnóstico laboratorial pode ser confirmado através da não respondeu ao tratamento inicial com amoxicilina, com
cultura de secreção de nasofaringe (os portadores quadro clínico de evolução insidiosa, sem extensão radiológica
assintomáticos são raros) e através de testes sorológicos acentuada do processo, pode-se optar pela administração de
específicos. Os testes sorológicos mais freqüentemente eritromicina, claritromicina ou azitromicina visando
utilizados são a fixação de complemento (considera-se positivo Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila
uma elevação de 4 vezes nos títulos de anticorpos) e mais pneumoniae.3,20,21 Nas crianças com critérios para internação,
recentemente têm-se utilizado teste imunoenzimático (ELISA) com pneumonia lobar, com ou sem derrame parapneumônico,
como um teste mais sensível e específico.3,24 O tratamento deve-se iniciar ampicilina ou penicilina cristalina por via
deve ser feito com eritromicina ou claritromicina por um período intravenosa. 9,19,20 As crianças internadas inicialmente
de 10 a 14 dias ou azitromicina por 5 dias.7,20 A levofloxacina é toxemiadas, portadoras de pneumonia extensa ou aquelas que
uma opção para crianças com idade superior a 12 anos.17 não responderam ao tratamento inicial ambulatorial com
Na pneumonia por Chlamydophila pneumoniae o início amoxicilina podem receber amoxicilina-clavulanato ou
dos sintomas é geralmente gradual, ocorre frequentemente cefuroxima ou ceftriaxona por via intravenosa.19,20
uma faringite e após 1 a 4 semanas surgem os sintomas
pulmonares, febre e semiologia de condensação pulmonar.10 Escolares e adolescentes
Na radiografia de tórax pode-se observar opacidades Nessa faixa etária o pneumococo é o agente mais
alveolares e/ou infiltrado intersticial. 10 É comum o importante, porém Mycoplasma pneumoniae e
acometimento sub-segmentar de um único lobo. Pode ocorrer Chlamydophila pneumoniae são agentes significantemente
derrame pleural em cerca de 25% dos casos.10 prevalentes.3,10,11 A pneumonia bacteriana nesse grupo etário
O diagnóstico laboratorial pode ser realizado pelo é caracterizada por um início abrupto de febre alta e tosse
isolamento do organismo ou por reações sorológicas. A cultura produtiva. 24 A infecção por Mycoplasma começa com
de material de nasofaringe é um método difícil, necessitando pródromo de faringite, cefaléia ou sintomas gastrintestinais e
de meios de cultura especiais. Os testes sorológicos são os febre geralmente baixa. Pode ocorrer exantema macular
mais utilizados.3 Na infecção aguda considera-se como eritematoso e eventualmente artrite. 11 O tratamento
positivo um aumento nos títulos de IgG de quatro vezes, um ambulatorial pode ser realizado com amoxicilina e, nos casos
título de IgM de 1:16 ou maior ou um título único de IgG de em que houver suspeita clínica de infecção por Mycoplasma
1:512 ou maior. A infecção pregressa é caracterizada por um ou Chlamydophila deve-se introduzir um macrolídeo
título de IgG de 1:16 a 1:512.3 A reação em cadeia de polimerase (eritromicina, claritromicina ou azitromicina) ou opcionalmente
(PCR) é um método possível, mas ainda não disponível levofloxacina para crianças acima de 12 anos de idade.20,21
rotineiramente. O tratamento deve ser realizado com Os quadros 1 e 2 resumem a antibioticoterapia inicial para
eritromicina ou claritromicina por 10 a 14 dias.20,21 o tratamento das pneumonias agudas adquiridas na

Quadro 1: antibioticoterapia para tratamento domiciliar


Faixa etária Tratamento inicial Tratamento opcional (para falha terapêutica)
2 meses a 5 anos Amoxicilina 50 mg/kg/dia VO 12/12h Amoxicilina + clavulanato 50 mg/kg/dia
(amoxicilina) VO 12/12h ou cefuroxima 30 mg/kg/
dia VO 12/12h

> de 5 anos* Amoxicilina 50 mg/kg/dia VO 12/12h ou Amoxicilina + clavulanato 50 mg/kg/dia


Claritromicina 15 mg/kg/dia VO 12/12h (amoxicilina) VO 12/12h ou cefuroxima 30 mg/kg/
ou Azitromicina 10 mg/kg VO dia VO 12/12h
(*) Para os maiores de 5 anos tratados inicialmente com amoxicilina a falha terapêutica deve ser abordada com macrolídeo (claritromicina
ou azitromicina).

