O RPG No Desenvolvimento de Habilidades Sociais - Um Estudo de Caso Clinico

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FACULDADES ALVES FARIA

GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Hugo Alves Mariani

O RPG NO DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS: UM


ESTUDO DE CASO CLÍNICO

GOIÂNIA,
2016
2

FACULDADES ALVES FARIA


GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

O RPG NO DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS: UM


ESTUDO DE CASO CLÍNICO

Hugo Alves Mariani

Artigo apresentado à Faculdades Alves Faria


como requisito parcial para obtenção do título
de Psicólogo.
Orientador: Prof. Ms. Guliver Nogueira.

GOIÂNIA,
2016
3

Resumo

O presente artigo teve como objetivo explorar, sob à luz da análise do comportamento, a
possibilidade da utilização do RPG (Role Playing Game) como ferramenta na execução de
um programa de Treino de Habilidades Sociais em um estudo de caso clínico. Observou-se
que, o RPG pode ter contribuído para um treino encoberto de habilidades sociais, que
resultou na aprendizagem e aperfeiçoamento parcial de habilidades sociais específicas.

Palavras - Chave: RPG, Habilidades Sociais, THS.

Abstract

The purpose of this article was to explore, in the light of behavioral analysis, the
possibility of using the Role Playing Game (RPG) as a tool in the execution of a social
skills training program in a clinical case study. It was observed that RPG may have
contributed to a covert training in social skills, which resulted in the learning and partial
improvement of specific social skills.

Keys Words: RPG, Social Skills, SST.


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Introdução

Para falar sobre habilidades sociais é necessário realizar algumas definições prévias

que ofereçam base para o entendimento a respeito de habilidades sociais no âmbito da

análise do comportamento. E a definição primária é a de comportamento, que é a unidade

básica de análise da ciência comportamental. (Skinner, 1953/1981.)

O comportamento é parte constituinte do processo de interação entre o organismo e

o ambiente. O comportamento pode ser dividido em público e privado. Comportamento

privado pode ser definido como o tipo de comportamento em que ocorre dentro do

organismo e que só ele tem acesso. Já o comportamento público, pode ser definido como

aquela parcela do comportamento que é observável e que pode ser descrita por terceiros

(Skinner, 1953/1981; Skinner, 1974/1995).

No comportamento público a ação do indivíduo relaciona-se diretamente com seu

contexto antecedente. Mediante determinada estimulação específica, um organismo se

comporta e essa ação, por fim, gera consequências. Essas consequências podem retroagir

sobre a ação do organismo e que podem ser de dois tipos: reforçadoras ou punitivas. Ou

seja, as consequências reforçadoras tendem a aumentar a ocorrência de um

comportamento. Já as consequências punitivas tendem a diminuir a ocorrência desse

comportamento. As consequências da ação de um organismo promovem alterações no

ambiente do organismo. E essas alterações retroagem no organismo, reforçando ou

suprimindo ações. Por isso é que o comportamento operante é assim chamado, pois é o

comportamento que opera no ambiente. E esse ambiente alterado por essa ação retroage

sobre o organismo, modificando-o. Dentro da classe de comportamento operante, podemos

citar especificamente o comportamento social (Skinner, 1953/1981; Skinner 1974/1995;

Skinner, 1957/1985; Catania, 1999; Baum, 2006).

O comportamento social pode ter como variáveis ambientais outros indivíduos, ou


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seja, o agir de um indivíduo sobre outro indivíduo pode exercer papel de variável

antecedente ou consequente. Um exemplo disso poderia ser representado em uma situação

na qual, um homem prestes a pisar na lama, é advertido por outro transeunte (estímulo

antecedente), que pela advertência dada se desvia da poça (comportamento) e assim evita

sujar seus sapatos de lama (consequência reforçadora). Essa maneira operante de

comportar-se socialmente está permeada nas relações presentes na sociedade (Skinner,

1957/1985).

À medida que fomos evoluindo enquanto sociedade, as relações humanas se

tornaram complexas e interdependentes. A colaboração mútua e interação entre os

indivíduos humanos, característica da civilização humana, favoreceu o surgimento do

acesso a reforçadores básicos e necessários, por exemplo, um indivíduo que está com fome

(necessidade básica) pode, ao interagir com outro indivíduo, conseguir comida (reforço

primário). Essa forma de interação entre os membros da mesma espécie, a humana,

permite a classificação de sermos seres sociais (Skinner, 1957/1985).

Grande parte do que fazemos envolve interação recíproca com outros indivíduos.

Essas interações podem ser ou não efetivas, a depender de diversos fatores que estão

relacionados com o nosso aprendizado. Caso algum indivíduo seja submetido à exposição

de contingências específicas para emitir um comportamento específico, isso pode

favorecer uma habilidade específica. Se aplicada a um contexto social, ela pode tornar-se

uma habilidade social. Em contrapartida, caso haja a ausência da exposição à contingência

de aprendizado de algum tipo de comportamento específico, isso pode favorecer a

incapacidade de emissão comportamental por falta de aprendizado, o que se classificaria

segundo Del Prette e Del Prette (1999), como déficit de habilidade social.

Um exemplo é o comportamento de falar, andar ou escrever. A exposição a

contingências que favoreçam o desenvolvimento motor, psicológico, linguístico (desde que


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o organismo não apresente deficiência física de nenhuma natureza) poderá formar o

aprendizado de tais capacidades, ou seja, classes específicas de comportamentos: sejam

eles sociais ou de qualquer outra natureza. Esses aprendizados de comportamentos sociais

devem ocorrer ao longo das fases de desenvolvimento humano, sob o risco de um

indivíduo não adquirir a capacidade de emitir comportamentos de determinados tipos e

promover consequências aversivas à sua vida (Del Prette e Del Prette, 1999).

