Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 18

GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

CIRROSE HEPÁTICA
• Para haver cirrose, é necessário um profundo remodelamento da citoarquitetura do parênquima hepático,
além é claro, da presença de extensa fibrose tecidual.

O desarranjo estrutural que caracteriza a cirrose hepática pode ser decorrente de qualquer doença hepática crônica,
e quando bem estabelecido, infelizmente, é irreversível

• Processo patológico irreversível do parênquima hepático caracterizado por dois componentes:


✓ Fibrose hepática “em ponte”: com formação de shunts vasculares no interior dessas traves
fibróticas
✓ Rearranjo da arquitetura lobular nos chamados nódulos de regeneração, desprovidos de
comunicação com uma veia centrolobular.
• Resposta comum do parênquima hepático a qualquer estímulo lesivo persistente, representado geralmente
por inflamação e necrose hepatocitária.
• Este processo dinâmico de destruição-regeneração → modificações na matriz extracelular que culminam
em deposição progressiva de tecido fibrótico em substituição ao parênquima funcionante.
• “Insuficiência hepática crônica” → complicações sistêmicas decorrentes de uma queda lenta e gradual na
função dos hepatócitos, tal como acontece na cirrose.

Anatomia:

Os sinusoides conduzem o sangue das circulações porta e sistêmica (ramos da veia porta e artéria hepática presentes
nos espaços porta) para a veia centrolobular (pertencente ao sistema cava). Durante esta passagem, substâncias
provenientes do sangue são captadas pelos hepatócitos para serem metabolizadas.

Os sinusoides:

✓ eles são altamente fenestrados


✓ são desprovidos de membrana basal (facilitando a saída de macromoléculas para fora do vaso)
• Assim, todas as substâncias presentes no sangue podem atravessar livremente as fenestras sinusoidais e
alcançar o ESPAÇO DE DISSE, que fica entre o sinusoide e o hepatócito → Tal espaço representa o interstício
lobular, e contém as células mais importantes para a gênese da cirrose hepática:
▪ Células estreladas
▪ Células de Ito

Fisiopatologia:

• Células estreladas normalmente são “quiescentes” (isto é, apresentam pouca atividade metabólica) e têm a
função primordial de armazenar vitamina A.
• Presença de certos estímulos (ex.: atividade necroinflamatória crônica no parênquima) → células de Kupffer
produzam citocinas pró-inflamatórias → transformação das células estreladas em células capazes de
sintetizar matriz extracelular (em particular colágeno tipo I e III) → deposição de fibras colágenas no espaço
de Disse → FENÔMENO DE CAPILARIZAÇÃO DOS SINUSOIDES (camada de colágeno, pouco permeável,
oblitera as fenestras e impede o contato entre os hepatócitos e as substâncias oriundas do sangue) →
comprometimento da capacidade de metabolização hepática e de secreção, no sangue, de macromoléculas
produzidas pelos hepatócitos + perda das microvilosidades dos hepatócitos
• A capilarização dos sinusoides também diminui seu calibre, o que aumenta a resistência vascular intra-
hepática (fator crucial na GÊNESE DA HIPERTENSÃO PORTA).
• FIBROSE EM PONTE (PORTA-CENTRO) → O sangue passa a circular por dentro dessas traves fibróticas sem
entrar em contato com as placas de hepatócitos, numa espécie de shunt intra-hepático, indo diretamente
dos espaços-porta para as veias centrolobulares.
• Doença hepática crônica → atividade necroinflamatória persistente → regeneração hepatocitária fique
restrita aos espaços formados entre diversas traves fibróticas interligadas → “NÓDULOS DE REGENERAÇÃO”
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

→ massa de hepatócitos desprovida de funcionalidade (tais nódulos não possuem relação com uma veia
centrolobular).

• O encontro desse “panorama histopatológico” (fibrose em ponte + nódulos) tem o poder de confirmar o
diagnóstico de cirrose hepática (logo, método “padrão-ouro” = biópsia).

Fígado cirrótico → aspecto macro ou micronodular na superfície do órgão. O tamanho do fígado depende do grau de
cirrose: nos casos mais avançados, a tendência é sua redução e atrofia como um todo! Por outro lado, um dado
semiológico patognomônico de cirrose é o encontro de redução do lobo hepático direito (< 7 cm) à hepatimetria de
percussão, associado a um lobo esquerdo aumentado, palpável abaixo do gradil costal, de superfície nodular e
consistência endurecida

Manifestações clínicas:

• Elas refletem o desenvolvimento de


dois problemas distintos, porém
inter-relacionados:
o hipertensão porta
o insuficiência hepatocelular

• Os achados clínicos da cirrose


hepática não são específicos de
nenhuma etiologia, exceção feita aos
seguintes sinais, que são sugestivos
de etiologia alcoólica:
o Intumescimento de
parótidas;
o Contratura palmar de
Dupuytren;
o Neuropatia;
o Pancreatite crônica associada.

Diagnóstico:

1. Anamnese e exame físico

2. Exames Laboratoriais

o Aminotransferases
• Na cirrose inativa (ou seja, sem atividade inflamatória), as aminotransferases podem estar completamente
normais.
• Logo, é importante compreender que as aminotransferases não possuem acurácia suficiente para estimar a
gravidade da doença hepática!
• Quando aumentadas, sugerem atividade inflamatória no parênquima.
• Hepatopatia sem cirrose → os níveis de ALT (TGP) costumam ser maiores que os de AST (TGO), dando uma
relação ALT/AST > 1.
• Hepatopatia com cirrose → inversão desse padrão, com o paciente apresentando ALT/AST < 1.
• Doença hepática alcoólica → a relação ALT/AST costuma ser < 1 mesmo nas fases pré-cirróticas

o Fosfatase alcalina e gama-Glutamil Transpeptidase (gama-GT)


• Elevam-se de maneira mais significativa nas hepatopatias colestáticas, apresentando elevações menos
pronunciadas nas lesões predominantemente hepatocelulares.
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• O encontro de elevados níveis de FAL e GGT sugere etiologias como cirrose biliar primária e colangite
esclerosante.

o Bilirrubinas
• A hiperbilirrubinemia é um fator de mau prognóstico na cirrose hepática, ocorrendo principalmente à custa
da fração direta.

o Hipoalbuminemia
• Denota insuficiência crônica de síntese hepatocelular.
• O deficit de síntese costuma se associar à desnutrição proteicocalórica, comum no paciente cirrótico, o que
piora ainda mais a hipoalbuminemia.
• Isto é particularmente frequente nos etilistas crônicos portadores de cirrose alcoólica

o Alargamento do tempo de protrombina e diminuição da atividade de protrombina


• O fígado é a principal sede da síntese de fatores de coagulação, incluindo a síntese dos fatores vitamina K-
dependentes (II, VII, IX e X) → uma redução significativa da função hepática resulta em coagulopatia
(tendência hemorrágica).

