Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 59

Full download test bank at ebook ebookstep.

com

Um Coração Convertido Stefan Hertmans

DOWLOAD EBOOK
OR CLICK LINK

http://ebookstep.com/product/um-coracao-
convertido-stefan-hertmans/

Go to download the full and correct Download More ebooks [PDF].


content document Format PDF ebook download PDF
https://ebookstep.com KINDLE
More products digital (pdf, epub, mobi) instant
download maybe you interests ...

Twisted pride Cora Reilly

https://ebookstep.com/product/twisted-pride-cora-reilly/

Sweet Temptation Cora Reilly

https://ebookstep.com/product/sweet-temptation-cora-reilly/

Bound by Honor (Born in Blood Mafia Chronicles #1) 2nd


Edition Cora Reilly

https://ebookstep.com/product/bound-by-honor-born-in-blood-mafia-
chronicles-1-2nd-edition-cora-reilly/

Ligados Pela Honra Born in Blood Mafia Chronicles 1 1st


Edition Cora Reilly

https://ebookstep.com/product/ligados-pela-honra-born-in-blood-
mafia-chronicles-1-1st-edition-cora-reilly/
Ligados Pelo Ódio Born in Blood Mafia Chronicles 3 1st
Edition Cora Reilly

https://ebookstep.com/product/ligados-pelo-odio-born-in-blood-
mafia-chronicles-3-1st-edition-cora-reilly/

Handbuch Insolvenzrecht Stefan Smid

https://ebookstep.com/product/handbuch-insolvenzrecht-stefan-
smid/

Das Esslinger Mädchen Stefan Walz

https://ebookstep.com/product/das-esslinger-madchen-stefan-walz/

De engelenmaker 1st Edition Stefan Brijs

https://ebookstep.com/product/de-engelenmaker-1st-edition-stefan-
brijs/

012 Friesentraum 1st Edition Stefan Wollschläger

https://ebookstep.com/product/012-friesentraum-1st-edition-
stefan-wollschlager/
Stefan Hertmans
UM CORAÇÃO CONVERTIDO

© imagem cedida pelo autor

Romance

Traduzido do neerlandês por


Patrícia Couto
Índice

Capa
Ficha Técnica
I - Monte Júpiter
1
2
3
4
5
6
II - Rouen
1
2
3
4
5
6
7
III - A Fuga
1
2
3
4
5
6
7
8
9
IV - Narbona
1
2
3
V - Moniou
1
2
3
4
5
6
7
VI - A Travessia
1
2
3
4
5
6
7
8
VII - Cairo
1
2
3
4
5
6
VIII Nájera
1
2
3
IX - Cambridge
X - O Tesouro de Monieux
1
2
3
Agradecimentos
Ficha Técnica
Título: Um Coração Convertido
Título original: De bekeerlinge
Autor: Stefan Hertmans
Tradução do neerlandês: Patrícia Couto
Edição: Maria do Rosário Pedreira
Revisão: Madalena Escourido
Capa: Maria Manuel Lacerda / LeYa
ISBN: 9789722071710

Publicações Dom Quixote


uma editora do grupo Leya
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide – Portugal
Tel. (+351) 21 427 22 00
Fax. (+351) 21 427 22 01

© 2016 Stefan Hertmans. Originally published by De Bezige Bij, Amsterdam.


Copyright desta edição: © 2020 Publicações Dom Quixote
Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor
Este livro segue o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
www.leya.pt

A publicação deste livro beneficiou do apoio do Flanders Literature (flandersliterature.be).


This book was published with the support of Flanders Literature (flandersliterature.be).
Para a mulher que beijou uma casa
A intemporalidade assume a forma do Aqui e Agora1.
THOMAS MANN, JOSÉ E OS SEUS IRMÃOS

1MANN, Thomas, José e os Seus Irmãos, tradução de Gilda Lopes Encarnação. Alfragide: Dom
Quixote, 2018, p. 37. [N. da T.]
Este romance foi inspirado numa história verídica. É fruto de
pesquisas aprofundadas, bem como de uma empatia criativa.
I
Monte Júpiter
1

É de manhã cedo, os primeiros raios de sol ainda mal espreitam sobre os


picos das colinas.
Da janela de onde observo o vale, vejo ao longe duas pessoas a
aproximarem-se. Suponho que tenham vindo das terras altas de Saint
Hubert, de onde se pode ver o cume do monte Ventoux e o vale de
Monieux. Antes de chegarem ao destino, ainda tiveram de atravessar a
esparsa floresta de carvalhos que cobre o planalto, onde vagueiam os
lobos.
O famoso Rocher du Cire – o rochedo íngreme e majestoso onde as
abelhas enxameiam fora de alcance e a pedra brilha ao sol do verão,
literalmente coberta de mel escorrendo da sua face – ainda se encontra a
esta hora desolado e indomável, envolto pela bruma matinal. Tudo isso os
dois viajantes viram e atravessaram em silêncio.
*

A luz da manhã incide sobre as figuras ainda minúsculas. Eles descem


com dificuldade do local onde se encontra atualmente a herdade La Plane,
que hoje vigia o vale como um cão de guarda. A partir daí, o caminho
serpenteante leva-os à margem esquerda do rio – para eles é o lado direito,
pois estão a subir o rio. Aparecem e desaparecem da vista conforme
surgem entre as árvores ou se escondem por detrás delas. Chegam então a
uma ampla pastagem inclinada e o seu ritmo acelera ligeiramente. Dali
conseguem avistar a torre semiacabada a despontar da encosta rochosa
como um reconfortante farol. Agora, que o Sol está um pouco mais alto e
brilha sobre o vale lá em baixo, veem a aldeia erguer-se na claridade;
como todas as casas foram construídas em pedra e no crepúsculo quase
não se consegue distinguir onde elas acabam e começa a montanha, parece
então que a aldeia se vai libertando milagrosamente da encosta rochosa,
ganhando forma com a luz – como se alguém tivesse aberto um grande
cortinado para que uma paisagem adormecida se tornasse visível.
*

O azul da madrugada dissipa-se rapidamente, dando lugar a tons


amarelos e cinzentos. O vento quente da manhã afugenta as últimas
nuvens, transformando-as em pedregulhos enormes que se vão
rarefazendo num céu roxo; o véu branco que pousava sobre o leito do rio
evapora-se a olhos vistos. Um bando de abelharucos agita-se já sobre os
telhados.
Quando o casal está umas centenas de metros mais próximo, reparo que
o homem se apoia numa tosca bengala de madeira. A mulher coxeia,
aparentemente custa-lhe andar. Ambos têm um ar exausto. Terá a mulher
torcido o pé numa das veredas acidentadas das terras altas, ou serão dores
provocadas pelo atrito do calçado e das longas e duras caminhadas
diárias? Ajusto os binóculos e noto então que ela se encontra em avançado
estado de gravidez. O homem veste uma camisa larga e traz uma espécie
de chapéu tosco na cabeça. Por vezes, ajuda a mulher a transpor um
obstáculo pegando-lhe no braço. Atrás deles, surge um segundo homem
com um grande saco às costas. Segue-lhes as pegadas conduzindo uma
mula.
A que horas se terão levantado esta manhã? Terão sido acordados pelo
frio, enquanto dormiam debaixo de uma árvore? Ou despertado numa
estalagem? No vasto silêncio da manhã primaveril, os rouxinóis ainda
cantam nos arbustos à beira do rio. Conseguem ouvir-se daqui soltando
gorjeios melodiosos e delirantes. Quando o sol já ilumina todo o monte,
uma coruja desliza silenciosamente sobre os carvalhos torcidos para
desaparecer até à noite seguinte. Tranquilidade intemporal; o uivar de um
cão-lobo ao longe; o cuco esvoaçando e cantando monocordicamente
sobre os solitários bosques que rodeiam Saint-Jean. Às primeiras horas do
dia, a paisagem exala um aroma celestial e emana uma beleza quase
transcendente. Nessa manhã primaveril, todos os lírios desabrocharam, a
cerejeira silvestre está em flor, o rosmaninho encheu-se de pequenas flores
de cor intensa, o perfume do tomilho liberta-se com o calor do orvalho.
Calor do orvalho, Hamoutal: o nome judaico da mulher ocorre-me
subitamente.
Sei quem são. Sei de quem vêm a fugir.
Gostaria de poder recebê-los nesta casa e oferecer-lhes algo
reconfortante que provavelmente ainda não conhecem, como uma chávena
de café. Onde irão morar, agora que a sua casa já não existe há mil anos e
a parte medieval da aldeia desapareceu, coberta por ervas e silvados? A
qualquer momento o primeiro automóvel que passar poderá provocar-lhes
o susto das suas vidas e fazer com que a jovem mulher entre
prematuramente em trabalho de parto.
O casal surge coxeando na minha aldeia.
Sobressaltado, desperto do meu devaneio. Fecho a janela, acendo a
lareira por causa do fresco matinal, vou fazer café. De vez em quando
ainda sinto um impulso tolo de olhar pela janela. Manchas de sol deslizam
sobre a velha tijoleira do chão; é um dia vazio e calmo.
*
Outrora esta aldeia chamava-se Monte Júpiter – Mons Jovis. Depois dos
habitantes do Neolítico, que ocupavam as grutas um pouco mais além,
foram aqui erigidas as primeiras construções rudimentares, feitas de
pedras amontoadas, muito antes do início da nossa Era. A imagem perde-
se na noite dos tempos, mas continua palpável nas casas mais antigas da
aldeia situada mais acima, agora em ruínas. Na antiga capela à beira da
ravina, encontraram um dia uma pedra com inscrições em latim dedicadas
a Mars Nabelcus, divindade que os romanos desta região veneravam.
Durante a Idade Média, as habitações primitivas estavam espalhadas por
entre rochedos de difícil acesso e grandes carvalhos, protegidas pela alta
encosta rochosa, uma parede natural de quase cem metros. Às vezes ainda
se tropeça em cavernas antigas, entre ervas secas, vegetação rasteira e
rochas cobertas de tomilho. As cavidades escuras cheiram a mofo e a terra,
mesmo em dias de calor. Aqui, neste matagal cheio de silvas e ervilhaca
seca, onde costumo ficar muitas vezes sentado a sonhar, havia outrora um
quarto, um lugar onde se nascia e morria.
*