O campo de estudo das habilidades sociais não é um campo exclusivo da ciência

comportamental. Diversas outras áreas de conhecimento têm desenvolvido interesse na

compreensão do que seriam as habilidades sociais e em instrumentos de desenvolvimento

das mesmas, como a Psicologia Cognitiva e a Psicologia Social (Bolsoni-Silva, 2002).

Em análise do comportamento, no geral, habilidades sociais podem ser

compreendidas como uma soma de comportamentos emitidos perante uma situação de

demanda interpessoal, e que, por se tratar de uma dimensão operante, estão sujeitos a

sofrer os efeitos da seleção por consequências. No entanto, há algumas dissensões entre os

principais autores a respeito de algumas especificidades. (Bolsoni-Silva & Carrara, 2010).

Caballo (1996), por exemplo, conceitua as habilidades sociais em uma amplitude de

comportamentos funcionalmente semelhantes, tais como a expressão de sentimentos

positivos, o enfrentamento assertivo a críticas, expressão adequada ao incômodo e etc. Del

Prette e Del Prette (1999) definem as habilidades sociais como um conglomerado de

comportamentos adaptativos apresentados pelo indivíduo, diante de uma demanda

interpessoal, que deve considerar o amplo sentido que pode ter essa demanda, e que

também envolvem variáveis de influência cultural/social.

Outro conceito importante é o conceito de competência social, que se relaciona

com o conceito de habilidades sociais, mas se difere, e muitas vezes erroneamente é

utilizado como sinônimo. O termo é empregado em um sentido avaliativo, cujo objetivo é


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qualificar o grau de proficiência aos quais os comportamentos são ou poderiam ser

emitidos, bem como a adequação ao aspecto situacional presente. (Del Prette e Del Prette,

1999).

Desta forma, quando o repertório social do indivíduo não promove as

consequências adequadas dentro de um contexto, pode trazer prejuízos para si e para

outrem. Pode-se pensar, por exemplo, em um homem casado que não concorda com

algumas atitudes da sua esposa dentro de casa com relação à forma com ela o trata. Como

resposta a isso ele se isola e evita discutir a postura dela para com ele, de forma assertiva.

O que poderia se supor é que cumulativamente o sofrimento gerado por esse contexto

aversivo seria danoso tanto a ele quanto à relação conjugal. (Del Prette & Del Prette,

1999).

A amenização das consequências aversivas pode ser suprida com algum manejo

psicoterápico, através do Treino de Habilidades Sociais, também denominado como

programa de THS. (Del Prette & Del Prette, 2011).

De acordo com Del Prette & Del Prette (2011), o programa de Treinamento de

Habilidades Sociais pode ser definido como um conjunto organizado de atividades que

estruturam e objetivam um processo de aprendizagem, com objetivo de ampliar a

frequência da emissão de comportamentos habilidosos sociais já presentes no repertório do

indivíduo, mesmo ainda deficitárias. Os autores ainda afirmam que aquilo que é

socialmente funcional varia de indivíduo para indivíduo e de cultura para cultura.

O programa de THS também contempla a possibilidade do ensino de novas

habilidades sociais significativas para o seu contexto atual e, por último, também se faz

útil à minimização ou extinção de repertórios comportamentais que podem ser prejudiciais

ao indivíduo em interação social, como por exemplo: um indivíduo pode ter o

comportamento de se isolar em casa nos fins de semana para ver séries na TV ao invés de
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ir visitar os amigos que há tempos não encontra ou participar de uma reunião familiar ou ir

a algum evento social para ampliar seus conhecimentos e melhorar seu networking no

trabalho/faculdade. (Del Prette & Del Prette, 2011).

Ainda de acordo com Del Prette & Del Prette (2011), um dos aspectos do

programa de THS é seu caráter instrumental, no qual diversos instrumentos e técnicas são

utilizadas, como por exemplo, Ensaio Comportamental, Modelagem, Técnicas de

relaxamento, Modelação e etc... No presente trabalho foi optado por investigar a

possibilidade da integração do RPG (Role Playing Game), ao programa de THS.

O RPG, de acordo com Jackson (1994), é um jogo de representação imaginativa

que tem como estrutura básica do jogo a criação de personagens e papéis fictícios para

serem interpretados pelos jogadores. A interpretação e interação no jogo ocorrem de forma

cooperativa em que são imersas narrativas criadas colaborativamente. As partidas e

narrativas são guiadas quase sempre por um jogador específico, que toma para si o papel

de um árbitro, denominado como o Mestre. O mestre, usualmente é responsável por zelar

pelas regras do sistema e pela estrutura da narrativa, e também é atribuído a ele a

responsabilidade por interpretar os personagens que estão presentes na história e que não

são representados por nenhum dos jogadores presentes.

O RPG é configurado em duas estruturas, em que a macroestrutura do jogo

representa as características básicas de qualquer sistema de regras específico e a

microestrutura representa o sistema de regra específico ao qual uma partida específica irá

se basear. Para melhor entender, a macro estrutura representa as características básicas que

constroem qualquer jogo de RPG, que seria a necessidade de interpretação dos

personagens, a liberdade de escolha por parte dos personagens outros variados aspectos. Já

a micro estrutura representa o sistema de regras no qual o jogo está se baseando, sistema

esse que está presente nos mais variados livros de RPG que tem surgido desde o inicio do
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jogo.