o Hipergamaglobulinemia (IgG)
• O cirrótico apresenta tendência aumentada à ocorrência do fenômeno de translocação intestinal bacteriana
(bacteremia espontânea a partir do trato gastrointestinal).
• O menor clearance hepático de bactérias presentes no sangue portal, bem como a “fuga” dessas bactérias
pelos shunts portossistêmicos, explicam tal fato.
• Assim, o braço humoral do sistema imunológico (linfócitos B) sofre um certo grau de hiperestimulação
constante na cirrose hepática, o que pode resultar em hipergamaglobulinemia policlonal quando da presença
de cirrose hepática avançada e hipertensão porta grave.
✓ Doença hepática alcoólica → aumento da fração IgA;
✓ Cirrose biliar primária → aumento da fração IgM;
✓ Hepatite autoimune → há elevação de IgG.

o Sódio sérico
• A hiponatremia é um marcador de péssimo prognóstico na cirrose avançada com ascite.
• Seu mecanismo é a incapacidade de excretar água livre, decorrente do excesso de Hormônio Antidiurético
(ADH).
• Este excesso, por sua vez, é estimulado pela redução do volume circulante efetivo (secreção “não osmótica”
de ADH).

o Pancitopenia
• Na cirrose avançada complicada por hipertensão portal há esplenomegalia e hiperesplenismo, com
consequente redução do número de plaquetas circulantes (sinal mais precoce), mas também da
hematimetria e da contagem de leucócitos (sinais mais tardios).
• A anemia do paciente cirrótico, na verdade, costuma ser multifatorial (ex.: desnutrição, sangramento
digestivo crônico, supressão medular pelo álcool ou por vírus), sendo muito comum, ainda, a ocorrência de
anemia de doença crônica, secundária à doença de base.

o Marcadores séricos diretos e indiretos de fibrose avançada/cirrose


• Marcadores séricos diretos de fibrose hepática, como laminina, colágeno tipo I e tipo IV, peptídeo pró-
colágeno tipo I e tipo III, ácido hialurônico e a molécula que está sendo chamada de “condrex” (YKL-40), podem
vir a ter algum papel na avaliação não invasiva da cirrose hepática, no futuro.

3. Exames de Imagem
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• Avaliação da cirrose hepática inclui:


1. Avaliar as alterações morfológicas da 3. Detectar e estimar os efeitos da
doença; hipertensão portal
2. Avaliar a vascularização hepática e extra- 4. Identificar tumores hepáticos,
hepática; diferenciando o Carcinoma Hepatocelular
(CHC) de outros tipos de tumor.

✓ Ultrassonografia convencional do abdome ✓ Tomografia computadorizada do abdome


(USG). (TC).
✓ Ultrassonografia do abdome com Doppler ✓ Ressonância Magnética (RM).
(USGD). ✓ Angiorressonância Magnética (ARM).
✓ Arteriografia com ou sem lipiodol (AG).

• Nas fases iniciais da cirrose hepática, todos esses exames podem ser normais
• Por outro lado, nas fases mais avançadas, a USG, TC e a RM costumam detectar alterações sugestivas da
doença.
• As alterações mais encontradas na cirrose hepática bem estabelecida:
o Nodularidade da superfície hepática.
o Heterogeneidade do parênquima hepático.
o Alargamento da porta hepatis e da fissura interlobar.
o Redução volumétrica do lobo hepático direito e do segmento médio do lobo hepático esquerdo.
o Aumento volumétrico do lobo caudado e do segmento lateral do lobo hepático esquerdo.
o Identificação de nódulos regenerativos (neste caso, a RM constitui método superior aos demais)

• Nesse sentido, a USG (e com menor frequência, a TC) é utilizada no rastreamento semestral de CHC em
pacientes sabidamente cirróticos, juntamente com a dosagem sérica da alfafetoproteína.

4. Biópsia Hepática

• O padrão-ouro para o diagnóstico de cirrose hepática é a histopatologia, com base no achado de espessos e
completos septos fibrosos porta-centro e porta-porta, os quais delimitam nódulos, resultando em uma
completa desorganização da arquitetura lobular e vascular.
• Quando os dados clínicos, laboratoriais e radiológicos são extremamente sugestivos de cirrose avançada
(ex.: ascite, esplenomegalia, hipoalbuminemia, INR alargado, fígado atrofiado, heterogêneo e nodular) a
biópsia geralmente é desnecessária (e até arriscada).

A biópsia hepática, além de confirmar o diagnóstico de cirrose, também pode fornecer pistas quanto a sua etiologia
(ex.: através de métodos imuno-histoquímicos).

Etiologia:

• Vírus Hepatotrópicos; • Doenças Metabólicas;


• Álcool; • Hepatopatias Colestáticas;
• Drogas; • Doenças da Infância;
• Hepatopatias Autoimunes; • Cirrose Criptogênica (Idiopática).

▪ Hepatite C crônica e a doença hepática alcoólica sejam responsáveis por cerca de 80% dos casos de cirrose
no Brasil!

Hepatopati Doenças Alcoo Doenças da Cirrose Colangiopati Vírus Drogas


as metabólicas l infância criptogênic as extra- hepatotrópic
autoimunes a hepáticas os
Tipo 1 Hemocromato Fibrose Obstrução Hepatite C Metildopa
se cística biliar benigna
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

Tipo 2 Doença de Tirosinemia Colangite Hepatite B Amiodaron


Wilson esclerosante a
Cirrose Deficiência de Galactosemi Hepatite B + Metotrexat
Biliar alfa-1- a D e
Primária antitripsina
Colangiopati Esteato- Atresia biliar Isoniazida
a hepatite não
Autoimune alcóolica
Cisto de Fenitoína
colédoco
Rarefação
de ductos
biliares
interlobular
es

Tratamento:
• A cirrose hepática é considerada uma condição irreversível.
• Assim, seu tratamento seria primariamente baseado no manejo de suas complicações – encefalopatia
hepática, hipertensão portal, ascite etc

Sendo assim, o tratamento da cirrose hepática pode ser didaticamente dividido em cinco pontos:

• Terapia antifibrótica
o Colchicina, o propiltiouracil, o interferon, a lecitina poli-insaturada e o S-adenosil-metionina (SAME);
o Colchicina é a mais utilizada
• Terapia nutricional
Os cirróticos tendem a ser hipercatabólicos e desnutridos, sendo que a desnutrição agrava a intensidade de disfunção
hepática
o É importante salientar que não existe indicação de restrição proteica. Da mesma forma, não há
necessidade de reduzir a ingestão de gorduras, mesmo nos pacientes colestáticos
o Refeições frequentes devem ser encorajadas (como por exemplo, um lanche noturno), o que ajuda a
manter um balanço nitrogenado adequado
o Evitar a ingestão de frutos do mar em virtude do risco potencial de sepse grave e morte através da
infecção com Vibrio vulnificus e Yersinia sp.
• Tratamento específico da causa
• Tratamento das complicações da cirrose
o A correção da deficiência de vitaminas (complexo B, A, D, E, K) é particularmente importante em
pacientes com
cirrose alcoólica e
nas cirroses com
significativo
componente
colestático
• Transplante hepático
• Tratamento de causas que
atacam o fígado
o É mandatório
avaliar o status
sorológico do
paciente em relação
aos vírus da
hepatite A e B, e
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

caso o paciente seja suscetível (isto é, anti-HAV IgG negativo e/ou anti-HBs negativo) ele deve ser
vacinado.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Cirrose Compensada

• A cirrose é assintomática
• Fadiga inespecífica, libido diminuída ou distúrbios do sono podem
ser as únicas queixas.
• Cerca de 40% dos pacientes com cirrose compensada possui varizes
esofágicas. Varizes gastroesofágicas não hemorrágicas são
assintomáticas e sua presença (sem sangramento) não denota
descompensação.

Cirrose Descompensada

• Neste estágio existem sinais de descompensação: ascite, varizes hemorrágicas, icterícia, encefalopatia
hepática ou qualquer combinação desses achados.
• A ascite, que é o sinal mais frequente de descompensação, está presente em 80% dos pacientes com cirrose
descompensada.
• A perda progressiva de hepatócitos funcionantes leva a uma série de alterações que se instalam de maneira
insidiosa:
o Fases iniciais = Distúrbios endócrinos e hemodinâmicos
o Fases tardias = Problemas como encefalopatia hepática, hipoalbuminemia e coagulopatia

COMPLICAÇÕES INICIAIS
Sinais de Hiperestrogenismo/Hipoandrogenismo

• A cirrose hepática altera a homeostase dos hormônios sexuais.


• Nas fases iniciais, pode-se detectar um aumento dos níveis séricos de estrona → devido à maior conversão
periférica de androgênios em estrogênios no tecido adiposo.
• O aumento da SHBG (globulina ligadora de hormônio sexual) também é característico da cirrose e pode
contribuir para a detecção de níveis altos de estrógenos nesses pacientes.
• Com o avançar da hepatopatia, caem os níveis séricos de testosterona → diminuição da síntese deste
hormônio nas gônadas.

o Hiperestrogenismo → Altos níveis de estrogênio causam proliferação e


dilatação de vasos cutâneos, sendo o responsável pelas alterações
vasculares cutâneas da cirrose, representadas pelo eritema palmar e pelas
telangiectasias do tipo “aranha vascular”.
➢ Telangiectasias do tipo “aranha vascular” (ou spider angioma) são
caracterizadas por uma dilatação arteriolar central ligando-se a
capilares dilatados com disposição radial. São encontradas no
pescoço, na porção superior do tronco e dos membros superiores.
➢ Eritema palmar é decorrente da vasodilatação cutânea restrita à
região palmar, principalmente nas regiões tenar e hipotenar.
o Hipoandrogenismo → queda da libido, impotência masculina, atrofia testicular, redução importante da
massa muscular (evidenciada pela atrofia dos músculos interósseos das mãos) e rarefação de pelos (cuja
distribuição passa a respeitar o padrão feminino).
➢ A ginecomastia é decorrente do hipoandrogenismo associado ao hiperestrogenismo.

Baqueteamento (ou Hipocratismo) Digital


GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• A ponta dos dedos torna-se “abaulada” na base da unha, dando ao dedo um aspecto de “baqueta de
tambor”.
• O que ocorre é um aumento volumétrico do tecido subcutâneo vascularizado da extremidade digital, por
mecanismos ainda desconhecidos.

Distúrbios hemodinâmicos

o “Teoria do Underfilling” → a hipertensão portal da cirrose provoca o extravasamento de líquido intravascular


para a cavidade peritoneal, através dos sinusoides hepáticos. Essa pequena queda da volemia estimula os
barorreceptores a ativar o sistema renina-angiotensina-aldosterona, o sistema nervoso simpático e a
liberação de ADH (Hormônio Antidiurético).
➢ A ativação desses sistemas, por sua vez, promove a retenção de líquido pelos rins, na tentativa de
restaurar a volemia. Porém todo o líquido retido volta a extravasar para a cavidade peritoneal e,
assim, forma-se um ciclo vicioso no qual o paciente vai formando a sua ascite e mantém-se sempre
com uma tendência hipovolêmica.
o Outras alterações hemodinâmicas:
➢ Vasodilatação sistêmica (queda da resistência arterial periférica)
➢ Aumento do débito cardíaco.
➢ Aumento real da volemia total (volume sanguíneo presente em toda a circulação: venosa + arterial).
o “Teoria da Vasodilatação” → Esta é a mais aceita atualmente

Hipertensão portal → desviar o sangue mesentérico para a circulação cava, sem passar pelo fígado, perde-se o “filtro
hepático” contra as bactérias Gram-negativas provenientes da translocação intestinal → endotoxina das bactérias
Gram-negativas (LPS) + IL-6 + TNF-alfa → síntese endotelial de NO → vasodilatação esplâncnica → desloca uma
parte da volemia para este território vascular, reduzindo, por conseguinte, o volume sanguíneo que perfunde os outros
órgãos e tecidos (chamado “volume arterial efetivo”) → ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona +
sistema nervoso simpático + liberação de ADH → estimulam os rins a reterem sal e água → aumenta a volemia total
→ volume sanguíneo adicional está quase todo “sequestrado” nos vasos esplâncnicos dilatados → não consegue
corrigir o déficit de “volume arterial efetivo” → processo então se perpetua → retenção hidrossalina continua e
progride → excesso de líquido presente no território mesentérico começa a transudar diretamente para a cavidade
peritoneal em consequência ao aumento de permeabilidade que acompanha a vasodilatação, fenômeno
potencializado pela hipoalbuminemia → paciente começa a formar ascite

Conclusão: o paciente apresenta:


➢ Redução do “volume arterial efetivo”, comportando-se como um paciente hipovolêmico, inclusive com
tendência à hipotensão arterial e azotemia pré-renal → Sempre comece com uma dose mais baixa de
diurético nesses pacientes “virgens de tratamento” – não esqueça que ele tem um estado hemodinâmico
que funciona como uma hipovolemia relativa
➢ Aumento da volemia total, só que distribuída basicamente no território esplâncnico e portal;
➢ Aumento do sódio e da água corporal total, que se distribui principalmente no peritônio (ascite) e no
interstício (edema);
➢ Redução da resistência vascular periférica, pela intensa vasodilatação;
➢ Aumento do débito cardíaco, já que o coração está bombeando contra uma baixa resistência

COMPLICAÇÕES TARDIAS
Encefalopatia hepática

• Síndrome neuropsiquiátrica potencialmente reversível que pode surgir em pacientes portadores de


hepatopatia crônica avançada ou mesmo na insuficiência hepática aguda.
• A encefalopatia é causada pela passagem de substâncias tóxicas (provenientes do intestino) para o cérebro,
que em uma pessoa normal seriam depuradas pelo fígado.
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• A disfunção hepatocelular grave é um elemento primordial para o desenvolvimento da síndrome, porém, na


cirrose hepática avançada, outro fator também deve ser considerado: a hipertensão portal, que desvia o
sangue mesentérico para a circulação sistêmica
• Uma das substâncias mais implicadas na gênese da encefalopatia hepática é a amônia (NH3)
• As principais fontes de amônia intestinal são:
(1) enterócitos – metabolismo do aminoácido glutamina;
(2) bactérias colônicas – catabolismo de proteínas alimentares e da ureia secretada no lúmen intestinal.

É importante ressaltar que o fígado normal depura quase toda a amônia presente no sistema porta. Os hepatócitos
transformam esse composto de alta toxicidade no aminoácido glutamina ou numa substância bem menos tóxica
para o organismo – a ureia.

• Em primeiro lugar, a natureza “metabólica” da disfunção cerebral é revelada pela sua reversibilidade (pelo
menos parcial) e pela ausência de alterações neuropatológicas orgânicas que, por si só, poderiam explicar a
síndrome.
• Surge degeneração de células nervosas e de fibras axonais do cérebro, cerebelo e medula espinhal, com
áreas de cavitação microscópicas, conferindo uma aparência esponjosa. Para esse tipo de alteração patológica
emprega-se o termo “degeneração hepatocerebral adquirida”.

Efeitos da amônia no metabolismo cerebral:

• Aumenta a captação de aminoácidos aromáticos pela barreira hematoencefálica → dão origem a


neurotransmissores inibitórios do tipo serotonina e aos falsos neurotransmissores (octopamina,
feniletanolamina), caracteristicamente aumentados na encefalopatia hepática.
• Aumenta a osmolaridade das células gliais (astrócitos), fazendo com que estas células se tornem
edemaciadas – edema cerebral do tipo celular;
• Inibe a atividade elétrica neuronal pós-sináptica;
• Estimula a produção de GABA, um importante depressor da atividade cortical (O GABA – ácido gama-
aminobutírico) é um neurotransmissor inibitório cujo receptor pós-sináptico pode ser estimulado pelos
benzodiazepínicos e barbitúricos)

Sinais e Sintomas:

Podemos classificar a encefalopatia em vários grupos, de acordo com a apresentação clínica

Tipos Clínicos de Encefalopatia Hepática (EH)

• EH mínima
• EH aguda esporádica, espontânea ou desencadeada por “fatores precipitantes”.
• EH crônica, continuamente sintomática.
• EH associada à insuficiência hepática fulminante

Encefalopatia Hepática Mínima (ou Subclínica)

• Presença de alterações neuropsiquiátricas só detectadas pelos testes neuropsicométricos, pelo fato de


serem sutis.
• Tais alterações geralmente não são percebidas nem pelo paciente, nem pelo médico, mas estão presentes
em até 70% dos cirróticos!
• Exames complementares como o eletroencefalograma podem reforçar o diagnóstico

A encefalopatia hepática “manifesta” compreende várias anormalidades neurológicas e psiquiátricas, tais como
distúrbios de comportamento (agressividade, agitação), sonolência/ letargia, inversão do ciclo sono-vigília (insônia
noturna com sonolência diurna), fala arrastada com bradipsiquismo, “hálito hepático” (ou fetor hepaticus), asterixis
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

(= flapping), incoordenação muscular e hipertonia, escrita irregular, reflexos tendinosos exacerbados ou alentecidos,
sinal de Babinski, crises convulsivas e postura de descerebração.

➢ Flapping → Deve-se solicitar ao paciente que estenda o braço para frente e faça a dorsoflexão da mão (mão
aberta e com os dedos bem separados). A pessoa normal mantém a posição estável, enquanto no paciente
com encefalopatia a mão cai repetidamente, em movimentos ritmados, devido a relaxamentos rápidos
(perda do tônus) seguidos de retomada da contração muscular. Se não for desencadeado espontaneamente,
o médico pode hiperestender o punho
do paciente, causando o chamado →
não é patognomônico da encefalopatia
hepática!
• A EH manifesta é classicamente
dividida em graus:

Fatores Precipitantes da Encefalopatia


Hepática:

• Hemorragia digestiva alta; • Desidratação/hipovolemia;


• Hipocalemia; • Diuréticos tiazídicos ou de alça (furosemida);
• Alcalose metabólica ou respiratória;
• Infecções (incluindo a peritonite bacteriana espontânea);
• Uso de sedativos (benzodiazepínicos e barbitúricos);
• Dieta hiperproteica;
• Procedimentos cirúrgicos;
• Constipação intestinal;
• Hipóxia;
• Shunts portossistêmicos: espontâneos (ex.: esplenorrenal) e cirúrgicos (incluindo o TIPS – Transjugular
Intrahepatic Portosystemic Shunt)

Hemorragia digestiva (plaquetopenia + coagulopatia + O sangue liberado no tubo digestivo é digerido pelas
presença das varizes esofagogástricas) bactérias colônicas → do metabolismo da hemoglobina
(proteína), forma-se mais amônia → prontamente
absorvida pelos enterócitos, desencadeando a EH.

Alcalose metabólica O pH plasmático mais alcalino → conversão da forma


ionizada NH4 + (amônio) na forma não ionizada NH3
(amônia) lipossolúvel → passa livremente pela barreira
hematoencefálica, aumentando a impregnação cerebral da
neurotoxina.