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 43


Quadro 2: antibioticoterapia para tratamento hospitalar (25)
Faixa etária Tratamento inicial Tratamento opcional (para falha terapêutica)
< de 2 meses* Ampicilina 200 mg/kg/dia IV 6/6h + amicacina 15 Cefotaxima 100 a 200 mg/kg/dia IV 6/6 ou 8/8h
mg/kg/dia IV 12/12h ou gentamicina 3 a 7,5 mg/ ou Ceftriaxone 100 mg/kg/dia IV 12/12h
kg/dia IV 8/8h
2 meses a 5 anos Penicilina cristalina 100.000 UI/kg/dia IV 4/4/h ou Cefuroxima 100 a 150 mg/kg/dia IV 8/8h ou
Ampicilina 200 mg/kg/dia IV 6/6h Ceftriaxone 100 mg/kg/dia IV 12/12h
> de 5 anos Penicilina cristalina 100.000 UI/kg/dia IV 4/4/h ou Cefuroxima 100 a 150 mg/kg/dia IV 8/8h ou
Ampicilina 200 mg/kg/dia IV 6/6h Ceftriaxone 100 mg/kg/dia IV 12/12h +
Claritromicina 15 mg/kg/dia VO ou IV 12/12h
*Aminoglicosídeos podem ser utilizados em administração única diária.

comunidade em crianças e adolescentes e as opções quando de bacterianas.28 Apenas valores muito elevados de pró-
houver falha terapêutica.25 calcitonina (PCT) acima de 2,0 ng/ml e proteína C-reativa
acima de 150 mg/ml sugerem a presença de infecção
Situações específicas25: bacteriana.28,29
a. Lactentes de 3 semanas a 3 meses, quadros afebris, A resistência à penicilina in vitro não aumenta o risco de
infiltrados heterogêneos sem opacidades lobares (suspeita falha à terapêutica à penicilina/ampicilina em doses
de Chlamydia trachomatis): claritromicina 15 mg/kg/dia VO habituais.30 Isto foi demonstrado em estudo multicêntrico
12/12h por 10 dias ou azitromicina 10mg/kg/dia. recente em 12 centros de nível terciário em três países da
b. Pacientes com tosse coqueluchóide, suspeita de B. América Latina onde foram incluídas crianças com idade
pertussis, claritromicina 15 mg/kg/dia VO 12/12h por 10 dias abaixo de cinco anos hospitalizadas por pneumonia grave.31
ou eritromicina 30 a 50 mg/kg/dia VO 6/6h. A conclusão foi de que a penicilina/ampicilina IV permanece
c. Pneumonias afebris com evidências de obstrução de como droga de escolha para tratar pneumonia pneumocócica
vias aéreas ou traqueobronquite: claritromicina 15 mg/kg/dia resistente à penicilina nas áreas em que o MIC não exceda
VO 12/12h por 10 dias ou azitromicina 10 mg/kg/dia VO 5 dias. 4mcg/ml. Por outro lado as alterações dos critérios de
resistência baseadas no MIC alteraram os conceitos
Conclusões previamente existentes .
É muito difícil pelo quadro clínico e radiológico identificar A gravidade da pneumonia e a presença de complicações
e separar as pneumonias virais das bacterianas ou de outras como derrame parapneumônico, pneumonia necrosante e
formas de pneumonia, incluindo as atípicas.16,24 O diagnóstico abscesso pulmonar estão relacionadas a determinados
etiológico de crianças com PAC na faixa etária inferior aos 2 sorotipos de pneumococos mais virulentos e não à
anos oferece maior dificuldade, pelo maior número de agentes resistência à penicilina.32 Os sorotipos 3 e 14, apesar de
e ocorrência de infecções mistas, dificultando o sensíveis à penicilina e cefalosporinas, são extremamente
estabelecimento racional de uma estratégia terapêutica agressivos e determinam graves complicações
empírica inicial para esses casos.26 A coexistência de infecção pulmonares.32
viral e bacteriana é um achado relativamente frequente,
particularmente em crianças abaixo de 2 anos de idade.26,27 Referências bibliográficas
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Unidade de Especialidades de Saúde - São José
dos Campos
Joaquim Carlos Rodrigues Av. Francisco José Longo, 925 - São Dimas
[email protected] Tel.: 12 3942-4753
São José dos Campos
Conjunto Hospitalar de Sorocaba
Av. Comendador Pereira Inácio, 564
Tel.: 15 3332-9100