Por volta do século X, a existência de poços subterrâneos por baixo de


algumas cavernas motivou disputas. Em épocas de calor – a malfadada
canícula –, a água tornava-se salobra e intoxicava os habitantes. Culpavam
disso os andarilhos e vagabundos e torturavam-nos, talvez um resquício
do sacrifício ritual. Lá nas terras altas, onde as rajadas dos ventos mistral e
tramontana dão as suas cambalhotas, estruturas em ruínas, sem janelas, de
costas voltadas para o vento, resistiram durante séculos. Não eram assim
tão diferentes dessas cabanas primitivas em pedra, as bories, que os
pastores construíam no planalto árido ou nos carvalhais. Já nessa altura
esculpiam um buraco rudimentar na pedra para espreitar para fora, um
olho que durante o inverno pudesse ser tapado com pele de lobo ou de
raposa, por vezes até com uma bexiga de porco bem esticada.
As casas medievais eram construídas em parcelas estreitas num solo
instável. As paredes da grossura de um metro, erigidas apressadamente,
apoiavam-se encostando o seu peso umas contra as outras. Com o decorrer
dos séculos, tornaram-se mais altas, sem que os conhecimentos técnicos
relacionados com a construção evoluíssem. Por essa razão, nos finais de
setecentos, muitas casas simplesmente desmoronaram-se. As ruínas
dilapidadas transformaram-se em pitorescos amontoados de pedras,
cobertos por vinha-virgem que em outubro ganha uma cor sanguínea. Há
séculos que as habitações que ainda restam se apoiam nas suas fachadas
estreitas e pesadas como velhotes nas suas bengalas. Graças a remendos,
resistiram aos tempos. A pasta de argila pulverizada e areia foi substituída
por cimento. As velhas vigas de suporte de carvalho e os contrafortes
improvisados foram reforçados com betão. As casas mantêm-se hoje
intactas graças às barras de aço enfiadas nas paredes e depois apertadas e
fixadas com elegantes grampos em ferro forjado que por vezes se parecem
com pinças de escorpião.
*
Não é difícil imaginar porque vieram para cá os dois apaixonados. A
aldeia chegou a ser um abrigo para viajantes e refugiados: judeus no
século XI, huguenotes no século XVII. Quando um lugar tinha reputação de
tolerante, rapidamente se tornava conhecido entre os errantes. Por volta do
século XVIII, quando a aldeia era referida nos anais com o nome Monilis, o
município tinha perto de mil habitantes. Situadas a setecentos metros de
altura, as ruas estreitas e apinhadas eram escuras e sombrias durante os
invernos frios, mas frescas nos longos e quentes meses de verão. Nos
esgotos fermentava a imundície que alimenta as ratazanas. Essas, por sua
vez, alimentavam as pulgas, que alimentavam a peste. Os primeiros casos
de peste na região foram descritos no século XIV. Quatro séculos mais
tarde, durante a grande epidemia importada de Marselha, foram erguidos
muros contra a peste: amontoados toscos de ardósia, ásperos e grossos,
rigorosamente vigiados, onde os fugitivos eram mortos à pancada pelos
guardas se tentassem escapar-se furtivamente. Ladrões de cadáveres
andavam por lá a roubar os mortos que jaziam por toda a parte,
apoderando-se dos seus últimos bens. Besuntavam-se com uma mistura de
tomilho, rosmaninho, lavanda e sálvia. A superstição fazia o resto:
aparentemente, o remédio protegia os assaltantes do contágio. Uma vez,
ouvi uma velhota chamar a esta mistura de ervas agora tradicional les
quatre bandits. O muro contra a peste fica a poucos quilómetros de
distância daqui, e está hoje coberto de ervas e plantas aromáticas.
Durante séculos, esta região acidentada resistiu orgulhosamente ao
poder central de Paris. A população tornava-se cada vez mais miscigenada.
Espanhóis, marroquinos e italianos, um ou outro marinheiro perdido vindo
de Marselha, chegavam aqui e geravam filhos com uma beleza local
oriunda destas secas e desoladas montanhas. Indigentes, com olhos
lacrimejantes do vento da primavera, sentavam-se entre lírios selvagens,
papoilas e espelta escassamente semeada. Os filhos tinham pés ásperos e
arqueados, olhar penetrante e a pele curtida pelos elementos. Às vezes
passava um bando de salteadores, esmagava aqui e ali a cabeça de um
pastor contra a parede, violava umas quantas mulheres e, no momento em
que a aldeia se encontrava paralisada de medo, pilhava a seu bel-prazer.
Depois desaparecia por detrás das colinas, deixando a aldeia em silêncio,
pavor e orações, à mercê do vento e do sol.
Qual vagabundo dos tempos antigos, a aldeia chega ao século XXI.
Quase nada se alterou: nas alvoradas outonais os pastores continuam a
guiar os rebanhos, que emanam calor pela rua principal; ouve-se o bater
dos cascos finos e o suave tilintar em vários tons dos chocalhos, e
basicamente não divergem muito dos do tempo em que Virgílio escrevia
as suas Éclogas; fica no asfalto um rasto de excrementos e tufos de lã,
enquanto os animais se empurram e os cordeiros dão pinotes tontos. O
carteiro, na sua pequena carrinha, aguarda calmamente que o rebanho saia
da aldeia enquanto fuma um cigarro. Na antiga igreja românica ainda se
celebra missa aos domingos. Os crentes cantam ligeiramente desafinados,
uma marca consagrada de fé religiosa sincera e beata.
No inverno, a aldeia chega a ficar isolada pela neve durante dias, e os
habitantes subsistem devido às reservas nas caves e nos congeladores. Nos
verões, longos e quentes, a natureza é severa e esmagadora: a seca atrofia
os terrenos, é tempo de colher a lavanda e o cheiro a incêndio propaga-se
pelo planalto, à medida que é extraído das plantas o precioso óleo. As
estações intermédias são as mais belas, é então que a terra ganha fôlego e
as abelhas zumbem nas videiras. Uma vez, chegou-se a pensar construir
uns carris de ferro sobre o leito errático do rio, atravessando o desfiladeiro
pré-histórico, para tornar a aldeia mais acessível à planície lá em baixo.
Rapidamente se desistiu da ideia, pois revelou-se impraticável abrir
caminho – mesmo a cavalo, já era difícil. Somente na década de 1990 o
planalto se tornou facilmente acessível ao trânsito graças a uma
autoestrada que atravessa a serra de Les Abeilles, construída a mil metros
de altura.
Os dias não conhecem horas. Podemos olhar fixamente para uma
mancha de sol deslizando sobre o pavimento áspero, uma espécie de luz
branca que parece tremer e sobe pela parede ao fim da tarde, antes de
desaparecer. Nada acontece, eis o único acontecimento do qual não
podemos desviar o olhar. O tempo segue o seu curso.
2

Na realidade é o rabino da aldeia, Joshua Obadiah, que da sinagoga vê


chegar os refugiados, descendo a colina de manhãzinha, na primavera do
ano de 1092. Deve ter sido avisado da sua vinda uns dias antes por um
mensageiro a cavalo. Está preocupado com aqueles jovens – não apenas
por necessitarem de proteção, devido ao seu casamento misto, mas
também porque sabe que a mulher vai dar à luz muito em breve, enquanto
ainda poderá levar semanas a encontrar-lhes uma casa adequada. Por isso
hospedá-los-á o tempo que for preciso. Não faz ideia por que motivo não
vieram a cavalo. Talvez tenham sido emboscados por salteadores ou
ladrões de cavalos. Talvez se tenham disfarçado de gente humilde, a fim
de passarem despercebidos aos seus perseguidores. O rabino espera
impacientemente até que eles se encontrem dentro dos muros; e envia
então a sua mulher a acolhê-los na porta sul, até hoje conhecida como
Portail Meunier. Vêm a coxear até sua casa – perto do lugar onde, mil
anos depois, eu, sem suspeitar de nada, passei verões inteiros a ler e fui
mais feliz do que em qualquer outro lugar do mundo.
Hamoutal tem uma escoriação profunda no pé direito, pelo que torceu o
tornozelo de tal forma que as ligaduras se estão a rasgar. O pé está
vermelho e inchado, o sangue pisado acumulou-se, formando manchas
pretas sob a pele, e o tornozelo corre o risco de também inflamar. A
mulher do rabino humedece-o com uma mistura de óleo de lavanda,
urtigas e água morna. O marido de Hamoutal, David Todros de Narbona,
põe Joshua Obadiah a par dos últimos acontecimentos.
O rabino abana a cabeça e cofia a barba, pensativo; a sua mulher esfrega
suavemente, com um pano, o pé delicado e ferido daquela jovem mulher.
Qual é o teu verdadeiro nome?, pergunta o rabino.
Ela hesita; será que ele quer saber o seu antigo nome cristão?
David apressa-se a responder. Sara, diz. O nome da minha mulher é
Sara. Hamoutal foi o nome carinhoso que eu lhe dei.
Pousa a sua mão na dela.
Permanecem juntos em silêncio.
*
São tempos turbulentos. A paz religiosa, outrora instaurada por Carlos
Magno, acabou por ruir lentamente, corroída pela instabilidade política.
Por todo o lado, senhores feudais tomaram o poder e governam
autonomamente os seus territórios; as autoridades centrais perdem o
controlo dos domínios, correm relatos de abusos, a aplicação das leis
torna-se mais arbitrária. Depois de alguns séculos em que judeus e cristãos
conviveram em relativa harmonia, tem-se agora conhecimento de cada vez
mais assaltos violentos às comunidades judaicas. Nos últimos meses,
muitos judeus fugiram de Espanha para o Sul da Provença –
nomeadamente para Narbona, a pequena vila junto ao mar, que é inundada
por refugiados em busca da sua sorte ou de um porto seguro. O pai de
David, o grande rabino de Narbona, conhecido em toda a parte como Roi
aux Juifs por a sua linhagem descender diretamente do Rei David, está a
ficar velho. Mal consegue dar vazão ao trabalho, sente-se exasto e sofre de
insónias; além disso, está preocupado com o destino do filho mais velho e
da nora.
Mandou o casal para este lugar remoto na região de Vaucluse na
esperança de que encontrassem refúgio longe do alcance dos cavaleiros
cristãos, enviados de Rouen pelo pai normando da rapariga para a capturar
e a levar de volta a casa. Fugir para Espanha era demasiado arriscado, pois
o caminho de Santiago de Compostela está apinhado de peregrinos
cristãos. Por sua vez, a região em redor de Toulouse e Albi estava
demasiado agitada por causa da luta contra os maniqueístas e o
surgimento de movimentos heréticos, havendo ali combates e execuções a
torto e a direito. Também não podiam fugir para as grandes cidades: por
todo o lado recrutavam gente para as cruzadas ao Médio Oriente, e
ocasionalmente surgiam bandos desordeiros que tornavam os caminhos
inseguros, procurando conflitos com os viajantes que passavam.
Portanto, o rabino Todros mandou os jovens recém-casados numa
direção que não passava pela cabeça do furioso pai de Hamoutal: para
nordeste pela planície para lá de Arles, ao longo do Ródano, passando o
posto militar de Avinhão – onde a famosa ponte ainda não existia –, no
sentido de Carpentras, daí seguindo pelas montanhas pré-alpinas quase
desabitadas até Sisteron e finalmente em direção à vertente sudeste de
Mons Ventosus, onde o rabino sabia existir uma pequena comunidade
judaica na remota aldeia montanhosa de Moniou – corruptela de Mons
Jovis. O rabino da aldeia, Obadiah, oferecer-lhes-ia certamente proteção e
um lugar para morarem. Joshua Obadiah, oriundo da cidade espanhola de
Burgos, fora um amigo de juventude de Todros quando ambos estudavam
a Tora na escola judaica de Narbona. Desde 1032 que a quase deserta
região montanhosa de Moniou fazia parte do Sacro Império Romano-
Germânico, portanto, seriam terras estrangeiras para os cavaleiros
gauleses à procura daquela mulher. Além disso, a região montanhosa era
conhecida pela coexistência, quase sempre pacífica, de judeus e cristãos.
Obadiah acenou com a cabeça ao jovem Todros, em sinal de aprovação, e
disse-lhe que o pai fizera uma escolha sábia.
*
Pela tarde, dou um passeio pelas ruínas medievais da aldeia. O atual
prefeito batizou recentemente o local de Le Jardin de Saint-André,
inspirado na ruína da capela situada à beira da ravina, acima da aldeia.
Aqui e ali, metade de um arco romano emerge das ervas daninhas. Subo o
caminho íngreme. Houve algumas tentativas de restaurar os velhos muros:
iniciativas de reconstrução românticas de que resultaram montes de pedra,
levadas geralmente a cabo por um grupinho de voluntários jovens que
vêm cá passar o verão e gastam os dias a carregar pedras e picaretas,
regressando ao seu acampamento apenas para descansar. Erguem
pequenas estruturas com uma aparência enganadoramente antiga; mondam
e aplanam à toa terrenos onde crescem pequenos ulmeiros e carvalhos,
cobrindo assim algumas ruínas. Ninguém se preocupa com a
vulnerabilidade histórica deste lugar. Atualmente, tem aspeto de oásis
verdejante, pejado de flores silvestres nos socalcos, um jardim com
pequenos muros feitos de entulho medieval. Ao olhar mais desatento, dá a
impressão de a paisagem ter sido sempre assim. Mas este jardim tranquilo
foi outrora a zona mais populosa da aldeia, com pequenas ruas estreitas e
casas altas e sombrias, umas encostadas às outras. Aqui reinavam o
barulho, o fedor e o agitado quotidiano de uma comunidade medieval,
intensa e mutuamente envolvida, a fervilhar de vida. Aqui viviam e
morriam, dormiam, trabalhavam e praguejavam, faziam amor e nasciam
crianças, nas mais primitivas condições. Neste momento uma cobra de
cores vivas foge da minha passada, contorcendo-se e serpenteando por
baixo dos ramos quebradiços. Algumas cabras que conseguiram fugir da
sua cerca precária pastam em cima de uma rocha, pulam e mastigam,
miram como que extasiadas, com os seus diabólicos olhos amarelos, e
depois desparecem no cume do monte, em direção ao céu. Acima do alto
rochedo, um milhafre volteia lentamente no céu. O silêncio parece
sinistro. É como se eu conseguisse ouvir o tempo a rugir nas profundezas
da terra.
*
A sinagoga e a casa de David Todros deviam situar-se a pouca distância
uma da outra – no máximo, a duzentos metros da casa antiga onde escrevo
estas linhas. Mais longe não pode ter sido, porque então já seria fora da
muralha. As parcelas ocupadas pelas casas no lado sul da aldeia eram
manifestamente pequenas. Isto significa que o bairro judeu se encontrava
nesse lado, pois aos judeus eram sempre atribuídos pequenos terrenos para
construção, uma forma de limitar a sua influência e riqueza. Como eu
moro numa das parcelas cuja extremidade acaba em bico – algo que já era
identificável nas cópias napoleónicas das plantas medievais –, sei que na
época já havia construções dessas neste lugar. De certeza que os dois
fugitivos passaram frequentemente por esta ruazinha, ainda se sente a sua
proximidade no vasto silêncio que paira sobre a terra. Desço novamente
até à aldeia atual – como se, vindo de um tempo remoto e perdido,
pudesse simplesmente voltar a entrar no presente.
Sento-me à secretária e folheio outra vez um artigo científico que me foi
dado há uma dezena de verões por um vizinho já de certa idade, oriundo
do Sul da Alemanha, que aqui vive há dezenas de anos, numa idílica casa
antiga. Hás de ler um dia, quando tiveres tempo, disse-me. Fiz uma cópia
e guardei-a na gaveta da antiga secretária do meu avô, junto dos cadernos
que ele me oferecera. O artigo, verifiquei mais tarde, intitulava-se
simplesmente «Monieux». Foi publicado em 1969 e é da autoria de
Norman Golb, reconhecido especialista em história judaica.
3

