• Elisama Santos
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A maioria de nós tem uma dificuldade muito grande de sair do centro das situações. Não fazemos por mal, simplesmente fazemos. Erramos, e quando o nosso erro é apontado, nos justificamos incessantemente em vez de focarmos no desejo de reparar e cuidar da dor do outro. Por vezes, até mesmo quando cuidamos, o fazemos buscando reforçar a imagem a que queremos atender: bons pais, bons filhos, boas filhas, bons amigos, boas colegas. Aprendemos a entender a empatia – que tem sido usada tão indiscriminadamente a ponto de se esvaziar de sentido – como sendo o fazer pelo outro o que desejamos que façam conosco. Percebe o nível de egocentrismo dessa forma de enxergar a empatia? Quem disse que somos a régua do mundo? Quem disse que o nosso desejo e o nosso sentir são a medida ideal para entendermos como nos relacionamos com o outro?

Talvez seja essa dificuldade um dos grandes empecilhos para termos conversas profundas sobre raça. A vontade de se defender, de mostrar o quanto tem boas intenções, de mostrar que não existe racismo nas atitudes adotadas faz com que pessoas brancas não consigam compreender a profundidade das próprias ações, tampouco se responsabilizarem por elas. Enquanto a sua mente busca encontrar a prova perfeita de que você não é racista, você segue ignorando a dor que a sua atitude, fala ou omissão causou no outro. O seu bisavô negro, a sua esposa negra, o seu melhor amigo de todos os tempos negro não tornam as suas atitudes menos racistas, não te blindam, não são um tíquete de acesso para o clube das pessoas de bom coração. Na realidade, acreditar nisso já é, por si só, bastante racista. Pois é. Respire.

Homem triste (Foto: Alex Green/Pexels)

"Aprender a escutar é um exercício diário e incômodo”"

Elisama Santos

Aprender a escutar é um exercício diário e incômodo. E extremamente necessário. É diário porque não é decisão que se toma uma única vez e pronto. É decisão que precisa ser reforçada, nutrida. É decisão que pede a responsabilidade de lidar com os próprios impulsos narcísicos para se permitir ir além de si mesmo. É incômodo porque a escuta nos faz confrontar as nossas ilusões. A escuta nos afeta e transforma, nos mostra as nossas incongruências. A escuta nos convida a nos refazer, visto que não escutamos apenas o que queremos. Tanto se fala em dar voz aos oprimidos, aos menos favorecidos pelas estruturas sociais, às minorias, mas não precisamos de voz, pois essa já temos. Precisamos de ouvidos atentos. Precisamos da disponibilidade de escuta.

A empatia não mora no fazer pelo outro o que queremos que façam conosco. A empatia mora em entender o outro sendo ele quem é, com a sua história, cor, classe social. Em entender o quanto os meus atos afetam esse outro. A empatia mora no abandono das histórias prontas e das narrativas rasas. Quer educar seres humanos empáticos? Saia do seu umbigo. E não espere biscoitos por isso.

 

Elisama Santos é psicanalista, educadora parental, escritora, palestrante, mãe de Miguel, 8 anos, e Helena, 6 (Foto: Divulgação)

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