6091jose Francinilton Da Silva
6091jose Francinilton Da Silva
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FE
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - POSEDUC
LINHA DE PESQUISA: PRÁTICAS EDUCATIVAS, CULTURA, DIVERSIDADE E
INCLUSÃO
MOSSORÓ
2020
JOSÉ FRANCINILTON DA SILVA
MOSSORÓ
2020
NARRATIVAS MATERNAS: EXPERIÊNCIAS DE SUPERAÇÃO DE DESAFIOS NO
PROCESSO DE INCLUSÃO EDUCACIONAL DE FILHOS COM AUTISMO
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Dr.ª Ana Lúcia de Oliveira Aguiar – PhD em Educação
Orientadora – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Emerson Augusto de Medeiros
Avaliador Externo – Universidade Rural do Semi-Árido – UFERSA
__________________________________________________________________
Prof.ª. Dr.ª Giovana Carla Cardoso Amorim
Avaliadora Interna – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
Dedico à minha mãe, meu porto seguro e fonte de
inspiração para todo sempre, e a todas as mães de
crianças com autismo, mulheres guerreiras que
sonham com a inclusão de seus filhos.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças ao poderoso Deus. Por isso, meu
primeiro agradecimento é direcionado a Ele, que é meu refúgio e minha fortaleza. Agradeço
por ter me abençoado durante toda minha vida, por ter me concebido a oportunidade de cursar
o Mestrado em Educação, pela proteção divina, sabedoria e força para vencer os obstáculos, as
lutas, os conflitos e as tristezas encontrados pelo caminho.
Agradeço também à minha família. Em especial à minha mãe, Francisca Maria da Silva,
pela dedicação, que sempre me apoiou e incentivou, pois venho de uma família simples, mas
com muitos princípios, que me ensinaram a ser uma pessoa digna, honesta, e também, a lutar e
correr atrás dos meus sonhos.
Aos meus irmãos, José Francielio da Silva e Maria Eduarda da Silva, pelo incentivo e
por me motivarem durante todo esse processo.
Agradeço ao meu padrasto, Antônio Pereira, por estar sempre ao meu lado nessa
caminhada.
Ao meu companheiro, Emanoel Aclécio, pelo incentivo, dedicação, compreensão e
motivação durante esse tempo. Quando pensava em desistir, sempre me mostrou que iria
conseguir.
Não poderia deixar de agradecer às minhas queridas amigas e amigos do Curso de
Mestrado, pois durante todo esse tempo passamos muitas coisas juntos, mas o que levarei serão
as boas lembranças e os momentos bons. Sou muito grato a todas que tiveram presentes em
muitos momentos da minha vida, sempre me apoiando e incentivando. Agradeço a todas as
amigas pelos momentos de alegrias, aprendizagem e trocas de conhecimentos. Enfim, sou muito
grato, pois a amizade é fundamental, e sem ela, muitas vitórias não teria conseguido.
Em especial gostaria de agradecer à minha amiga Priscila Brito, por ter segurado em
minha mão, ajudando e incentivando nos momentos que quase pensei em desistir. Creio que
Deus planejou tudo para que nosso caminho se cruzasse e Priscila foi mais um anjo enviado
pelo Senhor em minha vida.
Não poderia esquecer de agradecer à minha mentora, Rosa Siqueira, que me guiou e
caminhou comigo desde quando sonhava em ingressar no Mestrado em Educação. Seus
conselhos, ajuda e incentivo foram primordiais para chegar até aqui.
Agradeço também a todos os professores do POSEDUC (UERN). Tenham certeza que
vocês contribuíram muito para minha formação pessoal e profissional, levarei sempre comigo
os conhecimentos adquiridos durante todo processo de formação. Quero parabenizar a todos
pelo carinho e pelos momentos de aprendizagem, trocas de conhecimentos e experiências
vivenciadas.
Em especial à minha orientadora, Ana Lúcia Oliveira Aguiar, pela paciência, pelas
orientações, pela compreensão, pelo apoio e confiança e pela contribuição para a realização
deste trabalho. Como também, agradecer pelos conhecimentos comigo compartilhados, esses
que me ajudaram na conclusão desta dissertação. Quero lhe parabenizar por ser essa excelente
profissional. Tenha certeza que te admiro e sempre me lembrarei de você, como um exemplo a
ser seguido.
A todos, o meu muito obrigado!
RESUMO
Pesquisas apontam que o processo de diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) nas
crianças provoca fortes impactos no âmbito familiar. Diante de suas particularidades, a criança
com autismo requer uma atenção especial em seu processo de desenvolvimento, assim em
algumas situações, quem assume essa maior responsabilidade do cuidado são as mães, desde a
aceitação até a luta pela efetivação da inclusão. Este estudo busca compreender, a partir de
narrativas das mães, as táticas para a superação das barreiras encontradas no processo de
inclusão educacional de filhos autistas. A questão norteadora da pesquisa consiste em: “Como
mães superam desafios no processo de inclusão educacional de filhos com autismo?” Nosso
objetivo geral é “compreender, a partir de narrativas (auto)biográficas, como mães superam os
desafios encontrados no processo de inclusão educacional de filhos autistas”. A metodologia
utilizada nesta pesquisa está vinculada à abordagem qualitativa de investigação, a qual propicia
uma relação mais próxima entre pesquisador e pesquisado. Dentro dessa perspectiva
metodológica, aliamo-nos ao método (auto)biográfico para o processo de investigação. A
(auto)biografia, por ter uma proposta mais reflexiva, permite ao autor das narrativas uma
apreensão das alterações sociais e culturais que por ele foram vivenciadas, proporcionando
contribuições para a (auto)formação dos sujeitos envolvidos na pesquisa. O estudo foi realizado
com duas mães de crianças com autismo na cidade de Baraúna/RN, por meios das sessões de
narrativas (auto)biográficas. Os resultados apontam que, durante o processo de inclusão escolar
vivido pelas participantes e seus filhos com TEA, cada uma dentro de sua singularidade,
existem inúmeras barreiras que dificultam o avanço desse processo. No entanto, as mães,
como mulheres de lutas, criaram táticas para a quebra das barreiras, desde o momento do
diagnóstico, sendo considerado período doloroso, pela constituição do luto, até as situações
encontradas dentro das instituições de ensino. É possível perceber, nas narrativas maternas, a
inclusão escolar em construção rumo a efetivação de fato, porém precisa de uma atenção
especial por partes dos envolvidos, como família, escola e órgãos públicos.
Researches indicates that the diagnostic process of Autism Spectrum Disorder (ASD) in the
children causes strong impacts in the family environment. Faced with your particularities, the
child with autism requires a special attention in her developing process, thus in some situations,
those who this greater responsibility for care are mothers, from acceptance to the struggle for
the effective inclusion. This study seeks to understand, based on mothers´ narratives, the tactics
for overcoming the barriers found in the educational inclusion process of autistic children. The
guiding question of the research is: “How do mothers overcome challenges in the process of
education inclusion of children with autism?” Our general objective is to “understand, from
autobiographical narratives, how mothers overcome the challenges found in the process of
educational inclusion of autistic children”. The methodology used in this research is linked to
the qualitative research approach, which provides a closer relationship between research and
researched. Inside this methodological perspective, we ally ourselves with the autobiographical
for the research process. The autobiography, because it has a more reflective proposal, allows
the author of the narratives an apprehension of the social and cultural changes that by him were
experienced, providing contributions to the (self)training of the subjects involved in the
research. The study was conducted with two mothers of children with autism in the city of
Baraúna/RN, by means of narrative autobiographical sessions. The results indicate that during
the school inclusion process lived by the participants and their children with ASD, each one
within its uniqueness, there are numerous barriers that hinder the advancement of this process.
However, the mothers as woman of struggles, have created tactics for breaking barriers, from
the moment of diagnosis, being considered painful period, by the constitution of mourning, to
the situations found within educational institutions. It is possible to perceive, in maternal
narratives, the school inclusion under construction towards the effectiveness of fact, however
it needs special attention from those involved, such as family, school and public agencies.
REFERÊNCIAS....................................................................................................................147
12
Mãe é coisa de Deus. A mais bela das criações traz em seu seio todas as outras. A figura
materna sempre foi algo muito forte em minha vida, desde cedo aprendi o quanto a nossa
genitora tem um papel importante em todos os processos de desenvolvimento de nossas vidas.
Nascido1 na zona rural no município de Baraúna/RN, vivi momentos difíceis em minha
infância. Primeiro, por morar na zona rural, pois todos sabem da realidade de quem mora nessas
localidades, há dificuldade em todos os aspectos. Fui criado apenas com a participação da minha
mãe, logo cedo meu pai nos abandonou e ela assumiu a responsabilidade de criar três filhos
sozinha, sem dúvida, uma missão difícil, uma vez que as dificuldades seriam enormes para uma
agricultora cuidar de seus filhos sem nenhuma ajuda.
Foram inúmeros os desafios que enfrentamos. Minha única esperança em um dia mudar
de vida e buscar o melhor seria por meio dos estudos, pois minha mãe sempre frisava a
importância de estudar em nossas vidas, em sua fala, ela afirmava: “os estudos são a única
herança que posso deixar para você”. Firmei-me sempre nessa narrativa com perseverança para
um dia conseguir o êxito. Saía todos os dias às 13 horas e chegava em casa às 19 horas, isso
quando o ônibus não apresentava problemas. No ano de 2009, foi necessário mudar para a
cidade. Como sempre, destaquei-me na escola e consegui alguns cursos ofertados para os
melhores alunos e tinha que morar próximo para cursar. Mais uma vez vi minha mãe lutar por
algo junto comigo.
Em 2013, ingressei na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), no
Curso de Pedagogia, através do Processo Seletivo Vocacionado (PSV). O Curso me
proporcionou inúmeras experiências fundamentais para o meu processo de formação, as
disciplinas, os cursos e, sem dúvidas, a monitoria da disciplina “Antropologia e Educação”, em
2017, fez-me ser o que sou hoje. Ao longo de minha formação, tive o privilégio de atuar na
Rede Municipal de Ensino em Mossoró/RN, mais precisamente, na Unidade de Educação
Infantil Júlio Galdino Neto, como “Professor/Estagiário”, participando ativamente do processo
de inclusão e desenvolvimento de uma criança com autismo.
1 O texto foi escrito em duas pessoas verbais, pois consideramos que o trabalho traz momentos de narrativas de
experiências pessoais do autor da dissertação e, em outros momentos, construções coletivas realizadas junto com
a orientadora e os sujeitos da pesquisa. Desse modo, justifica-se o uso da primeira pessoa do singular para marcar
o posicionamento do autor e a primeira pessoa do plural para representar as ideias construídas junto com a
orientadora e os sujeitos da pesquisa.
13
Nessa perspectiva, o processo de narrativas torna-se ainda mais reflexivo, pois o sujeito tem o
prazer de partilhar o que acha conveniente, refletindo sobre sua trajetória de vida.
Para os aspectos metodológicos para a realização da pesquisa, selecionamos duas mães
de crianças com autismo, na cidade de Baraúna/RN. Delimitamos alguns critérios para a escolha
dos sujeitos: o primeiro, diz respeito à seleção de mães que tenham filhos diagnosticados com
o Transtorno do Espectro Autista (TEA); o segundo, optamos por selecionar mães que
demostrassem participação ativa no processo de inclusão educacional do seu filho, ou seja, que
tenham alguma atuação em espaços educacionais, seja como representante das demais ou como
“militante” na defesa da inclusão do seu filho; o terceiro critério de escolha, foi a
disponibilidade e o interesse das mães em participar da pesquisa como colaboradoras, o real
desejo em quebrar o seu silêncio através das narrativas (auto)biográficas, podendo expor seus
sentimentos, dores e trajetória de vida, que por muito tempo foram silenciados.
Para uma melhor compreensão de nosso estudo, optamos por realizar um levantamento
das discussões sobre essa temática no ambiente acadêmico. Nessa perspectiva, partimos em
busca de trabalhos que se assemelham com nossa pesquisa, que tem como objetivo descrever
as experiências de mães de crianças com autismo no processo de inclusão de seus filhos. O
estado do conhecimento, aqui realizado, tem como objetivo conhecer o que vem sendo discutido
em relação à nossa temática “o autismo e o olhar materno”, analisando o foco de cada pesquisa
já realizada, com o olhar sobre os pontos em comum e o distanciamento de cada um deles, para
que, assim, pudessem contribuir de forma significativa com o nosso estudo. Ao todo,
encontramos onze trabalhos que, após critérios de seleção, aproximaram-se mais de nossa
proposta de estudo.
Pesquisamos trabalhos acadêmicos que aproximassem estes dois temas: o Transtorno
do Espectro Autista (TEA) e as mães como protagonistas da pesquisa. Inicialmente, definimos
em quais repositórios realizaríamos nossa pesquisa, definindo quatro possíveis bancos de
dados: o site de periódico da CAPES, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) repositório institucional, o site do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Optamos por realizar
a pesquisa na BDTD, por apresentar uma quantidade de estudos completos, como teses e
dissertações. Procuramos obter resultados utilizando a seguinte expressão: “Olhar materno
sobre o autismo”, não conseguindo extrair resultados satisfatórios, foi então que decidimos usar
a opção de “Buscas avançadas” utilizando as palavras-chave: “Autismo” e “Mães”, e
encontramos sessenta e seis trabalhos. Para uma melhor filtragem, selecionamos o assunto
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“Autismo”, caindo para vinte o número de estudos, no entanto, ao selecionar por títulos, foram
escolhidos três para a análise de ligação com nossa pesquisa. Os critérios para a seleção desses
foram: as que traziam em seus títulos as palavras-chave utilizadas em nosso estudo e que tinham
como participante principal do estudo as mães de crianças autistas.
O segundo momento do estado do conhecimento, refere-se à filtragem de pesquisas que
unam estes dois temas: a “Inclusão” e o “Método (auto)biográfico”. Iniciamos nossa pesquisa
no repositório institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no
entanto, não obtivemos resultados satisfatórios, pois nos faltou domínio sobre as ferramentas
de busca disponíveis no site. Optamos, então, em realizar a busca na página do Programa de
Pós-graduação em Educação (POSEDUC), disponível no site da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte (UERN). Salientamos que, nesse processo, não foi necessário o uso de
palavras-chave ou expressões, uma vez que a página não disponibiliza ferramentas de busca e
filtragem. No desenrolar da pesquisa, encontramos oito pesquisas, utilizando como critérios
para seleção as produções defendidas nos últimos cinco anos que trouxessem, em sua
metodologia, as narrativas dos sujeitos e que o tema central fosse a inclusão de pessoa com
deficiência.
Dentre os estudos encontrados no processo de realização do levantamento das pesquisas,
destacamos o estudo de Menk (2007) que busca “compreender à luz da Sócio-Antropologia do
Cotidiano, proposta por Michel Maffesoli, o universo cotidiano destas mães, através de suas
representações simbólicas, construídas frente à vida”. Mesmo que escrita com outras palavras,
a ideia da autora tem algumas ligações com o nosso objetivo proposto, em que pretendemos
compreender, por meio das narrativas maternas, os desafios encontrados no processo de
inclusão educacional de crianças com autismo, partindo da importância da participação das
mães nesse processo. No percurso metodológico, encontramos outros pontos de aproximação
com nossa proposta de estudo, como a pesquisa na abordagem qualitativa e as entrevistas
semiestruturadas, realizadas individualmente como técnica para coleta de dados, como também
a análise e interpretação das entrevistas.
Outro estudo que destacamos em nosso levantamento refere-se a pesquisa de Teixeira
(2014) e traz como objetivo geral “conhecer a forma como as mães de crianças com autismo
percebem o desenvolvimento da criança nos aspectos de interação, comunicação,
comportamento e educação e o que esperam desse processo”. A autora fala de suas motivações
para a realização da pesquisa, a qual ressalta que surgiu a partir de uma prática relacionada à
sua profissão como psicóloga, desenvolvida na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
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(APAE), de Campinas, por meio do contato com mães de crianças com autismo e os seus relatos
de expectativas quanto ao futuro dos filhos.
Em relação aos sujeitos da pesquisa, a dissertação de Teixeira (2014) elegeu um pequeno
grupo com cinco mães de crianças com autismo, que frequentavam um grupo de
acompanhamento do desenvolvimento infantil de reabilitação na Unicamp. Nesse ponto, a
autora fala sobre a relação de vínculo entre pesquisadora e mães, decorrente dos encontros para
as entrevistas. Segundo Teixeira (2014, p. 81), “algumas mães mostraram-se à vontade para
falar de forma livre, espontaneamente, no primeiro encontro, o que revelou uma necessidade de
se sentirem ouvidas”. Corroborando com a autora, enfatizamos a importância de dar voz a essas
mães que há muito tempo foram silenciadas, dar oportunidade a essas mulheres que vivem
momentos angustiantes no processo de diagnósticos de seus filhos com TEA e que precisam
compartilhar suas dores com alguém.
Como metodologia da pesquisa, Teixeira (2014) fez uso da abordagem qualitativa e de
um estudo de caso transversal com técnicas de análise de conteúdo e, para a obtenção dos dados,
uma entrevista semiestruturada individual com as mães, gravando as entrevistas em aparelhos
de MP3, depois fazendo a transcrição e divisão por categorias da seguinte forma: Dinâmica
familiar; Sentimentos maternos; e Percepções e expectativas maternas. Todo esse processo foi
de fundamental importância para os resultados encontrados na pesquisa.
Outro estudo que nos leva a uma reflexão sobre a relação das mães com seus filhos
diagnósticos com TEA, e entra em destaque dentro de nosso levantamento de pesquisas, é de
Coutinho (2017), apresentado na Universidade Católica de Salvador (UCSAL). A pesquisa de
Coutinho (2017) apresenta alguns aspectos de proximidades e outros de distanciamento em
relação ao nosso estudo. Analisando, por exemplo, seu objetivo geral de estudo, podemos
perceber certa divergência com o nosso objetivo, que tenta trazer à tona os desafios encontrados
e as possíveis superações no processo de inclusão educacional de crianças com autismo a partir
das narrativas maternas. Já o objetivo da autora pretende elucidar como/qual é a dinâmica do
cuidado entre mães-cuidadoras, analisando os processos convergentes e divergentes de cuidado,
após a Política Nacional de Inclusão da Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (2007). Em relação aos sujeitos investigados nesse processo, notamos a aproximação
com a proposta de nosso estudo. A pesquisa de Coutinho (2017) propõe um estudo com cinco
mães-cuidadoras de estudantes com autismo, o que se assemelha com nosso sujeito que também
são mães de crianças que frequentam escolas e são diagnosticadas com autismo.
Em relação à metodologia utilizada na pesquisa de Coutinho (2017), existem pontos de
proximidades com nosso estudo: a utilização das entrevistas semiestruturadas e a abordagem
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qualitativa. O que devemos nos atentar é em relação ao sentido atribuído às narrativas utilizadas
pela autora. Na pesquisa intitulada Narrativas maternas: experiências de superação de desafios
no processo de inclusão educacional de filhos com autismo, as narrativas estão relacionadas à
valorização da voz dos sujeitos que, por muito tempo, foram silenciados das experiências do
cotidiano materno. O estudo de Coutinho (2017), por sua vez, utiliza a definição de narrativas
do autor Lima et tal (2015), a qual afirma que a narrativa utilizada na pesquisa “é extrair lições
que valham como conhecimentos produzidos a posteriori, resultando do embate entre a
experiência e os estudos teóricos realizados após a experiência narrada” e complementa
afirmando que esse tipo de narrativa não pode ser confundida com a (auto)biográfica que faz
brotar do sujeito as experiências vividas.
Em visita ao site do Programa de Pós-graduação em Educação (POSEDUC/UERN),
selecionamos oito pesquisas para fazer parte de nosso levantamento, dentre elas o estudo de
Lins (2014), Trilha do Redimensionamento da Formação Docente à Inclusão do Aluno Com
Surdez na UERN: (Auto)biografia da Educadora Apoena, a qual traz como objetivo analisar a
trajetória da educadora Apoena e o seu redimensionamento para a inclusão de aluno com
surdez, de modo que viabilizasse a sua permanência e conclusão da graduação do curso de
Pedagogia na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). A pesquisa trouxe
grandes contribuições para a Educadora Apoena, como também para a comunidade surda que
ganha esse novo olhar, permitindo o acesso a uma educação inclusiva.
Outro estudo em destaque é a pesquisa de Costa (2014), intitulada Relação Pedagógica
Professor, Intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Aluno Surdo do Curso de Pedagogia da
UERN. Investigou as relações construídas entre o professor, intérprete de LIBRAS e o aluno
surdo no curso de pedagogia da UERN. A pesquisa realizada com uma professora do curso de
Pedagogia do Campus Central da UERN, uma intérprete de LIBRAS e um discente surdo
egresso do curso, contribuiu para o ingresso e permanência dos alunos surdos no ensino superior
e um novo olhar sobre o trabalho do intérprete dos alunos em todos os níveis de ensino.
Já os estudos de Viana Neto (2015), com o estudo intitulado Práticas de Formação e
Inclusão de Alunas Surdas: Narrativas de Experiências de Professores da Escola Municipal
Jonas Gurgel-Caraúbas/RN, objetiva analisar as práticas de formação de professores de alunas
surdas na Escola Municipal Jonas Gurgel com vista ao processo de inclusão. A pesquisa foi
feita com duas professoras de uma escola de Caraúbas/RN, e traz em suas contribuições
sugestões e apontamentos de reflexões acerca dos êxitos e carências identificadas na prática de
formação dos professores do município de Caraúbas/RN, visando uma melhor preparação para
esses sujeitos.
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mulheres mães de criança com autismo, trazendo narrativas do seu cotidiano e experiências no
ambiente escolar. Os resultados fortalecem as discussões sobre a inclusão escolar de criança
com autismo, bem como evidencia a importância da participação da família, representada pela
mãe, na busca pela efetivação das políticas de inclusão.
A pesquisa está estruturada em três capítulos, da seguinte forma: no primeiro capítulo,
As memórias de um jovem sonhador: narrativas de experiências no percurso de formação,
serão apresentadas minhas narrativas (auto)biográficas, com foco nos momentos importantes
que constituíram meu processo de formação pessoal e profissional. Narrar momentos de minha
infância, meu primeiro contato com a escola e o incentivo do Projeto da Visão Mundial no meu
processo de formação como sujeito, bem como a história de luta da minha mãe, Francisca
Maria, tornando-se meu espelho de um sujeito digno e persistente em busca dos seus sonhos.
Apresentamos também meu processo de escolha da profissão, a difícil missão de decidir, tão
jovem, minha área de atuação. Além de toda a narrativa desse percurso de formação acadêmica,
o encontro com o método (auto)biográfico e com o objeto de estudo que originou esta pesquisa.
No segundo capítulo, “Uma viagem inesperada”: ser mãe de criança com autismo,
assumindo a missão especial, apresentaremos, através das narrativas maternas, todo o percurso
de como se constituir mãe, da missão especial de ter uma criança com Transtorno do Espectro
Autista. Além disso, mostraremos o processo do diagnóstico, a aceitação e o rompimento do
luto enfrentado no momento da descoberta, a responsabilidade posta a essas mães de cuidar e
educar as crianças, bem como as barreiras encontradas diante do processo de inclusão
educacional de seus filhos na escola. Nesse capítulo, entraremos em algumas discussões
teóricas para fundamentação da pesquisa por meio das reflexões de Ariés (1986), com o
objetivo de fazer uma contextualização acerca da figura materna, como era vista a mãe,
antigamente, e as mudanças sociais ocorridas ao longo do tempo.
O terceiro capítulo, Narrativas cotidianas de mães na luta pela inclusão de seus filhos
com autismo, apresentaremos as narrativas do cotidiano de mães de crianças com autismo, com
ênfase nas táticas utilizadas pelas mães para a superação de barreiras encontradas ao longo do
processo de inclusão educacional de seus filhos. Essa seção abordará, por meio das narrativas
(auto)biográficas, o olhar materno sobre a legislação, o conhecimento dos direitos de seus filhos
e as leis que amparam o direito à inclusão escolar de crianças diagnosticadas com autismo.
Além disso, apresentará discussões sobre a relação entre a mãe e a escola na luta pela inclusão,
a importância da parceria harmônica entre ambos. As mães de crianças com autismo encontram
diante de si um longo caminho de obstáculos na educação de seus filhos, e a participação ativa
neste processo determinará o avanço educacional dessas crianças. Ainda nesse capítulo,
22
A autora nos leva a refletir sobre o sentido particular de cada experiência vivida em
nosso percurso formativo, as aprendizagens adquiridas por meio de nossas atitudes,
comportamentos e o nosso saber-fazer no dia a dia, bem como as contribuições das vivências
na construção da nossa identidade. Falar de “experiências formadoras” nos recorda dos desafios
que enfrentamos. Nós aprendemos muito com as experiências, todas elas vêm a somar e
acrescentam em nosso percurso de (auto)formação.
Este capítulo tem como objetivo o registro de minhas narrativas (auto)biográficas, o
início da infância, em seguida, apresento narrativas de meu processo de formação como sujeito,
formação acadêmica e o envolvimento e a aproximação com a temática sobre o Transtorno do
Espectro Autista (TEA) e o método (auto)biográfico. Revelo também momentos importantes
no meu percurso de formação pessoal e profissional.
Inicio com a apresentação dos momentos de minha infância vividos com simplicidade
no Sitio Boa Sorte, zona rural do município de Baraúna/RN, recordo memórias de uma criança
feliz, que mesmo em meio às dificuldades não se deixou abater ou desviar-se do caminho certo.