As partidas, que também são popularmente determinadas como aventuras, tem

seu desenvolvimento determinado de acordo com um sistema de regras pré-determinado,

em que os jogadores/personagens têm liberdade de tomar decisões, aos quais podem alterar

toda a macroestrutura da narrativa, mas ressaltando que essas decisões são livres até o

ponto de respeitarem os limites e regras da microestrutura. Sendo assim, podemos afirmar

que as decisões dos jogadores guiam a direção que o jogo irá tomar.

Outra característica do jogo é que, na maioria dos sistemas de regras para jogos de

RPG, há uma dinâmica de desenvolvimento do personagem, no qual os feitos e progressos

que o jogador obtém no desenrolar da partida são recompensados com uma moeda fictícia

criada para o jogo, cujo objetivo é possibilitar ao personagem a compra de novos

equipamentos que o irão ajudar a alcançar os objetivos do jogo. Essa moeda também conta

como pontos de experiência, que normalmente são convertidos para aprimorar das

habilidades dos personagens.

O objetivo geral do presente artigo foi realizar a aplicação do jogo de RPG como

ferramenta complementar à aplicação de um Treino em Habilidades Sociais. Teve como

objetivo específico criar, através da estrutura desse jogo, o arranjo de contingências de

aprendizagem e treinamento em setting clínico para o desenvolvimento de habilidades

sociais específicas, para que pudessem ser generalizadas para a vida e cotidiano do

participante.

Método

Participante

Eduardo (nome fictício), 12 anos, filho único, estudante. Seus atendimentos

ocorreram através do programa de atendimento social, realizado pelo curso de Psicologia


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das Faculdades Alves Faria.

Da 1ª à 12ª sessão, antes da aplicação do programa de THS, foram realizadas

investigações sobre o histórico de vida de Eduardo. Eduardo chegou ao programa através

da sugestão do corpo pedagógico de sua escola somada à percepção da mãe de que o

adolescente apresentava dificuldades de interação social e era uma criança tímida, até

mesmo dentro de casa. O adolescente, segundo seus relatos e da mãe, apresentava-se como

uma criança solitária, pelo fato de ela e o esposo trabalharem fora de casa, para

melhorarem as condições econômicas da família [e.g.: “O Eduardo é muito quieto. Quando

estamos na igreja, em casa ou até mesmo com alguns parentes, ele fica a maior parte do

tempo calado e nervoso, como se ele quisesse que aquela situação terminasse logo (...)”.

(Mãe do participante, 1ª sessão); “A diretora dele que me sugeriu buscar tratamento para

ele, disse que ele podia ter autismo ou alguma coisa do tipo, daí eu fiquei muito

preocupada e fui atrás, mas a gente não conseguiu nada na rede pública (...)”. (Mãe do

participante, 1ª sessão); “A professora falou pro pai dele que em sala de aula ele é calado,

nunca faz perguntas, no recreio fica sentado próximo da sala de aula até o recreio passar

(...)”. (Mãe do participante, 3ª sessão); “Nessas últimas férias a gente fez uma viagem de

uma semana pro interior, tinha muita coisa pra ele fazer. Lá tinha rio para nadar, cavalo pra

poder andar, tinha os priminhos dele da idade dele lá também, mas ele não quis se

envolver com nada, ficava o dia todo sentado no sofá da sala com os braços cruzados e só

conversava com alguém se fosse pra responder alguma coisa que fosse perguntado (...)”.

(Mãe do paciente, 9ª sessão); “Eu não falo com ninguém na escola porque acho que os

assuntos dos meus colegas não têm a ver comigo e meus assuntos não tem a ver com eles

(...)”. (Eduardo, 4ª sessão); “Essa semana tive que fazer um trabalho de inglês que todo

mundo da sala tinha que cantar uma música em uma apresentação para os pais na escola, aí

eu fiquei escondido atrás dos outros alunos maiores que eu e só mexendo a boca (...)”.
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(Eduardo, 11ª Sessão)]. Até seus oito anos de idade seus cuidados foram realizados por

babás. A interação com seus pais estava restrita aos finais de semana que eram os dias que

restavam sem trabalho, sendo que essa interação com os pais durava pouco tempo. [e.g.:

“Como a gente sempre trabalhou fora, em toda a infância do Eduardo, ele teve que ser

cuidado por babás que eu conseguia no setor e a gente ficava junto com ele mesmo só nos

finais de semana (...)” (Mãe do participante 2ª Sessão.)].

Eduardo, através das observações clínicas, quando foram realizadas as primeiras

sessões, apresentou timidez e déficit nos seus repertórios de habilidades sociais: na

primeira sessão, por exemplo, ele se manteve calado, respondendo a perguntas com “sim”

e “não” e com olhar fixo ao chão. Na recepção da clínica escola da faculdade, ele se

sentava de forma retraída junto à mãe, sempre extremamente quieto, com olhar fixo ao

chão, e conversando apenas com a Mãe em um tom razoavelmente baixo. Não era

observado nenhum tipo de interação com as pessoas ali presentes, o que foi observado pelo

estagiário-terapeuta e também relatado pela recepcionista da clínica da faculdade.

