• Vanessa Lima
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Menino se joga no chão, chora e faz birra (Foto: Thinkstock)

Como lidar com birras? Autora dá dicas para quem tem filhos de 1 a 5 anos (Foto: Thinkstock)

Imagine que uma criança de um ano está perto de um armário repleto de copos e outras peças de vidro. A mãe diz "NÃO" e o filho continua tentando abrir a porta do móvel. O pequeno é teimoso? Está fazendo birra? Quer desafiar os pais? É bem possível que este seja o pensamento dos adultos, mas, em seu livro, Já tentei de tudo, a psicoterapeuta Isabelle Filliozat propõe que nos coloquemos no lugar daquela criança. "Façamos uma experiência: não pense em uma girafa", diz ela. A primeira imagem que vem à sua mente é o animal, certo? Você está desobedecendo! De acordo com a especialista, o "não" simplesmente não funciona nesses casos. Para ela, o melhor é dizer "pare". "A palavra é bem mais eficaz e menos ambígua. Quando você diz 'não', normalmente utiliza um tom de crítica e franze as sobrancelhas, enquanto ao dizer 'pare' você abre os olhos e o tom é imperativo, sem ser crítico. Dessa forma você interrompe o movimento", explica. E não basta só isso! Depois que a criança parar de fazer o que você não queria que ela fizesse, é preciso mostrar o que seria o correto, no caso, do exemplo, mostrar a ela outra atividade, que a entretenha e satisfaça sua curiosidade de maneira segura. Que tal um outro armário com brinquedos ou com objetos que não quebram, como potes de plástico?

"Já tentei de tudo"
(Foto: Divulgação)

É com essas soluções -- que evitam a violência e usam a empatia, ou seja, um esforço para compreender o que está por trás das atitudes das crianças -- que Filliozat tenta ajudar os pais a lidarem com as birras e outras situações difíceis do dia-a-dia, que só quem tem filhos sabe como são. Com textos simples, de leitura fácil e ilustrações, a obra é focada em atitudes de crianças de 1 a 5 anos. É claro que o livro não tem a resposta para todos os problemas, já que cada criança e cada família são únicas, mas as palavras podem ser inspiradoras e ajudar os pais a encontrarem sua própria maneira de solucionar suas questões. "Não acreditem cegamente em nós!", diz a própria psicoterapeuta, logo nas páginas iniciais. "Este livro não apresenta uma verdade. Cada um deve observar, sentir, experimentar", sugere.

Outra abordagem do livro é mostrar o ponto de vista dos pequenos, com quadros que contam ou supõem como eles se sentem em cada situação. Em um dos capítulos, ela fala de um assunto que você vai se reconhecer: quando a criança se recusa a comer e brinca com a comida. De acordo com a autora, nesse caso, seu filho pode pensar: "Não é que eu não queira comer, mamãe. Estou com fome, mas quero SEGURAR A COLHER! Além do mais, não é justo: quero comer à mesa, como todo mundo. Eu comeria mais se tivesse a minha colher e se estivesse sentada na minha cadeira"; ou então: "Não brigue comigo; eu não vejo diferença entre o que você me dá para brincar e o que você me dá para comer. Quando não estou mais com fome, eu acho que você está me dando coisas para eu brincar".

Para entender qual foi a inspiração, o processo de desenvolvimento da obra e entender mais sobre o comportamento infantil, CRESCER bateu um papo com Isabelle Filliozat. Confira:

Isabelle Filliozat, autora do livro

Isabelle Filliozat, autora do livro "Já tentei de tudo" (Foto: Divulgação)

CRESCER: A motivação para escrever o livro veio da maternidade ou da experiência profissional?
ISABELLE FILLIOZAT:
Das duas coisas! Por meio da maternidade, pude entender melhor os desafios que qualquer pai enfrenta. E minha experiência profissional me mostrou em que ponto os pais se sentiam desamparados, confusos e incompreendidos.

C.: A senhora sempre tentou entender as crianças ou algo mudou em algum ponto, por alguma razão específica? Como foi?
I.F.:
Meus pais foram criados por pais muito violentos, eles decidiram evitar qualquer violência contra os próprios filhos. Cresci com essa consciência, de quão nocivo pode ser bater em uma criança, xingá-la, menosprezá-la. Tornei-me psicoterapeuta e meu trabalho passou a ser ajudar as pessoas a curarem suas infâncias, sua criança interior. Nunca teria escrito um livro sobre paternidade antes de ter meus próprios filhos, mas eu já tinha essa empatia pelas crianças.