Hipocalemia Redução do pH intracelular → aumenta a produção renal


de NH3 das células tubulares proximais

Dieta hiperproteica Aumento da produção de amônia pelas bactérias colônicas


que metabolizam a proteína alimentar.
Úlceras pépticas A histamina produzida no organismo é depurada pelo
fígado → Com o desenvolvimento da insuficiência
hepatocelular, há um aumento dos níveis de histamina
circulante → histamina estimula diretamente as células
parietais do estômago → produção de ácido clorídrico
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

Constipação intestinal Aumentar a proliferação das bactérias colônicas e o tempo


de contato entre a amônia produzida com a mucosa
intestinal (aumentando sua absorção)

Diagnóstico:

• O diagnóstico de encefalopatia hepática é eminentemente clínico


• Um exame bastante promissor é a ressonância nuclear magnética com espectroscopia no qual se avalia o
metabolismo cerebral.

Tratamento da Encefalopatia Hepática Aguda Esporádica:

• Controle dos fatores precipitantes e na redução da produção e absorção de amônia pelo cólon.
• Sabemos que a amônia é produzida pelo metabolismo das bactérias colônicas, ao degradar os compostos
nitrogenados (ureia e proteínas) presentes no lúmen intestinal.

➔ Restrição Proteica: a restrição proteica na dieta não está indicada de rotina no tratamento da EH aguda.
Pacientes com EH estágio III ou IV devem ficar em dieta zero pelo menos nas primeiras 24-48h, e tão logo
comecem a se recuperar, a dieta deve ser reintroduzida.

➔ Corrigir a Constipação: a constipação aumenta a proliferação bacteriana no cólon. Para combatê-la, o laxante
mais utilizado é a lactulose oral

➔ Lactulose: a lactulose (ou betagalactosidofrutose) é considerada a “pedra mestra” na terapia da


encefalopatia hepática aguda esporádica. A lactulose não é “quebrada” pelas dissacaridases presentes nas
microvilosidades dos enterócitos do intestino delgado e, portanto, consegue atingir o cólon de forma intacta.
Seu principal mecanismo de ação:
✓ Metabolizada pelas bactérias colônicas em ácidos graxos de cadeia curta (ácido lático e ácido acético),
reduzindo o pH do lúmen colônico para em torno de 5,0. Com o pH mais ácido, o NH3 (amônia) é convertido
em NH4 + (amônio), este último inabsorvível pela mucosa intestinal.
✓ Efeito catártico (laxante).
✓ Aumenta a flora de Lactobacillus, bactérias que não produzem NH3 em seu metabolismo, substituindo as
bactérias produtoras de NH3.
✓ Aumenta a incorporação de amônia em algumas bactérias.

➔ Antibióticos: certos antibióticos orais podem ser administrados com o intuito de reduzir a flora bacteriana
colônica produtora de amônia. O mais tradicional é a neomicina. Outras opções são o metronidazol ou a
rifaximina (possui menores efeitos colaterais). Os antibióticos costumam ser reservados para os pacientes
intolerantes ou refratários à lactulose → o antibiótico NÃO deve substituir a lactulose: tais pacientes utilizam
lactulose + antibiótico para o controle da EH.

➔ Outros Tratamentos
✓ (L-Ornitina-L-Aspartato - LOLA): aumenta a depuração hepática e, em menor grau, muscular da amônia
✓ Probióticos: como o extrato de bactérias sacarolíticas não produtoras de urease, pode modificar a flora
colônica do paciente para uma flora menos produtora de amônia.
✓ Suplementação de zinco.

Déficit de síntese hepática

• Os hepatócitos possuem a importante função de sintetizar proteínas e fatores da coagulação → albumina,


alfaglobulinas, betaglobulinas, ferritina e a proteína C reativa
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• Com exceção do fator VIII, que é produzido pelas células endoteliais hepáticas, todos os demais fatores
da coagulação são sintetizados pelos hepatócitos, como o fibrinogênio (fator I), a protrombina (fator II)
e os fatores V, VII, IX, X e XI.

Hipoalbuminemia

• A albumina é a proteína presente no plasma em maior concentração, sendo a principal responsável pela
pressão oncótica ou coloidosmótica do plasma. Esta é a pressão que “prende” o líquido no compartimento
intravascular.
• Na hipoalbuminemia, existe uma tendência à saída de líquido para o interstício, predispondo o paciente
ao edema.
• Cirrose hepática → maior potencial edemigênico → hipoalbuminemia + aumento da pressão hidrostática
capilar
• Nas hepatopatias agudas, a hipoalbuminemia não é um evento comum (pois a meia-vida da albumina é
relativamente longa – vinte dias em média – em comparação com a dos fatores de coagulação) →
presença de uma albumina plasmática < 3,0 g/dl sugere muito que, na realidade, o paciente tem um
quadro crônico ou então crônico “agudizado”.
• Albumina também é um importante marcador do estado nutricional do paciente → Os hepatopatas com
maior deficit nutricional são aqueles com menor albumina plasmática.

Coagulopatia

• A disfunção hepatocelular grave compromete a síntese dos fatores da coagulação.


• O fator tem a meia-vida mais curta é o fator VII – o fator da via extrínseca → O exame que avalia esta via
da coagulação é o TP (Tempo de Protrombina). Como o fator VII é o primeiro a se reduzir na insuficiência
hepática, o primeiro exame que altera é o TP (ou TAP).
• Como os demais fatores de coagulação também acabam sendo reduzidos na insuficiência hepática, o
outro exame que avalia a coagulação – o PTT (Tempo de Tromboplastina Parcial) – também pode alterar.
Este exame avalia a via intrínseca da coagulação.

No paciente hepatopata → TP alargado (com atividade de protrombina baixa e INR alto) também pode ter outra
explicação, diferente da insuficiência hepatocelular: COLESTASE! → A colestase intra ou extra-hepática reduz a
secreção biliar e, portanto, há menos sais biliares chegando ao intestino para auxiliar na absorção das vitaminas
lipossolúveis (A, D, E, K) → A má absorção da vitamina K pode causar uma
coagulopatia pela redução na síntese dos fatores II, VII, IX e X, mais uma vez
predominando a depleção do fator VII → na colestase, o paciente está ictérico
(predomínio importante da bilirrubina direta), com colúria e hipocolia fecal; a
fosfatase alcalina e a gama-GT estão elevadas.

• Na cirrose hepática, o INR não possui correlação direta com o risco de sangramento → Isso é explicado
pela diminuição concomitante da fibrinólise endógena (mediada pelo plasminogênio, que também é
produzido no fígado). Assim, mesmo com INR alargado, podem ocorrer fenômenos tromboembólicos,
principalmente em pacientes hospitalizados por infecções agudas

ESTADIAMENTO DE CHILD-PUGH

• Classificações funcionais e índices


preditivos de sobrevida baseados em
algumas variáveis clínicas e
laboratoriais.
• Este estadiamento da doença hepática
crônica é fundamental para
determinar o prognóstico do paciente,
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

além de ser muito utilizado para a decisão de algumas medidas terapêuticas, tal como o transplante
hepático

Manifestações hematológicas

Anemia da Hepatopatia Crônica

• A hepatopatia crônica frequentemente cursa com anemia, em geral leve ou moderada.