Não foi relatado nenhum problema fisiológico e nem tampouco problemas de

aprendizagem ou desenvolvimento por parte de seus pais. Eduardo, segundo o relato dos

pais, sempre teve um bom desenvolvimento escolar, embora não gostasse da escola, pois,

segundo relatos dele, o ambiente escolar era desconfortável, e atualmente enfrentava

problemas com bullying na escola [e.g.: “O Eduardo sempre teve boas notas, as

professoras falavam pra mim nas reuniões que ele era o aluno mais dedicado na sala, e é

muito difícil ele pedir ajuda para mim e o pai dele em alguma tarefa de casa, a não ser que

seja um trabalho de Artes que precise montar alguma coisa (...)”. (Mãe do participante, 6ª

sessão); “Tem um colega na escola que se chama Guilherme, ele senta sempre atrás de

mim, que fica me incomodando o tempo todo. Ele fica me empurrando, mexendo nas

minhas coisas, perguntando coisa pra mim o tempo inteiro e às vezes na hora do recreio ele
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fala que não vai me deixar voltar pra sala (...).” (Eduardo, 6ª sessão); “Antes do

Guilherme, tinha uma menina que se chamava Júlia. Ainda bem que ela saiu da escola, ela

era pior ainda, já puxou meu cabelo, jogou meus materiais no chão e ficava o tempo todo

falando que ia me bater na saída (...).” (Eduardo, 6ª sessão); “Eu sempre estudo, faço os

trabalhos e tiro nota boa na prova, mas na escola fico olhando no relógio da sala toda hora

pra ver se está chegando a hora de sair para o meu pai me buscar (...).” (Eduardo, 8ª

sessão)].

Quando questionado pelo estagiário-terapeuta sobre como ele reagia aos

incômodos gerados pelos colegas ele justificou ao afirmar que preferia não fazer nada,

porque tinha medo de entrar em uma briga e porque a professora não tomava medidas

sobre suas queixas quando da realização de suas reclamações. Também relatou que nunca

comentou com os pais sobre esse tipo de situação: [e.g.: “O Guilherme é muito brigão, já

tomou mais de uma suspensão na escola, por isso eu prefiro deixar isso pra lá, eu nem ligo.

Sei que se eu fizer alguma coisa ele vai é querer brigar comigo (...)”. (Eduardo, 6ª sessão);

“O máximo que a professora pode fazer é mudar ele de carteira, e aí amanhã ele já vai

estar do meu lado de novo e vai me incomodar mais ainda (...)”. (Eduardo, 6ª sessão); “Eu

prefiro não falar sobre isso lá em casa porque se meu pai ficar sabendo ele vai querer ir à

escola, vai me fazer ficar contando as coisas pra diretora, aí eu acho melhor deixar pra lá

porque eu nem ligo muito pra isso (...)”. (Eduardo, 6ª sessão)].

O tempo livre de Eduardo era ocupado com jogos virtuais, em que ele apresentava

predileção em acompanhar vídeos na internet que fazem análises de jogos antigos e

apresentam a gameplays, que é o termo utilizado para representar a transmissão na internet

de alguém que faz comentários enquanto joga algum jogo. Esse comportamento de

Eduardo era excessivo, pois ele gastava, em média, mais de cinco horas diárias, segundo o

relato da mãe, envolvido com as atividades virtuais. [e.g.: “Em casa quando eu termino as
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coisas da escola eu só fico no computador. Meu pai me chama às vezes para assistir filme

com ele na sala, mas ele só assiste filme que eu não gosto (...)”. (Eduardo, 5ª Sessão); “O

Eduardo chega da escola, faz suas tarefas de casa correndo e vai direto pro computador. Lá

ele fica com os joguinhos até a gente falar pra ele ir dormir. Ele só interrompe para jantar e

tomar banho e se a gente deixar, ele vai até de madrugada (...)”. (Mãe do participante, 7ª

sessão).].

Instrumentos e materiais

O presente estudo usou como ferramenta o sistema de RPG (Role Playing Games)

Mighty Blade, desenvolvido por Thiago Junges (2012). A escolha desse jogo específico

para realização das intervenções foi por esse jogo apresentar uma característica de conter

um sistema de regras fáceis de serem seguidas e também pelo jogo ser acessível a novos

jogadores e passível de bastante flexibilidade para ocorrer tantas mudanças quanto forem

necessárias para o alcance de objetivos. Algumas adaptações foram realizadas do jogo

original para que fosse possível sua aplicação com objetivos terapêuticos específicos de

Treino de Habilidades Sociais, que foram estabelecidos através da análise dos relatos

trazidos pela mãe e pelos relatos do próprio participante. Também foram utilizados

materiais, como: folhas de papel A4, lápis, borracha e três dados de seis faces, cada.

Procedimentos

O procedimento de intervenção iniciou-se após três meses de atendimento clínico,

na 13ª sessão. Com base nas observações realizadas em consultório, pelo relato de sua

história de vida e pelas sessões gravadas e transcritas, foram elencados três

comportamentos a serem treinados no programa de THS com uso de RPG: Manter

conversação; Fazer pedidos e Expressar incômodo.

Antes do início das intervenções com o participante, o final da 12ª sessão foi feita
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com a mãe de Eduardo, em que foi realizada primeiramente a explicação do programa de

intervenção a ser aplicado no participante. Num segundo momento, foi explicado os

objetivos da escolha dessa intervenção: produzir ensaios comportamentais privados para

que o participante tentasse pensar soluções diante de situações difíceis para ele, porém que

se assemelhavam ao cotidiano de sua vida. E também foi explicado à mãe que o objetivo

dessa intervenção seria o de produzir no participante a discriminação e correlação entre: a

história criada em consultório, o personagem interpretado e os desafios do jogo a ser

associado com as situações difíceis da vida dele. Terceiro, foi explicado o papel da mãe do

participante dentro de programa de intervenção: observar, sempre que possível, em

ambientes fora do setting clínico, qual seria o comportamento do filho perante as tarefas

exigidas pelo estagiário-terapeuta. A participação da mãe foi apenas como fonte de

informação fidedigna, e por isso não merecerá maiores destaques.