C.: O livro tem uma linguagem leve, com ilustrações. Por quê?
I.F.:
É muito difícil os pais perceberem que podem prejudicar os filhos. Eu não queria que nenhum pai se sentisse culpado. Eu também pensei em fazer algo muito prático. Quando você tem filhos, não tem muito tempo para ler. Como acontece com todos os meus livros, eu queria que qualquer pessoa pudesse entender. Até as crianças! E não é raro que alguém me escreva contando que seu filho disse "olha, mamãe, é exatamente assim que me sinto". Pelos desenhos, nós, pais, nos identificamos sem vergonha ou culpa e conseguimos entender rápido.

C.: Por que as crianças fazem birra?
I.F.:
Um episódio de birra é como uma tempestade no cérebro. A criança ainda não precisa ter a habilidade de se acalmar para inibir os impulsos de seu corpo. A frustração, o fato de estar exausta, com fome, muito barulho ou muita gente, qualquer excesso de demanda de adaptação, leva a uma reação de estresse, o cérebro libera adrenalina e cortisol.... O corpo é cheio de tensões e a birra libera as tensões. 

C.: Boa parte das dicas do livro poderia ser resumida em uma palavra: empatia. "Coloque-se no lugar do seu filho, antes de repreendê-lo ou de brigar com ele". Faz sentido?
I.F.:
Sim, esse é exatamente o truque. Quando o leite fervente transborda, não faz sentido tentar colocar uma tampa na panela. É melhor apagar o fogo. Por isso, é melhor tentar entender de onde a reação vem para resolver com mais eficiência. Se não, apenas entramos em uma disputa de poder e todo mundo perde.

C.: Às vezes, por mais que os pais tentem "de tudo", a criança continua fazendo birra. Nesses casos, poderia ser necessário investigar?
I.F.:
Investigar é sempre uma boa ideia. Uma mãe me contou alguns dias atrás que o filho dela, de 8 anos, estava fazendo birra atrás de birra, muito agressivo, dizendo palavras feias para ela. Ela ficou muito, muito chateada e gritou com ele... Quando, depois de um mês de castigos, consequências e birras, ele finalmente caiu no choro dizendo que estava sofrendo bullying na escola. Sim, quando os ataques de birra são frequentes, isso reflete outro problema. Algumas vezes mais profundo, algumas vezes... é um problema completamente diferente. Pode ser apenas açúcar, componentes artificiais de produtos industrializados ou leite! Nosso intestino é nosso segundo cérebro, e o "combustível" que damos à criança vai ter um impacto em seu comportamento.

C.: O que as pessoas devem ter em mente antes de se lançar a esse grande desafio que é a paternidade?
I.F.:
Bem... é um grande desafio, mas também há tantos benefícios! Talvez não ter nada específico em mente seria uma boa ideia... Antes de ser pais, somos pais perfeitos e sabemos de tudo... Mas, quando você se torna um pai de verdade, conhece uma pessoa muito especial: seu filho! A coisa mais importante para se ter em mente, qualquer que seja o comportamento da criança, é que ela nos ama, sempre, e quer desesperadamente nos agradar (mas nem sempre sabe como) e esses "maus comportamentos" não são contra nós. Eles precisam da nossa ajuda.

C.: Qual é o limite entre uma educação permissiva e uma educação que tenta compreender as crianças?
I.F.:
Quando você compreende as crianças, você presta atenção nelas, no que elas fazem, como se sentem e quem elas são. Acho que o que muitas pessoas chamam de "educação permissiva" é quando não há nenhuma educação, é apenas deixar a criança por ela mesma. Eu sempre falo sobre tolerância para comportamentos que transbordam, porque eles expressam necessidades e isso é importante para identificar as necessidades por trás do comportamento. Educação permissiva seria deixar todo o excesso transbordar a panela... e educação empática é desligar o fogo.

C.: A senhora diria que, às vezes, o problema não está no comportamento das crianças, mas nos pais?
I.F.:
Com certeza! É por isso que escrevo meus livros! Para oferecer ajuda, dicas e ideias para os pais se acalmarem e pensar sobre a atitude que querem ter para encarar o problema. Nos meus grupos de pais, ensino a técnica da "máscara de oxigênio" primeiro. Em um avião, eles dizem que "em caso de despressurização, as máscaras de oxigênio cairão à sua frente e que, se você estiver com uma criança, você deve colocar sua própria máscara primeiro e, apenas quando a sua situação estiver normalizada, você pode colocar a máscara na criança". Antes de resolver qualquer problema de comportamento com nossos filhos, temos de nos acalmar, colocar nossa máscara de oxigênio e respirar, para ter nosso cérebro funcionando integralmente. Não conseguimos pensar apropriadamente quando estamos sob efeito do estresse e das emoções, quando nosso cérebro emocional atacam as zonas superiores. Então, primeiro nos acalmamos, talvez resolvemos nossa própria história e aí estaremos com o cérebro inteiro pronto para pensar e solucionar os problemas, ajudar a criança e ensiná-la qualquer habilidade necessária.

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