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 45


RELATO DE CASO

Tratamento de hemangiomas de vias


aéreas em crianças utilizando propranolol
AUTORES: Mauro Tamagno1, Hélio Minamoto2

SERVIÇO: Disciplina de Cirurgia Torácica – Incor – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, Brasil

1
médico residente
2
médico assistente-doutor

Introdução
O hemangioma é uma formação benigna de capilares e vasos
sanguíneos. É a neoplasia de origem vascular mais comum da
infância, sendo mais freqüente no sexo feminino.1 Devido à
involução espontânea, a maioria dos hemangiomas não requer
intervenção. Ainda assim, o tratamento é necessário em 10-15
% dos casos, especialmente quando há ameaça à vida e às
funções fisiológicas.2 Hemangiomas subglóticos são raros,
os sintomas geralmente ocorrem nos primeiros 6 meses de
vida e os casos tardiamente diagnosticados podem levar à
insuficiência respiratória. 1,3 Atualmente, as opções
terapêuticas com maior respaldo na literatura são os
imunossupressores, imunomoduladores e a ressecção.2,3,4
Desde 2008, vários relatos de casos têm descrito Figura 1 - tomografia computadorizada de tórax, laringe e
tratamentos bem sucedidos com propranolol para traqueia
hemangiomas em diversas topografias.1,5 Em 2009 relatos da
experiência inicial com propranolol como tratamento único laboratoriais eram normais. A tomografia computadorizada de
para hemangiomas de vias aéreas foram publicados, com tórax, laringe e traqueia mostravam uma massa heterogênea,
resultados excelentes.1,3,4 No entanto, várias perguntas ricamente vascularizada no hemitórax esquerdo (Figura 1),
permanecem sem resposta sobre o tratamento com sem malformação cardíaca associada. A broncoscopia rígida
propranolol: a maior eficácia em população pediátrica, a realizada sob anestesia geral revelou uma grande massa
duração ideal do tratamento, a incidência de resistências e pulsátil que obstruía quase totalmente a laringe e traqueia. O
recaídas e a incidência de efeitos colaterais graves.8 diagnóstico de hemangioma fundamentou-se nos aspectos
O objetivo do presente trabalho é relatar a experiência do radiológicos e endoscópicos. Não foi realizada biópsia devido
Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da ao risco de sangramento. O tratamento com corticosteróide
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no (betametasona 0,5 mg/ kg por dia) foi iniciado. Após duas
tratamento do hemangioma de vias aéreas em duas crianças semanas de tratamento, não foi observada melhora clínica. A
com propranolol. corticoterapia foi suspensa, e o tratamento com propranolol
(1mg/kg por dia) foi iniciado. Após 5 dias de tratamento, a
CASO 1 paciente apresentou melhora clínica e do estridor. A dosagem
Paciente de 6 meses de idade, sexo feminino, foi avaliada de propranolol foi gradativamente aumentada para 2 mg/kg
no setor de emergência devido a desconforto respiratório. por dia. Foi realizada monitorização cardíaca e de glicemia
Como antecedentes, a paciente teve nascimento prematuro para evitar possíveis complicações. Após 3 meses de
(34 semanas) e fora tratada previamente para refluxo tratamento, foi realizada outra broncoscopia rígida. Observou-
gastroesofágico e infecções respiratórias de repetição. No se melhora endoscópica, com redução da lesão e aumento da
exame físico apresentava estridor laríngeo. Todos os exames luz da via aérea efetiva para ventilação. (Figura 2)

48 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Figura 3.A - Lesão antes do tratamento com propranolol.

Figura 3.B - Após 3 meses de tratamento.