Exponho meu primeiro contato com a escola ainda na Educação Infantil, em seguida, minha
formação nos anos iniciais, em uma sala multisseriada, até as dificuldades encontradas no
Ensino Fundamental Anos Finais, devido à locomoção do sítio para cidade em um ônibus
escolar. As brincadeiras de garotos do sítio, sem nenhum risco, onde a única preocupação era
o joelho ralado. A importância de minha família e do Projeto da Visão Mundial para meu
processo de formação como sujeito e a transição do sítio para a cidade de Baraúna/RN,
apresento as experiências da mudança de vida importantes na minha formação humana e
estudantil. Evidencio meu processo de formação como sujeito, espelhado na figura materna de
minha mãe, mulher persistente, a qual com sua trajetória de luta me ensinou valores e
princípios éticos para viver honestamente e batalhar pelos meus sonhos. Relato narrativas da
vida de minha mãe, desde sua infância até os dias atuais, evidenciando os momentos difíceis
de sua vida, percebendo as táticas utilizadas para se sobressair dos problemas.
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1.1 “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”: memórias de uma infância vivida
na zona rural
A vida na zona rural não é uma realidade fácil. Marcada pelas lutas em busca de dias
melhores, o cotidiano das comunidades rurais é caracterizado pelo duro trabalho dos moradores
residentes nessas localidades. O principal meio de sobrevivência é a agricultura, seja ela para o
próprio sustento ou para projetos de irrigação. Como nos diz a expressão popular, “acordar com
os galos”, é uma constante realidade vivida por homens e mulheres do campo, que começa na
infância, pois uma característica da vida no campo é de se principiar o trabalho muito cedo para
ajudar aos pais no sustento de casa.
São inúmeras as dificuldades enfrentadas pelos moradores do meio rural, e a falta de
investimentos do poder público nessas regiões impossibilita aos sitiantes terem uma vida
melhor. Faltam escolas para estudar, dificuldades de deslocamento devido às péssimas
condições das estradas carroçais, faltam empregos e também qualidade nos serviços de saúde.
Esses e outros obstáculos são encontrados na realidade das comunidades rurais, e colocam as
famílias dessas localidades em situações de vulnerabilidade.
Por outro lado, a infância na zona rural tem seus privilégios. Viver mais próximo à
natureza, o contato com os animais, as amizades construídas nas brincadeiras livres no terreiro
de casa, correr sem medo de ser atropelado por carros, andar a cavalo, andar de bicicleta e ser
amparado pelo solo ao cair. Não tem sensação melhor, como tomar o banho de chuva, entrar
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nas enormes poças d’água formadas nas estradas, nas brincadeiras de faz de conta, a árvore vira
uma casa, o talo da carnaúba um cavalinho e a rede uma gangorra.
Sou filho de José Batista Silva Galvão (Dedé), agricultor, nascido e criado na
comunidade rural Sítio Boa Sorte, no município de Baraúna/RN, o qual começou o trabalho na
roça ainda na infância ao lado de seus pais, Geraldo Batista Galvão e Maria Júlia da Silva, e
também seus seis irmãos. Analfabeto, devido à falta de oportunidade, não conseguiu estudar,
pois antes eram inúmeras as dificuldades para se chegar à escola. Não se tinha muita opção,
necessitava trabalhar, pois precisava ajudar o pai no roçado para trazer o alimento a ser
consumido em casa.
As comunidades em zonas rurais são caracterizadas pelo pequeno número de habitantes,
com isso, todos se conhecem e acabam criando laços de amizades entre as famílias. Nas
tradicionais desbulhas de feijão, meu pai conheceu minha mãe, Francisca Maria da Silva
(Dinha), filha de João Jose da Silva (in memoriam) e Maria Rosa da Silva (in memoriam),
também agricultores, tinham a roça como principal fonte de renda para o sustento. Diferente do
meu pai, a minha mãe teve acesso à escola da 1ª a 4ª série, depois desse ciclo teve seu sonho de
estudar interrompido, pois, na época, para dá continuidade aos estudos, teria que ir morar em
Mossoró/RN, porém meus avós não lhe permitiram viver esse momento de formação.
Os namoros daquela época eram cheios de restrições, com isso, os jovens acabavam
fugindo de casa para viverem seu grande amor. No auge da juventude, essa foi a decisão de
meus pais, e, certa noite, aproveitaram a distração dos meus avós e resolveram fugir para
morarem juntos em uma casa mais distante. Planejaram tudo com cautela para não dá errado.
Enquanto meus avós paternos dormiam, meu pai pegou a bicicleta, foi até a casa de minha mãe,
que já estava à espera do seu assovio, sinal combinado para poder sair de casa. Minha mãe conta
que para sair teve que se rastejar por baixo da rede dos meus avós sem acordá-los. Inúmeras
foram as dificuldades enfrentadas, era um casal jovem, minha mãe com apenas dezessete anos
e meu pai com vinte e dois, sem nenhuma experiência e fonte de renda, passariam a ter
responsabilidades de assumir uma casa.
No ano de 1995, após um ano de casados, nasceu o primeiro filho do casal, José
Francinilton da Silva. Nasci no dia 22 de julho de 1995, na cidade de Mossoró/RN, que era o
local mais próximo para realização do parto. Na época, as mulheres grávidas estando próximas
do momento de dar à luz, tinham a obrigação de ir para uma comunidade mais próxima à cidade
de Mossoró-RN, chamada Jucurí. Três dias após meu nascimento, fui levado para casa, na
comunidade de Boa Sorte, onde cresci e vivi momentos importantes e desafiadores em minha
vida.
26
Nessa foto, eu estava com dois meses de nascido. Percebemos a vida simples na época,
meus pais não tinham condições de comprar fraldas melhores, como também não tinha berço,
e sim uma rede. Na fotografia, estou deitado no chão protegido por um lençol. Diante das
dificuldades financeiras, meus pais passavam a maior parte do tempo na casa dos meus avós
maternos, os quais dividiam o pouco para não verem a filha, o genro e o neto passarem
necessidade. Minha avó Maria Rosa, conhecida como Mãe Neném, cuidava de mim com todo
amor e carinho, e isso fez com que eu me apegasse tanto a minha avó que não queria mais ficar
com meus pais, embora morassem perto. Minha mãe relata que, às vezes, quando resolvia ficar
em casa, eu passava o dia inteiro doente e chorava com saudades de minha avó. Nesse período,
fui morar com meus avós maternos, mas mantive o contato com meus pais, afinal, as casas
ficavam perto uma da outra.
Logo em meus primeiros anos de vida, minha família começou a observar o
aparecimento de manchas pretas em partes do meu corpo. De início, acharam ser algo normal,
mas com o passar do tempo, a quantidade de manchas se espalhou por todo o corpo. Ir ao
médico na época era uma enorme dificuldade, mesmo morando em uma comunidade no
município de Baraúna/RN, tudo só se resolvia em Mossoró/RN. Mesmo sem condições
financeiras, tiveram todo esforço para poder realizar minhas consultas. A minha mãe relata os
momentos difíceis, pois nenhum médico conseguia diagnosticar o meu problema, a cada
consulta era um exame diferente, um encaminhamento para outro médico e, assim, o aumento
de gastos. O único meio de transporte era no “misto de Raimundinho’’, que tinha esse nome
porque era a mistura de um ônibus com pau de arara. Na frente dele, tinha uma boleia dupla
27
para passageiros, seguida da carroceria para as cargas. O “misto’’ saía de Limoeiro do Norte/CE
com destino à Mossoró/RN. Como a comunidade fazia ligação entre os dois Estados, os
moradores utilizavam esse carro para chegar à cidade. Segundo minha mãe, saíamos pela
madrugada de casa para chegar cedo à cidade. Nós ficávamos esperando atendimento, e em
alguns desses dias ela só levava o dinheiro contado do exame e das passagens, e ela passava a
manhã sem comer.
Tive uma infância embalada pela simplicidade, residia em uma casa de taipa, localizada
às margens da BR-437, na comunidade rural Sítio Boa Sorte, município de Baraúna/RN. O
lugar era caracterizado pelo pouco número de habitantes, tinha cerca de quarenta famílias, todas
de vida simples, algumas viviam em moradias melhores, como os donos de pequenos
comércios, que tinham uma condição de vida melhor comparada aos demais. As dificuldades
faziam-se presentes em nossa realidade, passamos por momentos difíceis.
Meu avô, seu João Domingo (in memoriam), como era conhecido na comunidade, foi
muito afamado pela sua generosidade e honestidade, trabalhava todos os dias na roça e como
lenhador, carregando caminhões de lenha para viajantes. Não media esforços para adquirir o
sustento para nossa família, e ainda com tão pouco, conseguia ajudar ao próximo. Foi um
homem íntegro, que ensinou a seus filhos e netos os valores da vida, a importância do trabalho
para manter a dignidade, sem nunca querer pisar em ninguém ou pegar algo de outras pessoas.
A minha família era bastante querida na comunidade, nossa casa vivia cheia de pessoas,
eram os vizinhos ou mesmo convidados de fora, se sentiam bem em estar na nossa residência,
graças à receptividade e hospitalidade oferecida pelos meus avós. Lembro-me de tudo com
muita alegria, as noites da cantoria no terreiro da nossa casa, ao som do violão, pandeiro e
triângulo, e eu junto com meus primos dançando no meio da roda, como dizia meu avô: “os
piolhos de forró2”. Lembro-me também das missas, dos cultos, e com alegria havia espaço para
tudo no nosso querido terreiro.
Quando completei três anos, nasceu meu irmão Francielio, para mim foi uma alegria
muito grande, pois iria ter um companheiro para minhas brincadeiras e não iria mais ficar
sozinho em casa. Passou-se o tempo e, a cada dia, tinha mais prazer em brincar com meu irmão,
embora não tivéssemos condições para ter os melhores brinquedos, improvisávamos com
materiais recicláveis, até a lata do leite se transformava em algo útil em nossa imaginação.
Nosso tio nos presenteava com carrinhos feitos de madeira ou aquelas latas de óleo antigas. A
2 Expressão usada pelo meu avô quando se referia às crianças, em específico aos netos que gostavam de dançar
forró. Devido à nossa estatura, ele nos comparava a um piolho.
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nossa mãe não tinha dinheiro para comprar brinquedos em lojas. Possuímos um carrinho de
plástico uma única vez, quando uma madrinha da minha mãe trouxe uns brinquedos já usados
pelos seus netos e reutilizamos em nossas brincadeiras.
Por ter uma criação acompanhada pelos meus avós e meus pais, tive uma vida bem
disciplinada, a educação foi prioridade. Aos quatro anos de idade, ingressei como aluno na
Creche Francisco Silveiro, por se tratar de uma comunidade pequena, a sala tinha várias
crianças com idades diferentes, que iam até os seis anos, pois não existia a divisão por níveis.
Mesmo não possuindo um nível escolar alto, meus avós e meus pais me instigavam a me
esforçar na escola. Como minha mãe estudou até a 4ª série, conseguia me acompanhar nas
atividades de casa, isso contribuiu muito no meu processo de formação e desenvolvimento.
No ano de 2001, aos seis anos de idade, inicia-se uma nova trajetória em minha vida
estudantil, ingressei no Ensino Fundamental Anos Iniciais, na mesma escola, pois a instituição
só disponibilizava de duas salas de aula, uma para creche e outra para o ensino multisseriado
de 1ª a 4ª série. Meu professor, Francisco Carlos, dedicado, dividia os dois quadros ao meio
para atender todos os alunos, e assim passava as atividades de acordo com cada nível de
ensino. Durante esse processo, esforcei-me muito para aprender a ler e escrever. Lembro-me
bem: estudava no turno matutino e no turno vespertino voltava à escola para um reforço de
leitura com Francisca das Chagas, Tia Caxíca, que voluntariamente disponibilizava seu tempo
para ajudar as crianças da comunidade no processo de desenvolvimento da leitura e escrita.
Minhas tardes eram embaladas pelas leituras de histórias infantis, como Pinóquio, A
Branca de Neve, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho e os Três Porquinhos. Tramas que me
levavam ao mundo da fantasia e, assim, meu gosto pela leitura ia aflorando a cada livrinho
terminado. Além desse apoio, tinha o grande incentivo da família, pois eles acreditavam muito
na educação, e falavam sobre a importância dos estudos em nossa vida, pois era a única herança
deixada para nós.
Ir à escola para mim não era uma obrigação, era uma satisfação, pois ler, escrever e
ainda brincar com os coleguinhas era um momento prazeroso e fantástico. Nossa escola não
possuía uma boa estrutura, ainda lembro que bebíamos água em um filtro de barro, nosso único
espaço para brincadeira era o campo de futebol localizado ao lado, e no fundo da escola tinha
um “pé de goiaba’’, o qual usávamos para nos divertir. Destacava-me graças ao zelo e capricho
nas atividades, também pelo bom comportamento, respeitando o professor e os colegas, pois
tinha meu professor como exemplo, e respeito e gratidão por me proporcionar grandes
aprendizagens.
29
Vale ressaltar que esse processo busca trazer à tona um passado vivido na intenção de
compreender e aprender com as vivências, as memórias, as experiências e os momentos, sejam
eles bons ou ruins. Exteriorizar sobre si permite ao sujeito compreender a aprendizagem,
evidenciando pareceres de sua própria identidade. Entretanto, essa identidade “não é uma
individualidade sem ancoragens coletivas (familiar, de pertenças a grupos diversos com os
quais todos e cada um tem uma história)” (JOSSO, 2010, p. 81).
Nessa (re)construção de si, o sujeito torna-se autor de sua própria história. Por
consequência, conhecer a si mesmo lhe proporciona compreender melhor como ele se formou
por meio desse conjunto de experiências. Ademais, esse reconhecimento de si o impulsiona a
encarar o seu itinerário de vida com base em uma auto-orientação possível.
Em 2004, já na idade de oito para nove anos, comecei a participar de um projeto
desenvolvido pela Visão Mundial3, por meio do Programa de Desenvolvimento de Área Jucuri-
PDA Jucuri/RN, os monitores atuavam na cidade e nas comunidades rurais, agindo em áreas
3A Visão Mundial é uma organização cristã de desenvolvimento e resposta às situações de emergência. Está no
Brasil desde 1975 atuando através de programas e projetos nas áreas de proteção, educação, advocacy e
emergência, priorizando crianças e adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidades diversas.
30
muita lama, quase todo dia o ônibus ficava preso na lama, tive dia de chegar em minha casa
muito tarde da noite, ficando exposto ao perigo e à fome, no meio do nada e no escuro.
Nesse período aconteceram fatos influenciadores da minha formação educacional,
pessoal e espiritual. Minha família, mesmo participando dos cultos evangélicos, denominava-
se católica, pois participávamos mais de missas e das novenas de São José, portanto, seguíamos
o catolicismo com mais frequência. No ano de 2006, decidi participar da igreja evangélica, por
influência de minha prima, a qual me levava para a escola bíblica e o culto. Foi desafiador, pois
como eu fazia parte de uma religião, tinha a necessidade de mudar alguns hábitos para seguir a
doutrina. A minha família me respeitou e, a todo tempo, apoiou-me a seguir minha escolha. Na
igreja, passei por várias experiências, como louvar e participar do grupo de crianças, era bem
atuante nos cultos.
Em 2007, um fato marcante em minha trajetória estudantil foi ser escolhido como um
dos alunos padrões na escola. Os professores votavam e escolhiam os cinco melhores alunos de
cada turma a partir dos critérios: melhores notas, comportamento e disciplina com as atividades
propostas. Com a escolha, ganhei um curso de informática. Esse acontecimento ratificou que
estava no caminho certo, e todo esforço estava valendo a pena. O curso de informática era algo
grandioso em minha vida, e não podia perder a oportunidade de fazê-lo, as aulas eram no turno
matutino e não tinha transporte escolar para a cidade nesse horário. Então, para conseguir
participar do curso, nos dias de aula, acordava às quatro horas para pegar um pau de arara, saía
da comunidade para a cidade com passageiros, e só retornava para casa depois do final da aula
no turno vespertino, ficava abrigado na casa de conhecidos de minha mãe.
No ano de 2008, concluí o Ensino Fundamental Anos Finais, e com o fechamento desse
ciclo, minha vida passou por enormes mudanças. Nesse mesmo ano, aconteceu o processo de
separação de meus pais, e isso me abalou emocionalmente, pois acreditava em uma mudança
na nossa vida, porquanto ia ficar ainda mais difícil sem ajuda financeira dele. Outro fato
marcante no ano de 2008, foi a realização do sonho de possuir meu primeiro aparelho celular,
na época com doze anos de idade, meus colegas quase todos tinham celular, e eu pedia um para
a minha mãe. Diferente dos aparelhos de alguns amigos, de situação financeira mais favorável,
meu celular era daqueles bem mais antigos, só o utilizava para jogar, no sítio não tinha sinal de
nenhuma operadora. Para fazer ligação, era preciso subir em uma árvore ou na janela do quarto.
Em 2009, iniciei o Ensino Médio na Escola Estadual João de Abreu, mais um ciclo de minha
trajetória estudantil se iniciava, e com ele, a oportunidade de vivenciar novas aprendizagens e
experiências no meu processo de (auto)formação.
32
uma escola da cidade que tem o maior número de alunos. Pela manhã, eu ficava vendendo,
enquanto minha mãe resolvia outras pendências. No período da tarde, tinha de ir estudar e
minha mãe ficava na lanchonete, foi um período muito bom, tínhamos muitos clientes, inclusive
os meninos do sítio no qual morávamos.
Em 2010, um ano após nossa mudança, realizamos o sonho da casa própria, graças à
renda de minha mãe junto a de meus avós e o dinheiro da venda do terreno no sítio, o que fez
com que conseguíssemos comprar um terreno e construir uma casa. Nesse período, já aos
dezesseis anos e finalizando o Ensino Médio, senti a necessidade de ajudar em casa, e comecei
a procurar emprego. Minha primeira experiência foi em uma ótica, trabalhando como vendedor
externo, saía às ruas junto a mais duas colegas, de porta em porta, marcando consultas para o
oftalmologista, sem salário fixo, tínhamos o objetivo de convencer os clientes a fazer o exame
e comprar os óculos, ou não receberíamos nada no final do mês.
Concluí o Ensino Médio em 2011, e como não consegui passar no primeiro vestibular
na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), precisei então ir atrás de um
trabalho fixo. Em outubro de 2012, consegui uma vaga como embalador de um dos maiores
supermercados da cidade de Baraúna-RN. Essa experiência me ajudou muito, durante os
primeiros meses fiquei somente como embalador, mas ficava atento à maneira como as
operadoras de caixa manuseavam o sistema, e mesmo não sendo escalado como operador, já
conseguia desempenhar algumas tarefas no computador. Minha patroa, observando meu
desempenho e interesse, deu-me uma promoção para a função de operador de caixa e, com isso,
o aumento do salário. Essa minha experiência teve duração de dois anos e meio. Durante esse
tempo me bateu um cansaço devido ao estresse do trabalho e das atividades acadêmicas, pois
enquanto trabalhava consegui ingressar na faculdade. Resolvi pedir demissão com o intuito de
conseguir um emprego em minha área de formação.
O desejo de atuar como professor era grande, porém, no primeiro momento, acabei me
frustrando com a profissão, quando percebi o preconceito ou receio das escolas da cidade em
me contratar por ser do sexo masculino. Algumas chegavam a relatar que não sabia como seria
a reação dos alunos em ter um professor em sala de aula, pois já eram acostumados com
mulheres. Passaram-se seis meses e não consegui nenhum emprego, nesse percurso minha
antiga patroa me convidou para ir ficar com ela em Fortaleza-CE, no ano de 2015. Passei três
meses, e essa experiência me ajudou muito em minha (auto)formação, pois o contato com outra
cultura, a troca de experiências e as narrativas das pessoas me impulsionaram rumo ao caminho
de minha ascensão social. Retornei para Baraúna/RN e comecei a trabalhar mais uma vez no
supermercado, na função de subgerente, outra experiência em meu percurso de formação. Após
34
ter vivido todas essas experiências, aconteceu um fato em minha vida que me colocou diante
da ideia de jogar tudo para o alto e não seguir adiante. Como já relatei, tinha um apego muito
grande à minha avó materna, que me criou desde muito pequeno, como uma mãe, a forma como
ela me mimava, todos percebiam o zelo comigo, mesmo após minha fase da infância. Em
dezembro de 2014, minha avó faleceu, classifico esse momento em minha vida como o pior e
mais doloroso de toda minha história até hoje, passei dias sem conseguir ir trabalhar e sem ir à
faculdade.
A mudança para a cidade foi primordial para minha construção como sujeito social e
profissional, pois a possibilidade que me restava, se tivesse continuado morando na zona rural,
seria seguir os passos de meus avós e de meus pais, e ir trabalhar na roça. Embora tenha vividos
momentos dolorosos no processo de aceitação e adaptação, foi preciso passar por tudo isso para
me perceber como constituinte de minha história. Apesar de todas as dificuldades, nunca baixei
minha cabeça e sempre acreditei em dias melhores. Hoje olho para trás e vejo como tudo valeu
a pena.
Em alguns momentos, fico a pensar como seria minha vida hoje se estivesse morando
no Sítio Boa Sorte. Analiso a forma como os meus colegas de escolas se encontram, alguns
caminharam comigo até o Ensino Médio, outros ficaram para trás. As meninas tornaram-se
mães, donas de casa, com a responsabilidade de cuidar do marido, não deram continuidade aos
estudos. Em específico, uns cinco rapazes conseguiram concluir e vivem a realidade de
trabalhar na agricultura. Faço esse relato não com o objetivo de diminuir a profissão ou a forma
de vida dos meus amigos, mas com o propósito de mostrar que, para conquistar os nossos
sonhos, é preciso enfrentar as barreiras sem medo, e para mostrar a importância da família nesse
processo de luta pelos nossos ideais.
Quando decidimos morar na cidade, sabíamos dos riscos, mas tínhamos a necessidade
de tentarmos. Tudo na vida é aprendizado, os erros, os acertos, bem como as consequências que
precisamos assumir no momento de tomarmos certas decisões. Foi preciso encarar o medo de
chegar a um mês e não ter o dinheiro do aluguel e termos que retornar para o sítio. Fez-se
necessário romper com o sentimento da saudade das pessoas deixadas na comunidade, dos
momentos de tranquilidade trocados pelos barulhos dos carros.
O título desse tópico iniciou-se com o trecho do poema “Canção do exílio”, de
Gonçalves Dias, “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”. Quando me refiro a “minha
terra”, é justamente para transmitir esse sentimento de pertença que ainda carrego comigo, o
orgulho das minhas raízes, de não negar minhas origens. As lembranças de minha infância, o
local onde nossa casa era alicerçada e hoje não existe mais. Na minha terra não tinha palmeiras,
35
mas tinha os mais variados tipos de árvores, a exemplo da carnaúba, além da sombra, seus
talhos se transformavam nos mais belos carvalhinhos. O sabiá aqui representa as demais aves,
e seus diferentes sons, como o galo-de-campina, do caboclinho e do papa-capim, que ao raiar
do sol animavam o dia com suas melodias.
Viajar em minhas memórias de infância foi uma das melhores experiências por mim
vivida. Voltar ao meu passado e recordar momentos meus, como criança, memórias
adormecidas ao longo do tempo. Fazer essa viagem fez-me perceber o meu “eu” como sujeito
histórico e cultural. Vejo-me histórico no sentido de ter toda essa trajetória e transformá-las em
escritos culturais, na certeza de trazer comigo traços de todo esse meu percurso: a vida simples,
os costumes de minha família e as pessoas que contribuíram com meu processo de formação
pessoal e de sujeito oriundo da zona rural.
Maria, Maria
Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta...
(NASCIMENTO, 1978)
Meu primeiro contato com essa música foi em uma apresentação cultural, no dia
internacional da mulher, realizado pelo Programa Desenvolvimento de Área – Jucurí, na
36
Quando tinha nove anos, as coisas eram muito difíceis, acordava olhava para
de um canto para o outro e nem o fogo mãe tinha feito, pois não tinha o
alimento. Olhava para mãe e percebia a tristeza em seus olhos, pois ela
adorava tomar café e não tinha. Então, eu saía nas casas dos vizinhos e pedia
um pouco de café, chegava na casa do outro pedia um pouco de açúcar, massa
de cuscuz e, assim, voltava para casa e minha mãe tinha o que cozinhar. Nos
dias que não conseguia nada, ou mãe não deixava eu sair para conseguir, a
gente comia só a farinha seca com água ou farofa feita de cebola. Passamos
por momentos de necessidade mesmo (Narrativa de Maria, Baraúna/RN,
2018).
Maria conta que um dos seus maiores sonhos era estudar, e sua maior alegria era ir à
escola, carregava o desejo de aprender a ler e escrever e almejava se tornar uma médica
veterinária, pois gostava de lidar com os animais. Iniciou seus estudos na Escola Municipal
4
Nome usado para identificar a minha mãe, Francisca Maria da Silva. A escolha do nome deu-se a partir
da letra da música de Milton Nascimento “Maria, Maria”. Disponível em:
ttps://www.letras.mus.br/milton-nascimento/47431/. Acesso em 22 de outubro de 2018. A música me
faz ver em sua letra a imagem de uma mulher que representa bem a minha mãe, guerreira, de graça e de
raça.
5
Tipo de barril utilizado para transporte de água, movido por tração humana, puxado por meio de uma
haste de ferro presa em ambos os lados ao centro do cilindro, típico do nordeste brasileiro.
37
Francisco Silvério, na zona rural de Baraúna/RN, em uma casa comum, de taipa, sem nenhuma
estrutura física de uma instituição escolar. O quarto pequeno tornou-se a sala de aula, onde
reunia crianças de todas as idades, a professora tentava ensinar a todos de acordo com cada
nível de ensino. Em 1988, Maria concluiu a 4ª série do Ensino Fundamental, e para continuar
teria a necessidade de se mudar para Mossoró/RN, pois poderia morar com sua tia que residia
na cidade. Maria até tentou convencer seus pais a permitir sua mudança para Mossoró-RN, mas
seu pai lhe impediu de viver esse processo de formação, engavetando, assim, o sonho de sua
filha. Mesmo não tendo a oportunidade de continuar avançando no processo estudantil, Maria
não se deixou abater e continuou frequentando a escola mais quatro anos na mesma série só
para não se afastar dos estudos. Maria frequentava a escola todos os dias, e estudava assuntos
relacionados a 4ª série, mesmo com a conclusão desse ciclo e com o aprendizado adquirido,
pois o seu prazer era estar na sala de aula.