• O mecanismo é meramente dilucional, em resposta à retenção hidrossalina característica da
hipertensão portal.

Patogênese

• O mecanismo mais comum de anemia na hepatopatia crônica é a hemodiluição.


• Vários são os fatores que podem induzir uma “anemia verdadeira” → isto é, a redução da massa de
hemácias. Dois fatores costumam estar associados:
(1) redução da meia-vida das hemácias de 120 para 20-30 dias, devido:
✓ Hiperesplenismo (devido à esplenomegalia congestiva);
✓ Alterações no metabolismo eritrocitário, tornando as hemácias instáveis;
✓ Alterações da composição lipídica de suas membranas, com aumento do teor de colesterol e
lecitina.
(2) redução da resposta eritropoiética à anemia, devido:
✓ Efeito direto do álcool na medula óssea (quando a etiologia da hepatopatia é alcoólica);
✓ Anemia megaloblástica por carência de folato (secundária à desnutrição que quase sempre
acompanha o cirrótico);
✓ Anemia ferropriva por sangramento crônico, geralmente proveniente do trato digestivo alto
(varizes, doença ulcerosa);
✓ Provável queda na produção de eritropoetina hepática.

Manifestações Clínicas e Laboratoriais

• Os achados laboratoriais característicos são de uma anemia normocítica ou macrocítica, geralmente com o
índice de reticulócitos corrigido elevado.
• O esfregaço do sangue periférico pode mostrar uma série de alterações sugestivas:
✓ Macrócitos finos – hemácias com diâmetro aumentado, porém com volume corpuscular normal
✓ Hemácias em alvo – idênticas àquelas encontradas nas hemoglobinopatias e na esplenectomia – o
mecanismo de sua formação é o aumento da superfície da hemácia, devido ao acúmulo de lipídios na
membrana, em relação ao volume corpuscular;
✓ Acantócitos – a presença de múltiplas células como esta indica
hemólise grave

Hiperesplenismo

• É responsável pela hemocaterese, que significa a destruição de


hemácias senescentes ou defeituosas.
• Na cirrose, a instalação da hipertensão portal determina uma
esplenomegalia congestiva → O baço destes pacientes
aumenta o seu poder de hemocaterese, pois o sangue passa
com maior morosidade pelos cordões esplênicos congestos.
• Este tipo de anemia hemolítica tende a ser leve, pois o poder
de destruição do baço congesto geralmente é contrabalançado pelo aumento na produção de hemácias
pela medula óssea. Os pacientes então desenvolvem reticulocitose.
• Mais importante do que a anemia é a trombocitopenia do hiperesplenismo, uma de suas principais
consequências → Um baço congesto é capaz de “sequestrar” um percentual muito maior de plaquetas,
acarretando plaquetopenia.
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• A neutropenia por “sequestro esplênico” pode acompanhar a plaquetopenia em alguns casos.

SÍNDROME HEPATORRENAL

• É uma forma de insuficiência renal funcional (isto é, não acompanhada de alterações histopatológicas
renais), que ocorre geralmente em indivíduos com hepatopatia crônica avançada, insuficiência hepática
grave e hipertensão portal.
• Vasodilatação esplâncnica → diminuição do volume circulante efetivo, com ativação dos sistemas renina-
angiotensina-aldosterona e noradrenérgico (simpático), cuja ação, por sua vez, ocorrerá
predominantemente nos rins, levando à vasoconstrição renal.
• Assim, a SHR reflete um desequilíbrio entre os fatores vasodilatadores e vasoconstritores, resultando no
aumento significativo da resistência vascular renal, diminuição da TFG e uma ávida retenção de sódio e
água (o sódio urinário desses pacientes geralmente é < 10 mEq/dia).
• A apresentação clinicolaboratorial depende do tipo de SHR (tipo 1 e tipo 2):

✓ Tipo 1 = caracterizado pela rápida progressão da insuficiência renal (< 2 semanas), havendo
aumento da creatinina sérica para além do dobro do valor inicial (>2,5 mg/dl), ou uma queda no
clearance de creatinina para < 50% do valor inicial (<20 ml/min) → O quadro clínico é compatível
com uma insuficiência renal aguda oligúrica. Prognóstico sem tratamento é extremamente ruim.
✓ Tipo 2 = a creatinina sérica é > 1,5 mg/dl e/ou o clearance de creatinina é < 40 ml/min, mas a
evolução é mais insidiosa e o prognóstico a curto prazo, mesmo sem tratamento, é melhor →
Na SHR tipo 2 os pacientes se apresentam com “ascite refratária” ao tratamento clínico.
• A SHR pode se desenvolver de forma espontânea ou ser precipitada por um evento agudo.

Fatores precipitantes:

• Sangramento gastrointestinal
• Infecção (especialmente PBE)
• Diurese intensa com rápida perda de peso
• Paracentese de grande volume sem reposição de albumina

Tratamento:

• Tratamento conservador: repouso, manutenção do estado euvolêmico e retirada de agentes nefrotóxicos


(principalmente aminoglicosídeos e anti-inflamatórios).
• Paracenteses de alívio (de pequeno volume): podem ser necessárias para amenizar o desconforto da ascite.
• Tratamento farmacológico: está baseado na combinação de drogas com ação vasoconstrictora esplâncnica
(terlipressina) + infusão de albumina por 14 dias ou até a resolução completa do quadro
• Transplantes: Terapia de substituição renal não aumenta a sobrevida, mas pode ser usada como ponte para
o transplante hepático. O transplante hepático é considerado o tratamento de escolha da SHR, sendo o único
tratamento que efetivamente aumenta a sobrevida.

SÍNDROME HEPATOPULMONAR

O termo Síndrome Hepatopulmonar (SHP) se refere a uma tríade clínica composta por:

• Doença hepática crônica;


• Hipoxemia: com gradiente alvéolo arterial aumentado (indicando a presença de shunt arteriovenoso)
• Evidências de alterações vasculares intrapulmonares, referidas como “Dilatações Vasculares Intra
Pulmonares (DVIP)”.

• A disfunção respiratória depende basicamente da presença das DVIP, que funcionam como shunt
arteriovenoso pulmonar → O sangue dessaturado “bypassa” alguns alvéolos ao prosseguir pelos vasos
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

dilatados, misturando-se ao restante do sangue que sai dos pulmões → A mistura do sangue dessaturado
(vindo das DVIP) com o sangue do restante do parênquima determina hipoxemia.