Discussão
O hemangioma, geralmente se desenvolve durante as
primeiras semanas de vida e tem uma fase de crescimento
rápido durante os primeiros 3 a 6 meses, seguida por uma fase
de involução ao redor dos 12 meses, podendo durar de 3 a 7
Figura 2 – 2.A- Lesão antes do tratamento com propranolol
anos.1,2
2.B - Após 3 meses de tratamento A prednisolona tem sido a primeira linha de tratamento
para hemangiomas, em doses de 2-5 mg/kg por dia.1 O uso,
CASO 2 seja por via oral, seja intralesional, não esta isento de efeitos
Paciente de 4 meses de idade, sexo feminino, ingressou no colaterais. O uso prolongado de corticosteróides pode resultar
serviço com quadro de insuficiência respiratória. Havia sido em retardo do crescimento, úlcera péptica, diabetes mellitus,
encaminhada de outro Hospital no qual tinha sido submetida necrose avascular de quadril, fraturas espontâneas,
a duas dilatações de traqueia. Após avaliações clínica e imunossupressão e outros problemas metabólicos e de
tomográfica iniciais foi realizada laringoscopia rígida de desenvolvimento.1,2
urgência. Pelo grau de obstrução traqueal, edema laríngeo e Por acaso, notou-se que em uma criança portadora de
quadro clínico, decidiu-se por realizar traqueostomia. hemangioma nasal ocorreu a diminuição significativa do
Subseqüentemente foi iniciado tratamento com propranolol tamanho da lesão, após o início do tratamento com propranolol
na dose de 2mg/kg/dia, e a paciente apresentou boa evolução. para uma cardiomiopatia obstrutiva. Depois deste relato,
A mesma monitorização clínica descrita anteriormente foi vários outros relatos de casos têm descrito tratamentos bem
realizada. Após 3 meses foi realizado controle tomográfico e sucedidos com propranolol para hemangiomas em diversas
endoscópico, que mostrou redução nas dimensões da lesão e topografias. Em muitos desses casos, o propranolol foi
melhora da luz traqueal.(Figura 3) Por causa da persistência utilizado como medicação adjuvante de tratamentos clínicos
da estenose de via aérea decidiu-se por colocar uma prótese e cirúrgicos.1,3,4
de silicone tipo tubo T de Montgomery, para garantir a A notável resposta clínica e os limitados efeitos colaterais
permeabilidade da via aérea. resultaram em um crescente interesse em utilizar o propranolol
Após 20 meses e 15 meses de seguimento, respectivamente, como agente de primeira linha para os hemangiomas.4
as duas crianças continuam em uso de propranolol, sem Dentre as possíveis explicações para o efeito terapêutico
apresentarem efeitos adversos, progressão do hemangioma do propranolol–beta-bloqueador não seletivo – nos
ou recidiva dos sintomas. hemangiomas pode-se mencionar vasoconstrição, diminuição