Apresentação do RPG – foi aplicado na 13ª sessão, em setting clínico com o

participante. O objetivo dessa apresentação foi favorecer ao participante o contato com o

jogo e explicá-lo que faria parte de seu tratamento para a aquisição de algumas habilidades

sociais específicas. Então, foi feita a explanação para o participante da proposta do RPG

em que se explicou de forma detalhada, porém em linguagem acessível à idade do

participante sobre o que é o RPG; as regras do jogo e foram levantados vários personagens

potenciais para ele interpretar na sessão. Depois, foram eleitos os personagens que

comporiam a história a ser criada: um personagem era o participante e o outro personagem

era o estagiário-terapeuta. O participante escolheu ser um Elfo (criatura humanoide que

habita as floretas em ficções fantásticas) e, através de suas escolhas, foram eleitas as

características do seu personagem: inteligência, motivação e destreza.

Após a eleição dos personagens com suas características, foi definido o papel de

cada um dentro da história: o participante deveria escolher ser um personagem e o


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estagiário-terapeuta seria o Mestre. O papel do Mestre era criar os cenários das narrativas;

criar problemas a serem resolvidos pelo participante na narrativa, controlar e interpretar os

diversos personagens presentes na narrativa que interagiriam com o participante e por fim,

controlar a concessão das premiações mediante o desempenho do participante.

Foram estabelecidas as pontuações mediante a realização das tarefas específicas

tanto dentro do setting clínico quanto fora. Tudo foi anotado em uma folha de papel A4.

Foi criada uma história fictícia com o objetivo de criar contingências específicas

em que, a cada sessão, o personagem do participante era estimulado a se engajar de forma

imaginária em situações específicas dentro da história fictícia, porém que tinham como

objetivo o treinamento das habilidades comportamentais deficitárias em sua vida real:

manter conversação, fazer pedidos e expressar incômodo.

O participante foi informado que ele seria avaliado pelo Mestre na interpretação do

seu personagem. Para isso, foi combinado com o participante sobre como deveria ser a

interpretação de seu personagem, e a instrução foi que ele tentasse ser criativo na

interpretação, no sentido de se comportar da forma em que ele acreditava que o

personagem se comportaria. Caso o estagiário-terapeuta avaliasse que a interpretação do

participante estivesse de acordo com o combinado, era concedido reforço social e

pontuação para o personagem se desenvolver no jogo. Caso a interpretação do participante

estivesse parcial, ele era estimulado a realizar novamente a interpretação com novo

treinamento específico realizado por instruções verbais ou por observação direta do

estagiário-terapeuta como modelo, realizado em setting clínico.

Ao final de cada sessão eram passadas tarefas de casa em forma de “missões”, que

precisariam ser executadas no cotidiano real do participante. Essas missões eram passadas

pelo estagiário-terapeuta, como por exemplo: iniciar um diálogo com algum colega da sala

de aula; pedir para que a professora tirasse alguma dúvida ou exigir que algum aluno de
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sua classe que estivesse lhe perturbando parasse. As “missões” foram oferecidas de forma

geral, em que eram apresentadas as classes de comportamentos a serem emitidas, porém

sem especificação de quais contextos deveriam ser emitidos, para que o participante

pudesse escolhê-los livremente.

Caso as tarefas fossem executadas e fosse confirmada a realização tanto por ele

quanto pela mãe ou alguém da sua família, isso geraria recompensas ao longo do jogo

presencial em consultório: ganho de equipamentos imaginários, ganho de pontuações e

novas habilidades que o personagem pudesse precisar, etc. Essas recompensas poderiam

aperfeiçoar o personagem para vencer novos objetivos dentro da narrativa fictícia.

Aplicação do RPG – Ocorreu a partir da 14ª sessão, no qual está descrito em uma

tabela abaixo, que aponta o que aconteceu no período da aplicação do programa. As

informações contidas na tabela são: número de sessões, habilidades treinadas dentro do

jogo, alguns exemplos de contingências presentes no jogo que sinalizavam a possibilidade

da execução de uma habilidade e as “missões” que foram passadas para serem executadas

no cotidiano do participante.

Tabela 1. Cronograma da aplicação do RPG.


Sessão Habilidades Exemplos de contingências no jogo “Missões” para casa
Sociais a serem
treinadas
14 Manter O personagem está em casa e vê que sua mãe Manter conversação;
conversação; Fazer está triste pelos ataques que a vila tem sofrido Fazer pedidos e
pedidos e Expressar ultimamente. Expressar incômodo.
incômodo. O personagem precisa pedir ao seu amigo que
o acompanhe até um herbologista para pedir a
ele uma erva que pode curar as enfermidades
do seu pai.
O personagem se depara com um garoto na rua
que está o incomodando pelo fato dele ser um
Elfo.
15 Manter O personagem precisa ir até a casa de seu Manter conversação;
conversação; Fazer amigo pra falar com ele sobre algumas Fazer pedidos e
pedidos e Expressar informações que ele recebeu. Expressar incômodo.
incômodo. O personagem precisa pedir ao ferreiro que lhe
dê algumas informações que ele descobriu ao
escutar uma conversa.
O personagem precisar confrontar um homem
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que estava te atrapalhando a fazer uma tarefa