Mesmo não dando continuidade aos estudos, Maria adquiriu um grande conhecimento
de mundo a partir das experiências de vida durante a infância. Tornou-se uma adolescente muito
inteligente, de saber criar estratégias para superações em desafios do cotidiano, concretizando
com os estudos de Brandão (1985) quando o autor fala “Ninguém escapa da educação. Em casa,
na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida
com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar.” A ideia do antropólogo nos leva
a reflexão, que para a educação acontecer, não precisamos necessariamente estar inserido em
salas de aulas, o contato com o meio social através de nossa cultura, religião nos leva a adquirir
conhecimentos necessários para o nosso cotidiano, vivemos em constante contato com a
educação em todos os lugares, na convivência com o outro, na troca de experiências,
aprendendo no dia a dia.
Maria apresenta em suas narrativas uma adolescência marcada pelas dificuldades de sua
família, o desejo em possuir alguns objetos de uso pessoal, de higiene, e seus pais não tinham
condições para dar esse tipo de coisa, o pouco que seu pai ganhava era para o sustento básico
da família.
Quando tinha de quinze para dezesseis anos, minhas amigas todas tinham um
batom, e meu sonho era possuir um. Aí ficava pedindo para elas me deixarem
passar, como elas sabiam que eu gostava, elas ficavam se aproveitando,
pediam favores e em troca eu passaria o batom. Na nossa casa não tinha
shampoo, sabonete, esses tipos de materiais de higiene, aí eu como era mais
esperta que minhas irmãs, ia à casa de Lucina, dona de uma mercearia na
época, e pedia para lavar sua louça em troca de um pouco de shampoo. Lavava
uma grande quantidade de prato e no final ela me dava um vidrinho daqueles
de dipirona, o que não dava quase para nada, tinha primeiro que lavar o cabelo
38
com sabão para tirar o sujo, e depois passava o shampoo só para ficar com o
cabelo cheiroso (Narrativa de Maria, Baraúna/RN, 2018).
Há dias seu pai vinha chamando para fugir, que ele ia conseguir um emprego
no forno de cal, e dava para nos sustentar. No dia 25/07/1994 decidimos que
iríamos morar juntos. Nesse dia pai e mãe foram para a casa dos meus avós,
que ficava no Ceará, e pediu para tio João Custódio vim dormir lá em casa
comigo. Quando foi por volta de dez horas da noite, que tio já estava
dormindo, eu arrumo minhas roupas e fico esperando seu pai dar um sinal que
havia chegando. Escuto o assovio de seu pai e tenho que passar por debaixo
da rede de tio João, pois ele tinha colocado a rede mesmo próxima à porta.
Consigo sair e seu pai me esperava em uma bicicleta, e vamos para casa de
seu irmão. No caminho pensei em voltar, mas não tinha jeito. Passei a noite
inteira chorando arrependida do que tinha feito. Mas agora não tinha volta. No
outro dia quando pai e mãe chegaram em casa e receberam a notícia, e pai
ficou bastante furioso, porém não tinha o que fazer a não ser aceitar. (Narrativa
de Maria, Baraúna/RN, 2018)
6 Expressão usada no meio popular que significa receber algo gratuitamente; sem precisar dar retribuição.
39
primeiro filho, esse caso se refere a mim. Maria relatou a falta de preparação para ser mãe, tinha
muito medo de como iria cuidar de uma criança. As dificuldades em comprar o enxoval para o
seu filho fez com que Maria recorresse à ajuda dos pais, mesmo não possuindo as condições
boas, esforçaram-se para ajudá-la.
Após o nascimento do filho, ela se sentiu mais madura e viu a necessidade de buscar
recursos para ajudar nas despesas. Decidiu voltar a morar em uma casa sozinha com seu esposo
e filho. Com o afastamento da minha avó, minha mãe começou a perceber meu adoecimento,
não me habituava na nova casa, e minha doença era problemas emocionais, devido à saudade
da minha avó Maria Rosa. Diante dessa situação, elas decidiram que eu iria morar com minha
avó, na mesma comunidade. Como as casas eram bem próximas, minha mãe não deixava de
participar da minha criação, todo dia ia para casa de minha avó, ajudava a cuidar e levava itens
necessários para mim. Preocupada em ajudar sua mãe a criar seu filho, Maria decidiu que, no
período da manhã, iria ajudar uma senhora nas tarefas domésticas em troca de um litro de leite
que serviria para alimentar seu filho, pois minha família não tinha condições de comprar.
Depois disso, Maria aprendeu a trabalhar como manicure, e atendia as pessoas que não tinham
dinheiro em troca de açúcar e de leite em pó para ajudar no meu sustento.
Passaram-se os anos e Maria continuou na luta para não deixar nada faltar para a sua
criança. Em 1997, foi tomada pela grata surpresa de sua segunda gravidez. Nesse momento,
houve também um grande desespero. Com a chegada de mais um bebê, a situação se tornaria
ainda mais complicada, no entanto, ela teve o apoio dos pais, que nunca a abandonaram.
Quando chegou ao sétimo mês de gestação, seu marido foi embora e deixou Maria sozinha
40
nesse momento delicado. Ela retornou para casa de seus pais, sabendo que ia ser bem mais
difícil sua situação. Quando nasceu seu segundo filho, Francielio, ela se reconciliou com o
marido e voltou a morar em uma casa com ele e a criança no sítio Boa sorte.
No ano de 2000, em busca de uma vida melhor, ela foi morar no Assentamento Bom
Sucesso dos Militares, município de Baraúna-RN, cerca de 10 km da casa de seus pais. Maria
não deixava de acreditar em dias melhores e continuava na luta, buscando o melhor para a
família. No assentamento, ela teria a oportunidade de plantar, pois além do terreno e da casa,
eles tinham um lote de terra enorme que era destinado para a criação de animais e plantação.
No início, eles conseguiram se estruturar bem e começaram a trabalhar com uma pequena
criação de bodes, tirando o sustento do filho através desses animais. Mesmo com essa distância,
a cada três dias ela saía de sua casa em uma carroça para visitar seus pais e seu filho (eu) no
sítio Boa Sorte, trazendo leite e alguns alimentos para ajudar na criação.
Nesse período, Maria acreditava em uma melhoria nas condições de vida. No ano de
2001, com o dinheiro ganho em uma verba do Instituto de Colonização e Reforma Agrária-
Incra destinado à reforma de sua casa, Maria pegou o dinheiro e decidiu abrir uma pequena
mercearia, pois no assentamento não tinha esse tipo de comércio. Foram momentos muito bons,
pois logo conseguiu muitos clientes, e sua venda começou a gerar bons lucros, ajudando a
minha avó na minha criação e na meu irmão. Em 2002, quando tudo parecia seguir no caminho
certo, seu marido começou a atrapalhar, envolveu-se com bebidas alcoólicas e pegava o
dinheiro que Maria apurava na mercearia e gastava com bebidas. Com esse desvio do dinheiro
e sem o apoio do marido, Maria aos poucos foi acabando com suas vendas e decidiu voltar a
morar na casa de seus pais no sítio Boa Sorte.
Em 2003, Maria engravidou pela terceira vez, e para surpresa era uma menina, que
chegava para alegrar a vida de todos da família. Em março de 2004, nasceu Eduarda. Dezoito
dias após o nascimento de sua filha, Maria passou por sérias complicações de saúde, devido a
uma hemorragia, e ficou hospitalizada vários dias. Maria relatou o medo de morrer e de deixar
seus filhos ainda pequenos para serem criados pelos parentes. Ainda nesse período, após se
recuperar de todo esse problema, Maria recebeu a notícia da morte da sua concunhada,
ocasionada após o parto de seu filho prematuro. Deixando além do recém-nascido, mais quatro
crianças pequenas. Maria decidiu cuidar dessas crianças, trazendo todas para a casa de sua mãe,
onde morava com seus filhos, ficou cuidando dessas crianças durante três meses, dividindo-se
entre os cuidados de sua filha pequena e do sobrinho prematuro.
Maria não se limitava apenas aos afazeres domésticos, e a todo tempo estava à procura
de serviços para contribuir com a renda da família. Em 2006, ela começou a trabalhar com
41
venda de roupas e leite nas comunidades vizinhas. Acordava às 5 horas da manhã, ia em sua
bicicleta para a fazenda Nova Esperança, a qual ficava a cerca de 3 km de sua casa. Fazia o
processo de retirar o leite das cabras e vacas, colocava em um balde e saía vendendo na
comunidade e em outros sítios vizinhos: Veneza, Poço Novo e Baixa Branca. Quando não
vendia todo o leite, o restante trazia para casa, fazia doce e vendia. Já em 2007, vivendo todo
esse momento de ascensão, Maria mais uma vez é abandonada pelo marido, que vai embora
para a comunidade vizinha Poço Novo, e passa a viver com outra mulher. Após esse processo
de separação, ela sentiu a necessidade de arrumar uma renda fixa, pois o pai de seus filhos, não
ajudava em nada. No ano de 2009, conseguiu um emprego como trabalhadora rural na
Intermelon, empresa produtora de banana localizada na zona rural no estado do Ceará.
Levantava-se às 3 horas da manhã para se preparar e pegar o ônibus e ir trabalhar, retornando
às 17 horas, quando não necessitava fazer hora extra e ficava até mais tarde na empresa.
Mesmo trabalhando nessa empresa, Maria percebeu a necessidade de uma renda extra.
Decidiu colocar um bar no sítio Boa Sorte para vender bebidas e algumas comidas. Passava a
semana trabalhando e aos finais de semana abria o estabelecimento. Toda essa rotina, o trabalho
braçal na empresa sem descanso, fez Maria adoecer, além do esgotamento físico, passou a ter
problemas infeccionais devido ao veneno tóxico utilizado nas plantações de banana. Chegou a
ser hospitalizada por mais de uma semana para tratamento médico. Após o episódio, ela pediu
demissão e deu seguimento na sua venda. Tudo estava caminhando bem, as vendas estavam
produtivas, mas Maria sentia a necessidade de mudar-se para a cidade de Baraúna-RN, para
ajudar seu filho mais velho (eu) a dar continuidade aos estudos. No ano de 2009, ela tomou a
decisão de ir morar em Baraúna/RN, no princípio, veio a não aceitação por parte do seu pai,
pois já era muito habituado ao local, mais de trinta anos de história e pertença com a
comunidade. Aos poucos ela quebrou essa barreira e o convenceu a fazer a mudança.
42
Feita a mudança, veio com ela a preocupação de como pagar o aluguel, água, luz e outras
despesas necessárias. Determinada, Maria sabia que tudo daria certo, e ao chegar em Baraúna-
RN, por morar próximo a uma escola, decidiu colocar uma venda de lanches, de início deu
muito certo. Ela sabia que não tinha condições de morar muito tempo no aluguel, decidiu
vender a propriedade no Sítio Boa Sorte e com os empréstimos feitos pelos pais, compraram
um terreno e iniciaram a construção da casa própria. Durante o processo de construção, Maria
não tinha dinheiro para manter pedreiro e servente na obra. Ela mesma decidiu trabalhar na
obra, preparando o cimento e carregando materiais para o pedreiro. Em pouco tempo a obra foi
finalizada, e toda sua família se mudou, evitando assim maiores gastos. Com a mudança de
casa, Maria ficou sem espaço para trabalhar, e arrumou um emprego como doméstica. Após
essa experiência, Maria passou a ir trabalhar em um plantio de cebola, localizado na
comunidade rural próximo a Baraúna/RN, todos os dias levantava cedinho e saia em sua
bicicleta com destino ao seu local de trabalho.
No ano de 2013, Maria conheceu um novo amor, com quem se casou e vive até os dias
de hoje. Mesmo com a ajuda financeira do esposo, ela não se limitou a esperar pelo marido,
continuou sua luta, pois seus três filhos necessitam de seu apoio. Conseguiu um emprego como
cozinheira no Restaurante Sabores da Vida, com isso, conseguiu pagar meu curso de
Administração em uma instituição na cidade de Mossoró/RN. Os custos saíam pesados, quando
somava a mensalidade do curso e o preço das passagens. Algumas vezes, foi necessário Maria
pedir ajuda a alguns amigos taxistas para me levar ao curso e depois ela pagava, pois não tinha
dinheiro no dia. Por nunca ter se separado de seus pais, Maria tinha uma ligação muito forte
com seus genitores, em especial com sua mãe, a quem confiava e considerava como melhor
amiga. No ano de 2014, ela sentiu a dor da perca e separação de sua mãe. Em seus relatos,
podemos considerar esse momento de sua vida como um dos piores. Segundo ela, uma dor que
nem o tempo é capaz de curar. Após esse acontecimento, a reponsabilidade de Maria aumentou
em relação aos afazeres domésticos, pois minha avó ajudava muito: ficava em casa, fazia
almoço e as tarefas do dia a dia, e isso deixava minha mãe livre para trabalhar. Diante de suas
impossibilidades de trabalhar, ela decidiu desenvolver serviços em sua casa para lhe garantir
renda e o sustento de seus filhos. Dedicou-se ao serviço de manicure, mas não se limitou
somente a isso, trabalhava como costureira, lavadeira, faxineira, vendedora de cosméticos, de
produtos de cama, mesa e banho e de objetos feitos de madeira.
A história de vida da minha mãe contribuiu muito para meu processo de formação
enquanto sujeito. Ouvir suas narrativas fez-me refletir sobre o empoderamento da mulher sendo
alcançado ao longo dos tempos. Uma mulher de origem humilde de zona rural, conseguiu, no
43
decorrer de sua trajetória de vida, criar estratégias para vencer as situações de seu cotidiano.
Mesmo com poucas condições, conseguiu cuidar e educar seus três filhos, sem baixar a cabeça
diante das dificuldades impostas pela vida. Carrega consigo uma marca de humildade,
honestidade, perseverança e generosidade, mesmo com o pouco que ganhava nunca se negou a
ajudar ao próximo. Diante das situações pelas quais todas as circunstâncias apontavam para as
dificuldades, ela deu a volta por cima.
Nossa relação vai além de um laço entre mãe e filho, somos amigos, confidentes,
invertemos os papéis quando necessário, aconselhamos um ao outro. Minha mãe me ensinou
todos os princípios básicos para viver em sociedade, mostrou-me os valores da vida, a ser justo
e solidário com o próximo, ensinou-me a nunca querer me sobressair através de outras pessoas,
e o mais importante: orientou-me a nunca desistir de meus sonhos, por maior que seja a
dificuldade, erguer a cabeça e não desanimar, pois as lutas são necessárias para saborear nossas
conquistas. Ver minha mãe deixar de comprar algo de sua necessidade para suprir as minhas,
fez-me entender que o amor materno perpassa todos os limites.
A participação da minha mãe no meu percurso de formação é explícita em meio às
narrativas. Refletindo sobre sua trajetória, podemos perceber uma mulher batalhadora, que
trabalhou a vida inteira pensando nos filhos, e não em si. Lutou de forma incansável para me
ver graduado, e luta para a continuidade no meu processo de formação, caminhando lado a lado,
sem me deixar fraquejar, e me ajudando de todas as formas possíveis. Quando me perguntam:
o que sua mãe representa para você? Muitas vezes chego a ficar sem palavras para chegar a essa
definição, mas costumo dizer: ela é minha base, meu sustento, minha âncora e guia. Sou esse
homem de hoje graças a essa Maria, mulher brasileira, de fé e coragem, nunca me abandonou,
vivenciou comigo cada dor, segurando minha mão.
É comum ouvirmos críticas quanto à criação de filhos sem o apoio do pai. Para parte da
sociedade, o filho criado sem a presença do pai tende a entrar na criminalidade, pois a ideia
criada por essas pessoas é que a mãe, por ser do sexo feminino, não tem pulso firme para segurar
o filho, principalmente se for do sexo masculino. A partir de minha experiência junto com meu
irmão, posso parcialmente desconsiderar essa discussão. Em algumas situações, é notório tanto
para mim sendo filho, como para minha mãe que a figura paterna faz falta, no sentido de
aconselhar, pois em nossa casa éramos dois meninos, e sentíamos a necessidade de algumas
conversas.
Lembro-me bem quando mudamos para a cidade de Baraúna-RN, meu irmão Francielio
começou a criar laços de amizades com uns jovens mais velhos de 15 e 16 anos. Em conversas
com os vizinhos, escutávamos relatos referentes a esses meninos. Alguns já tinham
44
envolvimento com pequenos furtos, uso de drogas e brigas com gangues. Nosso maior medo
era meu irmão se envolver com esse tipo de situação e acabar preso ou morto. Minha mãe tinha
seu jeito cuidadoso e carinhoso, e com muito amor sabia lidar com as diversas situações
vivenciadas por mim e meu irmão. De início, Maria, com muito diálogo, tentou afastar
Francielio dessas amizades. Como minha mãe trabalhava, praticamente passava o dia fora e
quando chegava à casa, recebia muita reclamação de minha avó em relação ao comportamento
do meu irmão. As conversas não estavam tendo um retorno positivo, e a cada dia meu irmão
estava mais próximo desses jovens. Não conseguindo através diálogo amoroso, tenho guardada
em minha memória o dia em que minha mãe chegou a ser muito dura. Em suas palavras, Maria
foi clara ao dizer: “a partir de hoje, no dia que você ainda andar com esses meninos, eu não
quero mais você morando em minha casa”.
Ver minha mãe fazer uso dessas duras palavras foi um embate forte, mas a partir dos
resultados, pude entender a importância de sua rigidez naquele momento. Minha mãe utiliza
muito o ditado popular “por falta de um grito se perde uma boiada”. Ao usar essa expressão,
refere-se à necessidade de ser rígida em algumas situações para obter uma resposta positiva.
Para aquele momento, se minha mãe não agisse daquela forma, iria perder seu filho para as
drogas. Finalizo esse tópico apresentando esse relato, pois sinto a necessidade de mostrar o
quanto aprendo a partir das experiências de minha mãe. Cada ensinamento é essencial para meu
processo de formação como sujeito, suas narrativas mostram que é possível viver com pouco,
é possível se sobressair das situações difíceis. A história de vida da minha mãe serve como base
para o meu crescimento pessoal, bem como profissional, pois em seus relatos é notório a força
de uma mulher trabalhadora, sem medo de enfrentar qualquer função dentro de uma empresa.
Seja como agricultora, lavadeira, costureira, o importante seria prestar um serviço de qualidade.
A expressão utilizada para intitular esse tópico “Histórias de mim” passa a ideia da
continuidade das minhas narrativas iniciadas no primeiro tópico referente a minha infância,
porém, no decorrer da escrita, apresento a história de Maria, minha mãe, marcada pela
simplicidade, por dias difíceis e a batalha de cuidar e educar três filhos sozinha. A ligação entre
a história de vida da minha mãe junto ao meu percurso de vida é muito forte, espelho-me em
seu modo de ser, em suas práticas como pessoa. Carrego comigo as marcas de uma mulher de
garra, forte e determinada a lutar pelos ideais. Considero sua história de vida como uma herança
valiosa, a qual me foi concedida por meio de suas narrativas durante meu processo de formação
como sujeito. Utilizo-me de suas narrativas para firmar os relatos por mim citados. Nesse
sentido, aproprio-me da história de vida de Maria e carrego comigo marcas de suas experiências
que contribuíram com meu processo de formação enquanto sujeito espelhado na figura materna.
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1.3 "Ser ou não ser, eis a questão": a escolha pela tão sonhada profissão e a aproximação
com o Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Na infância, as pessoas começam a nos fazer a seguinte pergunta: o que você vai ser
quando crescer? Muitas crianças espelham-se nas profissões dos pais e querem dar
continuidade, trilhando o mesmo caminho. No meu caso foi bem diferente. Meus pais eram
agricultores, sem muitos recursos, e eu possuía uma vontade de mudar de vida, de trilhar
caminhos diferentes e de alcançar meus objetivos através dos estudos.
Desde quando iniciei minha vida estudantil, na Escola Municipal Francisco Silvério,
zona rural de Baraúna/RN, espelhei-me no meu professor do Fundamental Anos Iniciais,
Francisco Carlos, oriundo da zona rural, este saía de casa todos os dias em um pau de arara para
a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) com o intuito de concluir a
graduação. Sua história de luta, superação e êxito, mostrava-me que seria possível vencer por
meios dos estudos, e impulsionava-me a querer estudar mais.
Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse, eu respondia
“professor”. Às vezes, eu e meus irmãos, primos e colegas nos reuníamos para nossas
brincadeiras. Gostávamos muito de brincar de escolinha, e eu me identificava muito em ser o
professor. O ser professor fazia parte de mim, com o passar do tempo esse desejo foi se
aprimorando, e comecei a investigar como deveria fazer para me tornar um professor. Comecei
então a perceber as dificuldades que enfrentaria para conseguir meu objetivo.
No ano de 2009, como já mencionei em outros relatos, aconteceu meu processo de
mudança para a cidade, deixando a vida no sítio e indo à procura de novas oportunidades.
Considero esse momento em minha vida como um divisor de águas, pois abriu-se um leque de
oportunidades de aperfeiçoamento em minha formação. O contato com outras profissões, como
advogados, enfermeiros, odontologistas, de forma direta, a conexão em um mundo mais
modernizado por meio da internet, foram itens aos quais eu não tinha acesso e só vieram a
contribuir com minha (auto)formação. Nesse mesmo período, comecei a conversar com
professores, e nesses diálogos refletia sobre a escolha da profissão, pois em dois anos teria a
missão de escolher o caminho a seguir.
A escolha da profissão é um momento cauteloso requer uma preparação, desde a
conversa com a família, conselho de professores e até testes vocacionais realizados em alguns
sites educativos. Segundo Valore (2008):
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Assumir essa nova identidade profissional requer uma reflexão sobre o que vai dar
prazer, e não de se escolher uma profissão por apresentar um bom status para sociedade. Mesmo
carregando a ideia de ser professor desde minha infância, durante meu processo de formação,
aconteceram situações que me puseram a pensar se era esse mesmo o caminho a seguir. Alguns
relatos de professores sobre os desafios e a desvalorização da profissão me amedrontavam, pois,
tinha em mente que, queria uma profissão com pouco trabalho e que ganhasse muito dinheiro.
Comecei a pesquisar sobre o Curso de Direito, e nasceu a paixão pela advocacia, já a minha
mãe queria me ver trilhar pela Enfermagem.
Em meio a tantas dúvidas, concluí o Ensino Médio em 2011. Em seguida, inscrevi-me
no Processo Seletivo Vocacional (PSV), na UERN, e somente no dia de realizar minha inscrição
decidi a minha opção de curso. Inscrevo-me para o Curso de Pedagogia, por identificá-lo como
a profissão para minha vida, e por já ter ministrado aula de reforço para uma turma de alunos
de variados níveis de ensino, ainda cursando o Ensino Médio. Identificava-me com a docência,
embora não tivesse uma grande experiência na carreira. Não obtive o resultado esperado, e
inicia-se uma nova fase em minha vida, não tinha mais escolas para ir, tinha a necessidade de
arrumar um trabalho e ajudar no sustento de casa. Minha mãe trabalhava em um projeto de
cebola na comunidade de Primavera, e começou a me levar junto com meu irmão para a gente
trabalhar na roça e aumentar a renda, pois o salário era de acordo com a produção. O projeto,
por se tratar de uma pequena propriedade, não era registrado, e trabalhávamos por produção, a
cada cem metros de cebola colhidos, recebíamos cinquenta reais. Foram momentos difíceis para
mim, pois não me sentia preparado para aquele ambiente, mas a necessidade nos obrigava.
Em outubro de 2012, consegui uma vaga de emprego na Rede 10 Supermercados, um
dos maiores comércios da cidade de Baraúna-RN. Foi mais uma experiência a somar em minha
formação pessoal e profissional, em pouco tempo comecei a me familiarizar com os setores
administrativos e fui em busca de formação na área. Minha patroa me olhava e dizia “você tem
cara de administrador”, e mais uma vez ficou a dúvida sobre qual profissão iria seguir. Em
2013, foi o momento de mais uma vez tentar o ingresso no Ensino Superior, e a dúvida do que
fazer ainda fazia parte de mim. Decidi tentar Pedagogia pela segunda vez, a esperança de passar
era mínima, pois não havia me preparado para a prova, devido à dedicação ao trabalho.
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No dia 01º de abril de 2013, a UERN publicou o resultado e, para minha surpresa, fui
aprovado na 11ª colocação, no Curso de Licenciatura em Pedagogia. Em outubro de 2013,
inicia-se minha trajetória acadêmica, um novo caminhar, em meio ao medo e incertezas. Era
algo muito novo em minha vida, tinha medo de não acompanhar as leituras, as atividades e os
seminários. Além das incertezas sobre se era o caminho certo, se realmente era a escolha certa
como profissão, se iria conseguir conciliar com o trabalho. Minha família me apoiou e esteve
do meu lado para mais uma caminhada em meio às dificuldades.
por parte da família dos alunos em aceitar um professor na educação infantil, pois têm crianças
ainda dependentes para serem acompanhadas ao irem ao banheiro, dentre outras tarefas que
causam esse receio. Esse foi o primeiro desafio a ser enfrentado, ganhar a confiança da família,
e manter uma relação amigável com os pais das crianças. O segundo desafio foi criar a relação
de afetividade com as crianças. A falta de experiência como professor lançava-me a pensar e
pesquisar maneiras de como criar essa relação, pois nunca havia dado aula até esse momento.
Durante as aulas, trabalhei com o projeto sobre alimentação saudável, planejando as aulas
dentro das áreas de conhecimentos de acordo com a temática. O projeto foi utilizado como base
para o planejamento das aulas. Durante o bimestre, as temáticas das atividades eram dentro do
tema alimentação saudável, o projeto era composto por uma fundamentação teórica, com
objetivos a serem atingidos, bem como uma culminância, ao final, para avaliar os impactos na
educação da criança.