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 49


na produção de VEGF e de fator de crescimento de fibroblasto como propõe Troung e colaboradores 9 seguindo um
básico; e estímulo a apoptose das células endoteliais dos algoritmo diagnóstico e terapêutico, em instituições com
capilares. 4 recursos e profissionais experientes, familiarizados com o
Todavia, o propranolol pode induzir sérios efeitos colaterais, uso de esta medicação em crianças. Espera-se que, conforme
como bradicardia e hipotensão, além de poder ocultar sinais o uso do propranolol se torne mais difundido, a dose ideal,
clínicos de insuficiência cardíaca e diminuir o desempenho o tempo de tratamento e os efeitos colaterais possam ser
cardíaco. 6,7 Pode ainda exacerbar as manifestações clínicas da mais bem compreendidos.
hipoglicemia, associada com sequelas neurológicas em longo
prazo.[6] Entre outros efeitos colaterais, foram descritas crises Referências Bibliográficas
asmáticas na primeira semana de tratamento.8 1. Truong MT, Chang KW, Berk DR, Heerema-McKenney A,
Devido aos possíveis efeitos colaterais do propranolol, um Bruckner AL. Propranolol for theTreatment of a Life-
Threatening Subglottic and Mediastinal Infantile Hemangioma.
rígido protocolo foi proposto,4,6 o qual inclui ecocardiograma, J Pediatr. 2010;156(2):335-8.
exame cardiológico e monitorizacão da glicemia nas primeiras 2. Léauté-Labrèze C, Sans-Martin V. Infantile hemangioma
48h de tratamento. O propranolol é administrado a cada 8h, com [Article in French]. Presse Med. 2010;39(4):499-510.
dose inicial de 0,5-1,0 mg /kg. Se os sinais vitais e o nível de 3. Denoyelle F, Leboulanger N, Enjolras O, Harris R, Roger G,
Garabedian EN. Role of Propranolol in thetherapeutic strategy
glicemia permanecerem normais, a dose é aumentada até um of infantile laryngotracheal hemangioma. Int J Pediatr
máximo diário de 2-3 mg/kg. 4 Atualmente outros tipos de beta- Otolaryngol. 2009;73(8):1168-72
bloqueadores estão sendo utilizados para o tratamento de 4. Maturo S, Hartnick C. Initial experience using propranolol as
the sole treatment for infantile airway hemangiomas. Int J
hemangiomas.8 Pediatr Otorhinolaryngol. 2010;74(3):323-5.
Não se sabe ainda por quanto tempo a criança deve 5. Léauté-Labrèze C, Dumas de la Roque E, Hubiche T, Boralevi
permanecer usando propranolol, mas é recomendado que o F, Thambo J andTaïeb A. Propranolol for severe hemangiomas
of infancy. N Engl J Med. 2008;358:2649-2651.
tratamento se estenda até o primeiro ano de vida, quando 6. Siegfried EC, Keenan WJ, Al-Jureidini S. More on propranolol for
termina a fase proliferativa do hemangioma.4 Uma série de casos hemangiomas of infants. N Engl J Med. 2008;359(26):2846-7.
descreveu a recidiva do hemangioma depois de suspender 7. Hiraki PY, Goldenberg DC. Diagnóstico e tratamento do
precocemente o propranolol, assim como uma resistência ao hemangioma infantil. Rev BrasCirPlást. 2010;25(2):388-97.
8. Leboulanger N, Fayoux P, Teissier N, Cox A, Van DenAbbeele
tratamento, quando foi introduzida novamente a droga, mesmo T, Carrabin L, et al. Propranolol in the therapeutic strategy of
com doses maiores.8 infantile laryngotracheal hemangioma: A preliminary
Tem se demonstrado sucesso no uso de propranolol no retrospective study of Frenchexperience. Int J Pediatr
Otorhinolaryngol. 2010;74:1254-7.
tratamento de hemangiomas de cabeça e pescoço. 5,8 A 9. Truong MT, Perkins J A, Messner A H, Chang K W. Propranolol
experiência inicial aqui apresentada, como também a de outros for the treatment of airway hemangiomas: A case series and
serviços, sugerem que seja um tratamento efetivo como primeira treatment algorithm. Int J Pediatr Otorhinolaryngol.
2010;74(9):1043.
linha terapêutica para hemangiomas subglóticos com
compressão de vias aéreas que requeiram intervenção.1,2,4-7 Hélio Minamoto
Em conclusão, esta terapêutica tem que ser protocolada, [email protected]

50 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


Pneumatocele gigante com
resolução espontânea
AUTORES: Sonia Mayumi Chiba1, Beatriz N. Barbisan2, Alan Fiuza de Melo3, Carlos Roberto Bazzo4,
Gilberto Pety da Silva5, Clovis E. T. Gomes6

SERVIÇO: UNIFESP – Setor de Pneumologia Pediatrica

1
Médica Assistente. Doutorado em pediatria
2
Médica Assistente. Mestre em ciencia
3
Medico Assistente
4
Médico Assistente
5
Professor Adjunto
6
Professor Assistente e Chefe Setor

Introdução
As pneumonias adquiridas na comunidade geralmente
respondem ao tratamento convencional. Eventualmente
podem cursar com complicações como as pneumatoceles.
Atualmente uma das principais bactérias relacionada às
pneumonias complicadas é o S.pneumoniae. 1,2 As
pneumatoceles (PC) são cistos preenchidos por ar,
intraparenquimatosos, de paredes finas que se desenvolvem
secundariamente a uma necrose bronquiolar / alveolar e
permitem a passagem de ar para o espaço intersticial.3 Em
geral regridem espontaneamente com a melhora do processo
pneumônico. Algumas vezes necessitam de intervenção
cirúrgica, por exemplo se tornarem-se hipertensivas ou houver
rompimento para a cavidade pleural. Nesses casos há Fig. 1 - 2ª dia de internação - RX de tórax com opacidade do
hemitórax direito. Pneumonia com derrame pleural.
necessidade de drenagem pleural.4,5 O desaparecimento das PC
pode levar de semanas a vários meses. Relatamos o caso de
uma paciente que desenvolveu uma PC gigante na evolução de
uma pneumonia bacteriana, com resolução espontânea.