Fisopatogenia:

• A fisiopatogenia da SHP não é conhecida, mas a principal


hipótese é o aumento na circulação pulmonar de
vasodilatadores endógenos (ex.: NO), resultante do
deficit de detoxificação hepática (por insuficiência
hepatocelular e por formação de anastomoses
portossistêmicas)
• A pressão portal elevada constitui uma condição
suficiente para o seu desenvolvimento.

Manifestações clínicas:

• Dispneia, cianose de lábios e extremidades, baqueteamento digital, aranhas vasculares e platipneia (dispneia
que piora com a posição sentada ou em pé).
• A platipneia é um achado clássico → É acompanhada da ortodeoxia: hipoxemia desencadeada ou agravada
pela posição ortostática (ereta) que alivia na posição supina (paciente com platipneia que melhora em
decúbito dorsal) → Pode ser explicada pela localização preferencial das DVIP nas bases pulmonares.

Platipneia + Cirrose Hepática + Ortodeoxia = Síndrome Hepatopulmonar

• Ortodeoxia é definida como um decréscimo ≥ 10% na PaO2 quando se passa da posição supina para a
posição sentada ou em pé.

Avaliação Clínica e Diagnóstico:

• Gasometria arterial: avaliar a presença ou não de hipoxemia, hipocapnia, alcalose respiratória e


ortodeoxia (redução da PaO2 na posição ortostática). A hipoxemia arterial pode ser definida como PaO2
em ar ambiente e em posição supina < 70 mmHg.
• Gradiente alvéolo-arterial de oxigênio: acima de 15-20 mmHg sugere a presença de shunt.
• Radiografia de tórax: geralmente é normal, mas pode revelar um tênue infiltrado intersticial bilateral,
principalmente nas bases pulmonares.
• Ecocardiograma contrastado: é o exame não invasivo mais importante para o diagnóstico.
• Cintilografia pulmonar: utiliza-se macroagregados de albumina marcados com 99m Tc também pode
revelar indícios das DVIP.
• Angiografia pulmonar: A angiografia é utilizada para os casos de diagnóstico duvidoso pelos exames não
invasivos

Tratamento:

• A maioria dos pacientes apresenta boa resposta, com melhora acentuada da hipoxemia, após a
administração de oxigênio.
• Até o momento, o transplante hepático constitui a única modalidade de tratamento eficaz na SHP,
embora a presença desta no pré-transplante aumente sobremaneira a morbimortalidade peroperatória.

HIPERTENSÃO PORTOPULMONAR

• Uma síndrome semelhante à hipertensão pulmonar primária, só que associada à hipertensão porta.
• Pelo acúmulo de substâncias endotélio-tóxicas não depuradas pelo fígado, as artérias pulmonares
periféricas sofrem remodelamento, com vasoconstrição, hiperplasia da média, espessamento da íntima
e formação de trombos in situ.

Quadro Clínico:
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• O quadro clínico é marcado por dispneia progressiva aos esforços e sinais de sobrecarga de VD no exame
clínico, além de hiperfonese do componente P2 da segunda bulha.
• Pode haver síncope e dor torácica.
• Radiografia de tórax: abaulamento do segundo arco da silhueta cardíaca esquerda (correspondente ao tronco
da artéria pulmonar) e um aumento da área cardíaca à custa de VD.

Diagnóstico:

• O diagnóstico começa pelo ecocardiograma, para mostrar a sobrecarga do VD e estimar a pressão sistólica da
artéria pulmonar (PAPsist);
• Depois passa para a cintilografia pulmonar V/Q (para afastar tromboembolismo pulmonar recorrente) e é
confirmado pelo cateterismo cardíaco direito, com mensuração direta da pressão sistólica da artéria pulmonar
(PAPsist), que deve estar superior a 25 mmHg.

Tratamento:

• Anticoagulação crônica com warfarin: objetivando manter o INR em torno de 1,5, isto é, faz-se uma
anticoagulação de “baixa intensidade”, devido ao risco aumentado de hemorragia em hepatopatas
crônicos → O warfarin visa reverter e prevenir a formação dos trombos in situ ou dos microêmbolos.
• Vasodilatador arterial pulmonar: epoprostenol (prostaciclina), ministrado em infusão contínua por uma
bomba implantada no subcutâneo.
• Transplante hepático: em casos selecionados (é preciso que a PAPsist atinja níveis inferiores a 35 mmHg
para que o procedimento possa ser realizado)

PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA

• Risco é sabidamente muito mais alto naqueles com ascite associada à cirrose hepática.
• A proteína total do líquido ascítico encontra-se caracteristicamente baixa na PBE, inferior a 1 g/dl.
• Conceitualmente, a PBE é a infecção da ascite que surge na ausência de uma fonte contígua de
contaminação, tal como abscessos intra-abdominais ou perfuração de víscera oca.

Fisopatogenia:

• Translocação bacteriana a partir do tubo digestivo e a deficiência de opsoninas (proteínas do complemento)


no líquido ascítico (comum em cirróticos).
• A bactéria migra do lúmen intestinal para os linfonodos mesentéricos, ocorrendo então bacteremia, com
posterior deposição do patógeno no líquido ascítico; auxiliado pela defesa precária do organismo na ascite,
inicia a replicação, provocando uma PBE.
• PBE é monobacteriana:
✓ Maioria dos casos de PBE (70%) é causada por Gram-negativos entéricos, com destaque para a
Escherichia coli, seguida da Klebsiella pneumoniae
✓ Gram-positivos, como o Streptococcus pneumoniae (pneumococo), também podem causar PBE,
sendo geralmente provenientes de um foco à distância

A Escherichia coli é o principal patógeno da PBE na cirrose hepática enquanto o pneumococo é o agente mais comum
da PBE na ascite nefrótica

Quadro Clínico:

• Febre em torno de 38C (70%)


• Dor abdominal difusa (60%)
• Alteração do estado mental por encefalopatia hepática (55%)
• Dor à palpação abdominal (50%)
• Diarreia, íleo paralítico, hipotensão arterial.
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

➢ Pela presença da ascite, os sinais de peritonite são praticamente inexistentes.

Diagnóstico:

• Contagem de polimorfonucleares (PMN) no líquido ascítico ≥ 250/mm³ + com cultura positiva


monobacteriana

Bacterascite → cultura positiva monobacteriana na ausência do critério leucocitário. A bacterascite é uma fase
muito precoce na patogênese da PBE (representando a “chegada” da bactéria ao líquido ascítico) e, em 60% dos
casos, resolve espontaneamente, sem evoluir para a peritonite espontânea.