Só agora, enquanto a jovem mulher está sentada e com o pé torcido


mergulhado numa pequena bacia com óleo de lavanda, o marido se
apercebe de como está exausta. O inchaço não diminui e o pé está com
mau aspeto, tem manchas negro-amareladas devido à hemorragia. A
criança agita-se com força no seu ventre, o rabino receia que ela esteja
prestes a entrar em trabalho de parto. É conduzida para uma pequena cama
de madeira de carvalho para descansar. Como não consegue parar de
tiritar, acendem a lareira. Assim que o calor do lume a envolve, adormece
imediatamente. As manchas de sol deslizam sobre os velhos ladrilhos.
É um dia sossegado, sem vento. Um milhafre plana sobre a encosta
rochosa e íngreme, lá em cima, junto da torre em construção, de onde se
ouve vagamente o martelar nas pedras. O rabino interroga-se como há de
explicar ao desconfiado padre da pequena Igreja de Saint-Pierre, do outro
lado de Moniou, que a mulher recém-chegada, louríssima e de olhos azuis,
é sefardita.
Por volta das seis, o Sol põe-se por detrás da parede rochosa. De um
momento para o outro, a luz torna-se escassa e azulada enquanto, do outro
lado do vale, um brilho cada vez mais vermelho bruxuleia nos bosques.
Uma rajada de vento sopra na planície. Por momentos, os arbustos e as
árvores junto à margem do rio agitam-se com força. Depois regressa o
silêncio infinito deste planalto desamparado.
*
Já está escuro quando a jovem acorda, sobressaltada. Não faz ideia de
onde se encontra e por um instante entra em pânico. Aos poucos, vai
distinguindo os contornos de um armário, uma arca escura, uma cadeira.
Sente uma dor aguda a trespassar-lhe as entranhas que lhe tira o fôlego.
Dá um grito abafado. A porta abre-se de imediato. A luz fraca de uma vela
tremeluzente reflete-se nas paredes. É uma mulher idosa, traz uma bacia
de água e um monte de panos. De cabeça baixa e mãos cruzadas, senta-se
em silêncio ao lado da mulher suada e agitada, velando-a. Murmura
orações antigas e incompreensíveis. Após uma hora de contrações cada
vez mais intensas, a jovem mulher volta a cair num sono profundo; a meio
da noite acorda com o coração aos saltos, agoniada de dor. A mulher que a
velava desapareceu. Uma Lua incrivelmente grande eleva-se pela colina a
leste. Através da pequena fresta da janela entra uma luz brilhante que
treme como um ser vivo. Ela sente uma vontade urgente de urinar; meio
adormecida, levanta-se da cama com dificuldade, procura os sapatos
gastos pela viagem ao lado da cabeceira e cambaleia para o exterior. Uma
contração atravessa-lhe o corpo. Desgrenhada e ofegante, vê um beco que
não reconhece. Titubeante, chega às rochas e a uma moita rasteira. Ali
agacha-se, atordoada pelas dores. Pensa que está a urinar, mas foram as
águas que rebentaram. A posição agachada provoca-lhe, de súbito e
intensamente, o parto. Cega de dor, sente-se rasgar em baixo. Geme como
um animal moribundo, uiva e soluça, cai de costas entre duas pedras e
magoa as nádegas. Do ventre emerge uma cabecinha. Respira
ofegantemente como se estivesse possessa, empurra e geme, crava os
dedos na terra seca; ora aperta desamparadamente a barriga, ora agarra a
cabecinha por entre as pernas; sente o sangue a escorrer, treme de angústia
e de dor. A Lua parece ter começado a brilhar com ainda mais intensidade,
o frescor da noite toca-lhe no abdómen encharcado. Enquanto a coisa lhe
escorrega imóvel por entre as pernas, para a poeira e a gravilha, ela perde
por instantes os sentidos. Subitamente, ouvem-se apelos e passos no beco
estreito, o bater de portas. Ela é amparada, um jato espesso de sangue jorra
do seu corpo juntamente com a placenta. A Lua, implacável, arde-lhe nos
olhos. Chora com gritos lancinantes, chama pela mãe. A velha mulher
corta o cordão umbilical com uma faca áspera; atira água sobre o abdómen
da parturiente, que sente a cabeça à roda; pega no pálido recém-nascido
pelos pezinhos, abana-o de um lado para o outro, dá-lhe uma palmada até
ele chorar, no início um choro fraco, um soluço que depois se transforma
em gritos e berros. Enquanto a jovem é carregada inconsciente para dentro
por três mulheres, a parteira aponta para algo mesmo ao lado de onde a
criança recém-nascida tinha estado deitada: uma grande cobra, que quase
não é capaz de se mover devido ao frio da noite e desliza com extrema
lentidão entre as rochas como num sonho. Junto do leito da parturiente, ao
primeiro sinal do amanhecer, o jovem David pronuncia as palavras
antigas:
Baruch ata Adonai Elohanu Melech Haolam…
*
Nos primeiros dias após aquele nascimento, o medo continua a estar
profundamente presente. Lembram-se da sombra dos cavaleiros num beco
em Narbona e ainda sentem todos os dias a ameaça. No entanto, como
nada acontece e as colinas imutáveis lhes oferecem tranquilidade, o dia a
dia nesta aldeia remota parece protegê-los e eles vão gradualmente
encontrando a calma e o sossego. David Todros passa as noites sentado à
beira da cama da mulher. De dia, ajuda o rabino Obadiah na pequena
escola da sinagoga.
Ao oitavo dia após o nascimento do menino, ele é circuncidado.
Segundo os documentos que chegaram até nós, recebe o nome de Yaakov.
Hamoutal permanece na cama, mas, do andar de baixo, ouve a criança a
gritar e soluçar entre o sussurro das orações. Depois as conversas e os
risos e as bebidas. Adormece com dores nos seios jovens e inchados.
Segundo a tradição judaica, o filho primogénito é resgatado. A criança é
trazida em cima de uma bandeja, adornada com dentes de alho. Os
homens presentes na sala tiram um dente, que mordem um pouco – e isso
afasta os maus espíritos. David confia o seu filho ao rabino Obadiah, que
age como cohen2. Entrega-lhe depois o pagamento ritual e recebe o filho
de novo nos braços. Sentam-se à mesa para uma refeição simples. Está um
dia quente, o sol brilha sobre o vale e o leito do rio está quase seco.
Lagartixas deslizam entre a hera e a vinha-virgem que cobrem as velhas
pedras da casa. Espelta bravia e papoilas oscilam no vento quente. Na
profundidade fresca do desfiladeiro, um quilómetro mais adiante, um
eremita reza ao Senhor dos cristãos numa pequena igreja sob a encosta
rochosa e é atacado por um urso, que lhe parte o pescoço com um
movimento da pata esquerda.
Ao cair da noite, um grupo de cavaleiros galopa pelos campos de erva
junto ao rio. São liderados pelo mal-afamado Raimundo de Toulouse, um
ambicioso nobre de quase cinquenta anos, cujo olhar é atraído para a
aldeia. Montado no seu cavalo branco engalanado, vira-se e grita para um
dos homens: Como é que se chama aquele ninho de águia ali, encostado à
montanha? O cavaleiro a quem se dirigiu encolhe os ombros. Seguem em
direção a leste, numa peregrinação que durará um ano e da qual o temível
Raimundo de Toulouse, futuro cruzado afamado, regressará sem um olho.
Ele está a par da busca à importante foragida e até sabe o valor da
recompensa que foi prometida pelo pai; os cavaleiros normandos
passavam frequentemente pela Provença, a caminho das terras
reconquistadas na Sicília, e albergavam-se em casa de senhores notáveis.
Não lhe passa pela cabeça ir à procura dela nesta aldeia. A mulher que
acabou de dar a luz tem então vinte anos, não faz ideia de quão perto dela
o perigo se abeirou. Porém, David bem viu os cavaleiros, lá na planície. O
coração bate-lhe forte na garganta e é acometido por um sombrio
pressentimento. Volta para dentro de casa, consumido pela ansiedade e
pela preocupação, e encontra a mulher ajoelhada ao lado da cama. Que
estás a fazer?, pergunta assustado. Não tinhas prometido não rezar mais
preces cristãs? Ela levanta-se com dificuldade, com a mão na cintura,
tolhe-a um sentimento de culpa. Já não sei mais, diz.
Torna a deitar-se e fecha os olhos. Recorda-se então de ver volutas de
incenso por trás da janela de uma igreja junto ao mar.
2 Cohen ou cohanim (no plural) eram sacerdotes que desempenhavam funções específicas quando
existia o Templo Sagrado em Jerusalém, e eram considerados homens santos e puros. [N. da R.]
4