para o ferreiro.
16 Manter O personagem precisa ir até a casa do ancião Manter conversação;
conversação; Fazer da cidade e falar com ele sobre a tradução que Fazer pedidos e
pedidos e Expressar ele estava fazendo de um documento secreto. Expressar incômodo.
incômodo. O personagem precisa pedir a sua mãe que o
ajude com alguns ferimentos que ele teve em
batalha.
O personagem precisa confrontar o homem que
roubou a espada de seu amigo e está o
insultando por seu uma criança.
17 Manter O personagem precisa falar com os pais sobre Manter conversação;
conversação; Fazer as informações que ele descobriu recentemente. Fazer pedidos e
pedidos e Expressar O personagem precisa pedir para sua mãe que Expressar incômodo.
incômodo. ela faça curativos nos ferimentos de seu amigo.
O personagem precisava expressar seu
incômodo com o ronco alto do amigo que está
estava te atrapalhando a dormir.
18 Manter O personagem precisa falar com ancião da Manter conversação;
conversação; Fazer cidade para contar a ele sobre as ameaças que Fazer pedidos e
pedidos e Expressar recebeu de um dragão. O personagem precisa Expressar incômodo.
incômodo. convocar os homens da cidade para formarem
um exército para se proteger de ataques do
bando do dragão. O personagem precisa
confrontar um dragão que está zombando dele
e questionando as suas capacidades.
19 Manter O personagem precisa ir até a casa de seu Manter conversação;
conversação; Fazer amigo pra conversar com ele sobre um mapa Fazer pedidos e
pedidos e Expressar que ele encontrou. Expressar incômodo.
incômodo. O personagem precisa pedir ao ancião da
cidade ajuda para poder traduzir as
coordenadas presentes em um documento que
ele encontrou.
O personagem precisa se confrontar o ferreiro
da cidade por está te perturbando ao perguntar
excessivamente sobre coisas que ele não
poderia revelar.

O jogo estruturalmente funcionou com o modelo de progressão de níveis, e a cada

novo nível alcançado pelo personagem, aumentou-se a número de pontos de experiência

necessários para que um novo nível fosse alcançado.

Quando o participante apresentava progresso na interpretação do personagem,

bem como a execução das tarefas fora do setting clínico houve a liberação de reforço

social contínuo por parte do estagiário-terapeuta.

Resultados

Os resultados estão assim descritos: comportamentos que o participante emitiu em


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consultório na presença do terapeuta dentro do setting clínico e comportamentos públicos

relatados e eventualmente observados por terceiros fora do setting clínico.

Em setting clínico – Segue uma tabela representando os resultados presentes em sessão,

ou seja, dentro do jogo.

Tabela 2. Resultados obtidos em sessão.


Sessão Habilidades Frequência de emissão Exemplos de relatos de soluções para as
sociais de adesão aos contingências problema em que as habilidades
comportamentos dentro foram emitidas
do jogo
14 Manter Manter conversa = 6 O personagem ao ver sua mãe triste em casa,
conversação; Fazer pedidos = 5 conforta e recebe um abraço da mãe
Fazer pedidos Expressar incômodo = 4. posteriormente.
e Expressar Ao ser solicitado pela mãe que busque uma erva
incômodo. medicinal para tratar seu pai, o personagem
pediu ajuda ao amigo e juntos eles conseguiram a
erva.
O personagem, ao ser incomodado por um garoto
na rua da cidade, disse pra ele ir buscar algo
melhor pra fazer e o garoto o deixa em paz.
15 Manter Manter conversa = 7 O personagem ao descobrir algumas
conversação; vezes. informações, foi até a casa de seu amigo e falou
Fazer pedidos Fazer pedidos = 4 vezes. com ele sobre isso, como resposta o amigo diz
e Expressar Expressar incômodo= 3 que o ajudará como precisar.
incômodo. vezes. O personagem, ao ser informado que o ferreiro
tinha algumas informações que ele precisava, foi
até o ferreiro e pediu essas informações em troca
de alguns favores, e ao concluir os pedidos do
ferreiro, recebeu as informações que precisava.
O personagem, ao ser atrapalhado por um
homem, pediu para que ele fosse usar outro canto
da mina e conseguiu achar um metal que o
ferreiro solicitou.
16 Manter Manter conversa = 8 O personagem, ao falar com ancião sobre um
conversação; vezes. documento que ele havia lhe pedido que
Fazer pedidos Fazer pedidos = 4 vezes. traduzisse, o ancião lhe passou as informações
e Expressar Expressar incômodo= 3 presentes no texto.
incômodo. vezes. O personagem ao adquirir alguns ferimentos em
uma batalha, pediu a mãe que o ajudasse com os
ferimentos, e sua mãe lhe ajudou com seus
conhecimentos medicinais.
O personagem, ao confrontar um homem que
roubou a espada de seu amigo, conseguiu
recuperar a arma roubada.
17 Manter Manter conversa = 8 O personagem, ao falar com os pais sobre tudo
conversação; vezes. que ele descobriu recentemente, recebeu o
Fazer pedidos Fazer pedidos = 5 vezes. agradecimento de seus pais por estar se
e Expressar Expressar incômodo= 3 empenhando em proteger a cidade.
incômodo. vezes. O personagem, ao ver os ferimentos de seu
amigo, pediu sua mãe que o ajudasse e sua mãe
curou os ferimentos de seu amigo.
O personagem, ao ser atrapalhado por seu amigo
a dormir, pediu a ele que tentasse não roncar
muito e conseguiu dormir depois.
18 Manter Manter conversa = 9 O personagem, ao receber ameaças de um
19

