• Aline Dini
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Marcela e Melanie amamentam o casal de gêmeos (Foto: Arquivo Pessoal)

Marcela e Melanie amamentam o casal de gêmeos (Foto: Arquivo Pessoal)

O desejo de ter filhos acompanha a escritora Marcela Rebelo Tiboni, 36, e a produtora cultural Melanie Jeanne Graille, 29, desde que começaram a se relacionar, há 5 anos. De lá para cá, o assunto “maternidade” sempre esteve presente nas conversas. Em função disso, a busca por informações sobre como duas mulheres poderiam ter filhos biológicos passou a ser cada vez mais frequente. “Procuramos em diversas livrarias algo que nos ajudasse a entender melhor a questão, mas não encontramos nada! Foi somente quando postamos no Facebook sobre o nosso desejo de engravidar, que encontramos as respostas: para a nossa surpresa, tivemos quase 400 comentários”, lembram.

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E assim, elas descobriram que as possibilidades eram reais – desde opções caseiras de inseminação artificial até os tratamentos mais avançados, realizados em clínicas médicas. A escolha foi pelo processo de fertilização in vitro, feito com a assistência de profissionais especializados no assunto. “Eu fui a doadora de óvulos e os dois embriões que foram transferidos para mim vingaram. Eu estava realizando o meu sonho. E o melhor, grávida de gêmeos!”, conta Melanie, emocionada.

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Marcela usava a bomba de leite cinco vezes ao dia (Foto: Arquivo Pessoal)

Marcela usava a bomba de leite cinco vezes ao dia (Foto: Arquivo Pessoal)

AMAMENTAÇÃO EM DOSE DUPLA

A gestação caminhava para o segundo trimestre quando Melanie perguntou para Marcela se ela toparia amamentar os bebês também. Se as mães adotivas conseguiam, por que não tentar? Marcela topou na hora! E então, mais uma vez, elas foram em busca de informações. Novamente, a rede social trouxe as respostas. “Passamos o dia no WhatsApp conversando com diversos casais homoafetivos que passaram pela indução à lactação. A maioria deles não conseguiu evoluir, mas para alguns deu certo. E assim, cheias de esperança na técnica, elas seguiram para as consultas com a ginecologista e obstetra Ana Thais Vargas, e a consultora de amamentação Kely Carvalho Torres, ambas da clínica Lumos (SP).

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Apesar de nunca terem acompanhado um caso desses, as duas profissionais se debruçaram sobre a técnica para tornar o sonho possível. “Apliquei um protocolo canadense que consistiu em fazer com que o corpo da Marcela passasse por um estado parecido com o da gestação. Suspendemos a menstruação e aumentamos, gradativamente, por meio de um medicamento, o hormônio prolactina, responsável por fazer com que as glândulas mamárias passassem a produzir leite. Próximo à data do parto, ela parou de usar o medicamento para que o corpo entendendesse que o bebê chegou”, explica a ginecologista. 

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Marcela também passou pela dor nos mamilos durante os primeiros dias da amamentação (Foto: Arquivo Pessoal)

Marcela também passou pela dor nos mamilos durante os primeiros dias da amamentação (Foto: Arquivo Pessoal)

Durante o período de estímulo, por meio da medicação (um anticoncepcional), houve um aumento de estrogênio, progesterona e prolactina. Mas o leite só aparece quando há uma queda dos primeiros dois hormônios e a prolactina está em alta. Segundo Kely, a indução à lactação é uma técnica que também beneficia mulheres que passaram por uma adoação, que são mães por barriga solidária ou que pararam e querem retomar a amamentação. “O processo deve ter início cerca de 6 meses antes da chegada do bebê. E, além da medicação para aumentar a prolactina, é preciso também fazer a estimulação com bomba de tirar leite”, explica.

“Quando Mel estava com 5 meses de gestação eu comecei o processo. No sétimo mês, comecei a estimular a descida do leite com a bombinha cinco vezes ao longo do dia”, conta Marcela. A consultora de amamentação também reforça que o processo deve ser feito com acompanhamento médico, e garante: “Mesmo mulheres com alguma contraindicação podem se beneficiar de alguma parte do processo”.