Durante o período de regência7, aprendi e conheci de perto a realidade do dia a dia de
um professor, a responsabilidade para se planejar uma aula pensando no nível de cada criança,
as dificuldades na execução das aulas, devido à falta de material didático para desenvolver as
atividades, a falta de estrutura física de qualidade para se trabalhar o desenvolvimento motor
dos alunos. Outro aprendizado adquirido no período do estágio foi o processo de inclusão de
crianças com deficiências. A escola possuía crianças com diagnósticos fechados, alguns em
processo de observação. Desde que cheguei à sala do Infantil I, identifiquei logo a presença de
uma criança com comportamento diferente das demais do grupo, pois, apesar dos seus cinco
anos de idade, não falava muito, fugia da sala e não interagia com os demais colegas,
demostrando uma extrema agitação e rejeição nas atividades propostas. Em conversa, a
professora relatou sobre a criança, informando-me que havia sido diagnosticada com TEA no
ano anterior.
Ao longo dos quinze dias de observação e regência, junto com a professora, fomos
construindo saberes, pesquisando e conquistando o aluno para avançar, dentro de suas
potencialidades. Nossa prioridade era que o aluno aprendesse a brincar, a interagir com os
colegas e compreender as regras sociais e a rotina da sala de aula e da escola. Contudo, a
experiência me fez ver que uma das maiores dificuldades da professora para ensinar o aluno
com autismo estava, justamente, em não o compreender e, muito menos, lidar com os
7A regência é o momento em que o estagiário assume determinadas salas de aulas, sob a indicação, orientação e
acompanhamento e avaliação do professor titular da disciplina.
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comportamentos diferentes da criança. Por isso, procurei entender o espectro para adquirir
estratégias para lidar com o autista em sala de aula.
O Estágio na Educação Infantil foi o momento de encontro com a minha profissão, pois
nada melhor que “pôr o pé no chão’’ e conhecer na prática a realidade das escolas, campo onde
seria inserido futuramente como profissional licenciado na área da Pedagogia. A troca de
conhecimentos vivenciados por mim e pela professora titular, a qual já atuava em sala de aula
há 25 anos foi muito importante, porque me serviu como espelho para a prática durante o
período de regência. O período de estágio proporcionou-me vivenciar a teoria na prática, visto
que essa vivência é de fundamental relevância não somente para a nossa formação acadêmica,
mas também para nosso trabalho profissional. De acordo com Pimenta e Lima (2009): “A
profissão de professor também é prática. E o modo de aprender a profissão, conforme a
perspectiva da imitação será a partir da observação, imitação, reprodução e às vezes,
reelaboração dos modelos existentes, consagrados como bons”. Dessa forma, através da
observação feita no estágio supervisionado, além de analisarmos a estrutura física da escola e
sua realidade educacional, adquirimos experiências para nossa prática pedagógica, experiências
de como resolver problemas encontrados, e como eu poderia mudar ou mesmo fazer diferente
caso estivesse no lugar do professor observado, ou se permaneceria com a mesma didática.
tinha a certeza que não passaria. Muitas pessoas já haviam trabalhado como professores titulares
de sala, outros já tinham experiências com a Educação Especial. Entrei na sala para a entrevista
e o nervosismo tomava conta. Durante a entrevista, perdi o medo e fui respondendo todas as
perguntas feitas pelo psicólogo do DAE, buscando teóricos para fundamentar minhas respostas.
A expectativa era grande. Enfim, chegou o dia do resultado e lá estava meu nome na 11º
colocação. Surgiram novos medos e muitas preocupações, pois, por morar em outra cidade,
tinha medo de ser lotado em uma escola de difícil acesso e não poder assumir a vaga. Fui
resolver toda a parte burocrática e organizar documentos. Nessa época, fui tomado por uma
felicidade enorme e ao mesmo tempo um medo se fazia presente, pois tinham muitas dúvidas
em minha mente: Como trabalhar com a criança? Qual seria a deficiência do aluno? Como seria
recebido na escola? Como seria a aceitação por ser um homem como auxiliar dessa criança?
Questionamentos que me amedrontaram, mas era chegado o momento de enfrentar.
Quando cheguei à Secretaria Municipal de Educação, deram-me várias opções de
escolas, só eu cursava Pedagogia e uma das secretárias falou da importância da minha presença
em uma Unidade de Educação Infantil, e indicou-me a UEI Júlio Galdino Neto para auxiliar
uma criança com autismo, e por ficar perto para mim, daria para fazer uso do transporte escolar
da minha cidade e evitar gastos. Encaminharam-me à UEI, e orientaram ir antes à instituição
para a equipe não ser pega de surpresa. Chegando lá, fui bem recebido pela supervisora
pedagógica Dulcineide Cavalcante, que logo de imediato passou todas as coordenadas para o
início do meu trabalho com Nilo8, uma criança de 4 anos, diagnosticada há pouco tempo com
autismo, e a escola estava em processo de adaptação para o trabalho com esse educando.
Meu medo diminuiu ao saber que Nilo era uma criança com autismo, pois já possuía um
breve conhecimento sobre a deficiência. Nas primeiras conversas travadas com a professora de
Educação Especial e Inclusão, ela havia apresentado o Transtorno do Espectro Autista em uma
aula expositiva, mostrando a definição sobre o TEA, suas principais características, o
diagnóstico e a questão das limitações das crianças com autismo. A princípio, não conhecia o
transtorno, já ouvia falar do assunto, porém era leigo quanto ao espectro. Como requisito para
obter nota na disciplina, foi solicitado o aprofundamento em uma deficiência para a realização
de uma atividade de campo, a qual iríamos realizar uma entrevista com familiares de crianças
com deficiência para acompanhar de perto o seu dia a dia. Escolhi trabalhar sobre o TEA, e
vivenciei uma experiência ímpar ao lado de uma criança de 7 anos, na cidade de Baraúna-RN.
Pude acompanhar sua rotina, observando suas atividades, seu comportamento e a relação com
8 Nome fictício para preservar a identidade da criança com o transtorno do Espectro Autista (TEA).
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sua família, tudo em prol do seu desenvolvimento. Fiquei cada vez mais interessado em
pesquisar e abordar o assunto. Essa experiência proporcionou-me um grande conhecimento
sobre o TEA e auxiliou-me muito no trabalho com Nilo.
Meu primeiro contato com a criança me assustou um pouco, pois ele não queria minha
aproximação, mas me confortava, pois, com o conhecimento teórico, eu sabia de sua resistência
e teria que lutar um pouco para me aceitar na sua rotina. O apoio da professora titular, Sônia
Maria, foi fundamental para meu processo de adaptação na sala de aula, deu-me total liberdade
para planejar em conjunto, além de dar dicas de como trabalhar. Seus trinta anos de experiência
ajudaram-me de uma forma primordial. Os dias foram passando e fui ganhando espaço com
Nilo, a afetividade foi crescendo entre nós e em pouco tempo estávamos bastante apegados um
ao outro.
Nilo era uma criança isolada, não gostava de participar das atividades em grupo, não
gostava de se comunicar oralmente comigo e os demais, mas algo era fácil de perceber, Nilo
possuía uma inteligência diferenciada, pois se destacava nos momentos das atividades
individuais, possuía agilidade para terminar as tarefas, conhecia todas as letras e números, tudo
isso facilitou meu trabalho. Busquei conhecer Nilo de todas as formas, o que gostava e o que
não gostava. Todo tempo em parceria com a família através de conversas, compartilhando
momentos de progresso no processo de aprendizagem da criança.
O trabalho inclusivo vai além de inserir o aluno em sala de aula, pois é preciso que
estejamos preocupados com todos os impactos possíveis nesse processo. Busquei inserir Nilo
em todas as atividades de socialização, incluindo-o nas brincadeiras com as demais crianças,
porém como uma das características do autista, ele se mantinha isolado. Em sala de aula, todas
as crianças preocupavam-se com o bem-estar dele, e como uma maneira de contribuir ainda
mais com essa ligação de afeto entre eles, a todo tempo estava conversando com os demais,
explicando sobre a importância de não se fazer muito barulho, pois Nilo se agitava, eu falava
sobre o comportamento, pois se eles se comportassem mal, Nilo iria repetir. Havia momentos
que mesmo rejeitando, ele acabava cedendo, pois eu colocava uma criança para ir a sua mesa
brincar com ele. Era (auto)formativo observar como as crianças de apenas 4 e 5 anos se
preocupavam com Nilo, em manter o ambiente propício para a criança, a preocupação em saber
se Nilo queria brincar, se já tinha se alimentado ou se precisava ir ao banheiro.
A professora titular caminhou lado a lado comigo nessa experiência, e em nenhum
momento me deixou sem ajuda, pois ela reconhecia a importância desse estágio para minha
formação docente. A todo tempo deu-me autonomia para estar à frente da sala de aula, podendo
contribuir com as demais crianças. A parceria entre mim e a professora foi de suma importância,
55
pois nunca jogou para mim a responsabilidade de ficar sozinho com Nilo. Em alguns encontros
com outros estagiários ouvia relatos dizendo que a professora não ajudava com a criança
especial, pois era dever nosso como professor/estagiário ficar com a criança, mas no meu caso,
o aluno não era meu, era nosso, a professora estava ao meu lado, incentivando-me nos
momentos difíceis.
Uma grande contribuição no desenrolar do meu cotidiano com Nilo, foi o contato com
a professora de Atendimento Educacional Especializado, da Escola Municipal Dolores Do
Carmo Rebouças. No meu Estágio Supervisionado II, conheci Nara 9, a professora de
Atendimento Educacional Especializado, que me ajudou bastante, passando muitas
informações a respeito de como trabalhar com a criança autista. Nara deu várias sugestões de
atividades para desenvolver em sala com Nilo, como gravuras ou atividades com seu nome,
bem como nomes de elementos de seu cotidiano, colagens, palavras com a letra inicial de seu
próprio nome, dentre tantas outras sugestões.
A partir disso, comecei a explorar bastante os recursos disponíveis na UEI, como jogos
da memória, quebra-cabeças, jogos tipo lego, trabalhei matemática, cores e os seus nomes,
coordenação motora e concentração, jogos e atividades em material concreto que explorassem
vogais, alfabetos e números, e de várias formas, bem como músicas e danças. Busquei algo do
interesse do educando, trabalhando de acordo com suas limitações, pois Nilo não gostava de
estar em contato com os demais colegas, por isso, buscava trabalhar da forma como ele gostava,
em sua cadeira, prendendo sua atenção com diversos recursos.
A grande dificuldade de Nilo estava justamente na interação com a turma. No decorrer
do ano letivo de 2016, eu e a professora titular, a todo tempo estávamos lutando para conseguir
desenvolver essa capacidade de Nilo de socializar com os demais, constantemente inserindo-o
nas rodas de conversas, no contato direto com as demais crianças, incentivando as outras a
conversar com Nilo. Com o passar do tempo, os avanços eram notórios, pois Nilo começou a
construir um laço afetivo com Cici10, uma menina de sua idade, e já conseguia brincar, andar
com ela na escola. Era lindo ver a aproximação dos dois, pois ele todos os dias queria sentar-se
perto da menina. Passamos a desenvolver a prática de socialização com as crianças da sala de
aula e em especial com Cici, para conseguir acalmá-lo, pois nos momentos de agitação, Cici
dirigia-se até ele, e segurava em sua mão, trazia e se sentava em sua mesa.
comportamentos de Nilo, e isso levou a criar uma barreira entre professora e aluno. Com o
passar dos dias, Nilo já queria se aproximar da professora, mas devido a alguns fatos ocorridos,
ela tinha resistência em se aproximar do menino. Foi um momento bastante difícil para mim,
pois não conseguia manter uma parceria, era como se Nilo fosse meu aluno, e as demais crianças
fossem seus alunos.
O dia a dia em sala de aula com uma criança autista é uma tarefa desafiadora, e ao
mesmo tempo gratificante ao ver cada avanço da criança. De início, ficamos um pouco
assustados, mas só é possível desenvolver um trabalho de qualidade, se estivermos em constante
busca de conhecimentos para obtermos resultados positivos.
Além do encontro com o Transtorno do Espectro Autista, a experiência como
professor/estagiário teve a duração de quase dois anos e oportunizou-me um grande
aprendizado, participei de formações na escola, dentre elas uma formação com a temática de
musicalização na Educação Infantil, com a professora Núzia Roberta. Além de ganhar muita
experiência, a partir das práticas das professoras, minhas colegas de trabalho, bastante
dedicadas ao trabalho, não mediam esforços para me ensinar como lidar com as situações em
sala de aula.
Nos últimos semestres do curso, ainda em 2017, a partir das experiências e incentivo de
alguns docentes da Faculdade de Educação - FE, nasceu em mim o desejo de uma formação
continuada para atuação como professor universitário. No ano de 2017, no 8º semestre, decidi
participar da seleção do Programa de Iniciação a Monitoria-PIM. De acordo com a ementa, “a
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monitoria é compreendida como uma atividade acadêmica que subsidia o ensino de graduação,
propondo novas práticas formativas com a intenção de articular os componentes curriculares
dos Projetos Pedagógicos de Cursos - PPCs”. Dentre as vagas disponíveis, inscrevi-me para a
monitoria da disciplina Antropologia e Educação, ofertada pela Professora Dra. Ana Lúcia
Oliveira Aguiar, PhD em Educação. Fiz todo o processo seletivo e fui selecionado para atuar
como monitor da disciplina, a aula acontecia às terças-feiras
. Durante a monitoria, oportunidades foram abertas para estudar e discutir leituras
importantes para a formação dos alunos, a exemplo do texto “O que é educação?”, do autor
Carlos Rodrigues Brandão, bem como a preparação do material para as aulas expositivas, além
de auxiliar os alunos nas dúvidas referentes aos conteúdos e atividades. Enfatizo esse momento
como único e decisivo para decisões do que iria seguir após a conclusão do curso. Viver ao lado
da professora Ana Lúcia Aguiar fez-me abrir os olhos e ver minhas potencialidades, fez-me
querer ir além do diploma da graduação. A troca de conhecimento com os alunos foi muito
importante, poder contribuir com o aprendizado dos novos discentes do Curso de Pedagogia,
ajudando a passar por todo processo formativo por mim vivenciado foi um momento
gratificante.
Para finalizar o curso, tive como atividade final a escrita da monografia, trabalho final
do curso. Decidi escrever sobre minha experiência como professor/estagiário, analisando por
meio das narrativas (auto)biográficas as contribuições do professor/estagiário no processo de
inclusão e aprendizagem de uma criança com Autismo, e convido a professora Ana Lúcia
Oliveira Aguiar para me orientar na construção da pesquisa. Intitulado O autismo e o olhar
sensível do professor/estagiário: uma pesquisa (auto)biográfica entre o que se vê e o que se
sente no processo de inclusão com um aluno autista, a pesquisa trouxe contribuições no âmbito
acadêmico, social, pessoal e profissional. Através do trabalho, vivenciei o momento de
autoavaliação, e, por meio das narrativas, construí meu processo de (auto)formação, refletindo
sobre pontos positivos e negativos da minha prática com professor/estagiário.
Finalizei a graduação com a certeza de que era só o início, e precisava voltar à academia
para dar continuidade ao curso de pós-graduação. Havia chegado o momento do tão sonhado
diploma. Olho para trás e percebo a importância de cada experiência vivida, pois tudo foi
momento de grande aprendizado, seja pessoal ou profissional. O primeiro da família a concluir
o Ensino Superior, oriundo da zona rural, vencendo os limites para alcançar o grande sonho de
ser graduado.
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referir-se ao sentido de continuar vivendo em uma vida cheia de tortura e sofrimento ou morrer
e ser liberto desse sofrimento. Nessa perspectiva, “o ser ou não ser” torna-se uma forma de agir,
de tomar a decisão sobre algo.
Utilizo-me dessa concepção justamente para dar essa ideia de ação e decisão em minha
vida, no sentido de escolher qual seria minha profissão. Como já mencionado, o momento de
decidir o caminho a seguir, é muito difícil, afinal, a profissão é algo que iremos exercer pelo
resto da vida, construindo a identidade profissional a partir das experiências e da formação.
Meu desejo desde adolescência era ser professor e por algum tempo chegou a ser adormecido
pela curiosidade de conhecer outras profissões e o contato com profissionais de diferentes áreas.
Com a entrada no Curso de Pedagogia, comecei a construir minha identidade profissional,
constituindo-me pedagogo a partir das experiências formadoras, vivenciadas no meu percurso
de formação.
Nesse percurso, encontro-me e apaixono-me pelas temáticas da Educação Inclusiva,
com ênfase no autismo. Costumo dizer que não escolhi permear por esse caminho, mas minha
trajetória acadêmica guiou-me para o encontro com o Transtorno do Espectro Autista. Após
toda essa vivência, sinto a cada dia a necessidade de ir além. O diploma de graduado já não me
satisfazia, e foi preciso ir além, ser mestre, em seguida, doutor, bem como ir além dos muros
da universidade, levar comigo a marca de uma formação de qualidade, contribuindo com a
sociedade e com práticas inclusivas.
Escrever sobre o que se faz e o que se sente tornou-se um método de pesquisa para
interpretar o cotidiano e a prática profissional do sujeito. No campo da Educação, as narrativas
(auto)biográficas constituem-se como um método de construção do conhecimento, baseando-
se na reflexão do fazer pedagógico e na ressignificação da própria ação.
Até o ano de 2013, ao ingressar na universidade, não tinha nenhum conhecimento sobre
o método de pesquisa (auto)biográfica, entretanto, se fizermos uma viagem nas lembranças,
iremos perceber que as histórias de vida e narrativas estavam presentes em meu cotidiano desde
minha infância, quando me sentava para ouvir as narrativas dos meus avós ou dos vizinhos. A
curiosidade em saber sobre as lutas e o processo de superação das dificuldades encontradas na
vida é algo que carrego comigo, e, após conhecer esse método, passo a compreender melhor os
sentidos das narrativas para os diferentes sujeitos.
61
11 Na ocasião, apresentou-se como diretor do Grupo Flor do Sol da comunidade de Redonda - Icapuí/CE.
62
O evento contou, em sua conferência de abertura realizada no Hotel Villa Oeste, com a
participação do conferencista João Luiz Joventino Nascimento12 e trouxe como tema “Povos
do campo, memórias, saberes, tradição”, um momento de troca de aprendizado entre os
acadêmicos e os camponeses que vivem longe da realidade universitária. A partir da
participação dos eventos, comecei a entender o sentido do uso do método (auto)biográfico nas
pesquisas acadêmicas, a quebra de barreiras, e a abertura de espaço para o sujeito de saberes
comuns que estão fora dos muros da academia, há muito tempo silenciado. O método preocupa-
se com o dia a dia do sujeito e o modo como ele cria a sua realidade, procura entender os seus
esforços e a maneira como utiliza estratégias para analisar uma situação e agir. Como aponta
Passegi (1999, p. 1):
Esse novo paradigma, que se consolida nos anos 80, preocupa-se com as
representações do sujeito e a maneira como ele constrói a realidade, interessa-
se sobre os seus esforços cognitivos e a maneira como utiliza estratégias para
analisar uma situação e agir e consequência, com o outro e sobre o outro.
12 Conhecido como “João do Cumbe” representante dos movimentos de luta e resistências do Quilombo do Cumbe,
Município de Aracati/CE.
13 Ingressou no Programa de Pós-graduação em Educação- POSEDUC, trazendo em sua proposta de pesquisa o
uso da metodologia (auto)biográfica, sob a orientação da Prof.ª Ana Lúcia Aguiar, PhD em Educação. Concluiu o
mestrado em 2013 com a pesquisa intitulada “O sujeito professor e sua trajetória (auto)biográfica para o processo
de inclusão digital na escola”, obtendo aprovação com louvor.
63
A construção do projeto de pesquisa serviu para que pudéssemos definir realmente como
seria nosso percurso metodológico e nossa pergunta de partida sobre a pretensão de pesquisa.
Chegamos à conclusão de realizarmos, por meio das narrativas e história de vida, a exposição
de uma experiência vivenciada por mim, como aluno do Curso de Pedagogia, com ênfase na
Educação Especial em uma unidade de Educação Infantil. Ressaltei a importância do auxiliar
de sala para o desenvolvimento da criança com autismo, evidenciando momentos desafiadores
e as superações conquistadas. Durante a realização da pesquisa, a cada dia apaixonava-me mais
pelo método, além de me proporcionar a recordação dos melhores momentos de minha
formação, a pesquisa oportunizou-me viver um momento de autoavaliação. A autoavaliação é
um processo baseado na valorização de si mesmo, na própria capacidade que se dispõe para tal
tarefa ou atividade, assim como também a qualidade do trabalho desenvolvido, especialmente
no âmbito pedagógico. O sujeito se autoavalia, tomando em suas mãos o processo de
valorização de suas próprias condutas, ideias e conhecimentos.
A escrita das narrativas exige bastante esforço do sujeito em sua construção, resultando
em lembranças organizadas linearmente ou não. Para Josso (2004), a narrativa escrita permite
ao sujeito passar por um processo de busca das experiências no seu interior para chegar aos
acontecimentos e fornece estado de espírito, sensibilidade, pensamentos a propósito de
emoções, sentimentos, assim como atribuições de valores.
A escrita de uma narrativa provoca interrogações em quem escreve, e a veracidade
do que se escreve está justamente na habilidade de evocação do artista-narrador. Na escrita de
si, cada um avalia sua identidade, as influências recebidas e as opções e escolhas feitas. Como
nem tudo pode ser contado, é pertinente trazer as experiências mais significativas, aquelas que
contribuíram para a construção identitária do sujeito. Em outras palavras, “a autenticidade da
narrativa reside mais na pertinência das escolhas operadas em função da orientação dada à
narração do que na sua exaustividade” (JOSSO, 2010, p. 205).
As narrativas escritas são um exercício para a memória, pois é o momento de o sujeito
refletir sobre as mais diversas aprendizagens, conhecimentos, questionamentos, que, muitas
vezes, nem lembrava. No ato da escrita, portanto, pensar e refletir sobre o seu processo, podendo
assim, ir muito além do que se imaginava. Na escrita narrativa, lembrar é uma atividade que
leva o sujeito a rever os fatos vividos e passados. No entanto, nem sempre a escrita sairá da
65
maneira como aconteceu, pois, as lembranças e algumas fatos podem ser esquecidos, deixados
para trás.
O conhecer a si mesmo concede ao indivíduo compreender como ele se forma por
meio de um conjunto de experiências. A trilha do caminhar para si é um projeto a ser construído
ao longo da vida, mas, para isso, é preciso uma tomada de consciência, a fim de conhecer as
características da sua subjetividade em exercício. Para Josso (2010, p. 86), esse
(auto)conhecimento provoca um reexaminar da sua caminhada, com o objetivo de:
14Expressão usada pela professora Ana Lúcia Oliveira Aguiar, PhD em Educação, referente ao processo de
correção da escrita. O “estourar balões” é o momento de corrigir o que foi proposto por ela em seus comentários
ao lado da escrita nos balões.
67
[...] escola e família precisam ser concordes nas ações e nas intervenções na
aprendizagem, principalmente, porque há grande suporte na educação
comportamental. Isto significa dizer que a maneira como o autista come,
veste-se, banha-se, escova os dentes manuseiam os objetos os demais
estímulos que recebe para seu contato social precisam ser consoantes nos dois
ambientes.
de nossas conversas ela relatou o quanto foi difícil para ela o processo de diagnóstico do seu
filho, mas soube assumir seu papel de lutar pelos direitos para ele ter acesso a tudo de maneira
igualitária. Uma de suas lutas foi conseguir com a Secretaria Municipal de Educação a presença
do professor/estagiário dentro de sala de aula, pois ela via a necessidade de seu filho possuir
uma atenção especial.
No início, incomodei-me um pouco com a tamanha pressão da mãe, pois achei um pouco
invasiva, mas, no decorrer do tempo, percebi que ela estava apenas preocupada com o
desenvolvimento do seu filho, e percebi também o quanto sua participação ativa contribuía com
o processo de inclusão da criança. Todos os dias ela procurava saber como estava o seu
comportamento em sala de aula, se tinha conseguido desenvolver as tarefas, se estávamos
precisando de alguma coisa para ajudar em sala, todo esse engajamento só veio a somar no
nosso dia a dia na escola.
A preocupação com o desenvolvimento do seu filho era notória. Em alguns momentos,
foi preciso eu interferir, pois ela cobrava muito por parte da criança. Lembro-me que ela veio
me perguntar se eu achava necessário um reforço escolar para Nilo. Nesse momento, eu a
chamei em um local reservado, e expliquei sobre seu filho ser uma criança muito inteligente, e
para sua idade e limitações ele era destaque entre os demais. Por isso, pedi que ela deixasse
para exigir mais dele no futuro, quando houvesse realmente a necessidade. Nessa conversa,
obtive resultados positivos, pois ela começou a entender o tempo da criança, e como
mantivemos essa parceria, nossos diálogos eram bons, abertos à aceitação da opinião de ambas
as partes.
Por se tratar de uma família com nível de graduação, já conhecia na prática os direitos
de seu filho, como também os deveres que a escola precisava cumprir, como receber a criança
e garantir a permanência de Nilo na sala. Um determinado dia, a diretora colocou-me para
assumir uma sala de aula durante uma semana, alegando que Nilo não necessitava de um
auxiliar direto, e sua mãe foi até a Secretaria e apresentou a situação, pois ela era conhecedora
do direito do auxiliar para seu filho. A participação da família nesse processo, em diálogo com
a professora titular, eu (professor/estagiário) e a parte administrativa da UEI foi de grande
importância, pois a parceria com todos os responsáveis por esse processo, cada um
reconhecendo e cumprindo seu papel, foi fundamental para o desenvolvimento de Nilo.
Quando me questionei sobre esse movimento de participação da família na escola, vi a
possibilidade de um objeto de estudo. Lembrei-me, em uma conversa com a mãe de Nilo, que
ela ressaltou a dificuldade de aceitação no processo de diagnóstico, em sua fala, enfatizou que
é um impacto muito grande para qualquer mãe receber o diagnóstico, pois não esperava até
69
porque, desde o nascimento do seu filho, ela e o esposo tinham muitos planos para Nilo. Em
suas narrativas, ela falou sobre o choro, mas ao mesmo tempo, percebeu a necessidade de não
se fechar ao sentimento de tristeza, e sim correr atrás em busca do sucesso de seu filho, que
apesar de suas limitações, pode ir muito longe.