conversação; vezes. dragão, falou sobre isso com o ancião da cidade e


Fazer pedidos Fazer pedidos = 9 vezes. recebeu orientações de como lidar com a
e Expressar Expressar incômodo= 2 situação.
incômodo. vezes. O personagem, ao ficar sabendo sobre um
possível ataque do bando do dragão à cidade,
convocou todos os homens da cidade em uma
comunicação pública e depois disso conseguiu
formar um exército para se defender.
Ao ser zombado por um dragão, o confrontou
diretamente e depois disso percebeu que o dragão
começou a respeitar sua coragem.
19 Manter Manter conversa = 13 O personagem, ao encontrar um mapa secreto,
conversação; vezes. falou com seu amigo sobre isso, e seu amigo
Fazer pedidos Fazer pedidos = 4 vezes. ofereceu ajuda para ir com ele até as
e Expressar Expressar incômodo= 3 coordenadas.
incômodo. vezes. O personagem, ao pedir que o ancião da cidade
traduzisse o mapa secreto que ele encontrou,
recebeu as coordenadas e informações contidas
no documento.
O personagem, ao ser perturbado pelo ferreiro da
cidade, pediu de forma incisiva pra que ele
parasse, e o ferreiro desistiu de incomodá-lo.

De acordo com os resultados apresentados dentro do setting clínico, observou-se

que, houve uma execução variável das tarefas, onde em todas as sessões todas as classes

comportamentais foram, em alguma frequência, emitidas.

Fora do setting clínico – A tabela 3 descreve os resultados obtidos pelo participante fora

de sessão, ou seja, em seu cotidiano, coletados através do relato verbal do participante e da

Mãe.

Tabela 3. Resultados obtidos fora de sessão.


Sessão Habilidades a Habilidades que Relatos das contingências das tarefas realizadas,
serem foram executadas confirmados por sua mãe.
executadas
como tarefa
14 Manter Manter conversação e O participante relatou que perguntou à um amigo
conversação; fazer pedidos. da família na igreja se ele estava gostando do culto;
Fazer pedidos e pediu aos pais que o ajudassem a fazer um dever de
Expressar casa
incômodo.
15 Manter Manter conversação e O participante relatou que conversou com um
conversação; fazer pedidos. colega da classe sobre a matéria de Inglês; relatou
Fazer pedidos e que pediu que o funcionário da cantina lhe
Expressar informasse as horas durante o recreio.
incômodo.
16 Manter Manter conversação e O participante relatou que conversou com uma tia
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conversação; Expressar incômodo. que fazia uma visita em sua casa sobre filmes;
Fazer pedidos e relatou que pediu a mãe que não ficasse falando
Expressar demais sobre ele com as outras mães que
incômodo. esperavam na recepção da faculdade.
17 Manter Manter conversação. O participante relatou que conversou com um
conversação; colega de classe sobre a série de televisão
Fazer pedidos e “Chaves”.
Expressar
incômodo.
18 Manter Manter conversação; O participante relatou que conversou com uma
conversação; fazer pedidos e amiga da sua mãe sobre qual profissão ele desejava
Fazer pedidos e expressar incômodo. ter como adulto; relatou que pediu um copo a
Expressar recepcionista da clínica da faculdade; relatou que
incômodo. confrontou um colega de classe que estava
empurrando sua carteira durante a aula.
19 Manter Manter conversação; O participante relatou que conversou com alguns
conversação; fazer pedidos e colegas de classe simultaneamente sobre jogos;
Fazer pedidos e Expressar incômodo. relatou que pediu o dicionário de inglês de uma
Expressar colega emprestado; relatou que confrontou um
incômodo. colega que estava zombando dele durante a aula.

De acordo com os resultados apresentados fora do setting clínico, observou-se

que, houve uma execução parcial das tarefas e, especificamente nas duas últimas sessões, o

participante conseguiu realizar todas as tarefas, confirmado por sua mãe.

Discussão

A aplicação do programa de THS com o uso de RPG e os resultados apresentados

indicam que o uso do RPG pode ter tido eficácia como ferramenta auxiliar na aplicação do

programa de THS. Há uma semelhança estrutural com a técnica de Ensaio

Comportamental, que se trata da criação simulada de contextos que ocasionam a emissão

de respostas e fornecem consequências reforçadoras de forma adequada aos

comportamentos do indivíduo, tendo como objetivo o seu treinamento e, além disso,

ocasiona espaço para instruções e modelação de repertórios comportamentais (Souza et al,

2012). A técnica do ensaio comportamental já é amplamente utilizada em psicoterapia e já

apresenta inúmeros resultados como estratégia possível na consecução de Treinamento de

Habilidades Sociais, como podemos observar em Souza et al. (2012).

A possibilidade de o estagiário-terapeuta poder arranjar e rearranjar as


21

contingências na narrativa do jogo, devido ao fato dessa narrativa ser imersa em uma

realidade imaginária simulada, sugere que essa simulação pode ter sido eficaz na

generalização do participante dos comportamentos emitidos em setting clínico para as

situações reais em que houve uma busca de criação de cenários imaginários muito

próximos do cotidiano do participante, e também foi exigido dele a emissão dessas

habilidades sociais específicas, através das missões. Também é importante salientar que, o

simples fato do jogador interpretar um personagem na fantasia, isso pode ser indicativo de

um treino em habilidades sociais, porém encoberto, o que se assemelha ao Ensaio

Comportamental feito de forma privada. (Souza et al, 2012).