Tratamento

• Deve-se ressaltar que a chave para o sucesso terapêutico é o diagnóstico precoce → todo paciente cirrótico
admitido com ascite no hospital deve ser submetido a uma paracentese diagnóstica, independentemente da
presença de sintomas sugestivos de PBE como febre e dor abdominal.

• Antibioticoterapia: seja iniciada anteriormente ao resultado dos estudos microbiológicos do líquido ascítico
→ cefalosporina de terceira geração venosa: cefotaxime IV por 5 dias
• Se houve melhora sintomática dramática, a terapia está encerrada; se não, uma nova paracentese deve ser
realizada.

o se PMN < 250/mm3 → terapia encerrada;


o se PMN > 250/mm3 → porém menor que a contagem da paracentese anterior: completar sete dias e realizar
nova paracentese;
o se PMN aumentar em relação à paracentese anterior → reavaliar possibilidade de peritonite secundária.
• Expansão plasmática com albumina: usada como terapia adjuvante à antibioticoterapia, faz parte do
tratamento padrão da PBE, diminuindo a incidência de insuficiência renal (incluindo de síndrome
hepatorrenal) e melhorando substancialmente a sobrevida dos cirróticos com PBE.

Profilaxia

• Secundária (pacientes que desenvolveram BPE) → Norfloxacina + ciprofloxacina ou


sulfametoxazol/trimetoprim até o desaparecimento da ascite.
• Primária aguda → é indicada após qualquer hemorragia por varizes esofagogástricas em um paciente cirrótico
com ascite → norfloxacina por sete dias
• Primária crônica → utilizada em pacientes cirróticos com níveis de proteína total no líquido ascítico < 1,0 g/dl.

Uma vez que a sobrevida média após o primeiro episódio de PBE é de cerca de nove meses, esta infecção deve
motivar a colocação do paciente em lista de espera para o transplante hepático.

CARCIONOMA HEPATOCELULAR

• Tumor maligno primário mais comum do fígado e a terceira causa de morte por neoplasia no mundo.
• Possui como causa principal a cirrose, particularmente quando secundária à hepatite crônica pelos vírus B ou
C.

Fatores de Risco

• Mais de 80% dos pacientes com CHC têm cirrose hepática. O risco de desenvolvimento de CHC varia de acordo
com a etiologia da cirrose

Vírus da Hepatite B (VHB)

• A infecção crônica pelo VHB é a causa mais comum de CHC no mundo.


GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

• É importante ressaltar que a idade de aquisição do VHB possui importante papel na oncogênese do CHC:
recém-nascidos e crianças mais jovens expostas ao VHB têm uma chance muito maior de desenvolver infecção
crônica do que aqueles infectados na idade adulta.
• Na hepatite B crônica, o DNA do vírus é incorporado ao genoma do hepatócito, propiciando mutações
oncogênicas → Na cirrose, há degeneração e regeneração hepatocitária (maior turnover celular), o que
aumenta a chance de mutações no DNA da célula, já comprometido pelo vírus B.

Vírus da Hepatite C (VHC)

• O VHC, ao contrário do VHB, não é capaz de integrar-se ao DNA do hospedeiro. Assim, o mecanismo da
hepatocarcinogênese é provavelmente diferente entre os dois vírus.
• A infecção crônica pelo VHC parece ser tão hepatocarcinogênica quanto a infecção crônica pelo VHB.
• Entretanto, na hepatite C crônica o CHC só se desenvolve após o surgimento de cirrose hepática.

Álcool

• A cirrose hepática alcoólica constitui um importante fator de risco para CHC.


• A combinação de grande ingesta etílica com a infecção crônica pelo VHC aumenta o risco de CHC além do
risco proporcionado por cada fator isoladamente.

Apresentação Clínica

• A apresentação clínica do CHC se faz principalmente de quatro formas:


✓ Tríade clássica: dor em Quadrante Superior Direito do Abdome (QSDA) + aumento do volume
abdominal + perda de peso;
✓ Identificação incidental por método de imagem em paciente assintomático, com ou sem massa
palpável em QSDA;
✓ Piora do estado clínico ou trombose de veia porta em paciente cirrótico previamente compensado;
✓ Manifestações paraneoplásicas: febre, leucocitose, caquexia, eritrocitose, hipercalcemia, síndrome
carcinoide, hipoglicemia, porfiria cutânea tarda etc.
✓ As aminotransferases, bilirrubinas, fosfatase alcalina e GGT e leucometria global podem estar
elevados.

TRANSPLANTE HEPÁTICO

• O paciente candidato ao transplante deve ter uma doença hepática avançada, progressiva e irreversível.
• Deve ter uma qualidade de vida bastante comprometida pela hepatopatia, com expectativa de vida inferior a
um ano.

Critérios de Seleção:

• O critério de seleção não é dado simplesmente pela ordem de chegada, mas sim pela gravidade da doença:
quanto menor a expectativa de sobrevida, mais rapidamente o indivíduo é alocado para receber o
transplante.
➔ Insuficiência hepática fulminante e em casos selecionados de hepatocarcinoma, o transplante tem que ser
realizado de imediato
• A indicação de transplante hepático deve ser decidida por uma junta multidisciplinar, em conjunto com o
paciente e sua família.
• Os riscos do procedimento e a necessidade de imunossupressão para o resto da vida são dados que devem
ser ponderados

Escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease):

• O critério atualmente adotado para alocar pacientes na fila do transplante hepático


• É simples e com melhor capacidade de prever a sobrevida dos hepatopatas.
✓ Tal escore se baseia em apenas três variáveis:
GASTROENTEROLOGIA – P1 STELLA ABUJAMRA | TURMA XLI

➢ Bilirrubina
➢ INR
➢ Creatinina
• Os pacientes com diagnóstico de
hepatocarcinoma recebem inicialmente
20 pontos no MELD, com elevação progressiva com o passar do tempo.

Escore PELD (Pediatric End-stage Liver Disease):

• Valor numérico similar ao MELD, mas aplicado para crianças com menos de 12 anos
✓ Leva em conta o resultado laboratorial dos exames:
➢ Bilirrubina
➢ Albumina
➢ INR

PELD = 10 x [0,480 x Loge (bilirrubina) + 1,857 x Loge (INR) - 0,687 x Loge (albumina) + 0,436 se o paciente
tiver até 24 meses de vida + 0,667 se o paciente tiver déficit de crescimento < 2]
Indicações e Contraindicações

• Quanto à etiologia da hepatopatia, teoricamente qualquer causa de cirrose hepática pode ser incluída na lista
das indicações de transplante.
• De uma forma geral, os resultados são melhores na cirrose alcoólica, na colangite biliar primária e na cirrose
secundária à colangite esclerosante.

Você também pode gostar