Agora as tílias e os ulmeiros ganham tonalidades de amarelo e


vermelho, as manhãs tornam-se frias e claras. A jovem mãe vê os homens
trazerem lebres, javalis e veados mortos para a aldeia. O chamuscar da
pele de javali deita um fumo amargo e pungente que lhe provoca náuseas.
O fumo da madeira de carvalho sobe acima dos telhados mais baixos.
Vêm aí dias de chuva. O planalto fértil vai-se transformando numa
melancólica bacia cinzenta por onde o vento de oeste rasga caminho.
Ela tem dificuldade em habituar-se à vida simples e dura da aldeia, a
que antes não estava acostumada. As montanhas e rochas escuras
parecem-lhe por vezes irreais, como se tudo fosse um sonho.
Numa noite chuvosa, Hamoutal repara na presença silenciosa de
inúmeros caracóis e rãs. As rãs emitem sons sibilantes, parecidos com os
do mocho, mas mais frágeis e menos definidos. Os letárgicos animais
saltam contra as fachadas das casas quando ela passa. Desamparados,
quase humanos, erguem-se com as patas da frente levantadas como se
quisessem rezar ao céu a pedir ajuda. Assim que os passos dela se
extinguem, as rãs voltam a cair num estado de apatia.
Os caracóis são diferentes. Após cada chuvada noturna saem, sem a
mínima noção de perigo, e trepam as pequenas pedras semicirculares para
o meio das ruelas antigas, onde se juntam para acasalar. Acabam
frequentemente por morrer debaixo dos pés de um caminhante tardio. As
suas conchas finas estalam e a baba esguicha. O que outrora tinha forma e
substância volta pela morte à matéria, despojado da sua estrutura delicada.
Alguns aldeões apanham os caracóis das pedras, interrompendo assim o
seu jogo amoroso, e atiram-nos para uma panela de cobre, cozendo-os
vivos para os comer a seguir.
Esse tipo de coisas deixa Hamoutal perturbada.
Ela cresceu com histórias em que Deus governava a natureza. Quanto ao
deus judaico, cujo nome ela não deve pronunciar, não será muito
diferente, mas não sabe ainda bem de que maneira difere. Basta-lhe ver
uma vespa colada num pote de mel, a zumbir numa agonia ruidosa, ou
observar um pequeno escorpião negro a ser esmagado por um pé, para ter
de desviar o rosto, atormentando-se a si própria ao questionar-se qual é o
deus responsável por isso. Ao dar peito ao pequeno Yaakov, o seu filho de
meses, é às vezes acometida por uma sensação de opressão e pavor
indefinido. Nada resta, então, da sua infância protegida naquela bela casa
no Norte? Para que serve esta vida rude à sua volta? Acaba por ser
absorvida pelo angustiante ciclo de vida e morte. Os teólogos não reparam
nessas coisas, como se tudo o que os rodeia fizesse sentido. Às vezes sente
que, ao renunciar à fé dos seus pais, foi como se tivesse caído no vazio.
Por mais que seja instruída por David acerca da Tora e da antiga história
do povo judeu, as suas certezas foram abaladas e não há ninguém com
quem possa falar: os cristãos estigmatizá-la-iam imediatamente, chamar-
lhe-iam bruxa e querê-la-iam na fogueira; os judeus apontariam as suas
dúvidas como indignas de uma prosélita, e assim nunca poderia ser
acolhida na comunidade judaica. Portanto, faz aquilo que as mulheres
civilizadas da época sempre e em todo o lado fizeram: calar-se, baixar a
cabeça, rezar em silêncio. Às vezes não sabe a quem, talvez àquela voz
dentro de si, um anjo perdido que por vezes parece pousar-lhe no ombro,
fazendo-a tremer fortemente, até que ela se recompõe com encantamentos
sussurados.
*

Por mais que se esforce para se integrar na pequena comunidade, tendo


sempre uma palavra amiga para com quem cruza o seu caminho, quase
não recebe reações, a maioria dos aldeões passa por ela com indiferença.
Isso é coisa a que a distinta mulher normanda nunca foi habituada, e muito
menos a judia privilegiada que foi em Narbona.
À medida que ganha consciência de que nunca pertencerá inteiramente a
esta comunidade, deixa de tentar ser amável. A partir desse momento,
passa a ser mais ou menos tacitamente aceite, porque assumiu o seu papel
de forasteira. Após algum tempo, os cristãos notáveis acenam-lhe
educadamente com a cabeça. As interrogações que se refletem nos seus
olhos não manifestam nada de verdadeiramente simpático, mas, enfim,
aqui está segura e o marido tornou-se amigo do rabino Obadiah. Ninguém
lhe pergunta o que veio ela cá fazer, mas o silêncio à sua volta, quando se
encontra entre outros aldeões na pequena praça, é suficientemente
elucidativo. Uma judia loura, com olhos de um azul gélido – há aqui
alguma coisa que não bate certo, consegue ver-se o que eles pensam, no
entanto ninguém pestaneja sequer. Um dia umas crianças atiraram-lhe
pedras enquanto cantavam: Mouri, Jusiou, mouri – Morre, Judeu, morre.
Ela reflete sobre tudo isso enquanto regressa a casa ao cair da noite a
coxear; o pé dorido e inchado que teima em não sarar vai pousando sobre
as pedras irregulares e ásperas da Grande Rue – na realidade, não é mais
do que um beco largo e faz hoje parte de uma rota para caminhantes. Tenta
não esmagar nenhum caracol, sobretudo aqueles espetacularmente
entrelaçados no seu lânguido e onírico jogo amoroso, uma massa
indistinta e mole movida por um desejo transparente, enorme e
obscenamente protuberante.
5

O inverno chega, rigoroso e de forma intempestiva. Semanas a fio, a


aldeia jaz debaixo de uma espessa camada de neve. Nos dias sem nuvens,
o mistral, agora um vento glacial, castiga o vale. A vida paralisa sob um
brilho branco e azul que encandeia. Nas casas mais sombrias, pessoas
tossindo sentam-se em redor da lareira e queimam a lenha de carvalho que
empilharam cuidadosamente contra uma pequena parede no fim do verão.
Um fumo azulado sai das chaminés toscas. A fumaça paira nos quartos. Os
aldeões subsistem com o que resta nas caves e nos sótãos abafados: nabos
e batatas, espelta dura que dificilmente se deixa moer até ficar uma farinha
pegajosa, nacos de carne salgada cozidos em água ou assados nas cinzas.
A fome espreita. Cães mortos, congelados na neve com uma mancha de
sangue no focinho, são esfolados, abertos e cozidos com alguns
condimentos. Mesmo assim, é um caldo desenxabido e sabe mal. Deitam-
se molhinhos de tomilho seco em água a ferver, a mixórdia misturada com
um pouco de mel faz bem à chiadeira dos pulmões. A palha das camas fica
ensopada, as crianças tremem de frio e estão magras. Os ratos chiam nas
caves. Dia após dia, tudo fica de um branco mortífero e cristalino, nada se
move. Outras vezes, logo a seguir ao meio-dia, quando as correntes de ar
quente e ar frio alternam no vale, o vento embate contra as paredes numa
rajada muda e áspera. Faz u-u-u, u-u-u e, subitamente, solta por uma fresta
um assobio agudo, até que o silêncio sem fim retorna. David faz a leitura
na sinagoga, as vozes monótonas trazem consolo. Estalactites pendem dos
telhados baixos, a neve é amontoada pelo vento em frente às portas das
casas maiores. Invocações, maldições, tribulações, orações, esperar,
dormir. O barulho de passos numa ruela azulada. O ranger de dobradiças
estafadas. É o mês de Tevet3 do ano judaico de 4852. Para os cristãos é
janeiro de 1092 e a neve volta a cair, às três e meia da tarde já está escuro.
Alguns corvos esvoaçam entre os flocos que, quando se olha para cima,
parecem negros, e não brancos. Voam subindo pela encosta rochosa acima
como um bando de pequenos exploradores fazendo o levantamento do
lugar, colam-se à boca das grutas onde os ursos hibernam, agarram-se às
torres de vigia e às pestanas. Nada há a fazer, apenas rezar e tremer. Um
pregador atravessa a neve bramindo um chocalho e clamando ao
arrependimento, enquanto anuncia o fim dos tempos.
Em Fontaine-lès-Dijon, um rapazinho da mesma idade que Yaakov é
embrulhado em panos de lã e mimado pela mãe Aleth. Chama-se
Bernardo. Décadas mais tarde, quando for adulto e as ossadas de
Hamoutal já tiverem embranquecido, dar-lhe-ão o nome do lugar onde
fundou uma abadia cisterciense: Claraval – o vale claro.
*

Subitamente, uma enorme massa de pedra solta-se da encosta rochosa


que se encontra junto à aldeia. Devido às temperaturas rigorosas, um
bloco de centenas de toneladas desprendeu-se uns centímetros da
montanha. Surge uma fenda de alguns metros de comprimento, uns meros
cinquenta metros acima da sinagoga. Se o colosso se desprender, terá
força suficiente para esmagar meia aldeia no percurso até ao vale. O
trajeto provável da sua queda passará pelo bairro judeu. Mas o colosso
fica pura e simplesmente pendurado onde está, afundando-se no cascalho
e pressionando as pedras na parte superior da antiga muralha. Após mil
anos, ainda lá continua, consigo vê-lo quando abro a porta das traseiras da
minha casa. O mistral também continua a assobiar à sua volta. Os aldeões
benzem-se e rezam para que Deus os salve. A rapariga sonha com a mão
estendida do pai, batendo, e acorda estremunhada na noite em que começa
o degelo.