Decidi, propor a pesquisa sobre o processo de inclusão escolar de crianças com autismo,
a partir do olhar materno, conhecendo as barreiras encontradas e as experiências de superação
ao longo desse processo. Escolhi as mães como sujeitos desta pesquisa, pois, no processo de
educação dos filhos, elas se fazem presente no cotidiano escolar, nas reuniões, para receber
reclamações, pois elas sentem na pele os desafios encontrados desde o processo de diagnóstico,
de aceitação e de luta pelos direitos de suas crianças.
As narrativas (auto)biográficas têm um propósito fundamental nesta pesquisa:
possibilitar vez e voz à pessoa-sujeito da investigação, oportunizando-lhe aprender, crescer e
se desenvolver a partir de suas experiências pessoais, profissionais e formativas. Salientamos
que esse processo busca trazer à tona um passado vivido, na intenção de compreender e
aprender com as vivências, as memórias, as experiências e os momentos, sejam eles bons ou
ruins. A relação entre as narrativas (auto)biográficas das mães e o arcabouço teórico base para
a construção desta pesquisa busca desencadear reflexões sobre a importância da história de vida
de cada sujeito no processo de (re)construção de si.
A nossa pesquisa com as mães de crianças com autismo mostra-se singular no Programa
de Pós-graduação em Educação, pois constatamos que, dentre os estudos já finalizados, não
existe nenhuma dissertação trazendo em sua metodologia o sujeito materno. A partir disso,
pretendemos, por meio desse estudo, enfatizar as histórias dessas mulheres, mães que lutam
pelo direito de inclusão de seus filhos. A pesquisa contribuirá para que outras mães de crianças
com autismo despertem esse olhar sobre o processo de inclusão educacional de seus filhos, e,
através das narrativas dos sujeitos de nosso estudo, possam superar as barreiras encontradas no
caminho.
Nesse tópico apresentei minhas experiências com o método (auto)biográfico iniciando
na graduação e, posteriormente, nos estudos no grupos de pesquisa, bem como minha aprovação
no Mestrado em Educação. Apresentei também meu encontro com o objeto de estudo, que
surgiu a partir de uma experiência por mim vivida: o quanto é importante a participação da mãe
no processo de inclusão escolar de seu filho com autismo.
Neste capítulo, minha história de vida foi contada para atender ao primeiro objetivo
específico, Narrar minha (auto)biografia, com ênfase nos momentos importantes do percurso
de formação pessoal e acadêmica e o encontro com o objeto de estudo e o método. Esse capítulo
70
apresenta ao leitor meu percurso de vida, formação acadêmica e profissional, com foco nos
momentos de aproximação com o tema da pesquisa e do método assumido em nosso estudo,
bem como o caminho teórico metodológico utilizado nesse primeiro momento.
71
Enunciava-se uma longa lista de deveres a que nenhuma mãe deveria se furtar.
Prova sem dúvida de que a natureza precisava ser solidamente respaldada pela
moral! [...] Esse texto tem o mérito de pôr fim ao mito da felicidade feminina
no sacrifício, e de substituir claramente o tema do instinto pela moral
(BADINTER 1985, p. 269).
A partir da leitura desse trecho, podemos interpretar a ideia da autora em sua discussão
sobre o fato da mulher antigamente se sentir obrigada a se constituir mãe a partir de uma pressão
ideológica, e esse sentimento de “ser mãe” não era constituído de forma natural, com desejo e
afeto. Para essas mulheres a maternidade representa culpa e frustração. Culpa no sentido de ser
mulher e ter o dever de ter filho, e frustração em relação ao fato de não ter o direito de escolha.
Baseando-se na interpretação da ideia de Badinter (1985), interligamos com o objetivo
do segundo capítulo, a qual pretendemos descrever, por meio das narrativas (auto)biográficas
de mães de crianças com autismo, como se procede o percurso e a constituição da maternidade
para essas mulheres, apresentando o sentimento de “ser mãe” para cada sujeito participante em
sua singularidade, evidenciando as mudanças ocorridas ao longo do tempo sobre esse
sentimento materno, e como a mulher se sente nos dias atuais ao descobrir que está grávida.
Apresentaremos o percurso do diagnóstico e as barreiras encontradas no processo de inclusão
escolar de seus filhos.
No decorrer do capítulo, apresentaremos uma historicidade do “ser mãe” em diálogo
com autores como Ariés (1981) e Badinter (1985), nossa base teórica para falar sobre o processo
de constituição da maternidade para a mulher desde a antiguidade. A partir das leituras dos
autores, podemos voltar no tempo e perceber que nem sempre houve esse sentimento envolvido
entre mãe e filhos, era bem diferente da atualidade, não existia esse cuidado e afeto da mãe para
criança. Iremos apresentar narrativas de mães de crianças com autismo, com a pretensão de
interpretar o que essas mulheres/mães entendem sobre o “ser mãe”, por meio de suas narrativas,
iremos apresentar o sentimento que surge no momento da descoberta da gravidez, o verdadeiro
sentido de ser mãe, e o processo de descoberta do espectro, bem como as dificuldades
encontradas ao longo do caminho.
Apresentaremos narrativas de como acontece o processo de diagnóstico, o embate na
aceitação, o medo, a insegurança de ser mãe de uma criança com autismo, o momento de luto
vivenciado pela família, em especial pela mãe. Traremos considerações sobre o papel da mãe
72
na vida escolar das crianças com autismo, e a responsabilidade que elas carregam sobre a
inclusão de seus filhos na escola. Desde os primórdios, escutamos muito sobre a
responsabilidade da mãe no processo de educação dos filhos. Isso acontece graças ao papel que
foi designado à mulher de ficar em casa e cuidar das crianças, enquanto o pai vai trabalhar em
busca do sustento. A mãe ganha destaque nesse processo, pois é ela que deixa na escola,
participa de reuniões escolares e outras atribuições dentro da vida escolar de seus filhos.
Apresentaremos narrativas das mães sobre a caminhada pela pretensão da inclusão
escolar de seus filhos através do relato das dificuldades encontradas nesse processo. A luta pela
inclusão escolar de crianças com autismo é uma longa caminhada, a qual é cheia de barreiras a
serem enfrentadas, portanto, a mãe precisa caminhar ao lado do seu filho nesse percurso. As
mães, com um olhar sensível e o sonho de ver seus filhos com autismo serem incluídos dentro
das salas de aulas regulares, com as mesmas oportunidades e direitos que os demais, travam
lutas constantes para romper barreiras ao longo dessa caminhada. Quais as barreiras
encontradas no processo de inclusão? É a partir dessa pergunta que pretendemos, por meio das
narrativas maternas, expor as dores e angústias vivenciadas pelas mães ao longo desse trajeto.
Ser mãe
Ser mãe é dádiva de Deus
Ser mãe é tocar o céu
Ser mãe é o maior presente
É ganhar o maior dos troféus...
Ó Deus me ensina a ser boa mãe
(ARYDES, 2013)
Semelhante à terra que precisa ser semeada, seu único mérito é ser um bom
ventre. Como é dotada de uma frágil capacidade de deliberação, o filósofo
deduz logicamente que sua opinião não é digna de consideração. A única
virtude moral que lhe reconhecia era a de “vencer a dificuldade de obedecer”.
Sua honra residia num “modesto silêncio.” Ainda comprada pelo marido, era
para ele um bem entre outros (BADINTER, 1985, p. 32).
Com bases nos estudos históricos, é possível identificar que, por muito tempo, a mulher
viveu esse processo de submissão ao homem, considerada sexo frágil, sem direito a expor sua
opinião ou tomar decisões sobre sua própria vida, tornando-se propriedade de seus cônjuges.
Ainda em referência à historicidade da época, é possível perceber que a criança, assim como a
esposa, não tinha nenhum valor perante a sociedade, pois eram consideradas seres sem
capacidade de participação e contribuição para a comunidade. Naquela época, não existia um
sentimento amoroso entre pai/filho ou mãe/filho, e uma prática bem comum era entregar as
crianças para outras famílias, com o intuito que elas fossem educadas para o serviço doméstico,
para também adquirirem valores humanos, uma vez que não frequentavam as escolas. Quando
completavam sete anos, a criança era inserida no ambiente adulto, passando a conviver e ser
tratada como um “adulto em miniatura”, desde suas vestimentas até os ambientes e conversas
que participavam (ARIÉS, 1981, p. 87).
Na época do Brasil colonial, além da função materna, a mulher tinha a obrigação de
governar a casa de forma a agradar o seu marido. Algumas eram levadas a conventos para
aprender a bordar, costurar, entre outras atividades consideradas fundamentais para
administrarem seu lar. Era mínimo o número de mulheres que aprendiam a ler e escrever, pois
não tinham essa oportunidade, logo cedo eram treinadas para a vida doméstica. Com alguns
74
essa ideia era reforçada pelos médicos, que afirmavam que a relação sexual entre o casal
estragaria o leite. Outro fator que contribuía para esse distanciamento entre mãe e filho era a
vontade da mulher pertencente a classe alta de se constituir como tal, e se desvincular da função
da maternidade e de dona de casa, tendo em vista o desejo de participar de atividades culturais
que surgiam com os avanços.
Esse desejo de emancipação que nascia para a mulher nesse momento trouxe
preocupações para a sociedade que ainda tinha o homem como o poderoso. Com isso, passou-
se a ser condenada a prática de entregar os filhos para as amas de leite, justificando-se que as
crianças iriam ficar com o sentimento de rejeição, bem como a demonstração pelo cuidado com
a saúde da criança. Segundo os médicos, as crianças que eram amamentadas pela mãe cresciam
fortes e saudáveis. Nesse sentido, a amamentação passou as ser considerada um ato de
relevância moral, sendo vista na época como grande demonstração do amor materno.
Com a ideia dos cuidados maternos, baseada no afeto entre mãe e filho, a autoridade
paterna entra em declínio, “deslocando-se insensivelmente da autoridade para o amor, o foco
ideológico ilumina cada vez mais a mãe, em detrimento do pai, que entrará progressivamente
na obscuridade” (ÀRIES, 1981, p. 148). No entanto, questionou-se sobre os valores machistas
escondidos por trás dessa valorização da “mulher mãe”, tendo em vista que a mulher nascera
para a família e para a maternidade, pois considerava-se que, ao contrário do homem, a figura
feminina era mais afetiva, enquanto a do homem, mais racional. Por isso, o pai passou a se
responsabilizar pela proteção material do filho, e a mulher ganhou um papel autônomo no
interior da casa, o de iniciadora da educação.
Após anos de submissão ao homem, a mulher passou a ser vista como um indivíduo de
voz ativa e participante nas funções da sociedade. A possibilidade de ingressar no mercado de
trabalho possibilitou o aumento do seu poder de decisão dentro da sua família, bem como o
acesso à educação. Com esse novo modo de vida, a mulher passou a ter um novo olhar e se
colocar diante as situações. Após a Segunda Guerra Mundial, surgiram os anticoncepcionais,
que trazem para a mulher novas possibilidades de escolha, com isso, diminuiu o poder
masculino sobre ela. Dessa forma, a mulher teve novos interesses, sem a responsabilidade e
sem medo de ser condenada por não se submeter ao homem, bem como o direito de escolha
sobre a maternidade.
Em relação ao vínculo afetivo entre mãe e filho, é notório o processo de avanços. O
vínculo materno é considerado o primeiro e primordial para o desenvolvimento dos demais
vínculos da criança. As primeiras relações afetivas em que os bebês vivem são com suas mães
desde a gestação, já vai se construindo esses laços afetivos. Rompe-se a ideia de que o amor
76
O autor reflete sobre a maternidade como uma função desempenhada pela mulher de
forma natural, no entanto, a forma a qual será exercida por ela é um processo de construção e
apresenta resultados diferentes para cada uma. Nesse sentido, o vínculo afetivo quem estabelece
é a mãe, tornando-se sujeito ativo, e o bebê passivo, ou seja, a mãe que prepara as relações
afetivas para que o filho receba e possa viver esse processo de construção.
O vínculo afetivo entre mãe e filho é diferente de todos os outros. Constituir-se em uma
boa mãe é algo complexo e desafiador. Segundo Nóbrega (2005, p. 18):
que a mãe nutri sentimentos negativos, como o abandono pelo filho e a não aceitação da
gravidez, ficam marcadas na criança que cresce com esse sentimento em suas raízes.
As primeiras relações afetivas se desenvolvem no momento do nascimento da criança,
bem como no desenrolar dos cuidados, como dar banho, trocar fralda, amamentar, colocar para
dormir e acalentar nos momentos de choro. Essas atividades são fundamentais para o
desenvolvimento do vínculo entre mãe e filho, pois são nelas que se iniciam a troca dos
sentimentos, como o amor e carinho. Mesmo de forma inocente, a criança corresponde a esses
sentimentos por meio dos gestos com a mãe.
Com base nas leituras realizadas sobre as relações afetivas entre mãe e filho e com foco
em nosso estudo sobre mães de crianças com autismo, é importante falar sobre a criação dos
vínculos afetivos nessa situação. Tendo como referência a dificuldade da criança com autismo
de desenvolver laços afetivos, tornando isso característico, é comum que haja dificuldade na
criação de laços afetivos entre mães e filhos com autismo. Mesmo sendo estimulado pela mãe
ainda bebê, já é notório a falta de resposta a estímulos de carinho e interação da criança, tendo
em vista que em alguns casos a criança não olha no olho da mãe, não gosta de toque, do abraço,
isso dificulta a criação desses vínculos afetivos. Sobre essa ausência de conexão afetiva,
Hobson et al. (2006) abordam sobre as dificuldades no processo de identificação por parte das
crianças com TEA. Nesse sentido, a criança com autismo não sabe diferenciar ou identificar a
mãe e o pai, dificultando as relações afetivas.
Em seus estudos, o pesquisador Léo Kanner (1943) enfatizou bem a questão da falta do
contato afetivo. Ao observar onze crianças, Kanner (1943) concluiu que elas não interagiam e
apresentavam grande dificuldade de contato ocular, ou seja, as crianças não conseguiam olhar
olho no olho de seus pais ou cuidadores. Por muito tempo, o pesquisador abordou o autismo
como um “distúrbio do contato afetivo” e relacionou esse fato à patologia das “mães
geladeiras”. Nesse sentido, o autor considerava que a frieza das mães poderia ser a causa do
desenvolvimento do autismo. No entanto, essa teoria foi negada, pois, se realmente a causa do
espectro fosse ocasionada pela falta da relação afetiva entre mãe e filho, todas as demais
crianças geradas pela mesma mulher iriam desenvolver o autismo. Dessa forma, os estudos
ganharam novos direcionamentos.
Para Greenspan (2001), existem três problemas de cunho afetivo que caracterizam o
autismo, que são: “dificuldades em estabelecer proximidade com os pais, problemas em trocar
gestos emocionais de forma contínua, e os prejuízos em usar as palavras com a intenção
emocional”. O autor organiza uma ordem cronológica para os problemas serem observados
desde o nascimento da crianças. Greenspan (2001, p. 4) cita que:
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A criação de laços afetivos entre mãe e filho com autismo é um processo delicado e
requer paciência por parte do adulto envolvido na situação, pois deve considerar as dificuldades
da criança para se relacionar em seu meio. É importante que as mães desenvolvam situações
que estimulem a criação desses vínculos, tendo em vista a importância disso para a vida da
criança.
Ainda com foco na discussão sobre a mulher e a maternidade, voltamos a falar sobre a
constituição histórica e social sobre o ser mãe. Após essa transição do papel da mulher na
sociedade, pode-se notar que, atualmente, a maternidade tem novos significados. Cada uma
vive esse processo de maneira singular, desde o processo da descoberta da gestação até o
momento de dar à luz. Nesse sentido, com o intuito de chegar ao objetivo para esse tópico, foi
realizado questionamentos com duas mães sobre o “Ser mãe”. A questão foi elaborada da
seguinte forma: Para você o que é ser mãe?
A primeira participante identificada como Vitória 15 viveu a experiência de ser mãe de
seu filho primogênito, após uma sequência de quatro abortos espontâneos. Em seus relatos, ela
afirmou que sempre teve o desejo de ser mãe, pois logo cedo perdeu seus pais, e sempre quis
construir sua família. No entanto, Vitória narrou que o desejo da maternidade havia adormecido,
pois ela não conseguia finalizar as gestações, e, de certa forma, acabou se frustrando, pois via
todas as colegas ter filho e ela não. Após dois anos de sua última gestação, ela descobriu a
gravidez e ficou imensamente feliz com a esperança que agora daria certo.
Vitória narrou que durante a gestação ficou bastante doente, e que a todo tempo o risco
de perder o bebê era grande. Mesmo com as complicações, ela conseguiu dar à luz a um menino
frágil, e os médicos não lhe garantiam sobrevivência devido aos problemas de saúde pós-parto.
O desejo de ser mãe era algo presente na vida de Vitória. Para ela, ser mãe:
15 Nome fictício para a preservação da identidade da mãe-colaboradora. O nome foi escolhido pela própria
participante, que em sua história de vida se reconhece como uma mulher vitoriosa.
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É uma condição divina, que Deus me deu como mulher. Eu não imagino
minha vida sem meu filho. Ele é o motivo da minha luta diária, o motivo para
me levantar todos os dias para mim ir trabalhar, e quando eu penso em desistir
eu lembro dele. Ele é minha maior motivação. É impossível medir o quanto
para mim é bom ser mãe. Então ser mãe para mim é isso, uma condição divina,
dada por Deus a cada mulher, e é muito bom ser mãe (Narrativa de Vitória,
Baraúna/RN 2019).
Nas narrativas de Vitória, é possível interpretarmos o quanto a chegada do seu filho era
esperada, a maternidade era um sonho a ser realizado. Em sua narrativa, pode-se perceber a
relação da maternidade como algo divino, um presente de Deus na vida da mulher. Há também
um grande vínculo afetivo entre ela e seu filho, tornando-o o motivo maior de sua vida.
Diferente das relações históricas, as quais a mulher era obrigada a gerar o filho, Com Vitória
era algo que lhe faltava para constituir sua identidade como mulher. Não como uma obrigação,
mas como um presente em sua vida, algo inexplicável.
A mulher da atualidade tem um empoderamento sobre suas decisões, o que antes era
algo obrigatório, passou a ser de livre escolha. Diferente da mulher de antigamente, que tinha
como principal função, parir, atualmente, opta-se se quer ser ou não mãe, bem como planeja-se
e espera-se o tempo para isso. Entretanto, não podemos negar que ainda existe um poder muito
forte por traz da religião, envolvendo o papel da mulher e a necessidade de procriar. Quando,
por exemplo, em Timóteo 1, cita que a mulher será salva pela maternidade. Nesse sentido, a
maternidade liga-se ao poderoso Deus, aproximando-se da narrativa de nossa participante,
quando ela diz que ser mãe “é uma condição divina”.
É notório ainda a igreja ou religião como fator dominante nesse sentido, o que nos leva
a uma série de reflexões. Acredito que, se a mulher tem o livre arbítrio de escolha sobre ser ou
não ser mãe, quando o pastor ou padre prega uma palavra falando sobre a maternidade como
prática de salvação, é como se estivesse incentivando a mulher a ter filhos para garantir sua
redenção, assim transforma a livre escolha em contradição. Caracterizo a maternidade como
algo singular para a mulher. Cada uma tem suas crenças, culturas e valores que justificam suas
escolhas. Algumas sonham em ter filhos e já outras optam por não terem. Para essas questões
existe a subjetividade de cada sujeito, e cabe a sociedade respeitar a escolha de cada mulher.
A segunda participante identificada como Superação 16, mãe de três filhos, sendo dois
meninos e uma menina. Em relação a sua primeira gravidez, ela falou que foi algo bastante
16 Nome fictício para preservação da identidade da mãe participante. O nome foi de escolha da participante por
acreditar que em sua história de vida com seu filho ela se constituiu com muita superação.
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planejado e sonhava em ser mãe logo após seu casamento. No entanto, sua segunda gravidez
colocou-lhe em desespero por ser algo sem planejar, e o seu primogênito ainda era muito
pequeno, ela teve muito medo de não ter condições para criar, porém, no final, deu tudo certo.
Em seu segundo casamento, após oito anos de tentativas de uma terceira gravidez, sofrendo três
abortos espontâneos nesse período, fez um tratamento para engravidar do seu terceiro filho.
Segundo Superação, durante o processo de gestação, passou por alguns problemas de saúde,
tornando-se uma gravidez conturbada. Ela relatou que em seu sétimo mês de gestação caiu e
teve muito medo de perdê-lo, e entrou em desespero, pois era algo muito sonhado. Ao ser
questionada sobre o que é ser mãe? Ela respondeu:
Para mim ser mãe é tudo. É muito importante, é uma missão que Deus me deu.
É ser um suporte para alguém que eu sei que precisa totalmente de mim. É
estar ali pronta para ajudar na hora que eles precisarem, fazer o possível. Dar
a vida por eles, sou mãe de três filhos, e se precisar eu dou minha vida por
eles. Para mim ser mãe é tudo, é uma entrega total, é um amor incondicional.
(Narrativa de Superação, Baraúna/RN, 2019)
A fala de Superação remete a maternidade como uma missão divina. Algo que Deus
preparou para ela. A participante se vê como um suporte para seus três filhos para quando eles
precisarem de ajuda. Para ela, ser mãe é uma entrega total para cuidar, educar e proteger seus
filhos, chegando a entregar a própria vida para protegê-los. Em relação ao vínculo afetivo,
percebe-se que existe desde o planejamento do primeiro filho, bem como a superação do
desespero para cuidar da segunda filha, e a luta para conseguir gerar o seu terceiro filho após
dezessete anos de sua última gestação.
Nessas narrativas, é possível identificar a singularidade no “ser mãe” de cada mulher. O
sentimento materno desde a descoberta da gravidez, a insegurança de ver o filho bem e saudável
é algo comum em ambas as participantes, bem como a maternidade vinculada a uma missão
divina, sendo um presente de Deus na vida da mulher. A nova trajetória de se constituir mãe,
de ter uma criança pura e inocente a ser cuidada é algo marcante para o processo materno. As
expressões e emoções, durante as narrativas, permitem o olhar sensível sobre essas mães e as
histórias com seus filhos, refletindo sobre a mãe de antigamente, que via a maternidade como
uma obrigação e não existia um vínculo afetivo com seus filhos, e as mudanças da atual figura
materna, que não se imagina viver sem seu filho ou que daria a vida para defendê-lo.
No contexto social atual, a mulher mãe tem sua imagem centrada no ideal de amor,
doçura, de um ser cheio de carinho e generosidade pelo seu filho. Mesmo com as mudanças no
desempenho de seu papel na sociedade, muitas pessoas veem a maternidade como uma
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consequência natural, quase inquestionável como principal função da mulher. E fica aquele
questionamento: “Qual menina nunca sonhou em ser mãe?”. Parte-se do ponto que é natural a
criança brincar de mãe e filho com seus bonecos durante a infância. Ao seguir essa reflexão,
podemos relacionar com a narrativa da primeira mãe, quando afirma que sempre sonhou em ser
mãe e construir sua família.
Como pesquisador em (auto)formação, percebo que a sociedade atual julga ser uma boa
mãe aquela que se doa, capaz de entregar a própria vida no lugar do filho e de perder algumas
oportunidades em razão dos cuidados à criança. Será que realmente essa dedicação acontece de
forma natural na mulher? Ou ela se sente pressionada a ser uma boa mãe perante a sociedade?
Como podemos observar na fala de Superação, quando ela diz que “ser mãe é uma entrega
total” e se for preciso é “capaz de dar a vida por eles”, nesse sentido, encontramos essa doação
total da mulher no processo de criação de seus filhos.
Para Badinter (1985, p. 15), “a cultura não passa de um epifenômeno. Aos seus olhos, a
maternidade e o amor que a acompanha estariam inscritos desde toda a eternidade na natureza
feminina. Desse ponto de vista, uma mulher é feita para ser mãe, e mais, uma boa mãe”. Essa
constituição da maternidade e de ser uma boa mãe são resultados das práticas culturais que
enxergam por meio de suas lentes a mulher como uma figura meramente procriadora, bem como
para exercer essa função de forma totalmente dedicada ao seu filho.
A partir dessas discussões, lançamo-nos um novo questionamento: Essa doação total da
mãe acontece de forma natural ou a pressão social contribui para que a mulher torne-se uma
mãe totalmente dedicada? Dessa forma, senti a necessidade de encontrar essas mães
participantes da pesquisa, e direcionar-lhes esse questionamento. Segundo Vitória:
Na fala de Vitória, é possível perceber a constituição de ser uma boa mãe de forma
natural, como instinto materno que se constitui a partir do desejo de ser mãe. Vitória nota a
pressão social, que a julga por determinadas situações, no entanto, fica notório que ela não se
preocupa com esses julgamentos sociais, e ela se vê como uma boa mãe, que independente de
não ter o tempo suficiente para seu filho, constrói sua identidade como boa mãe, pois a
sociedade cria os padrões, mas ela rompe com esses conceitos e se reinventa nesse processo.
Superação, ao ser também ser questionada, afirma:
Eu acho que quase toda mulher tem o sonho de ser mãe, outras não. E quando
a mulher tem essa vontade de ser mãe, aquele instinto é natural, o desejo de
amar, de proteger, de educar e de cuidar, em fazer tudo, em dar a vida pelo
filho independente da sociedade. Existe casos de pessoas que se preocupa
muito com os filhos, mas ao mesmo tempo não cuida deles, mas ela não tem
aquele instinto de mãe, de tá ali presente. Eu acredito que independente dessa
pressão social, é algo do instinto mesmo, é natural da mulher, coisa que Deus
coloca na gente. (Narrativa de Superação, Baraúna/RN, 2019)
Nesse sentido, assim como Vitória, Superação acredita que ser uma boa mãe é algo
natural da mulher, porém, ela enfatiza esse natural, quando a maternidade é algo desejado, que
a mulher vive cada momento da gestação, a ansiedade em ver o bebê pela primeira vez, tudo de
forma livre, sem sofrer nenhuma pressão ou sem encarar a gravidez como algo obrigatório só
por ser mulher.