Como se pode observar através dos dados, no período de aplicação do programa

de RPG, o desempenho das habilidades dentro do jogo ocorreu na execução variável das

classes de comportamentos, onde em todas as sessões ocorreram todas as classes, mas com

frequências variáveis. Sendo assim, pode-se concluir que o uso do RPG pode ter

contribuído parcialmente para a emissão de classes de comportamentos mais habilidosos

em seu cotidiano.

Embora houvesse uma divergência entre os relatos da mãe e do participante sobre

a percepção das mudanças após a intervenção, pois sua mãe afirmou que mesmo tendo

presenciado a execução de algumas das tarefas, não foi capaz de perceber de forma geral

uma mudança significativa na “timidez” do filho. Em contrapartida, o participante relatou

sentir-se mais confiante para lidar com parte das situações sociais que lhe geravam

desconforto. [e.g.: “Então, mesmo eu tendo observado ele fazendo as tarefas e tudo mais,

ele ainda continua bem quietinho. Não é querendo desmerecer o trabalho, mas acho que

ele ainda precisa melhorar bastante. (...) (Mãe do participante, 20ª Sessão.); “Eu não sei

explicar muito bem, mas acho que estou mais confiante para poder enfrentar algumas

coisas. Na escola mesmo, eu nunca tinha feito nada quando alguém ficava me
22

incomodando e agora que eu fiz eu me senti muito bem (...). (Eduardo, 20ª Sessão.). Na

sessão foi explicado a mãe o caráter progressivo dos resultados psicoterápicos.

No que diz respeito a questões metodológicas do trabalho, existem dois pontos

importantes a serem considerados. Primeiramente, seria de grande valia quantitativa o uso

de um método mais objetivo no que diz respeito à coleta de dados sobre quais habilidades

sociais estava deficitárias e que deveriam ser trabalhadas, bem como a mensuração dos

resultados pós-intervenção do presente trabalho. Uma ferramenta que atenderia a essas

necessidades poderia ser a aplicação antes e pós-intervenção do IHSA-Del-Prette

[Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes] (Del-Prette e Del-Prette, 2009) que

não foi utilizado devido à indisponibilidade do instrumento no acervo da instituição e a

falta de recursos, da parte do estagiário-terapeuta, para a aquisição dos instrumentos por

meios próprios e em tempo hábil para a adequada coleta de dados com uso de instrumentos

técnicos.

A utilização de uma estrutura de cenário fictício utilizado no programa, em que

esse cenário se passava em um mundo imaginário, repleto de seres não humanos pode ter

sido uma variável que influenciou o participante não produzir generalizações mais rápidas

para seu cotidiano. Os eventos ocorrentes nesse mundo fictício continham histórias que se

distanciavam, em parte, da realidade objetiva cotidiana do participante, mesmo que

algumas situações pudessem ser equivalentes às demandas sociais cotidianas. É inegável

que a possibilidade de se criar um cenário com maior semelhança estrutural ao cotidiano

do participante poderia ter favorecido maior eficácia na generalização das classes

comportamentais emitidas de forma encoberta.

É importante ressaltar que não foi encontrado nada conciso na literatura científica

que mostre que algum empreendimento semelhante já tenha sido realizado, o que faz desse

trabalho um marco inicial para a possibilidade da exploração da integração do Role


23

Playing Game nas estratégias de desenvolvimento em programas de THS.

Considerações Finais

O presente artigo teve como objetivo explorar a possibilidade da utilização do Role

Playing Game como uma das ferramentas na execução de um programa de Treino de

Habilidades Sociais em um estudo de caso clínico. Observou-se que, o RPG pode ter

contribuído para um treino encoberto de habilidades sociais, que resultou na aprendizagem

e aperfeiçoamento parcial de habilidades sociais específicas. É importante que novas

investigações e replicações da metodologia sejam realizadas e que seja mais explorada a

integração dessa ferramenta de jogo associado à como ferramentas científicas já existentes

para comprovar ou não a eficácia metodologicamente do trabalho.

Em relação ao participante, é recomendável que ele continue em terapia, pois

mesmo que o trabalho presente tenha contribuído para o treino e aprendizagem de novas

classes comportamentais, ainda há muito que desenvolver no âmbito das suas dificuldades

em lidar com demandas sociais, essas que são e serão invariavelmente presentes em sua

vida.

As habilidades sociais dizem respeito à forma com que as pessoas se relacionam e

o treinamento de habilidades sociais, para além do seu valor psicoterápico, tem um enorme

valor ético e social, pois se mostra como ferramenta capaz de ajudar na construção de um

mundo onde as pessoas se relacionam de forma harmoniosa e funcional.


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Referências

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Bolsoni-Silva, A. T. (2002). Habilidades sociais: breve análise da teoria e da


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comportamento: compatibilidades e dissensões conceitual-metodológicas. Psicologia em
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Souza, Vivian Bonani de, Orti, Natália Pinheiro, & Bolsoni-Silva, Alessandra Turini.
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Skinner, B. F. (1981). Ciência e comportamento humano. (5. Ed.). São Paulo: Martins
Fontes.

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Skinner, B. F. (1995). Sobre o behaviorismo. (5. Ed.). São Paulo: Cultrix.

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