3 Teveté o quarto mês do calendário civil judaico e o décimo do calendário religioso. É um mês de
inverno, tem 29 dias e ocorre geralmente em dezembro-janeiro do calendário gregoriano. [N. da R.]
6

Os anos passam, o tempo corre. Pouco mudou nas suas vidas, à exceção
de a sua pele ser agora mais áspera, os rostos mais vincados e a sua vida
anterior se ir desvanecendo e desbotando lentamente.
O pequeno Yaakov brinca quase sempre sozinho na rua. Por vezes,
atreve-se a descer a colina até à Place des Boeufs, que se encontra mais
abaixo, junto à porta da cidade. É ali que os bois são abatidos e é também
onde se encontra a torre de vigia – que serve igualmente de prisão e onde
as crianças passam o dia a gritar e a brincar. Regressa sempre sozinho a
casa.
Hamoutal continua com dificuldades em entender bem a variante local
da langue d’oc, o provençal antigo, apesar de David lha ter ensinado. Às
vezes contam piadas no dialeto local e ela fica sem perceber. As pessoas à
volta também observam com prazer malicioso quando ela, gaguejando
atrapalhada, tenta explicar algo na língua do Norte. Enquanto David
conversa com Obadiah na sinagoga ou se debruça sobre os rolos da Tora,
ela faz caminhadas pelo vale, cada vez para mais longe de casa, com o
filho às costas. Nessas ocasiões é acompanhada por outras mulheres
judias. Apanham ervas aromáticas, recolhem tubérculos comestíveis,
fazem pequenos bouquets perfumados e contemplam a paisagem. O
mundo ocidental fervilha de agitação e conflito: as tensões políticas
aumentam de dia para dia; os cristãos brigam entre si; em Roma, o Papa
está envolvido numa luta desesperada pelo poder com o imperador
germânico; aqui, porém, as ovelhas vagueiam pelas pastagens numa paz
intemporal. Nas grandes cidades, o povo rebela-se. Fala-se em heresia,
assaltos, assassínios, ajustes de contas, escaramuças e falsos profetas.
Fervilham boatos de que o Anticristo apareceu na Terra. Sempre chegou,
no final do milénio, o monstro do fim do mundo profetizado no
Apocalipse, mas ninguém o reconhece, o demónio disfarça-se, cuidado.
Aquele homem desfigurado acolá, com um olho vazado, não é o demónio?
Aquele mendigo coxo, com o pé boto, não é um disfarce astuto do diabo?
Todos podem ser suspeitos de provocar qualquer adversidade ou doença
contagiosa. O perigo paira em todo o lado. O medo domina a imaginação.
Talvez seja tudo culpa dos judeus, ouve-se tanta coisa. Nas ruelas
acanhadas das vilas e aldeias, os judeus sentem-se, de dia para dia, mais
ameaçados.
*

Tudo isso só chega a Hamoutal pouco a pouco, em fragmentos. Ela e o


marido vivem neste planalto remoto como exilados e, por vezes, quando
está sentada na zona da sinagoga reservada às mulheres, ela lembra-se da
vida venturosa que deixou há quatro anos, impetuosamente, por amor a
este homem que, sem querer, também obrigou ao exílio. Mas é sobretudo
nas horas finais das noites escuras, quando surge a imagem dos pais em
Rouen – a mãe que há de chorar toda a vida e que ela às vezes imagina
sentada na grande sala de estar da casa, lá longe, no Norte; o pai, de quem
foi outrora a menina dos olhos, que furiosamente enviou cavaleiros no seu
encalço e cuja mão ela teme –, que acorda assustada e banhada em suor,
no silêncio profundo da aldeia adormecida sob o rochedo.
Sabe que carrega novamente um filho no seu corpo cansado.
II
Rouen
1

Num dia claro de outono do ano de 1070, na cidade portuária normanda


de Rouen, nasce uma menina. Naquele dia ecoam nas ruas os brados de
soldados autoflagelando-se, as ladainhas e preces monótonas, o estalar de
chicotes nas costas nuas, o murmurar de salmos, os gritos das mulheres, o
arrastar e chocalhar de correntes nas pedras do caminho, o rufar sombrio
do grande tambor, as lamúrias asfixiantes da sarronca dos penitentes
cambaleando. Esta deprimente e patética procissão é formada pelos
guerreiros outrora tão implacáveis do exército de Guilherme, duque da
Normandia, descendentes mal-afamados dos viquingues, que foram
obrigados pelos bispos a penitenciarem-se pelas bárbaras atrocidades
cometidas quatro anos antes, na batalha de Hastings. O pai da menina
também é descendente de um dos viquingues que um século e meio antes
tomaram esta região, abrindo caminho com ataques, pilhagens e fogo
posto, acabando por se fixar nas florestas densas junto às margens do
serpenteante rio Sena.
Apesar de se terem apropriado de terrenos e casas, depois desses
primeiros anos de terror, vivem agora em relativa paz religiosa. Os
invasores trazem consigo um estilo de vida mais higiénico e, em poucas
gerações, acabam por adaptar-se à cultura hospedeira. Também deixam
uma forte impressão nos habitantes locais: a primeira geração de homens
rapa as sobrancelhas, pinta os olhos com kohl e prende o cabelo num
pequeno rabo-de-cavalo, o que parece contradizer a sua abordagem bruta e
o espírito guerreiro. O seu domínio gera medo e, na maioria dos casos,
uma submissão resignada. Muitos viquingues raptam e violam mulheres
nativas. Mas também nascem laços emocionais e há interesses materiais
de famílias inteiras que se entrelaçam. Procura-se um meio de restaurar a
santa paz que prevaleceu ao longo de séculos. Quando os conquistadores
Another random document with
no related content on Scribd:
s’avancèrent légèrement, vigilants, l’œil fixe et la gueule ouverte,
dans l’attente du dénouement.
Recourant à sa tactique favorite, Kazan se mit à tourner en rond
autour de son adversaire, comme il avait fait, avec Louve Grise,
autour du vieil élan. Le husky parut tout décontenancé. Il pivotait
péniblement sur lui-même, les oreilles rabattues, et boitant sur son
épaule brisée.
Toute la prudence de Kazan lui était revenue et, quoiqu’il saignât
abondamment, il avait repris sa sagesse et sa maîtrise de lui. Cinq
fois il décrivit autour du gros husky son cercle fatal. Puis, soudain,
comme part un coup de feu, il s’élança de côté sur son ennemi, de
tout son poids, pour le renverser.
Le choc fut si violent que le husky en culbuta, les quatre pattes
en l’air. Et déjà les quatre chiens, qui composaient l’impitoyable
tribunal de mort, étaient sur lui.
Toute la haine accumulée en eux durant des semaines et des
mois, contre le chef arrogant, aux longs crocs, qui les avait
tyrannisés sous le harnais, se donna libre cours et, en un clin d’œil, il
fut mis en lambeaux.
Kazan vint fièrement se camper aux côtés de Louve Grise, qui
l’avait laissé combattre seul. Avec un petit pleurnichement joyeux,
elle posa câlinement sa tête sur le cou du triomphateur. C’était la
seconde fois que, pour l’amour d’elle, Kazan avait affronté le mortel
combat. Deux fois il avait vaincu.
Et son âme — si elle avait une âme — en exulta vers le ciel gris
et froid, tandis que, levant ses yeux aveugles vers l’invisible aurore,
elle écoutait craquer, sous la dent des quatre chiens, la chair et les
os de l’ennemi que son seigneur et maître avait abattu.
XVIII
LE CARNAVAL DU WILD