Percebe-se que as duas narradoras enfatizam muito bem a discussão sobre o instinto
materno como algo natural, que vem de Deus para a mulher. Entretanto, esse ponto parte ao
contrário da ideia de Badinter (1985) quando afirma que “o instinto materno é um mito”, que
esse amor materno é uma construção que acontece de acordo com a cultura, e de forma livre.
Para Badinter (1985, p. 367):
maneira única, tornando-se protagonista de sua própria história. Identificamos em ambas o filho
como o centro de suas vidas, e que a partir do nascimento, tudo girou em torno da criança, que
para elas são presentes divinos.
2.2 “Do luto à luta”: Narrativas sobre o processo de diagnóstico da criança com autismo
Para o diagnóstico do TEA, faz-se necessário avaliar o caso por uma equipe
multidisciplinar capacitada. Conforme é explicado por Petersen & Wainer (2011):
A não aceitação desse comportamento atípico em seus filhos, fica evidente nas
narrativas das mães-colaboradoras do nosso estudo. Vitória narra que:
Quando ele estava maiorzinho, eu comecei a perceber que todo mundo estava
indo, evoluindo e ele estava ficando, não estava progredindo. Aí senti muita
dificuldade, e comecei a me questionar sobre o que havia de errado com ele.
Até então o autismo não era conhecido, pelos menos aqui não se ouvia falar
no autismo. Mas comecei a notar que tinha alguma coisa de diferente nele. Ele
não se sentava, era todo molinho. Aí foi chegando o tempo em que era para
ele fazer o que as outras crianças faziam e ele nada. Foi bem frustrante, porque
as outras mães chegavam e dizia que a filha ou o filho já engatinha, já falava
algumas palavras e ele veio pronunciar uma palavra com quase dois anos
(Narrativa de Vitória, Baraúna/RN, 2019).
Desde a descoberta da gravidez, meu filho era muito esperado por todos. Ele
veio para fechar com chave de ouro, sonhávamos muito com esse momento,
pois minha filha já tinha dezessete anos e foi tudo novo. Só que com a
experiência que já tinha com dois filhos, e sempre fiz o acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento da criança, acompanhamento das vacinas.
Sempre fui, graças a Deus uma mãe bem cuidadosa com relação a essas coisas,
e tendo essa experiência. Quando foi a vez dele, de cara já percebi que era
diferente. Com dois anos ele não falava nenhuma palavra dele. Ele só repetia
o que a gente falava, repetia o que via na televisão. A gente chamava até ele
de papagaio. Eu não sabia nada sobre o autismo, aí a maneira dele brincar era
diferente, a forma de agir era diferente. Ele era totalmente diferente, eu jamais
imaginei que ele era uma criança autista (Narrativa de Superação,
Baraúna/RN, 2019).
Porém, a falta de informação sobre o autismo contribuiu para a não intervenção. Na narrativa,
podemos interpretar e conhecer as características da criança com autismo, como podemos ver
nos dois relatos, a questão da comunicação é muito forte, o que corrobora com as discussões de
autores, quando classificam a comunicação uma das três dimensões afetadas pelo transtorno.
Após esse processo de resistência, ao notar a diferença em seus filhos, inicia-se a busca
pela confirmação do diagnóstico da criança. Embora cheias do medo, o sentimento de desilusão
e ansiedade. O medo de buscar saber o que realmente acontece é perceptível até pelas
resistências, pois mostra que a família quer “vendar os olhos” e não encarar a realidade.
O processo de diagnóstico da criança com autismo é um momento doloroso para a
família, em especial à mãe, que tem todo o cuidado com o filho. Como podemos perceber nas
narrativas, as mães “vendam os olhos” ao perceberem o comportamento diferente do seu filho,
pelo medo ou a não aceitação. É comum o processo de diagnóstico só acontecer no momento
em que a criança chega à escola, pois no ambiente escolar existe um olhar sensível por parte
dos profissionais. Diagnosticar a criança com o Transtorno do Espectro Autista significa para
os pais, a entrada violenta em um mundo angustiante. Um mundo que depende da suposição de
que a criança ignora os sentimentos de seus pais, que não entendem como a criança interage
com o mundo e que sofre de uma doença incurável. Sobre o processo de diagnóstico Vitória
narra:
Eu coloquei ele na escolinha com dois anos e meio, aí ele adoeceu, desse
processo que ele teve diarreia, muita febre com convulsões. Durante o período
em que ele estava na escola já havia evoluído bastante, só que depois dessas
convulsões ele retraiu, não conseguia mais fazer o que fazia antes, como
pintar, cobrir. Aí me faltou a paciência porque todo dia recebia recado da
professora pedindo para ir à escola, porque ele estava diferente. Aí decidi tirar
ele da escola e coloquei em outra. Quando coloquei ele nessa outra escola, a
dona veio conversar comigo pedindo para mim procurar ajuda para ele, porque
ele não acompanhava as outras crianças e isso não era normal. Aí passei muito
tempo para procurar, porque na realidade a gente não quer aceitar. E também
a forma como as pessoas chega para a gente e usa até palavras que não é para
usar, como dizer que meu filho tinha alguma doença. E isso nenhuma mãe
gosta de ouvir, porque sempre queremos nosso filho seja normal igual as
outras. Aí ele passou o ano todinho nessa escola e eu não fui buscar ajuda. No
ano seguinte tirei ele e coloquei na escola pública, e com três dias que ele
estava na escola a professora pediu para que se eu pudesse pagar um colégio
para ele, porque ela não tinha condições de acompanhar ele, porque a sala
tinha muitos alunos, não tinha uma professora auxiliar, e os meninos batiam
nele, pois ele era bem reprimido no seu canto. Fiquei sem ter o que fazer. Aí
ele passou três meses nessa escola e depois coloquei na escola particular. Só
que ele não evoluiu nada, é tanto que passou três anos repetindo de série. Ai
nessa escola a equipe pedagógica começou a pegar no meu pé. Aí foi quando
procurei o posto de saúde e pedi um encaminhamento para ele. Procurei o
Capes e na primeira consulta com o psiquiatra ele já deu quase o diagnostico
88
fechado. Mandou fazer os testes psicológicos, mais já disse que ele tinha
autismo. Passei quase um ano fazendo os exames. Sei que o diagnostico
fechado em recebi em 2017. Na primeira consulta eu já tomei um grande
baque, o médico dizendo que era difícil porém tinha que buscar ajuda pois
quanto mais cedo melhor. Mas ouvir aquelas palavras parece que o mundo
abre um buraco e você vai caindo dentro. Vem muitas interrogações. Eu ficava
me perguntando meu Deus porque comigo? E como e iria proteger ele do
mundo. Porque no início tudo que ele ia fazer eu tinha que estar perto, mas
receber o diagnostico não foi fácil. Quando recebi o laudo final eu chorava
desesperadamente, fiquei em quase depressão (Narrativa de Vitória,
Baraúna/RN, 2019).
17 Nome fictício ao se referir sobre a criança com Autismo para garantir a preservação de sua identidade.
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impede a compreensão das mensagens recebidas; fase de negação, muitas vezes, o diagnóstico
é ignorado ou questionado aos profissionais, pondo em risco o equilíbrio psíquico dos pais; fase
da reação, dispondo-se da irritação e do sofrimento que está se passando; da culpa, busca-se
quais os eventuais erros cometidos; da depressão profunda, tristeza e desesperança; e, por fim,
a fase da adaptação, tal essa, totalmente particular. Isto posto, é de suma relevância abordar que
nem todas as fases são superadas pelas famílias (MITCHELL; HOLDT, 2014).
No momento em que a família, em especial a mãe, que acompanha todo esse processo,
recebe a notícia de que a criança tem o transtorno, ela sofre um impacto desestruturado em suas
bases emocionais, como se houvesse a morte de sonhos e expectativas iniciados desde o
momento da gravidez. Morre a imagem da criança perfeita. A mãe se vê frente a um turbilhão
de sentimentos que desafia sua compreensão e aceitação da realidade e das incertezas do futuro
em face às limitações, às adaptações e à dedicação intensa a esse filho que necessita de cuidados
muitos especiais. Nesse momento, acontece a elaboração do luto. O sentido de perda ligada ao
processo de diagnóstico é justamente a perca da criança que foi idealizada pelos pais. O sonho
de ver o filho correr na rua junto com os amigos diminui, pois, a criança com autismo apresenta
dificuldades no processo de interação social. É realmente uma situação inesperada, planeja-se
algo e, de repente, encontra-se diante de um novo dilema.
Freud (1990) traz em suas discussões que “ao nascer uma criança com déficit orgânico
ou este se fazer precocemente presente, o olhar dos pais se desloca da criança para sua
deficiência ou sua má formação, que se torna uma metonímia da totalidade do seu ser”. Esse
desvio do olhar atrapalha o desenvolvimento da criança, pois os pais não procuram a ajuda dos
profissionais responsáveis, e impedem a criança de viver o pleno desenvolvimento. Sobre a
elaboração do luto Vitoria diz:
Não foi nada fácil. Inicialmente até pensei que estava tudo bem. Mais depois
que eu caí na real, chorei muito, o sentimento de que não ia dar conta, passei
por toda fase do luto. Fiquei de vinte a trinta dias em uma depressão profunda.
Foi terrível, o pai dele não aceitava, dizia que era falta de peia18, foi um
momento horrível mesmo (Narrativa de Superação, Baraúna/RN, 2019).
Após o diagnóstico ele também ficou meio depressivo. Ele não queria ir a aula
regular, porque ele dizia que os amigos iam ficar rindo dele, pois ele não sabia
de nada, não sabia ler. Ficou com baixa estima dizendo que era feio. Às vezes
eu procurava ele, e o encontrava no banheiro chorando. E tudo isso
acontecendo com ele, uma criança de apenas nove anos, e sempre ele dizia
que queria morrer. Ai você olhar e vê seu filho dizendo que quer morrer é
muito difícil. Foi quando eu caí e si, e reconheci que precisava ir à luta e tinha
que procurar ajudar para ele, e para mim também. Aí comecei a procurar o
atendimento para ele, acordava bem cedo e ia atrás de tudo que pudesse ajudar
ao meu filho (Narrativa de Vitória, Baraúna/RN, 2019).
O momento de romper o luto é fundamental para a iniciação da luta pelos direitos, bem
como pelo total desenvolvimento da criança com autismo. Ver uma criança em fase de
depressão foi o ponto crucial para Vitória enxergar que precisava ajudar seu filho. Embora ela
também estivesse vivenciando um momento de dor e angústia, percebeu que sua ajuda naquele
momento era a forma de lutar pelo seu filho. Sobre esse momento de rompimento ao luto e a
entrada na luta para ajudar a seu filho, Superação narra:
Quando eu vi ele sendo descriminado dentro da própria casa, pelo pai, pelos
primos. E sempre que saia de casa, tinha aquela coisa de passar vergonha pelo
comportamento dele nos locais. Aí fui me conscientizando que aquilo era
característico do transtorno e que eu tinha como ajudar ao meu filho.
Matriculei ele na APAE em Russas/CE, ele tinha a ajuda de vários
profissionais. Procurei outras profissionais, e foi quando após três meses de
acompanhamento a médica disse que além do autismo ele tem TDAH. Sempre
corri atrás de tudo que estava disponível na saúde pública, não tinha condições
de pagar (Narrativa de Superação, Baraúna/RN, 2019).
Entretanto, é visível que as crianças precisam da ajuda de suas mães para que possam
vivenciar experiências próximas aos seus pares. A busca por profissionais é essencial para o
desenvolvimento da criança, com foco na busca pelo bem-estar e o convívio social. É nesse
momento que a mãe precisa encarar a situação de cabeça erguida, rompendo o luto e iniciando
a luta pela inclusão da criança.
A mãe tem um papel fundamental na vida dos filhos, e quando falamos em educação,
sua atuação nesse processo é primordial para que as crianças frequentem e tenha acesso à escola.
No entanto, esse papel não pode ser atribuído somente a mãe, mas se falarmos historicamente,
iremos perceber que a mãe sempre teve destaque nesse sentido.
Desde os primórdios, escutamos muito sobre a responsabilidade da mãe no processo de
educação dos filhos. Isso acontece devido ao papel que foi designado à mulher de ficar em casa
e cuidar das crianças, enquanto o pai trabalha em busca do sustento. A mãe ganha destaque
nesse processo, pois é ela que deixa na escola, participa de reuniões escolares e tem outras
atribuições dentro da vida escolar de seus filhos.
Mesmo com toda essa modernidade, a mulher conseguiu ganhar espaço no mercado de
trabalho. É notória nas escolas a grande participação da figura materna. Nesse processo de
educação e inclusão das crianças com autismo, o que percebemos ainda é a responsabilização
da mãe, muitas deixam até de trabalhar para cuidar das crianças.
Nesse sentido, a mulher ocupa um lugar de grande importância através do papel da
maternidade, a qual se torna sua identidade principal. “A mulher é colocada como um elemento
agregador indispensável, sem o qual a unidade familiar não sobrevive” (FAVARO, 2007). O
homem, por sua vez, neste contexto, sempre encontrou dificuldade para separar sua
individualidade das funções de pai, manteve-se protegido no silêncio comprometedor de toda a
possibilidade de diálogo com a família, especialmente com os filhos (GOMES & RESENDE,
2004).
Historicamente, o papel da maternidade sempre foi construído como o ideal máximo da
mulher, caminho da realização feminina, associado a renúncias e sacrifícios prazerosos. No
final do século XVIII, e principalmente no século XIX, a mulher aceitou o papel da boa mãe,
dedicada em tempo integral, responsável pelo espaço privado, privilégio representado pela
93
família. A mulher foi biologicamente pré-determinada a gestar e foi criada, desde os tempos
primitivos, para cuidar da cria.
As exigências sob às mulheres são maiores do que aos homens, pois têm que se dedicar
à criação e educação dos filhos e, simultaneamente, devem cumprir fora de casa os horários
exigidos pelo emprego, igualmente aos homens. Qualquer falha ao tentar conciliar todas essas
tarefas acaba gerando uma culpa na mulher frente ao marido e aos filhos. Reprovando-se a si
mesma por não ter rendido como deveria, gerando sentimento de incompetência e culpa.
Mesmo estando inseridas no mercado de trabalho, as mulheres não estão livres da carga de gerar
filho e construir uma família, ficando a profissão, muitas vezes, em segundo plano.
Algumas mulheres, frente ao medo desse fracasso, optam pelo afastamento profissional
após o nascimento de um filho, porém, o acelerado desenvolvimento tecnológico- econômico
exige constante atualização profissional, tornando esse afastamento prolongado e a retomada
ao mercado mais difícil. Contudo, apesar dos custos físicos e emocionais, as mulheres não
querem abrir mão do que consideram uma conquista: a carreira.
Com foco em nossa pesquisa, temos o objetivo de apresentar narrativas sobre a
responsabilização posta a mãe no processo de educação do filho com TEA, pois, em
determinadas situações, o pai é quase invisível nesse processo, partindo da necessidade de sair
em busca pelo sustento materno. Refletir sobre a responsabilização da mãe, leva-nos a pensar
sobre a contradição no conceito da mãe contemporânea: a mulher ganha espaço no âmbito
profissional, porém necessita desdobrar-se em duas para cumprir o papel de boa mãe e boa
profissional. A partir dessa reflexão, surge em mim um novo questionamento: Por que é
responsabilidade da mulher de frequentar as reuniões escolares?
Ao passar pelo processo de diagnóstico, a vida da mãe de uma criança com TEA muda
completamente. A rotina da mãe e do filho autista são iguais, sendo na maioria dos casos,
restrita a ida à escola, bem como as idas aos profissionais responsáveis pelo desenvolvimento
da criança. A dedicação da mãe ao filho com autismo é em tempo integral, restando a ela pouco
tempo para os autocuidados, pois outros horários são ocupados com os cuidados da casa. Muitas
sentem que vivem a vida do filho, e não a própria vida.
As rotinas das mães são definidas pelas necessidades e demandas de cuidado com o
filho com TEA. Schmidt e Bosa (2007) relatam existir uma expectativa por parte da sociedade
de que, mais que os pais, as mães assumam para si as responsabilidades dos cuidados com a
criança. Além disso, existe o sentimento de desamparo das mães em relação aos maridos ou
pais, demonstrando o anseio de que eles assumam uma responsabilidade conjugada pelos
94
cuidados com o filho. Sobre esse carga de responsabilização no processo de educação do filho,
Vitória narra:
Eu procuro sempre ensinar a moral, os bons costumes, não é porque ele tem
autismo que eu vou querer facilitar a vida dele. Eu sempre ensino o certo e o
errado, e ele é uma criança muito obediente. Quando não estou em casa, e ele
precisa fazer alguma coisa, ele sempre me liga pedindo autorização. Crio ele
sozinha, sou separada do pai dele a sete anos, e a responsabilidade é toda
minha, é tanto que a parte que cabe ao pai dele é mínima, pois ele não dar
atenção aos conselhos do pai. Na festinha do dia dos pais, quando vem a
lembrancinha, ele entrega a mim, porque ele diz que sou o pai e mãe dele ao
mesmo tempo. Sobre a responsabilidade na escola, eu procuro ser sempre
presente, pois os estudos é tudo na vida da gente. Agora estou sem tempo de
ir mais na escola, porém sempre mantenho o diálogo com a professora por
meio das redes sociais. Eu procuro contribuir sempre com esse processo de
escolarização dele (Narrativa de Vitória, Baraúna/RN, 2019).
Pode-se observar nas narrativas das mães a ausência de menção aos pais, ou seja, pouco
falaram sobre eles. Superação que vive com o marido, mostra-nos que este quase nunca é
presente, porque, sendo o principal provedor de renda da família, gasta grande parte de seu
tempo com o trabalho, mas, no período em que está em casa, tenta ser presente na vida do filho.
Em relação à sobrecarga, é visível em ambos os relatos. A correria do dia a dia obriga Vitória
a trabalhar para o sustento da casa, tendo em vista que ela mora sozinha com o filho.
Na narrativa de Superação, há uma situação comum que acontece com as mães de
crianças com autismo, quando a mulher tem a necessidade de deixar sua rotina passada, como
por exemplos, mães que seguem uma profissão, e têm que abdicar da profissão para dedicar-se
ao filho, tendo em vista que a criança com autismo requer dedicação especial.
Sabe-se que é difícil, muitas vezes, devido ao número de alunos que superlotam as turmas, mas
é importante compreender o outro com sua diferença e oferecer um ensino adequado, pois se
entende que todo ser humano, independentemente de sua deficiência, é possuidor de
capacidades e de limitações.
A presença dos alunos com deficiência na sala de aula regular não acontece de forma
rápida. Essa inclusão tem que ser feita com muito estudo, trabalho e dedicação de todas as
pessoas envolvidas no processo: aluno com deficiência, aluno sem deficiência, família,
professores e comunidade escolar. É de suma importância termos consciência que a educação
inclusiva não se faz apenas por decretos ou diretrizes. Ela é construída na escola por todos, na
articulação de várias lógicas e interesses. Por ser uma construção coletiva, requer mobilização,
discussão e ação de toda a comunidade escolar.
De acordo com Moreira (2016, p. 33), “a educação inclusiva como diretriz para a
transformação na estrutura da escola foi implantada pelo Ministério da Educação como política
pública” e conseguiu sua expansão por meio do Programa Educação Inclusiva. Mantoan (1998,
p. 3) propõe:
[...] uma verdadeira transformação da escola, de tal modo que o aluno tenha a
oportunidade de aprender, mas na condição de que sejam respeitados as suas
peculiaridades, necessidades e interesses, a sua autonomia intelectual, o ritmo
e suas condições de assimilação dos conteúdos curriculares.
Ao adentramos nas entrelinhas das leituras sobre a Educação Inclusiva, percebemos que
a verdadeira transformação da escola acontecerá quando realmente criarmos condições para que
todos os alunos possam atuar efetivamente nos espaços educativos. Os alunos com deficiência
têm seus direitos respeitados quando: frequentam uma escola regular; recebem informações
iguais às recebidas pelos demais colegas, mesmo que tenham um tratamento ou atendimento
diferenciado; e possuem condições propícias para construir uma posição subjetiva de alteridade.
Carvalho (2004, p. 115) aponta algumas das funções de uma escola que busca se enquadrar
nessa perspectiva da educação inclusiva, como:
Segundo Carvalho (2004), “as citações são apenas algumas considerações para
educadores, que possuem vontade de contribuir como profissional consciente na aprendizagem
de todos os alunos, como cidadãos, plenos de direitos e deveres”. Assim, é possível entender
que não é preciso apenas se discutir a Educação Inclusiva nos ambientes educacionais, é
necessário contrapartida dos profissionais, com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento
de alunos com deficiência. O professor deve ter a força de vontade e ir à busca de formações e
aperfeiçoamentos para saber lidar com esse público.
A escola, por sua vez, para promover a inclusão, deve eliminar barreiras que vão além
das arquitetônicas, mas, principalmente, as atitudinais. São necessárias algumas adaptações de
grande e pequeno portes, tais como a adaptação curricular e do sistema de avaliação da
aprendizagem, a mudança de materiais e equipamentos, o desenvolvimento dos recursos
humanos e a preparação dos alunos e pais de alunos que receberão o aluno com deficiência.
Com foco em nosso objeto de estudo sobre a criança com autismo e sua inclusão no
ambiente escolar, discutimos a entrada desses alunos nas instituições de ensino, os impactos e
os avanços durante esse processo de inclusão. A chegada da criança com autismo na escola
regular gera grande preocupação na família e na escola. Nesse momento, a família e os
profissionais da educação questionam-se sobre a inclusão dessas crianças, pois a escola
necessita de adequações. Para as autoras Brande e Zanfelice (2012, p. 44), “receber alunos com
deficiência, mais especificamente com transtornos invasivos do desenvolvimento, é um desafio
que as escolas enfrentam diariamente, pois pressupõe utilizar de adequações ambientais,
curriculares e metodológicas”. Entretanto, isso não é tarefa fácil, pois segundo Scardua (2008,
p. 2), para que haja inclusão escolar, “é necessário comprometimento por parte de todos os
envolvidos, ou seja, alunos, professores, pais, comunidade, diretor, enfim, todos que participem
da vida escolar direta ou indiretamente”.
99
Quando a criança chega à escola, os professores devem ter em mente que além de
conteúdos escolares a serem aprendidos pela criança, é necessário que ela se torne
independente, capaz de desenvolver atividades do dia a dia de forma independente, pois, muitas
vezes, os pais realizam tarefas que as crianças poderiam realizar sozinhas. Para que o educador
consiga fazer essa relação sobre o quê e como ensinar o aluno com autismo, é necessário
formação adequada, caso contrário, a metodologia utilizada em sala não servirá para alcançar
o objetivo desejado, que é a aprendizagem. Esse é um grande problema encontrado nas escolas,
pois os professores não estão preparados para lidar com essas crianças, devido à falta de
formação específica.
O professor deve ter consciência que para a concretização da aprendizagem significativa
da criança autista, é importante a mudança de crenças e atitudes, pois toda criança é capaz de
aprender, basta um olhar reflexivo para quais habilidades esta possui, assim é possível focar em
suas aptidões. Além disso, é importante que a criança autista interaja com outras crianças, pois,
de acordo com Camargo e Bosa (2009, p. 67), “para ultrapassar os déficits sociais dessas
crianças, é preciso possibilitar o alargamento progressivo das experiências socializadoras,
permitindo o desenvolvimento de novos conhecimentos e comportamentos”. As autoras ainda
enfatizam que proporcionar às crianças com autismo a convivência com outras da mesma faixa
etária possibilita o estímulo das suas capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo.
O convívio de uma criança autista no ensino regular irá favorecer o seu desenvolvimento
e de seus pares. Incluir a criança com autismo vai além de colocá-la em uma escola comum ou
em uma sala regular. É preciso proporcionar a essa criança aprendizagens significativas,
investindo em suas potencialidades, constituindo-a como um ser que aprende, pensa, sente,
participa de um grupo social e se desenvolve com ele e a partir dele, com toda sua singularidade.
O processo de inclusão escolar consciente e responsável não acontece somente no
âmbito escolar. Nessa perspectiva, a família da criança com autismo tem um papel decisivo no
sucesso da inclusão, pois a família, em especial a mãe, conhece melhor a criança, e pode
contribuir com todo os avanços no processo de inclusão escolar e de desenvolvimento.
A inclusão escolar da criança com TEA pode trazer alterações no seio familiar, devido
à inserção da criança em um grupo social, oportunizando a convivência com outras crianças.
Os pais passam a conviver com outros pais nesse novo universo, e potencializam as
possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem sistemática de seus filhos. Os prognósticos
quanto ao futuro do filho autista podem ficar menos obscuros e a ideia que o filho nada pode
realizar pode ser substituída por esperanças conscientes e investimentos no desenvolvimento
100
da criança. A escola é o único espaço social que divide com a família a responsabilidade de
educar e que, de certa forma, trabalha a coletividade.
O meu interesse em abordar a temática sobre a Educação Inclusiva, justifica-se pela
necessidade de continuar as discussões por mim iniciadas no ano de 2014, na disciplina de
Educação Especial e Inclusão, ofertada no Curso de Licenciatura em Pedagogia da UERN. A
experiência possibilitou um novo olhar em relação às pessoas com deficiência. Hoje, encontro
nessas pessoas suas particularidades e capacidades para ir além, cada uma em seu tempo, de
sua maneira, mas todos com uma grande propensão.
A supracitada disciplina oportunizou uma reflexão e, também, a produção de
conhecimentos sobre a Educação Especial e as Práticas Inclusivas, além de possibilitar a minha
compreensão do contexto atual. Conhecer o processo histórico da inclusão escolar das pessoas
com deficiência mostrou-me que, mesmo de forma lenta e gradativa, a sociedade vem se
modificando para incluir todos os alunos com essas condições nas escolas regulares, ampliando
a inserção social.