Relato de caso
Paciente internada inicialmente em outro serviço com
história de febre e tosse há 10 dias. Feito diagnóstico de
pneumonia no hemitórax direito, no 2º dia de internação (DI)
evoluiu com derrame pleural (figura 1) . Não foi drenada. No
12º DI, o RX de tórax demonstrou pneumatoceles extensas
com desvio do mediastino para a esquerda (figura 2). A
tomografia de tórax (figura 3) do mesmo dia mostrou extensas
áreas de PC e colabamento do pulmão à direita. Foi optado por
tratamento clínico. Permaneceu 4 dias na unidade de terapia
Fig. 2 - 12ª dia de internação (24/03/11) - RX de tórax com várias
intensiva para observação e monitorização clinica. Não houve
pneumatoceles no hemitórax direito e desvio do mediastino para
isolamento do agente infeccioso. Paciente recebeu alta no esquerda
30ºDI. Após 7 dias da alta paciente veio ao ambulatório de
especialidade. Encontrava-se em bom estado geral, eupneica, Ao exame, paciente mantinha-se sem desconforto respiratório,
corada e afebril. O exame físico mostrava somente diminuição somente com redução do MV (2/3 inferiores do HTD). A
do murmúrio vesicular (MV) nos 2/3 inferiores do hemitórax frequência respiratória era de 24 incursões respiratórias/
direito (HTD), sem evidência de retrações no tórax. Retornou minuto; frequência cardíaca de 101 batimentos/minuto e
após uma semana com RX de tórax (figura 4) que demonstrava saturação em ar ambiente de 97%. Após 30 dias retornou com
várias pneumatoceles com desvio do mediastino para esquerda. RX de tórax (Figura 5) com visualização de uma PC pequena

Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011 51


para dentro do espaço pleural com formação de pneumotórax
e/ou, fístula broncopleural ou evoluir com infecção
secundária.9,10 Recomenda-se observação e seguimento
cuidadosos, especialmente se a PC é grande. Há algumas
opções de tratamento para as pneumatoceles: drenagem com
agulha ou cateter são efetivas em crianças; ressecção cirúrgica
da lesão é uma opção em casos graves.4,5,6,7
Imamoglu et al 7 propuseram um algoritmo de tratamento
para PC, no qual indicam drenagem com cateter guiado por
imagem nos casos complicados. Nosso caso preencheu os
critérios dos autores para drenagem, com comprometimento
de mais de 50% do pulmão que ocasionouo atelectasia
importante do lado acometido . A nossa paciente recuperou-
se sem qualquer procedimento. Joseph et al 11 relataram um
Fig.3 - 12ª dia de internação - TC de tórax (24/03/2011) com caso similar com PC gigante que foi tratado sem intervenção
várias pneumatoceles e pulmão direito colabado. cirúrgica. A nossa decisão de manter o tratamento
conservador baseou-se principalmente no estado geral
estável da paciente e na ausência de sinais de desconforto
respiratório.

Conclusão
Não há consenso em relação ao tratamento conservador
ou cirúrgico de pneumatoceles gigantes. Esse caso mostrou
uma boa evolução, em um período curto, com remissão
espontânea da PC.

Referências Bibliográficas
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Pneumatocele pequena na base direita Pneumatoceles Refractory to Tube Thoracostomy
Decompression. Ann Thorac Surg 2006;81:1482– 4
na base direita, com regressão importante da PC. O RX de 10. Al-Saleh S, Grasemann H, Cox P. Necrotizing pneumonia
tórax normalizou após um mês. complicated by early and late pneumatoceles. Can Respir J
2008;15: 129-132.
11. Joseph,L, Shahroor S, Fisher D, GoldbergS, Elie Picard E.
Discussão Conservative treatment of a large post-infectious
pneumatocele. Pediatr Int. 2010; 52: 841-3.
A maioria das PC regride espontaneamente . As alterações
radiológicas desaparecem dentro dos primeiros dois meses,
embora possam persistir por 6 meses ou mais. 6,7,8 As Sonia Mayumi Chiba
complicações de uma PC são tornar-se hipertensiva, romper [email protected]

52 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011


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56 Pneumologia Paulista Vol. 25, No.15/2011

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