Durant trois jours et trois nuits, Kazan et Louve Grise vécurent


sur la chair gelée du vieil élan, montant la garde auprès de lui, en
compagnie des quatre chiens qui avaient immédiatement reconnu
Kazan pour leur chef.
Louve Grise ne se souciait guère de cette société. Elle aurait
préféré être seule avec son compagnon et, plusieurs fois, elle tenta
de l’attirer à sa suite, dans la forêt. Mais, chez les animaux comme
chez les gens, l’orgueil est grand de dominer et ce n’était pas sans
plaisir que Kazan avait retrouvé son ancienne dignité et le temps
oublié où il commandait aux chiens de traîneau.
La température, cependant, s’adoucissait de plus en plus et la
chasse coutumière allait redevenir possible.
Kazan la reprit durant la nuit du quatrième jour et la conduisit
avec entrain, à la tête de la meute des quatre chiens. Pour la
première fois, il avait laissé derrière lui sa compagne aveugle.
Un jeune daim fut levé et forcé. Kazan lui sauta à la gorge et le
tua. Et pas avant qu’il ne se fût rassasié, les autres chiens ne se
permirent de goûter à la proie commune. Il était le maître, le tsar
tout-puissant, qui les faisait reculer par un simple grognement. Au
seul aspect de ses crocs, ils se couchaient tremblants, sur leur
ventre, dans la neige.
Louve Grise arriva, une demi-heure après, triste, les oreilles
pendantes et la tête basse. C’est à peine si elle goûta au daim. Ses
yeux aveugles semblaient supplier Kazan de ne pas l’abandonner,
de se séparer de ces intrus, pour revivre avec elle la solitude
passée.
Ses instances demeuraient sans force, car les trois quarts de
chien qui étaient dans Kazan faisaient qu’il ne lui déplaisait point de
se retrouver avec ces cousins consanguins, en société desquels il
avait si longtemps vécu. Il avait appris à haïr l’homme, non les
chiens. Une autre influence contre-balançait maintenant celle de
Louve Grise.
Deux semaines s’écoulèrent ainsi. Sous la chaleur croissante du
soleil, le thermomètre continuait à monter et la neige, sur le sol,
commençait à fondre. Bientôt Louve Grise sentit, pour la deuxième
fois, dans ses flancs une prochaine maternité.
Mais, en dépit de ses protestations, la petite troupe ne cessait de
faire route vers l’est et le sud. Kazan et les chiens savaient que
c’était de ce côté que se trouvait cette civilisation avec laquelle ils
souhaitaient de reprendre contact. L’homme était dans cette
direction. Et ils n’avaient pas vécu assez longtemps de la vie du Wild
pour que l’attirance du passé eût cessé complètement d’agir sur eux.
Les six bêtes arrivèrent ainsi à proximité d’un des Postes
avancés de la Baie d’Hudson. Comme elles trottaient sur une longue
crête, quelque chose les arrêta. C’était la voix perçante d’un homme,
qui criait ce mot bien connu des quatre chiens et de Kazan :
« Kouch ! Kouch ! Kouch ! » Au-dessous d’eux, en effet ils
aperçurent, dans la plaine découverte, un attelage de six chiens qui
tirait un traîneau. Un homme courait derrière, les excitant de ce cri
répété : « Kouch ! Kouch ! Kouch ! »
Les quatre huskies et le chien-loup demeuraient tremblants et
indécis, avec Louve Grise qui rampait derrière eux. Lorsque le
traîneau eut disparu, ils descendirent vers la piste qu’il avait laissée
et la reniflèrent brusquement, en grande agitation.
Pendant près d’un mille ils la suivirent, flanqués de Louve Grise,
qui prudemment, et inquiète d’une telle témérité, se tenait un peu au
large. L’odeur de l’homme la mettait en un inexprimable malaise et
seul son attachement à Kazan l’empêchait de s’enfuir au loin.
Puis Kazan s’arrêta et, à la grande joie de Louve Grise,
abandonna la piste. Le quart de loup qu’il avait en lui reprenait le
dessus et lui disait de se défier. Au signal qu’il en donna, toute la
compagnie regagna la plus proche forêt.
Partout la neige fondait et, avec le printemps, le Wilderness se
vidait de tous les hommes qui y avaient vécu durant l’hiver. Sur une
centaine de milles autour de la petite troupe, ce n’était que trappeurs
et chasseurs, qui s’en revenaient vers la Factorerie, en apportant
leur butin de fourrures. Leurs pistes multiples mettaient comme un
filet autour de la bande errante, qui avait fini par se rapprocher à une
trentaine de milles du Poste.
Et, tandis que la louve aveugle s’affolait, chaque jour davantage,
de la menace de l’homme, Kazan finissait par n’y plus pouvoir tenir
d’aller rejoindre ses anciens bourreaux.
Il saisissait dans l’air l’âcre odeur des feux de campements. Il
percevait, durant la nuit, des bribes de chansons sauvages, suivies
des glapissements et des abois de meutes de chiens. Tout près de
lui, il entendit un jour le rire d’un homme blanc et l’aboiement joyeux
de son attelage, auquel l’homme jetait la pâture quotidienne de
poissons séchés.
Mille par mille, inéluctablement, Kazan se rapprochait du Poste et
Louve Grise sentait approcher l’heure où l’appel final, plus fort que
les autres, lui enlèverait son compagnon.
Dans la succursale de la Compagnie de la Baie d’Hudson,
l’animation était grande. Jours de règlements de compte pour les
trappeurs, jours de bénéfices et jours de plaisirs. Jours où le Wild
apportait son trésor de fourrures, qui serait expédié ensuite vers
Londres et vers Paris, et vers les autres capitales de l’Europe.
Et il y avait, cette année-ci, dans le rassemblement de tous les
gens du Wild, un intérêt supplémentaire et plus palpitant que de
coutume. La Mort Rouge avait passé et maintenant seulement on
connaîtrait, en les voyant ou ne les voyant pas revenir, le nombre de
ceux qui avaient survécu ou trépassé.
Les Indiens Chippewayans et les métis du Sud arrivèrent les
premiers, avec leurs attelages de chiens hybrides, ramassés de long
des frontières du monde civilisé.
Après eux apparurent les chasseurs des terres stériles de
l’Ouest. Ils apportaient leurs charges de peaux de caribous et de
renards blancs, halées par une armée de hounds du Mackenzie, aux
grandes pattes et aux gros pieds, qui tiraient aussi dur que des
chevaux et qui se mettaient à piailler comme des roquets qu’on
fouette, lorsque les gros huskies et les chiens esquimaux leur
couraient sus. Les chiens du Labrador, farouches et terribles entre
tous, et que la mort seule pouvait vaincre, arrivaient des parages
septentrionaux de la Baie d’Hudson. Les malemutes de l’Athabasca
étaient énormes, avec une robe sombre, et les chiens esquimaux,
jaunes ou gris, étaient aussi prestes de leurs crocs que leurs petits
maîtres, noirauds et huileux, étaient agiles [30] .
[30] Les hounds, les chiens du Labrador, les chiens
esquimaux, les malemutes sont, comme les huskies,
autant de variétés de chiens de traîneaux.

Toutes ces meutes, à mesure qu’elles arrivaient, ne manquaient


pas de se jeter les unes sur les autres, grognant, aboyant, happant
et mordant. Il n’y avait pas de cesse dans la bataille des crocs.
Les combats commençaient à l’aube, avec les arrivées de
traîneaux au Poste, se continuaient toute la journée et, le soir, autour
des feux des campements. Ces antipathies canines n’avaient pas de
fin. Partout la neige fondante était maculée de sang.
Au cours de ces batailles diurnes et nocturnes, ceux qui
écopaient le plus étaient les chiens hybrides du Sud, issus et
mélangés de mâtins, de danois et de chiens de berger, et les
hounds, lourds et lents, du Mackenzie.
Lorsque la neige liquéfiée fut devenue complètement
impraticable aux traîneaux et qu’il n’y eut plus d’espoir de voir
apparaître aucun nouvel arrivant, William, l’agent de la Factorerie,
put établir la liste définitive des hommes qui manquaient. Il biffa leurs
comptes de ses registres, car il savait bien que, ceux-là, la Mort
Rouge les avait fauchés.
Une centaine de feux de campement élevaient leurs fumées
autour du Poste et, des tentes à ces feux, allaient et venaient sans
cesse les femmes et les enfants des chasseurs, qui, la plupart, les
avaient amenés avec eux.
Mais où ce remue-ménage fut surtout considérable, ce fut pour la
nuit du Grand Carnaval. Durant des semaines et des mois, hommes,
femmes et enfants, de la forêt et de la plaine, hommes blancs et
Peaux Rouges, jusqu’aux petits Esquimaux qui en rêvaient dans
leurs huttes glacées, avaient attendu cette heure joyeuse, cette folle
nuit de plaisir, qui allait redonner quelque attrait à la vie. C’était la
Compagnie qui offrait la fête à tous ceux qu’elle employait ou avec
qui elle commerçait.
Cette année plus que les autres, afin de dissiper les tristes
souvenirs de la Mort Rouge, l’agent s’était mis en frais.
Il avait fait tuer par ses chasseurs quatre gros caribous et, dans
la vaste clairière qui entourait la Factorerie, empiler d’énormes tas
de bûches sèches. Sur des fourches de sapin, hautes de dix pieds,
reposait, en guise de broche, un autre sapin, lisse et dépouillé de
son écorce. Il y avait quatre de ces broches et sur chacune d’elles
était enfilé un caribou tout entier, qui rôtissait au-dessus du feu.
Les flammes s’allumèrent à l’heure du crépuscule et l’agent lui-
même entonna le Chant du Caribou, célèbre dans tout le Northland :

Oh ! le caribou-ou-ou, le caribou-ou-ou
Il rôtit en l’air,
Haut sous le ciel clair,
Le gros et blanc caribou-ou-ou !
— A vous, maintenant ! hurla-t-il. A vous, et en chœur !
Et, se réveillant du long silence qui, si longtemps, avait pesé sur
eux dans le Wild, hommes, femmes et enfants entonnèrent le chant
à leur tour, avec une frénésie sauvage, qui éclata vers le ciel. En
même temps, se prenant par les mains, ils mettaient en branle,
autour des quatre broches enveloppées de flammes, la Grande
Ronde.
A plusieurs milles au sud et au nord, à l’est et à l’ouest, se
répercuta ce tonnerre formidable. Kazan et Louve Grise, et les
outlaws sans maîtres qui étaient avec eux, l’entendirent. Et bientôt
se mêlèrent aux voix humaines le hurlement lointain des chiens,
qu’excitait la sarabande infernale.
Les compagnons de Louve Grise et de Kazan ne tenaient pas en
place. Ils dressaient leurs oreilles dans la direction de l’immense
rumeur et gémissaient plaintivement.
Kazan n’était pas moins troublé. Il commença son manège
ordinaire avec Louve Grise, qui s’était reculée en montrant les dents,
et qu’il tentait d’entraîner à sa suite. Toujours, d’ailleurs, aussi
vainement.
Alors il revint vers les quatre huskies. A ce moment, une bouffée
de vent apporta plus distinct l’écho sonore du Carnaval du Wild et
ses ardentes résonances. Les quatre bêtes, oubliant l’autorité de
Kazan, ne résistèrent pas davantage à l’appel de l’homme. Baissant
la tête et les oreilles, et s’aplatissant sur le sol, elles filèrent comme
des ombres, dans la direction du bruit.
Le chien-loup hésitait encore. De plus en plus, il pressait Louve
Grise, tapie sous un buisson, de consentir à le suivre. Elle ne
broncha pas. Elle aurait, aux côtés de son compagnon, affronté
même le feu. Mais point l’homme.
La louve aveugle entendit sur les feuilles séchées un bruit rapide
de pattes qui s’éloignaient. L’instant d’après, elle savait que Kazan
était parti. Alors seulement, elle sortit de son buisson et se mit à
pleurnicher tout haut.
Kazan entendit sa plainte, mais ne se retourna pas. L’autre appel
était le plus fort. Les quatre huskies avaient sur lui une assez forte
avance et il tentait, en une course folle, de les rattraper.
Puis il se calma un peu, prit le trot et bientôt s’arrêta. A moins
d’un mille devant lui, il pouvait voir les flammes des grands feux qui
empourpraient les ténèbres et se reflétaient dans le ciel. Il regarda
derrière lui, comme s’il espérait que Louve Grise allait apparaître.
Après avoir attendu quelques minutes, il se remit en route.
Il ne tarda pas à rencontrer une piste nettement tracée. C’était
celle où l’un des quatre caribous, qui étaient en train de rôtir, avait
été traîné, quelques jours auparavant. Il la suivit et gagna les arbres
qui bordaient la vaste clairière où s’élevait la Factorerie.
La lueur des flammes était maintenant dans ses yeux. Devant lui,
la Grande Ronde se déroulait échevelée.
On aurait pu se croire dans une maison de fous. Le vacarme était
réellement satanique. Le chant en basse-taille des hommes, la voix
plus perçante des femmes et des enfants, les trépignements et les
éclats de rire de tous, le tout accompagné par les aboiements
déchaînés d’une centaine de chiens. Kazan en avait les oreilles
abasourdies. Mais il brûlait d’envie de se joindre au démoniaque
concert. Caché dans l’ombre d’un sapin, il refrénait encore son élan,
les narines dilatées vers le merveilleux arome des caribous qui
achevaient de rôtir. L’instinct de prudence du loup, que lui avait
inculqué Louve Grise, livrait en lui un dernier combat.
Tout à coup la ronde s’arrêta, le chant se tut. Les hommes, à
l’aide de longs pieux, décrochèrent des broches qui les portaient les
énormes corps des caribous, qu’ils déposèrent, tout ruisselants de
graisse, sur le sol.
Ce fut alors une ruée générale et joyeuse de tous les convives,
qui avaient mis au clair leurs coutelas ou leurs couteaux. Et, derrière
ce cercle, suivit celui des chiens, en une masse jappante et
grognante. Kazan, cette fois, n’y tint plus. Abandonnant son sapin, il
se précipita dans la clairière.
Comme il arrivait, rapide comme l’éclair, une douzaine d’hommes
de l’agent de la Factorerie, armés de longs fouets, avaient
commencé à faire reculer les bêtes. La lanière d’un des fouets
s’abattit, redoutable et coupante, sur l’épaule d’un chien d’Esquimau,
près duquel Kazan se trouvait justement. L’animal, furieux, lança un
coup de gueule vers le fouet, et ce fut Kazan que ses crocs
mordirent au croupion. Kazan rendit le coup et, en une seconde, les
mâchoires des deux chiens béaient l’une vers l’autre. La seconde
d’après, le chien Esquimau était par terre, avec Kazan qui le tenait à
la gorge.
Les hommes se précipitèrent, pestant et jurant. Leurs fouets
claquèrent, et s’abattirent comme des couteaux. Kazan, qui était sur
son adversaire, sentit la douleur cuisante. Alors remonta soudain en
lui le souvenir cruel des jours passés, qui avaient fait de l’homme
son tyran. Il gronda et, lentement, desserra son emprise.
Comme il relevait la tête, il vit un autre homme qui surgissait de
la mêlée — car, animés par l’exemple, tous les autres chiens
s’étaient rués les uns contre les autres — et cet homme tenait à la
main un gourdin !
Le gourdin s’abattit sur son dos et la force du coup l’envoya
s’aplatir sur le sol. Puis le gourdin se leva à nouveau. Derrière
l’énorme bâton était une face rude et féroce, éclairée par les reflets
rouges des feux. C’était une telle face qui avait jadis poussé Kazan
vers le Wild. Comme le gourdin s’abaissait, il fit un écart brusque
pour l’éviter, et les couteaux d’ivoire de ses dents brillèrent.
Pour la troisième fois, le gourdin se leva. Kazan, bondissant,
happa l’avant-bras de l’homme qui le portait et lacéra la chair jusqu’à
la main.
— Tonnerre de Dieu ! hurla l’homme.
Et Kazan perçut dans la nuit la lueur d’un canon de fusil.
Mais il détalait déjà vers la forêt. Un coup de feu retentit. Quelque
chose qui ressemblait à un charbon rouge frôla le flanc du fuyard.
Lorsqu’il fut assez loin pour être certain de n’être point poursuivi,
le chien-loup s’arrêta de courir et lécha le sillon brûlant que la balle
avait tracé, roussissant le poil et emportant un lambeau de peau.
Il retrouva Louve Grise qui l’attendait toujours à la même place.
Toute joyeuse, elle bondit à sa rencontre. Une fois de plus, l’homme
lui avait renvoyé son compagnon.
XIX
UN FILS DE KAZAN