A paixão pela Educação Inclusiva surgiu a partir do momento em que eu, como aluno
do Curso de Licenciatura em Pedagogia, enxerguei-me como futuro profissional contribuinte
no processo de inclusão de uma criança com necessidades especiais, e consciente do papel que
o pedagogo tem no desenvolvimento das práticas inclusivas no contexto escolar. Para tanto, o
profissional pedagogo precisa ter conhecimento amplo, teórico e sistemático dos aspectos a
partir da visão inclusiva, para que assim, a escola torne-se um ambiente de efetiva inclusão.
Busquei aprofundar-me na área da Educação Inclusiva através de leituras para
embasamento teórico e da luta para que a cada dia esse movimento ganhe força, tornando-nos
uma sociedade inclusiva. Para, deste modo, ajudar as crianças com necessidade especiais a
terem seus direitos assegurados, oportunizando o acesso a uma educação de qualidade. Essa
pesquisa é também resultado de uma série de discussões iniciadas durante a minha graduação
em Pedagogia. Nesse contexto, a proposta deste estudo busca os registros das narrativas das
mães sobre as barreiras encontradas no processo de inclusão de seus filhos diagnosticados com
o TEA.
As mães, através do olhar sensível e do sonho de verem seus filhos com autismo serem
incluídos dentro das salas de aulas regulares, com as mesmas oportunidades e direitos que os
demais, travam lutas constantes para romperem as barreiras encontradas ao longo dessa
caminhada. Sobre essas dificuldades, Vitória narra:
101
Vitória considera-se uma militante na luta pela inclusão escolar de seu filho, pois sempre
buscou a efetivação dos direitos de seu filho. Apesar de trabalhar e passar muito tempo fora de
casa, ela afirma que, quando aparece qualquer problema relacionado à educação do seu filho e
ao seu processo de inclusão, vai atrás para saber o que aconteceu. Na narrativa de Vitória,
podemos observar que a falta de formação continuada dos professores é uma barreira no
processo de inclusão. Para Martins (2012, p. 34):
Nesse sentido, ao narrar que “existem professores que não buscam se especializar”, a
mãe enfatiza o quanto essa formação continuada é importante para que o professor possa
trabalhar de forma correta com a criança com autismo. Com essa falta de preparação, o
professor sofre dificuldades no processo de inclusão escolar, pois não consegue desenvolver
práticas inclusivas em sua sala de aula. Dessa forma, Carvalho (2005, p. 5) afirma que:
O maior desafio está nas salas de aula onde o processo ensino aprendizagem
ocorre de forma sistemática e programada. A grande questão parece ser: como
planejar e desenvolver práticas pedagógicas verdadeiramente inclusivas, de
modo a atender a todos e a cada um, valorizando o trabalho na diversidade,
entendida como um recurso e não como um obstáculo? O que nos falta para
desenvolver práticas pedagógicas com direção inclusiva?
Esses são questionamentos que o professor despreparado irá sofrer diante da falta de
formação adequada para trabalhar com crianças com autismo. A mãe enfatiza também o poder
102
público como sendo uma barreira que impede o processo de inclusão escolar, pois, segundo
Vitória, deveria existir mais investimento governamental para uma verdadeira efetivação da
inclusão. Superação narra esse processo de inclusão e as barreiras ao longo do caminho, a
seguir:
No início houve uma barreira por parte da direção da escola que havia
matriculado ele. A diretora dizia que ele era muito mimado, só que eu mostrei
a ela que não era, pois nunca fazias as coisas para cumprir com as vontades
dele, sempre impus limite. Eu estudei e sei que não é porque ele tem autismo
que vou fazer tudo que ele quer. Eu sempre soube que ele tinha que se inserir
no meio social, mais teve barreira em relação a descriminação, ele sofria
bullying, ele não gosta de barulho e os meninos da sala ficavam atormentando
ele com bastante barulho. Uma barreira também é a falta de apoio das
autoridades públicas, recentemente realizamos uma caminhada pelo autismo,
reuniões com o intuito de conseguir melhorias no atendimento tanto na escola,
como na área da saúde, mais não passou de velhas promessas. Atualmente a
professora dele é maravilhosa, mas infelizmente teve algumas professoras no
início que eu não gostei muito. Teve umas que chegou a dizer que o autismo
era uma invenção, e que meu filho era só mimado, outras que em sua pratica
descriminaram, e assim, mexa comigo, mas não mexa com meu filho, eu sou
uma mãe leoa, e a partir dessas situações que ainda hoje existe essa barreira
com essas professora que fizeram isso (Narrativa de Superação, Baraúna/RN,
2019).
A música reflete sobre o quanto a mãe é importante na vida do filho, pois é uma
guerreira, lutando de forma incansável para ver seu filho crescer em uma vida digna. É a mulher
que trabalha, estuda e ainda tem tempo para cuidar de sua cria. Além de assumir a missão
especial de educar, cuidar e caminhar lado a lado, mesmo em meios aos espinhos, mostrando-
se ser forte para ajudar ao filho no momento de precisão.
A mãe da criança com autismo tem um longo caminho a ser percorrido. Para algumas,
a caminhada é harmoniosa e cheia dos encantos. Para outras, a caminhada torna-se mais pesada,
com barreiras que precisam ser superadas. Todas elas são figuras fundamentais para o
rompimento dos empecilhos no processo de inclusão e desenvolvimento da criança com
autismo, pois o “ser mãe” destaca-se no caminho de luta e superação.
Com o objetivo de evidenciar de que modo as mães superam os desafios encontrados no
processo de inclusão educacional de filhos autistas, neste terceiro capítulo, iremos apresentar
narrativas do cotidiano de mães de crianças com autismo, evidenciando as táticas utilizadas na
superação de barreiras encontradas ao longo desse processo. Iremos expor, por meio das
narrativas (auto)biográficas, o olhar materno sobre a legislação, o que elas conhecem sobre os
direitos de seus filhos e as leis que amparam o direito à inclusão escolar de crianças
diagnosticadas com autismo. . Para isso adentraremos em discussões com a Lei 13.146/15-
Lei Brasileira de Inclusão e a Lei 12.764/12-Lei Berenice Piana, que trata sobre a proteção
dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista-TEA, com foco nos artigos
referentes a educação, buscando conhecer o que essas mães sabem sobre a legislação, bem
como se fizeram uso em algumas situações do cotidiano escolar.
Apresentaremos discussões sobre a relação entre mãe e escola na luta pela inclusão, a
importância da parceria harmônica entre ambas. As mães de crianças com autismo encontram
diante de si um longo caminho de obstáculos na educação de seus filhos, e a participação ativa
neste processo é o que determinará o avanço educacional dessas crianças. Nesse tópico
apresentaremos narrativas sobre a relação mãe e escola, trazendo as vozes maternas de como
se sentem dentro desse processo, reconhecendo a importância de se manter uma boa relação
105
Como mencionado no capítulo anterior, pelas mães participantes da pesquisa 19, são
inúmeras as dificuldades de inclusão das crianças com autismo no espaço escolar, como a falta
de preparação dos profissionais da instituição e o desafio do professor de reconhecer a criança
com autismo como um ser de potencialidade para, assim, buscar formas para contribuir com o
processo de desenvolvimento dessas crianças.
A criança com autismo, por apresentar características particulares em razão do espectro,
requer uma adaptação desde a preparação do currículo, as práticas pedagógicas dos professores,
bem como ações pontuais e rotinas que venham favorecer o comportamento positivo do aluno.
Ao analisarmos a escola como espaço de relações sociais e fortalecimento das habilidades
comportamentais, percebemos que ela tem papel fundamental no auxílio aos estudantes com
autismo e aos seus familiares, pois sabemos que os seres humanos, por natureza, vivem em
grupo, relacionam-se com diferentes pessoas e, por meio dessa socialização, são passadas as
regras da sociedade e, assim, são aprendidas as maneiras adequadas de comunicação,
aprendizagem, desenvolvimento e convivência. A escola, nesse sentido, é primordial para que
a criança com autismo possa romper alguns de seus limites, e se desenvolva de maneira comum
com os demais pares de sua faixa etária.
Segundo Mello (2004), para que a criança com autismo seja inclusa na escola com
sucesso é preciso considerar três pontos ao longo do processo:
Ao refletirmos sobre esses pontos, podemos entender que a escola, ao incluir uma
criança com autismo, deve organizar um ambiente colaborativo entre os profissionais para
19Vitória e Superação, mães de crianças com autismo, militantes que vivem a experiência de lutar por uma
educação inclusiva. Foram escolhidas para participar desta pesquisa, por possuírem uma história de vida de luta e
participação ativa no processo de inclusão escolar de seus filhos.
107
Nos termos do autor, fica evidente o quanto o professor precisa atentar-se para as
habilidades de cada sujeito inserido em sala de aula. A criança com autismo apresenta um ritmo
de aprendizagem diferente das crianças típicas, porém o educador deve buscar formas
diferenciadas que permitam ao aluno com TEA chegar ao mesmo resultado dos demais. É
preciso trabalhar as potencialidades do sujeito, evidenciando os pontos negativos que precisem
de uma atenção maior.
Para desenvolver um trabalho positivo com os alunos com TEA, é preciso que haja a
parceria entre todos os envolvidos, como professores regulares, professores do Atendimento
Educacional Especializado (AEE), pais, profissionais da saúde, da Assistência Social e outros
profissionais da educação, proporcionando um acompanhamento preciso e criterioso para a
obtenção do pleno desenvolvimento do aluno, pois quanto maior for o comprometimento da
equipe, mais desenvolvidas estarão suas habilidades adaptativas e de reforço positivo.
Outro desafio citado pelas mães é sobre as ações da Secretária Municipal de Educação.
Segundo relato de Vitória, mãe participante do estudo, falta investimento, por parte desse órgão,
no processo de formação continuada dos professores na área de Educação Especial. Com isso,
os docentes não têm o preparo necessário para atuar de forma eficaz na inclusão e no
desenvolvimento da criança.
Em um de seus relatos, Vitória abordou uma situação no tópico anterior sobre as
barreiras encontradas no processo de inclusão. Vitória narrou que uma professora pediu-a para
matricular seu filho em uma escola da rede particular, pois não tinha como a docente dar suporte
necessário à criança. A falta de conhecimento e a sala superlotada foram apontados pela
professora como fatores negativos que iriam prejudicar a criança naquele momento. Nessa fala,
podemos perceber que a professora não tinha conhecimento sobre a educação especial,
108
evidenciando em sua atitude a falta de preparo e de leitura sobre o direito da criança com
autismo.
Mesmo diante dos desafios do processo de inclusão, as mães não desistem de verem
seus filhos inclusos no ambiente escolar, com direito à permanência e à educação de qualidade.
Com isso, as mães buscam formas para reduzir as barreiras encontradas, aqui nomeadas de
táticas. A construção de táticas remete-nos a ideia de métodos que foram criados para atingir
um objetivo, para se alcançar algo desejado. No nosso estudo, os métodos criados pelas mães
para romperem as barreiras encontradas no percurso de inclusão educacional de seus filhos com
autismo. Dialogamos com a ideia de tática trabalhada pelo autor Michel de Certeau (1998)
quando ele afirma que “a tática é baseada no improviso”, e que a pessoa tática, no caso as mães,
não encaram as estratégias de frente. Em nosso estudo, a ideia de estratégia estará ligada às leis
e às instituições responsáveis pela inclusão de crianças diagnosticadas com o autismo. As mães
não criam embates com as escolas e as políticas de defesa, mas tentam preencher as lacunas e
se unem a esses grupos estratégicos para conseguirem ver seus filhos inclusos na escola.
Quadro 1: Narrativas maternas sobre as táticas para superação de barreiras no processo de inclusão escolar de
crianças com autismo
NARRATIVAS DAS MÃES SOBRE AS PORQUE CONSIDERAMOS TÁTICAS
TÁTICAS PARA SUPERAÇÃO DE
BARREIRAS
A tática utilizada para superação das Com narrativa mais sucinta, Superação
barreiras é muito amor, muita paciência e pontua algumas situações que ela considera
muita dedicação. Está sempre tentando como tática. Mostra em sua fala uma história
conhecer mais sobre o autismo, porque de luta e pertinência pela inclusão de seu
quanto mais a gente entende, a gente filho.
consegue lidar melhor com as diversas
A participante inicia sua fala pontuando três
situações. Na escola a tática utilizada é
táticas que, durante a sessão de narrativa,
sempre manter o diálogo com a professora,
ficaram evidentes que são fundamentais para
procurar saber como anda o
a superação de barreiras:
desenvolvimento do meu filho, como é o
comportamento esse tipo de coisa. Sobre as - Tática do amor, paciência e dedicação,
barreiras impostas pelo poder público, por relacionado ao amor a seu filho, ao zelo por
diversas vezes, não só eu, mas outras mães sua criação; a paciência de lutar pelos
criamos táticas para alcançar alguns direitos da criança; e a dedicação ao longo
objetivos, temos um grupo no WhatsApp por desse processo.
nome de “anjo mãe” e sempre nos reunimos
- Tática de conhecimento: buscar conhecer e
para lutar pelos direitos de nosso filhos,
compreender o autismo para contribuir de
participante de fóruns buscando conhecer e
maneira positiva com o desenvolvimento do
ao mesmo tempo mostrar as autoridades da
seu filho.
nossa cidade os direitos da criança com
autismo. (Narrativa de Superação, -Tática dialógica: conversar com a
Baraúna/RN, 2019) professora, procurar compreender as
experiências vividas por seu filho, bem como
contribuir com a professora, relatando
vivências do cotidiano da criança,
permitindo um conhecimento de como se
trabalhar com ele em sala.
110
lutar e reivindicar os direitos do seu filho, mesmo ciente das inúmeras dificuldades enfrentadas
no caminho. Paciência para esperar o devido direito do seu filho sendo respeitando e posto em
prática por todas as instituições que precisam levar em consideração as particularidades da
criança com autismo.
“Dedicação” total a seu filho, abrindo mão de seus objetivos pessoais e do seu trabalho
para cuidar, educar e acompanhar o desenvolvimento da criança dentro e fora da escola. Na
narrativa de Superação, percebemos que ela busca participar e acompanhar as atividades
escolares e apoiar o grupo docente no que for preciso. Segundo Superação, “onde ele for, eu
vou estar com ele”.
Identificamos nas narrativas de Superação a “tática do conhecimento”. Para ela,
conhecer o espectro é fundamental compreender seu filho e contribuir de maneira positiva com
seu desenvolvimento. A participante relata que uma de suas táticas foi pesquisar e buscar
leituras sobre o autismo, com o objetivo de entender seu filho dentro de seus limites e
possibilidades. A participação em fóruns e palestras foi essencial para Superação conhecer e
ajudar seu filho, buscando sempre o melhor caminho a trilhar.
Através da “tática dialógica”, Superação narra sua relação com professores e
profissionais que fazem parte do cotidiano do seu filho, com o objetivo de articular diálogos
para efetivar as trocas de experiências, para assim, cada um desenvolver as atividades de forma
correta. Para Superação, o diálogo é fundamental, pois cada profissional, assim como ela, tem
sua função indispensável na vida da criança.
Por último, nomeamos a “tática dinâmica”. A ideia de criar um grupo no WhatsApp 20
para compartilhar dicas, sugestões de atividades e situações que contribuem para o
desenvolvimento das crianças com autismo. Atualmente, o uso das redes sociais para o
compartilhamento de informações tem se tornado uma forma dinâmica e rápida de interação. O
grupo intitulado “Anjos mãe” é composto por mães de crianças com autismo da cidade de
Baraúna/RN.
Superação narra que às vezes entram mulheres novatas no grupo, logo após a descoberta
do diagnosticado do filho, e elas participam do “Anjos da mãe” com o objetivo de buscar de
ajuda e agir em determinadas situações. O grupo tem contribuído muito com essas mães, pois
20 A ideia do grupo surgiu de uma conversa de Superação com outras mães de crianças com autismo da cidade de
Baraúna/RN, com o objetivo de compartilhar as angústias e os medos, bem como maneiras de lidar com as crianças
e as experiências na escola.
114
muitas usam esse espaço para desabafar no momentos de angústia, bem como as experiências
de conquistas no processo de inclusão de seus filhos com TEA.
Neste tópico, encontramos, nos relatos das participantes, algumas barreiras existentes
no processo de inclusão das crianças com autismo. Para romper esses desafios, foi preciso a
criação de táticas, seja de conhecimento, enfrentamento, superação ou humanas. Essas táticas
foram nomeadas a partir das narrativas maternas, sobre o que elas fizeram para superar as
barreiras no processo de inclusão escolar de crianças com autismo. Diante das situações difíceis,
essas mães não se curvaram e reivindicaram, fundaram e criaram espaços para debates e
esclarecimentos sobre o TEA, uniram-se a outras mães na busca dos direitos de seus filhos.
3.2 A mãe e a legislação para crianças com TEA: quais os direitos do meu filho?
mas que, de certa forma, não atendiam ao novo paradigma da pessoa com deficiência ou que,
simplesmente, a excluíam de seu escopo.
Segundo Mara Gabrilli, relatora da Lei Brasileira de Inclusão, na Câmara dos
Deputados, a principal inovação da LBI está na mudança do conceito de deficiência, pois não
é mais entendida como uma condição estática e biológica da pessoa, mas como o resultado da
interação das barreiras impostas pelo meio com as limitações de natureza física, mental,
intelectual e sensorial do indivíduo. A LBI veio para mostrar que a deficiência está no meio,
não nas pessoas, ou seja, quanto mais acessos e oportunidades uma pessoa dispõe, menores
serão as dificuldades consequentes de sua característica. A Lei Brasileira de Inclusão traz em
seu Art. 2º que:
Art. 2º- Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Lei
Brasileira de Inclusão)
Apresentamos a definição com base na LBI para nos fundamentarmos, bem como o
mostrar o que diz a legislação sobre a pessoa com autismo. Assim, partimos para o ponto
principal que está relacionado ao nosso estudo, o “Direito à Educação”, presente no capítulo
IV, a partir do Art. 27, e afirma que a “educação é um direito de todos, em qualquer nível de
ensino, e deve ser assegurada ao longo de toda a vida, desenvolvendo as habilidades segundo
suas características e necessidades de aprendizagem”.
Já no Art. 28, passo a relacionar alguns pontos de acordo com a realidade a qual
vivenciei através do cumprimento desses direitos da criança no NEEs. A Lei estabelece que “é
dever do poder público assegurar e criar estratégias para a permanência desses alunos em
qualquer nível de ensino, e aprimorar os sistemas educacionais para assegurar o direito e a
permanência das crianças nas escolas públicas”. O Art. 28 aborda a “adoção de práticas
pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e
oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado”. Isso acontece
na prática, mesmo que não seja possível atingir toda a demanda de professores.
A Lei Brasileira de Inclusão surgiu para que todas as pessoas com deficiência tenham
seus direitos respeitados. Atualmente podemos observar avanços significativos, como:
Proibição da cobrança de taxas extras para alunos com deficiência;
Adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e
continuada de professores;
116
As ações para a promoção da inclusão escolar das pessoas com autismo resultam na
adoração de novas práticas pedagógicas e na quebra paradigmas, como, por exemplo, a
obrigação do aluno especial em aprender como aluno regular.
Para a inclusão escolar de pessoas com deficiência, mais especificamente com TEA, a
instituição educacional precisa ter profissionais capacitados para o desenvolvimento eficaz de
ações pedagógicas inclusivas. No entanto, o ensino de crianças com TEA tem sido marcado por
muitas dúvidas e insegurança por parte do professor, o que tem provocado dificuldades na
prática docente.
Além de formação específica para o exercício docente de crianças com TEA, o educador
deve conhecer os afetos, as ações e os interesses da criança com autismo. Conhecendo-os,
poderá aplicar atividades que possibilitarão maior atenção e participação nas atividades
escolares. A afetividade na relação entre professor/aluno é fundamental para o desenvolvimento
intelectual, moral e afetivo dos alunos. As crianças com TEA têm alto déficit de atenção, o que
requer do educador um trabalho com atividades diferenciadas para conseguir a atenção e
participação desses alunos nas atividades propostas.
O processo de inclusão escolar das crianças com TEA deve acontecer por meio de
práticas pedagógicas voltadas ao cotidiano dos alunos, tendo por base suas experiências e ações
do dia a dia para a promoção do desenvolvimento da criança como pessoa, e não como
deficiente. Para isso, além de, simplesmente, colocá-la dentro do espaço escolar, é preciso
proporcionar uma aprendizagem significativa, baseada nas potencialidades e práticas
cotidianas, pois, como afirma Freire (1992, p. 11), “a leitura de mundo procede a leitura da
palavra”.
Conhecer os direitos da criança com autismo auxilia o processo de inclusão escolar, bem
como sua participação na sociedade como um todo através do direito à saúde, à moradia e ao
lazer. Por isso, é necessário que as mães tenham conhecimento suficiente para lidar com as
diversas situações de desrespeito a esses direitos. Com base nas leituras da Legislação Brasileira
sobre os direitos das crianças com autismo, surge o questionamento: As mães conhecem as leis
e sabem todos os direitos das crianças com autismo? Com isso, levamos as mães a refletirem
sobre a importância do conhecimento da leis sobre inclusão.
Com o objetivo de observar as narrativas sobre as impressões das mães sobre os direitos
de seus filhos diagnosticados com TEA, perguntamos quais os conhecimentos sobre as leis que
defendem o direito da criança com autismo, e se houve alguma situação em que essas mães
fizeram uso dessas leis para assegurar os direitos do seu filho. Vitória, como participante ativa
no processo de inclusão escolar do seu filho, narrou:
disso o direito ao professor auxiliar em sala de aula. Tem direito a saúde, entre
outras coisas, que não estou lembrando no momento, mas eu já li a lei Berenice
Piana, e sei de algumas coisas. Inicialmente em relação ao serviço público de
saúde, quando mudou a gestão, tudo mudou, o CAPS mudou de lugar, os
funcionários também, ai quando chegamos lá para o atendimento, ai
informaram que não iam atender as crianças, alegando que eles não podiam
ser atendidos junto com os adultos, e que o caso do meu filho não seria
resolvido ali, e disse que eu teria que buscar ajuda no CAPS infantil em
Mossoró e se tivesse vaga. Ai eu disse que iria procurar a promotoria de
Baraúna para resolver a situação, pois era um direito do meu filho assegurado
por lei o acesso aos serviços de saúde, só que fiquei só na ameaça, eu não fui,
ai com dois dias o rapaz me ligou e pediu para mim participar de uma reunião,
ai quando foi com dias depois eles ligaram novamente, pedindo para mim
informar as outras mães que os atendimentos iriam iniciar, ai foi dessa forma,
citando a lei que conseguimos esse serviço. Infelizmente as coisas funcionam
assim, porque na verdade eles conhecem os direitos, mas por acharam que as
mães são desinformadas eles querem impedir, ou dificultar as coisas. Outra
vez foi um exame, a moça disse que meu filho iria ter que esperar seis meses,
ai eu disse que tinha uma lei que assegurava o direito dele de fazer o exame,
e ela ficou questionando qual a lei, ai tive que ameaça novamente e em três
dias consegui o exame do meu filho. E recentemente houve uma situação na
sala de aula onde tinha uma criança que todo dia batia no meu filho, ai eu vim
saber, e a professora disse que meu filho estava mentindo, e não estava
acontecendo isso na sala, ai foi preciso chamar as professoras do AEE, e a
direção e confirmou que realmente estava acontecendo, ai eu sugeri que ela
pedisse um professor auxiliar, tendo em vista que a sala é lotada e ela não
conseguia ter esse olhar para situações que acontece na própria sala, pois
existe na lei o direito a esse auxiliar. Aí falei com a diretora, e hoje já tem a
professora auxiliar em sala (Narrativa de Vitória, Baraúna/RN, 2019).
Por ter uma história de luta dentro do processo de inclusão do seu filho com autismo,
Vitória buscou e adquiriu conhecimentos sobre a lei que defende os direitos de seu filho. Em
determinadas situações, mesmo de forma ameaçadora, sem pôr em prática realmente a denúncia
junto à Promotoria, ela teve a necessidade de mostrar que existia uma lei, e ela como mãe e
cidadã conhecia esses direitos.
Vitória narra que, muita vezes, as instituições têm conhecimento sobre os direitos, no
entanto, buscam dificultar ou negar, por acharem, em algumas situações, que as mães são
desinformadas. Para acabar com essas situações, as mães de crianças com autismo devem
buscar esses conhecimentos para além das experiências cotidianas, além de promover
momentos de reflexão sobre a Lei Nº. 12.764/12.
Percebemos, nas narrativas, que o conhecimento de Vitória sobre a Lei permitiu-lhe
grandes conquistas, a exemplo do exame, onde seu filho iria esperar seis meses para se
submeter, e com seu discurso sobre “a existência de uma Lei que protege e garante o direito da
criança, antes mesmo de chegar na esquina já recebia uma ligação a respeito de uma nova data”.
Esse tipo de situação é vivenciado por outras mães ao buscarem os serviços públicos de saúde
120
O que eu entendo sobre as leis é só mesmo o básico, tem a Lei Berenice Piana,
que é específico para as pessoas com autismo, tem a lei brasileira de inclusão
mas conheço pouco sobre ela pois não me aprofundei muito sobre. Me
aprofundei mesmo na que fala diretamente sobre o autismo, por ter um filho
autista. Mas para impor algo assegurado pela lei assim, nunca foi necessário
não. Quando a gente recebeu o diagnóstico, morávamos no Ceará, e como
sabemos, a criança com autismo tem direito ao professor mediador na sala de
aula, e isso ele nunca teve, nem lá e nem aqui no RN, mas nunca fui atrás
porque o grau de autismo dele não é o severo, e nem agressivo ai deixei passar,
mas tem momentos que vejo a necessidade dele ter, pois ele tem umas crises,
e tem que sair da sala para se acalmar, ai a professora não pode deixar as outras
crianças e ficar só com ele, ai nessas horas vejo que seria necessário. Tentei
dar entrada no benefício para contribuir mais com processo de
desenvolvimento dele, mas foi negado por questões da renda familiar, aí
deixei para lá. Nunca recorri a lei para nada não, embora sinta falta de algumas
coisas, mas sempre busco o diálogo sem enfrentar já falando sobre a lei
(Narrativa de Superação, Baraúna/RN, 2019).
momentos do cotidiano da criança, para que ambos aprendam a lidar com o comportamento das
crianças com autismo.