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Bernardo, que nasceu primeiro, foi direto para o peito de Marcela após o nascimento (Foto: Arquivo Pessoal)

Bernardo, que nasceu primeiro, foi direto para o peito de Marcela após o nascimento (Foto: Arquivo Pessoal)

CADA GOTA IMPORTA

Uma das maiores angústias de quem passa pelo processo de indução à lactação é a incerteza sobre a quantidade de leite que conseguirá produzir. “Não dá para definir qual o volume de leite que será produzido, pois cada organismo reage de uma forma, mas segundo a literatura e a minha experiência, toda mulher produz alguma quantidade de leite”, afirma a consultora de amamentação. “Foi um processo lento e gradativo, com apenas uma gota, depois duas, depois poucos mililitros de leite. Quando os bebês nasceram, no entanto, eu já tinha meio litro de leite congelado”, lembra Marcela, que teve a insistência como aliada para conseguir amamentar.

“A ansiedade também é um fator que joga muito contra. Poder contar com uma rede de profissionais que me acalmava fez toda diferença”, diz. Melanie entrava para a fase do colostro quando Marcela já estava com mais leite. E isso funcionou como uma espécie de “reforço”, especialmente na Golden Hour. “No nosso caso, ela durou quase três horas!”, comemoram.

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Bernardo nasceu primeiro e foi direto para o peito de Marcela. Depois, com os dois mamando, a produção só aumentou: se até então ela tirava 30 ml com a bomba, ter duas bocas estimulando fez com que esse volume fosse potencializado. “Com o passar do tempo, a produção de leite tende a aumentar mesmo. Mas, num primeiro momento após o nascimento é necessário continuar com a indução”, diz.

Muito além da nutrição, Kely lembra que amamentar é tem a ver com vínculo, com relacionamento entre mãe e filho. E isso também traz inúmeros benefícios, ainda mais no puerpério.

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E tem coisa melhor do que colo de mãe? (Foto: Arquivo Pessoal)

E tem coisa melhor do que colo de mãe? (Foto: Arquivo Pessoal)

COMPARTILHANDO AS DORES E AS DELÍCIAS DA MATERNIDADE

Depois que o bebê nasce, segundo Kely, é importante que as duas mães - a que está passando pela indução e a que pariu - recebam os mesmos cuidados. Afinal, ambas passam por alterações hormonais e pelo processo de adaptação com o novo filho. Para elas, passarem juntas por essa experiência foi fundamental. “De certa forma, nos colocou numa relação de igualdade total, sem contar que a carga que seria unicamente da mãe que pariu ficou mais leve ao dividir também a amamentação. Quando eles nasceram e ainda mamavam muito durante a noite, cada noite era de uma mãe. Assim, não pesou tanto”, contam.

Quando os bebês completaram 4 meses de vida, Iolanda “elegeu” o peito de Marcela como seu e não queria mais mamar em Melanie. “Isso foi muito desolador, mas seria um processo até natural, afinal, eram muitos bicos envolvidos”, diz Melanie. Além disso, Melanie explica que no passado passou por um processo de redução de mama, que acabou interferindo no fluxo de leite. Por isso, sua produção não á tão abundante. Mas com um pouco de persistência, ela conseguiu fazer com que a filha voltasse a pegar seu peito. No entanto, em vez da fórmula, elas optaram pela relactação. O mecanismo é bem simples: uma sonda é acoplada a um recipiente com leite e a ponta da sonda é fixada ao seio materno, junto ao bico. É como um canudinho. Assim, enquanto o bebê suga o leite que sai do recipiente, ele estimula a produção do leite materno através da sucção. 

Agora, Iolanda e Bernardo - que estão entrando no sétimo mês de vida - seguem mamando lindamente, enquanto suas mães desfrutam, lado a lado, das dores e delícias da maternidade. A experiência das duas será contada em um livro que será lançado no próximo mês no Congresso Mame Bem.