Épaule contre épaule, les deux bêtes repartirent dans la direction


du nord-ouest, tandis que s’éteignait derrière eux la grande rumeur.
Étape par étape, elles s’en revinrent, au bout de plusieurs jours,
au marais où elles avaient gîté durant la famine et avant la rencontre
des chiens sauvages.
Alors le sol était gelé et enseveli sous la neige. Aujourd’hui le
soleil brillait au ciel tiède, dans toute la gloire du printemps. Partout
la glace achevait de se craqueler et de s’effriter, la neige de fondre,
et une multitude d’eaux torrentueuses coulaient sur le sol. Partout le
dégel et la mort de l’hiver se faisaient sentir, parmi les roches qui
reparaissaient comme parmi les arbres, et la magnifique et froide
clarté de l’aurore boréale, qui avait illuminé tant de nuits passées,
avait reculé plus loin, plus loin encore vers le Pôle, sa gloire
pâlissante.
Les peupliers gonflaient leurs bourgeons, prêts à éclater, et l’air
s’imprégnait du parfum pénétrant des baumiers, des sapins et des
cèdres. Là où, six semaines auparavant, régnaient la famine et la
mort, Kazan et Louve Grise respiraient à pleines narines l’odeur de
la terre et écoutaient palpiter tous les bruits de la vie renouvelée.
Au dessus de leurs têtes, un couple d’oiseaux-des-élans [31]
nouvellement appariés, voletait et criaillait à leur adresse. Un gros
geai lissait ses plumes au soleil. Plus loin, ils entendirent un lourd
sabot qui faisait craquer sous son poids les brindilles dont le sol était
jonché. Ils perçurent aussi l’odeur d’une mère-ours, qui était fort
occupée à tirer vers le sol les branches d’un peuplier et leurs
bourgeons, dont se délectaient ses oursons. Partout s’exhalait de la
nature le mystère amoureux et celui de la maternité. Et Louve Grise
ne cessait de frotter sa tête aveugle contre celle de Kazan. Elle
n’était pour lui que caresses et invites à se recroqueviller tout contre
elle, dans un nid bien chaud.
[31] L’oiseau-des-élans, moose-bird. Ces oiseaux ont
l’habitude de venir se poser sur le dos des élans, qu’ils
débarrassent de leurs parasites, comme font chez nous
les sansonnets avec les bœufs et les moutons.

Elle n’éprouvait nul désir de chasser. L’odeur d’un caribou, ni


celle de la mère-ours, n’éveillaient plus en elle aucun instinct
combatif. Son ventre s’était alourdi de nouveau et elle s’ingéniait en
vain à dire cela à son compagnon.
Ils arrivèrent tous deux en face de l’arbre creux qui avait été leur
ancien gîte. Kazan le reconnut aussitôt et Louve Grise le sentit.
Le sol, légèrement exhaussé, n’avait point été, ici, envahi par
l’eau provenant de la fonte des neiges et qui mettait son miroir dans
mainte partie du marais. Mais un petit torrent encerclait le bas de
l’arbre et l’isolait complètement.
Tandis que Louve Grise dressait l’oreille au clapotis des eaux,
Kazan cherchait, à droite et à gauche, un gué qu’il fût loisible de
traverser. Il n’en trouva point, mais un gros cèdre qui était tombé en
travers du torrent et formait pont. Il s’y engagea et, après quelques
hésitations, Louve Grise le suivit.
Ils parvinrent ainsi à leur ancienne retraite. Ils en flairèrent, avec
prudence, l’ouverture et, comme rien ne leur apparut d’anormal, ils
se décidèrent à entrer. Lasse et haletante, Louve Grise se laissa
choir par terre aussitôt, dans le recoin le plus obscur du nid retrouvé,
et Kazan vint vers elle, pour lui lécher la tête en signe de
satisfaction. Après quoi, il se prépara à sortir, afin de s’en aller un
peu à la découverte.
Comme il était sur le seuil de son home, l’odeur d’une chose
vivante vint tout à coup jusqu’à lui. Il se raidit sur ses pattes et ses
poils se hérissèrent.
Deux minutes ne s’étaient point écoulées qu’un caquetage, pareil
à celui d’un enfant, se fit entendre et un porc-épic apparut. Lui aussi
cherchait un gîte et, les yeux au sol, sans regarder devant lui, s’en
venait droit vers l’arbre.
Kazan n’ignorait pas que le porc-épic, lorsqu’on ne s’attaque
point à lui, est la bête la plus inoffensive qu’il y ait. Il ne réfléchit point
qu’un simple grognement issu de son gosier suffirait à faire
s’éloigner, vite et docilement, cette créature débonnaire, babillarde et
piaillarde, qui sans cesse monologue avec elle-même. Il ne vit là
qu’un fâcheux, qui venait l’importuner, lui et Louve Grise. Bref,
l’humeur du moment fit qu’il bondit inconsidérément sur le porc-épic.
Un crescendo de piaillements, de pleurnichements et de cris de
cochon, auquel répondit une gamme forcenée de hurlements, fut le
résultat de cette attaque.
Louve Grise se précipita hors de son arbre, tandis que le porc-
épic s’était rapidement enroulé en une boule hérissée de piquants et
que Kazan, à quelques pieds de là, se démenait follement, en proie
aux affres les plus cuisantes que puisse connaître un hôte du Wild.
Sa gueule et son museau étaient semblables à une pelote
d’épingles. Il se roulait sur le sol, creusant dans l’humus un grand
trou, et lançant des coups de griffes, à tort et à travers, aux dards qui
lui perçaient la chair. Puis, comme l’avait fait le lynx sur la bande de
sable, comme le font tous les animaux qui ont pris contact de trop
près avec l’ami porc-épic, il se releva soudain et se mit à courir tout
autour de l’îlot, hurlant à chacun de ses bonds désordonnés.
La louve aveugle devinait sans peine ce qui se passait. Elle ne
s’en affolait point outre mesure et peut-être — qui sait quelles idées
peuvent germer dans le cerveau des animaux ? — s’amusait-elle
intérieurement de la mésaventure advenue à son imprudent
compagnon, dont elle entendait et se figurait les gambades
grotesques.
Comme, au demeurant, elle n’y pouvait rien, elle s’assit sur son
derrière et attendit, dressant seulement les oreilles et s’écartant un
peu, chaque fois que dans sa ronde démente Kazan passait trop
près d’elle.
Le porc-épic, durant ce temps, satisfait du succès de sa
manœuvre défensive, s’était précautionneusement déroulé, avait
replié ses piquants et, tout en se dandinant, avait silencieusement
gagné un peuplier voisin, qu’il escalada prestement, en s’y
accrochant des griffes. Après quoi il se mit à grignoter, fort tranquille,
la tendre écorce d’une petite branche.
Après un certain nombre de tours, Kazan se décida à s’arrêter
devant Louve Grise. La douleur occasionnée chez lui par les
terribles aiguilles avait perdu de son acuité. Mais elle laissait dans sa
chair l’impression d’une brûlure profonde et continue.
Louve Grise s’avança vers lui, s’en approcha tout près, et le tâta
du museau et de la langue, avec prudence. Puis elle saisit
délicatement entre ses dents deux ou trois piquants, qu’elle arracha.
Kazan poussa un petit glapissement satisfait et Louve Grise
renouvela la même opération avec un second bouquet de piquants.
Alors, confiant, il s’aplatit sur le ventre, les pattes de devant
étendues, ferma les yeux et, sans plus gémir, jetant seulement de
temps à autre, un yip plaintif, lorsque la douleur était trop vive, il
s’abandonna aux soins habiles de son infirmière.
Son pauvre museau fut bientôt rouge de sang. Une heure durant,
Louve Grise, en dépit de sa cécité, s’appliqua à sa tâche et, au bout
de ce temps, elle avait réussi à extirper la plupart des dards maudits.
Seuls quelques-uns demeuraient, qui étaient trop courts ou enfoncés
trop profondément pour que ses dents pussent les saisir.
Kazan descendit alors vers le petit torrent et trempa dans l’eau
glacée son museau brûlant. Ce lui fut un soulagement, momentané
seulement. Car les piquants qui étaient restés dans la chair vive ne
tardèrent pas à produire, dans son museau et dans ses lèvres, une
inflammation qui ne faisait qu’augmenter à mesure qu’ils déchiraient
davantage les tissus, où ils pénétraient comme une chose vivante.
Lèvres et museau se mirent à enfler. Kazan bavait une salive
mêlée de sang et ses yeux s’empourpraient. Deux heures après que
Louve Grise, ayant terminé sa tâche, était rentrée dans son gîte et
s’y était recouchée, l’infortuné en était toujours au même point.
Il se jeta, de male rage, sur un morceau de bois qu’il rencontra,
et y mordit furieusement. Il sentit se casser un des dards qui le
faisaient le plus souffrir, et il réitéra.
La Nature lui avait indiqué le seul remède qui fût à sa portée et
qui consistait à mâcher avec force de la terre et des bouts de bois.
Dans cette trituration, la pointe des dards s’émoussait et les dards
eux-mêmes se brisaient. Finalement, la pression exercée sur eux les
faisait jaillir de la chair, comme une écharde que l’on repousse du
doigt.
Au crépuscule, Kazan était entièrement libéré et il s’en alla
rejoindre Louve Grise au creux de l’arbre. Mais, plusieurs fois durant
la nuit, il dut encore se relever et s’en aller au petit torrent, afin de
calmer la cuisson inapaisée.
Le lendemain, il n’était point joli, joli, et son mufle avait ce que les
gens du Wild appellent « la grimace du porc-épic ». La gueule était
enflée au point que Louve Grise s’en fût tordue de rire, si elle n’eût
point été aveugle et si elle eût été un être humain. Les lèvres étaient,
le long des mâchoires, boursouflées comme des coussins. Les yeux
n’étaient plus que deux fentes étroites, au milieu d’une fluxion
générale de la face.
Lorsque Kazan sortit de l’arbre et vint au jour, il ne pouvait guère
mieux voir que sa compagne aveugle. La douleur, du moins, s’en
était allée en grande partie. La nuit suivante, il put songer à chasser
de nouveau et revint, avant l’aube, avec un lapin.
La chasse aurait pu être plus fructueuse et s’augmenter d’une
perdrix de sapins si, au moment même où Kazan allait bondir vers
l’oiseau posé sur le sol, il n’avait entendu le doux caquetage d’un
porc-épic.
Il en fut cloué sur place. Il n’était point facile à effrayer. Mais le
piaillement incohérent et vide de la bestiole aux dards cruels suffit à
le terrifier et à le faire déguerpir au loin, quelques instants après, au
pas accéléré, la queue entre les pattes.
Avec la même invincible appréhension que l’homme éprouve
pour le serpent, Kazan devait éviter toujours, désormais, cette
créature du Wild, si bon enfant, qu’on n’a jamais vue, dans l’histoire
animale, perdre sa jacassante gaieté ni chercher noise à quiconque.
Deux semaines durant, après l’aventure de Kazan et du porc-
épic, les jours continuèrent à croître, le soleil à augmenter sa
chaleur. Les dernières neiges achevèrent de rapidement disparaître.
Partout éclataient les bourgeons des peupliers, où apparaissaient
les pousses vertes, et étincelaient les feuilles cramoisies de la vigne
rouge. Sur les pentes les plus ensoleillées, parmi les rochers, les
petits perce-neige ouvraient leurs corolles, annonce décisive que le
printemps était venu.
Pendant la première semaine, Louve Grise chassa plus d’une
fois avec Kazan. Ils n’avaient pas besoin d’aller loin. Le marais
fourmillait de petit gibier et, chaque jour ou chaque nuit, ils tuaient de
la viande fraîche.
Au cours de la seconde semaine, Louve Grise chassa moins.
Puis vint une nuit, une nuit embaumée, magnifique et douce sous les
rayons de la pleine lune printanière, où elle se refusa à quitter le
creux de l’arbre.
Kazan ne l’y incita point. L’instinct lui faisait comprendre qu’un
événement nouveau se préparait. Il partit pour la chasse, sans trop
s’éloigner, et rapporta bientôt un lapin blanc.
Quelques jours s’écoulèrent encore et une autre nuit arriva où,
dans le recoin le plus obscur de sa retraite, Louve Grise salua d’un
grognement étouffé Kazan qui rentrait. Il demeura sur le seuil de
l’arbre, avec un lapin qu’il tenait dans sa gueule, et n’entra point.
Au bout de quelques instants, il laissa tomber le lapin, les yeux
fixés sur l’obscurité où gisait Louve Grise. Finalement, il se coucha
en travers, devant l’entrée de la tanière. Puis, tout agité, il se remit
sur ses pattes et s’en alla.
Il ne revint qu’avec le jour. Comme jadis sur le Sun Rock, il
renifla, renifla. Ce qui flottait dans l’air n’était plus pour lui une
énigme. Il s’approcha de Louve Grise et elle ne grogna pas. Il la
flaira et caressa, tandis qu’elle gémissait doucement. Puis son
museau découvrit quelque chose d’autre, qui respirait faiblement.
Kazan, ce jour-là, ne repartit point en chasse. Il s’étendit
voluptueusement au soleil, la tête pendante et les mâchoires
ouvertes, en signe de la grande satisfaction qui était en lui.
XX
L’ÉDUCATION DE BARI