Inicialmente, quero destacar a escassez de estudos com foco na participação das mães
no processo de inclusão escolar em sites, como a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
(BDTD) e o Portal de Periódicos da CAPES. Devido a essa dificuldade, traremos, no decorrer
do texto, de autores que focam na participação de família de maneira geral, no entanto,
estaremos dando evidência à figura materna.
A presença de alunos com TEA no ambiente educacional tem representado um grande
avanço na inclusão social dessas crianças, que ganham a oportunidade de conviver e partilhar
com outras da mesma faixa etária inúmeras experiências, possibilitando estímulo às suas
capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo (CAMARGO e BOSA, 2009, p.
316).
A inclusão educacional de crianças com autismo, considerando a participação plena nas
atividades escolares e na aprendizagem, ainda não é realidade para muitas crianças. O
trabalho com esses alunos na sala comum é um grande desafio para os professores,
principalmente pela falta de preparação para se trabalhar com esse alunado.
A inclusão educacional de crianças com TEA deve ser feita de maneira justa e
colaborativa, tendo em vista os direitos das crianças. Para isso, devem ser considerados vários
elementos, como: a singularidade dos alunos, o ambiente escolar e o contexto familiar,. Nesse
contexto, para a efetivação da inclusão, é preciso romper os muros da escola.
Nesta pesquisa, destacamos a boa relação entre as mãe participantes e as escolas dos
seus filhos, pois são ativas e responsáveis no processo de inclusão. As mães são portadoras de
informações singulares que podem colaborar com o planejamento das intervenções
educacionais das crianças autistas, assim, fica mais fácil trabalhar com os alunos, pois a
professora conhece o dia a dia e comportamento, possibilitando a criação de táticas para se
trabalhar com o aluno com TEA. Por outro lado, a relação entre mãe e escola traz uma segurança
e motivação para as mães darem continuidade ao tratamento do filho dentro de casa.
A discussão sobre a parceria entre família e escola das crianças com deficiência
começou a ser enfatizada pela Declaração de Salamanca, em 1994, mostrando-nos que a relação
entre ambas garante uma ativa participação dos pais na tomada de decisão e no planejamento
educacional dos seus filhos, com a adoção de comunicação clara e aberta com a escola. Em
outras palavras, os pais teriam mais liberdade para expressar suas críticas em relação às escolas,
quando não atenderem de forma ampla às suas expectativas. Em parceria com as mães, é
122
tratamento (SERRA, 2010). A família encontrará na escola um espaço de convívio social, onde
poderá dividir suas experiências e, consequentemente, aprender com outros pais e professores.
A parceria entre família e escola, em especial à mãe, por estar mais presente no cotidiano
escolar das crianças com autismo, é importante para o processo de desenvolvimento e inclusão
do aluno com TEA no ambiente escolar. A criança apresenta algumas particularidades que só a
mãe pode fornecer informações de como agir em determinadas situações, já a escola pode agir
em novas práticas para as mães darem continuidade em casa, trazendo benefícios para o aluno.
Como relatado no primeiro capítulo, no ano de 2016, tive a oportunidade de vivenciar a
experiência profissional como professor auxiliar de uma criança com autismo na educação
infantil. Diante desse momento, observei fatos que me trouxeram até o problema de pesquisa
evidenciado em nosso estudo, e um dos pontos foi a parceria família/escola. Qual a importância
dessa parceria, e como essa pode contribuir para o processo de inclusão educacional das
crianças com autismo.
A família de Nilo era bastante presente no processo de inclusão e desenvolvimento,
participava ativamente de todas as atividades, reuniões e formações ofertadas pela instituição e
buscava contribuir a todo tempo, mantendo uma relação harmoniosa com a professora titular,
comigo, enquanto auxiliar, e com a gestão da UEI, mantendo sempre o diálogo e a troca de
experiências.
A oportunidade de trocar vivências e de conhecer o comportamento da crianças em casa
e na escola trouxe grandes avanços para o desenvolvimento de Nilo. Todos os dias, ao chegar
à escola, a mãe narrava fatos ocorridos em casa, já no final do horário da aula, ela perguntava
como tinha sido aquele dia. Essa troca de informação permitia-nos encontrar melhor a forma
de agir com a criança, bem como perceber suas dificuldades e necessidades na sala de aula.
Com essa experiência positiva, surgiu o questionamento: Será que todas as relações
entre escola e família da criança com autismo são harmoniosas? E se existe conflitos, como
rompê-los? Vejamos o quadro a seguir:
Eu sempre fui presente nas escolas que - A participação ativa na escola, querendo
meu filho frequentou e na que está conhecer de perto o dia a dia escolar de seu
matriculado hoje, saber como ele tá no filho.
desenvolvimento da leitura, a participação
- Reconhecer a falta de preparação por
nas atividades. Eu tive mais problemas em
parte da professora.
um determinado ano que ele estudou em
uma escola privada do município, porque - Reconhecer as contribuições da atuação
tinha umas meninas que ficavam fazendo da professora anterior no processo de
bullying, e eu sempre estava cobrando alfabetização da criança.
atitudes da professora para ver se acabava
- Importante parceria entre a mãe e a
com aquela situação e nada. Relação com
professora do Atendimento Educacional
a escola atual é muito boa, tirando
Especializado (AEE).
algumas situações com a professora, onde
por último agora ele até passou uma - Relação professora do AEE e do aluno,
semana sem ir para a escola porque ela em perceber quando alguma situação
chamou ele de mentiroso, e meu filho inquietou a criança em casa. Além de
ficou muito chateado com isso, eu sinto a buscar manter o diálogo com a mãe na
professora atual um pouco despreparada busca pela solução.
para esse público alvo da educação
especial. Ela é bem estressada, eu sempre
buscando o diálogo e ela me tratando de
um jeito sem educação, e não gostei nem
pouco do jeito dela como professora e
estou orando para acabar o ano letivo para
mudar de professora. Bem diferente da
professora do ano passado, uma ótima
pessoa, que mesmo sem especialização na
área buscou ajudar meu filho, alfabetizou
e a nossa relação era maravilhosa. Já com
as professoras do AEE minha relação é
excelente, principalmente com tia Fabi21
21 Nome fictício para identificar a professora do Atendimento Educacional Especializado citado na narrativa da
mãe.
125
Sou aquele tipo de mãe que mexa comigo, - Buscar táticas para superar as situações
mas não mexa com meu filho, ai assim, indesejadas, com o objetivo de manter
sempre busco ter o melhor relacionamento uma relação harmônica na escola.
possível com os professores, porque sei da
- Reconhecer a importância dos
importância deles na vida do meu filho,
professores na vida do seu filho.
como sei da minha importância, e se a
gente não manter uma boa relação, se - Relação família e escola: indispensável e
houver alguma divergência entre mãe e fundamental
professora, isso irá refletir no
- União com todos os seguimentos da
desenvolvimento do meu filho. Durante
escola
essa jornada já houve algumas situações
indesejáveis, mas a gente faz de conta que - O diálogo com a professora regular
não aconteceu para não alimentar nenhum
- Troca de experiência: Mãe e professora
conflito, tem que ser um conjunto de união
do AEE.
e harmônico para que seja tudo bem. A
harmonia é fundamental e indispensável
na relação com a escola. Já pensou, eu vim
deixar meu filho na escola e não falo nada
com a professora por não gostar dela, ou
por discussão. Ai como vou saber como
anda o desenvolvimento dele? Porque
tudo dia eu pergunto como foi, se ele se
comportou bem. Graças a Deus eu sempre
126
ponto de vista de cada mãe participante desta pesquisa. É fundamental a harmonia nesse
processo, no entanto, é possível que essa construção tome um caminho diferente da esperada
harmonia entre professora e mãe. É preciso que cada uma seja contribuinte nesse momento e
caminhem em comunhão na busca pela inclusão escolar das crianças com autismo.
22 A partir desse momento será apresentado o diário das mães participantes, Vitória e Superação. O diário será
narrado pelas mães, e optamos deixar da forma como elas falaram.
130
O desenho tem como objetivo fazer com que a criança expresse como ele se ver, e que
as pessoas acham dele. Inicialmente escolhi esse desenho, pois além de trazer um sentimento
do meu filho, ele mostra um momento de superação no processo educacional. Até 2017 meu
filho não era alfabetizado, e em 2018 com o apoio e a sensibilidade da professora Helena, em
buscar formas para ajudá-lo a superar esse problema, ele começa a caminhar rumo à
alfabetização. E esse desenho já mostra o momento de conquista, onde ele consegue escrever
com o auxilio da professora do AEE esse pequeno texto. Se analisarmos as expressões nos
desenho, podemos ver a imagem de um garoto emburrado, fazendo ligação com o que ela fala
sobre o que as pessoas acham dele. Para eles as pessoas, seja no ambiente familiar ou na escola,
o acham uma criança chata, por ele não gostar de se socializar com muitas crianças, se mantem
calado no seu lugar.
Como trabalhava ele passava muito tempo na casa da minha irmã, e lá eles o taxavam
assim, como o chato que não gosta de falar com ninguém, e até esses dias a menina que trabalha
na casa dela disse que ele tem mudado muito, já consegue conversar, pedir comida. E isso é um
avanço dentro das dificuldades de socialização. Eu fiquei muito feliz com esses avanços, pois
eu mesma tinha medo do meu filho não conseguir se desenvolver, e como muitos acham que a
criança com autismo é incapaz, foi um momento de mostrar que eles aprendem sim, só precisam
do apoio em casa e na escola.
131
Esse segundo desenho foi muito forte para mim. Foi uma atividade onde a professora
perguntou quais situações o deixava triste, e ele citou duas, a primeira quando estava sem
celular, pois é algo que ele gosta muito é ficar no celular, com jogos. E a outra coisa, foi quando
eu não estou em casa. O desenho que ele recortou, representa um menino sozinho na janela,
aquilo me doeu muito, pois eu precisava sair para trabalhar e infelizmente ele tinha que ficar.
Então minha ausência o deixava triste, pois sempre que estou em casa a gente passa muitos
momentos juntos, brincadeiras, atividades da escola, e para ele estava sentido em ausência.
Escolhi esse desenho onde meu filho fez a representação da família, para ele a família é
só nos dois, por ele não conviver com o pai, e ser algo ausente ele não consegue desenvolver
um sentimento de pertencimento com a figura paterna. Coloquei esse desenho para mostrar um
momento de superação do meu filho quanto essa ausência do pai em sua vida, pois para muitas
crianças é algo que traumatiza, causa danos, e graças a Deus meu filho consegue conviver bem,
logo eu busco me manter presente suprindo os dois papéis. Coloquei esse desenho também
como forma de representar os sentimentos do meu filho, de que a criança com autismo sabe
amar, sente falta e reconhece cada pessoa e sua importância na vida dele
perguntado: “Henrick você tem algum problema?” e ele a respondeu, “não tenho problema
nenhum”. Essa resposta justamente por sempre esta trabalhando que o autismo não é uma
doença, que ele é igual às outras crianças. A partir dessa situação já se criou uma barreira com
ela, e durante o ano ocorreu outras situações as quais fizeram ele não se adaptar com ela. Então
eu acredito que a formação dos professores é essencial para que a inclusão seja efetivada, pois
só assim é possível eles compreender as necessidades das crianças com autismo, e respeitar
suas particularidades.
A inclusão escolar comparada a antigamente tem evoluído, no entanto em considero em
passos lentos. Sinto falta das partes estruturais, como na sala do AEE, que muitos recursos são
as professoras que tentam fazer, pois não tem muitos materiais disponíveis. Eu vejo que ainda
faltam algumas coisas para essa inclusão acontecer de verdade. Para essa inclusão acontecer, é
preciso também se trabalhar com as demais crianças, as questões de respeitar as crianças com
deficiência, no caso do meu filho com autismo, acho que seria preciso se trabalhar a questão
dele não gostar de gritos, de ser respeitando ao não querer brincar com as demais crianças, seria
tipo, mostrar as características para as crianças ditas normais, eu acho que assim iria acontecer
menos situações de preconceito e bullying dentro da sala de aula.
Ao longo desse processo de inclusão, eu amadureci muito, a partir do momento que
recebi o diagnostico eu me tornei uma pessoa melhor, a olhar para os outros com um olhar
sensível, pois meu desejo é que as outras pessoas tenham esse olhar sensível para o meu filho.
Não é um olhar sensível de pena, mais sim de compreensão, de respeito e inclusão. No decorrer
da pesquisa eu peguei me perguntando: Meu Deus para quer fui entrar nessa pesquisa, se até eu
mesmo tenho duvidas se meu filho tem autismo. Ai quando olhei do lado estava ele fazendo os
movimentos com as mãos, ai me vem a real. Não é que eu queira esconder que ele tem o
autismo, mais também não uso isso como vitimização, para querer me fazer de coitada porque
meu filho tem autismo.
Eu comecei a ter empatia por outras mães que vivem o mesmo. E uma coisa que aprendi
muito foi deixar de ter preconceito, a gente diz muito, eu não tenho preconceito, mais no instante
em que entramos em uma Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais-APAE da vida, a
gente se depara com determinadas situações que esse preconceito surge, como por exemplo,
não querer abraçar uma criança com paralisia cerebral, pois ela baba, e a gente fica com um
certo nojo. A partir do meu filho eu consigo romper com essas situações, pois meu maior medo
é que aconteça uma situação de preconceito com ele, então eu evolui bastante ao longo desse
processo.
134
A escrita desse diário é bem difícil, pois sou muito sucinta em minhas palavras e não sei
se o conteúdo ficara com muitos detalhes. A escolha dos desenhos foi bem complicado pois são
inúmeros os registros das atividades de meu filho na escola. Mas procurei trazer momentos em
escola e de experiências das superações das barreiras.
A primeira imagem se remete ao tempo em que ainda morava em Russas/CE e foi bem
no início quando recebemos o diagnóstico do autismo. Logo procuramos inseri-lo em atividades
que pudesse contribuir com o desenvolvimento dele. A Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais- APAE de Russas foi uma grande parceira no início de nossa trajetória na luta
pela aceitação e na busca pela inclusão de Gledson. Desde cedo como já falei, Gledson
apresentava um comportamento diferente o que causava estranhamento em alguns locais, ou
até mesmo na família. Muitos acreditavam que eram birras, má criação, ou até mesmo falta de
limites.
Após o diagnóstico e o atendimento da APAE foi que passamos a entender melhor esse
comportamento. Na APAE ele tinha acompanhamento por vários profissionais como psicóloga,
135
Guardo essas atividades como lembranças dos primeiros passos do meu filho em seu
processo de aprendizagem. Muitos podem até considera uma besteira, mais eu mantenho todas
guardadas. Como já falei, na APAE de Russas/CE, meu filho era acompanhado por diversos
profissionais, e tinha ao AEE, onde a professora buscava desenvolver as habilidades do meu
filho.
Nessa atividade era para desenvolver as habilidades motoras com o corte de figuras em
E.V.A, e a considero uma superação pois meu filho não conseguia se concentrar nas coisas,
tinha um comportamento bem agitado, e foi a partir dessas atividades que foi se trabalhando o
comportamento, a atenção e outros.
O atendimento na APAE contribuiu muito com o desenvolvimento de Gledson, pois
além dos estímulos a ele ofertados, passamos a compreender seu comportamento e buscar ajuda.
Foi a partir desse momento que comecei a pesquisa e fazer leituras de coisas relacionadas a
pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
136
Esse segundo desenho se refere a uma atividade realizada em sala de aula, onde a
professora contou a historia festa no céu, e depois solicitou que os alunos reproduzissem a
historia por meio de desenhos. Apresento esse desenho, pois considero uma superação para meu
filho, pois sabemos que algumas crianças com autismo apresentam dificuldades em assimilar
determinadas situações, e foi a partir desse desenho que percebi o quanto meu filho era
inteligente e o quanto ele terá um futuro brilhante pela frente. Não cito essa questão de
inteligência por querer me gabar, mais sim por valorizar cada momento de superação do meu
filho, pois sabemos que a criança com autismo é vista como incapaz, e meu filho a todo tempo
vem mostrar que esse pensamento não é verdade.
E dentro da escola, houve inúmeras superações, como conseguir fazer apresentação
tocando teclado, em um evento na escola, em meio ao barulho, várias luzes que tudo isso
incomoda muito ele, mais ele se concentrou e feliz uma belíssima apresentação. Também em
sala de aula, ele consegue superar as situações de bullying, onde as outras crianças sempre
praticam, antes ele se incomodava muito, mais hoje em dia ele já superou bem, eu sempre busco
trabalhar com ele essa questão do autocontrole.
Foi solicitado por Francinilton, que eu fizesse um desenho representando como vejo a
inclusão escolar, no entanto não consegui fazer, tenho muita dificuldade em desenho e não
estava me sentindo bem para pelo menos tentar. Mas quero falar um pouco sobre a inclusão na
escola. Eu vejo muito a evolução da inclusão por meio do AEE, porque esse atendimento vem
justamente com o objetivo de promover a inclusão dentro da escola, pois trabalhar a dificuldade
137
aprendizados, gostei muito do exercício de lembras fatos do passado, foi muito bom, não sei se
contribui muito, se correspondi as expectativas, como já disse, falo pouco, sou bem direta em
minhas respostas e não sei se era o que a pesquisa buscava. Desejo que esse estudo seja
finalizado com sucesso e estou ansiosa para poder ler por completo e que outras mães tenham
acesso e lutem pela inclusão de seus filhos com autismo, não é fácil, mas se correr atrás é
possível ver nossas crianças com TEA participar ativamente como qualquer outra criança de
todas as atividades na escola e na sociedade de forma geral.
narrativa ressaltando que, embora já tenha mudado muita coisa, a inclusão escolar caminha em
passos lentos, e aponta como pontos fundamentais na escola: o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) e a formação de professores. Vitória aponta que o AEE contribui muito
com o processo de desenvolvimento da criança, rompendo com as barreiras e criando
possibilidades para que o aluno consiga avançar em suas potencialidades. Já na formação de
professores, ela aponta como fundamental, pois o professor preparado para atuar com a
educação inclusiva irá contribuir muito com o processo de desenvolvimento da aprendizagem
da criança com autismo, diferente disso como Vitória citou, aquele professor despreparado se
mostra resistente na construção de práticas inclusivas, como, por exemplo, achar que o autismo
é uma doença, um problema e ainda questionar a própria criança, criando assim uma barreira
na relação professor/aluno. Vitória ainda fala sobre a importância de formação e informações
para as crianças da escola, pois, a partir do momento em quem os demais alunos conhecem as
características da criança com autismo, facilita as relações interpessoais, pois as outras crianças
irão compreender o comportamento diferente, o não gosto pelo contato físico ou pelo barulho,
tornando assim uma relação de respeito às diferenças.
Nas narrativas de Vitória, é possível perceber sua empatia ao se colocar no lugar do
outro. Quando ela fala da existência de preconceito em relação às outras deficiências, como
Síndrome de Down, paralisia cerebral e outras, encontradas em suas primeiras visitas à APAE.
Com suas experiências como mãe de uma criança com autismo, ela sabe que em determinadas
situações enfrentará preconceito, e se constitui de um novo sentimento, e como se houvesse a
quebra das barreiras de preconceito, ela reflete sobre a dor da outra mãe ao ver seu filho sendo
excluído ou sofrendo bullying por conta de sua condição física ou mental.
Finalizamos com as interpretações do diário de Vitória, falando sobre o quanto ela se
sentiu importante ao ser convidada para participar de nosso estudo, pois percebeu que sua
história de vida servirá de inspiração para outras mulheres que vivem a luta pela inclusão de
crianças com autismo. Partilhar de suas experiências foi fundamental para seu processo de
reflexão à prática materna, bem como a valorização de sua trajetória de luta pela efetivação dos
direitos de seu filho, percebendo-se nesse processo como sujeito ativo e contribuinte para o
desenvolvimento de seu filho e de outras crianças diagnosticadas com autismo.
Nas narrativas de Superação, mãe de uma criança com autismo, podemos perceber
algumas conquistas ao longo da trajetória escolar de seu filho. Superação inicia suas narrativas
do diário falando sobre as contribuições da APAE-Russas/CE na vida do seu filho. É possível
notar em seus relatos o sentimento de gratidão pela equipe responsável pelo processo de
desenvolvimento da criança. Segundo ela, foi na APAE que seu filho iniciou suas conquistas e
141
A construção dos diários com as mães foi uma experiência única, a oportunidade de
ouvir os sentimentos e as experiências de conquistas das participantes. A importância das mães
narrarem suas histórias do dia a dia é como se elas estivessem escrevendo o livro das suas vidas,
uma autobiografia. Dentro de alguns anos, irão ver o quanto é precioso rever-se nessas páginas,
avaliar como pensava há cinco ou dez anos, reencontrar sentimentos e reflexões, o registro dos
sentimentos que marcaram suas vidas, bem como esse diário irá contribuir com a vida de outras
mulheres, mães de crianças com autismo. Para que elas possam se espelhar e ver narrativas de
lutas e conquistas, e acreditar na capacidade e potencialidade das crianças com autismo, assim
como Vitória e Superação fizeram. As histórias aqui registradas são exemplos para outras mães,
a quebra das barreiras, a luta na aceitação e o desejo de ver seu filho com autismo se desenvolver
e ser incluído no ambiente escolar como qualquer outra criança.
143
de crianças diagnosticadas com o autismo, com ênfase nas experiências de sucesso dessa
parceria.
No primeiro capítulo, foi narrado a minha (auto)biografia, com destaque para momentos
marcantes em minha trajetória de vida, em que relato e reflito sobre meu percurso de formação
como sujeito espelhado na figura materna, como também a construção de minha identidade
profissional, enfocando nas experiências que contribuíram com minha (auto)formação.
No segundo capitulo, apresentamos, através das narrativas maternas, o percurso de
como se constituir mãe, a missão especial de ter uma criança com Transtorno do Espectro
Autista, o processo do diagnóstico, a aceitação e rompimento do luto enfrentado no momento
da descoberta, a responsabilidade colocada a essas mães de cuidar e educar os filhos, bem como
as barreiras encontradas diante do processo de inclusão educacional de seus filhos na escola.
No terceiro capítulo, evidenciamos as narrativas do cotidiano de mães de crianças com
autismo, apresentando as táticas utilizadas para superação de barreiras encontradas ao longo do
processo de inclusão educacional de seus filhos. Expondo, por meio das narrativas
(auto)biográficas, o olhar materno sobre a legislação brasileira vigente, o que elas conhecem
sobre os direitos de seus filhos e as leis que amparam o direito à inclusão escolar de crianças
diagnosticadas com autismo, bem como narrativas de superações ao longo do processo de
inclusão.
Para realização de nosso estudo, fez-se necessário leitura e reflexões com bases em
teóricos para contribuir com a fundamentação de nossos estudos sobre autismo. Para
abordarmos a temática da inclusão, refletimos sobre marcos históricos e nos aspectos legais,
fruto da trajetória de luta para efetivação dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil e
no mundo. Buscamos compreender, por meio da historicidade, o processo de constituição da
maternidade, relacionando o antes com os dias atuais.
As mães participantes de nosso estudo passaram por um processo de (auto)formação,
tendo em vista que, por meio das narrativas, elas refletem sobre a prática como mãe, como
militante da inclusão escolar e como mulher. Com isso, a conquista do empoderamento ao
perceber-se como sujeito ativo e contribuinte no processo de inclusão escolar e no
desenvolvimento da aprendizagem de seu filho com autismo.
A construção dos diários das mães contribuiu para o nosso processo de (auto)formação
das participantes e também para mim, professor da rede básica de ensino e pesquisador em
formação. Para as mães, o diário permite uma viagem no tempo, por meio dos desenhos
guardados com todo carinho do mundo, percebendo a cada atividade um sentimento, bem como
os avanços de seus filhos rumo ao sucesso e a inclusão escolar. Para mim, como professor de
146
alunos com autismo, na percepção de novas estratégias para inserir o aluno nas atividades
propostas. Como sabemos, alguns alunos com TEA são resistentes na participação de lições
escritas, e a proposta do desenho contribui para uma boa relação professor/aluno e para que a
criança com autismo tenha total participação em sala de aula, dentro de suas particularidades.
O nosso estudo não tem o objetivo de esgotar as discussões sobre a inclusão escolar de
crianças com autismo, mas de fortalecer o que já se tem nos meios acadêmicos, e possibilitar
aos sujeitos envolvidos nesse processo a reflexão sobre a importância de pensar novas formas
para romper com as barreiras. Acreditamos que as experiências aqui narradas irão contribuir
muito com outras mulheres, mães de crianças com autismo, as quais passam pela mesma
história de luta, bem como despertar o desejo de outras mulheres em contribuir com a educação
e a inclusão de seus filhos com TEA nas instituições de ensino. Enfatizamos, novamente, o
desejo que novos estudos possam surgir a partir do compartilhamento de nossa pesquisa, pois
aqui não buscamos em nenhum momento apresentar uma verdade, mas apresentar histórias de
vida com experiências na inclusão escolar.
Finalizamos com a reflexão sobre a necessidade de se romper com todas as barreiras
encontradas no processo de inclusão escolar de crianças com autismo, para que esses alunos
possam avançar dentro de suas potencialidades. Isso implica no reconhecimento por parte de
todos os sujeitos envolvidos, seja a mãe ou a escola, em buscar formas para contribuir com o
desenvolvimento dessas crianças. O caminho é lutar, criar táticas e estratégias para o
rompimento das barreiras, e comemorar cada conquista da criança, por mais pequena que seja,
mostrando sempre que ela é capaz de ir além.
147
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