Frustrés une première fois des joies de la famille par le drame du


Sun Rock, Kazan et Louve Grise n’avaient pas oublié la tragique
aventure.
Au moindre bruit, Louve Grise tressaillait et tremblait, prête à
bondir sur l’invisible ennemi qui se présenterait et à déchirer toute
chair qui n’était pas celle de Kazan et de son petit.
Kazan n’était pas moins inquiet et alerté. Sans cesse il sautait
sur ses pattes et épiait autour de lui. Il se défiait des ombres
mouvantes, que promène le vent sous le soleil ou sous la lune. Le
craquement d’une branche, le frémissement de la moindre brindille
faisaient se retrousser ses lèvres sur ses crocs. Il menaçait et
grondait vers la douceur de l’air, chaque fois qu’une odeur étrangère
arrivait à ses narines.
Pas un seul instant, ni jour, ni nuit, il ne se distrayait de sa garde.
Aussi sûrement que l’on s’attend, chaque matin, à voir se lever le
soleil, il s’attendait à voir, un jour ou l’autre, tôt ou tard, apparaître,
en bondissant ou en rampant, leur mortel ennemi. C’était en une
heure pareille que le lynx avait amené avec lui la cécité et la mort.
Mais la paix avait étendu sur le marais ses ailes de soleil. Il n’y
avait, autour de Kazan et de Louve Grise, d’autres étrangers que le
silencieux whiskey-jack [32] , les oiseaux-des-élans, aux yeux ronds,
les moineaux babillards dans les buissons, les gentilles souris des
bois et les petites hermines.
[32] Sorte de geai, aux gros yeux, du Northland.

Kazan finit par se rassurer. Délaissant de temps à autre sa


faction, il s’en allait, dans l’ombre, flairer son fils, l’unique louveteau
que Louve Grise avait engendré.
Ce louveteau, si les Indiens Dog Ribs [33] , qui habitent un peu
plus vers l’ouest, avaient eu à lui donner un nom, ils l’auraient sans
aucun doute appelé Baree (Bari), qui dans leur langage signifie à la
fois « sans frère ni sœur » et « chien-loup », deux choses qu’il était
effectivement.
[33] Dog Ribs ou Côtes-de-Chiens.

Ce fut, dès le début, un petit bonhomme doux et vif, à qui sa


mère prodigua tous les soins dont elle était capable. Il se développa
avec la rapidité précoce d’un loup, et non avec la lenteur coutumière
aux petits chiens.
Pendant les trois premiers jours, il ne fit rien d’autre que de se
tasser, le plus près possible, contre le ventre de sa mère. Il tétait
quand il avait faim, dormait tout son saoul, et la langue affectueuse
de Louve Grise n’arrêtait pas de le peigner et nettoyer.
Le quatrième jour, sa curiosité commença à s’éveiller. Avec
d’énormes efforts, et s’agrippant des griffes au poil de Louve Grise, il
se hissa jusqu’à la gueule de sa mère. Puis il risqua de s’éloigner
d’elle, se traîna à quelques pieds de distance, en chavirant sur ses
pattes molles, et, une fois là, se mit à renifler désespérément, en se
croyant à tout jamais perdu.
Il connut ensuite que Kazan était comme une partie de Louve
Grise. Huit jours ne s’étaient pas écoulés qu’il venait, avec
satisfaction, se mettre en boule entre les pattes de devant de son
père et s’y endormir paisiblement.
La première fois où il agit ainsi, Kazan parut fort interloqué. Il ne
remua pas, d’une demi-heure, et Louve Grise vint, tout heureuse,
lécher le petit fuyard.
A dix jours, Bari découvrit la notion du jeu et que c’était un sport
sans pareil de tirer après lui un débris de peau de lapin.
Tout ceci se passait encore dans le home obscur du creux de
l’arbre. Jusqu’au moment où le louveteau apprit à connaître ce
qu’étaient la lumière et le soleil.
Ce fut par une belle après-midi. Par un trou qui était percé dans
l’écorce de l’arbre, un rayon resplendissant se fraya son chemin et
vint tomber sur le sol, à côté de Bari. Bari commença par fixer, avec
étonnement, la traînée d’or. Puis, bientôt, il s’essaya à jouer avec
elle, comme il avait fait avec la peau de lapin. Il ne comprit pas
pourquoi il ne pouvait point s’en saisir ; mais, dès lors, il connut ce
qu’étaient la lumière et le soleil.
Les jours suivants, il alla vers l’ouverture de la tanière, où il voyait
luire cette même clarté, et, les yeux éblouis et clignotants, se
coucha, apeuré, sur le seuil du vaste monde qu’il avait devant lui.
Louve Grise qui, durant tout ce temps, l’avait observé, cessa dès
lors de le retenir dans l’arbre. Elle même s’alla coucher au soleil et
appela son fils vers elle. Les faibles yeux du louveteau
s’accoutumèrent peu à peu à la clarté solaire, que Bari apprit à
aimer. Il aima la tiédeur de l’air, la douceur de la vie, et n’eut plus
que répulsion pour les obscures ténèbres de l’antre où il était né.
Il ne tarda pas non plus à connaître que tout dans l’univers,
n’était pas doux et bon. Un jour où un orage menaçait et où Bari
rôdait, insouciant, sur l’îlot, Louve Grise le rappela vers elle et vers
l’abri protecteur de l’arbre. Le louveteau, qui ne comprenait point ce
que signifiait cet appel, fit la sourde oreille. Mais la Nature se
chargea de le lui apprendre, à ses dépens. Un effroyable déluge de
pluie s’abattit soudain sur lui, à la lueur aveuglante des éclairs et au
fracas du tonnerre. Littéralement terrorisé, il s’aplatit sur le sol, et fut
trempé jusqu’aux os, et presque noyé, avant que Louve Grise
n’arrivât pour le saisir dans ses mâchoires et l’emporter au bercail.

Você também pode gostar