• Flavia Bezerra
  • Edição: Adriana Toledo
Atualizado em
Célula tronco; laboratório;  (Foto: Thinkstock)

Você vai ao consultório do obstetra para uma ultrassonografia de rotina e, no meio da consulta – dentre as inúmeras questões que envolvem a gestação –, seu médico pergunta: “Você vai querer armazenar as células-tronco do cordão umbilical”?

Antes de tudo, vale contextualizar que se trata de unidades regenerativas, com o poder de originar diversos tecidos do corpo humano e auxiliar no tratamento de algumas doenças. Desde a década de 90, quando os estudos sobre os seus benefícios ganharam força, muitas famílias optaram pelo armazenamento das células retiradas do sangue do cordão umbilical. O procedimento é realizado na sala de parto, após o nascimento do bebê, é totalmente indolor e não traz nenhum prejuízo à saúde da mãe ou da criança.

Tanto bancos públicos, quanto empresas privadas podem fazer a coleta das células, que chegam a ficar armazenadas durante anos. A diferença entre as duas alternativas é que, na primeira, o material fica disponível para qualquer paciente do país que necessite dele. Já no sistema pago, as células são guardadas para uso exclusivo da família. Neste caso, o procedimento custa, em média, R$ 3 mil pela coleta e R$ 600 pela anuidade do armazenamento. 

Apesar das muitas promessas que rondam as células-tronco - principalmente as do tipo mesenquimal, que são capazes de originar ossos, músculos e cartilagens -  na prática clínica, o uso só está comprovado para transplante de medula óssea, exigido nos tipos mais graves de leucemia, o câncer do sangue. Nesses casos, as chamadas células hematopoiéticas - provenientes do cordão umbilical - têm um papel importantíssimo, pois vão reconstituir a medula óssea doente. Mesmo assim, o investimento nos bancos particulares não se justifica. Pelo menos, é o que alegou recentemente a Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO) em uma nota oficial, ao afirmar que a contratação dessas instituições poderia ser inútil.

Os argumentos são diversos. De acordo com a SBTMO, não há razão para que determinado material fique disponível apenas para seu dono ou família, já que, assim, ele só seria de fato utilizado em cerca de 4% dos casos. Além disso, a SBTMO condena a promessa de determinadas possibilidades de tratamento – muitas vezes irreais - oferecidas por alguns bancos privados. Em contrapartida, a instituição estimula o armazenamento em bancos públicos.

Em entrevista à CRESCER, a hematologista Lúcia Silla, presidente da SBTMO, afirmou que o principal objetivo da Sociedade é esclarecer à população que as propriedades das célula-tronco oriundas do cordão umbilical para tratar leucemia são as mesmas da célula-tronco adulta encontrada na medula óssea de uma pessoa compatível.

Ela também defende que é inviável realizar transplante do próprio organismo em casos de leucemia. “Ocorre que, nessa situação, a célula pertence a um organismo que manifestou a doença após a coleta. E a cura da leucemia pelo transplante precisa ocorrer a partir das células de um doador completamente saudável”, afirma.

O opinião da médica é compartilhada pelo oncologista Luís Fernando Bouzas, do Instituto Nacional do Câncer, o Inca – que coordena os bancos públicos de armazenamento. Segundo ele, o transplante autólogo em casos de leucemia não faz sentido, pois a doença já está impregnada na célula desde o nascimento. “O que a Sociedade fez foi emitir uma nota reforçando o que nós, do INCA, já falamos há algum tempo. O armazenamento em bancos privados não deve ser uma prática entre as famílias”, sentencia. “Se você quiser coletar o material, doe-o para os bancos públicos. Dessa maneira, ajudará a salvar a vida de muitas pessoas compatíveis com as células doadas”, diz.

A professora titular do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP (SP), Lygia Pereira, tem uma opinião diferente. De acordo com ela, as cerca de 2,8 milhões de amostras de células-tronco de sangue de cordão armazenadas em bancos privados no mundo já permitiram 506 transplantes de medula e 362 tratamentos experimentais para outras doenças. “Esses números já justificam esse tipo de armazenamento”, afirma a professora.

Apesar de concordar com a existência de propagandas enganosas feitas por algumas empresas, Lygia discorda da SBTMO quanto ao argumento de que as células do cordão poderiam ser inúteis. “Isso só faz sentido se não houver necessidade de uso, assim como acontece com  o seguro de vida enquanto não morremos ou o de saúde enquanto estamos saudáveis. Mas isso não significa que sejam menos importantes”, compara a professora.

O outro lado

Criança doente com dor de cabeça (Foto: Shutterstock)

A economista Isabel Capistrano, mãe de Mariana (10) e Isabela (8), decidiu armazenar as células-tronco das duas filhas. Em 2008, Isabela – na época com dois anos – foi diagnosticada com leucemia e apenas um transplante de medula óssea poderia salvá-la. Foi então que Isabel saiu à procura de um doador de medula óssea compatível. “Percebi que não seria fácil encontrá-lo. O Brasil é um país de muitas misturas raciais, o que torna a busca ainda mais difícil. Vi crianças morrerem por falta de doadores e outras que lutam até hoje para encontrá-los, em uma contagem regressiva e angustiante contra o tempo”, diz.

Felizmente, Isabela encontrou um doador e, juntamente com a quimioterapia, conseguiu se curar. Caso o doador não aparecesse, as células- tronco da irmã mais velha ou as da própria Isabela – armazenadas no laboratório - seriam implantadas na menina, com o objetivo de ganhar tempo até que surgisse um doador. “Quando tomei a decisão de armazenar, sabia perfeitamente que a probabilidade de uso dessas células era baixa, mas não era zero. Assim como a probabilidade de uma criança ter leucemia é muito baixa, mas aconteceu na minha família”, diz Isabel.

Em entrevista à CRESCER, Roberto Waddington, Presidente da CordVida (SP), defendeu o armazenamento e ressaltou o desejo de que a discussão já estivesse encerrada no Brasil. Para ele, o material de  bancos privados só é pouco usado porque a probabilidade de uma criança ser diagnosticada com leucemia é muito pequena. “Além disso, elas respondem bem aos tratamentos com quimioterapia”, diz. Sobre a impossibilidade do transplante do próprio organismo – prática condenada pela SBTMO – Roberto avisa que as pesquisas ainda não confirmaram se a leucemia é ou não uma doença genética. Ou seja, não dá para afirmar taxativamente que as células estejam comprometidas desde o nascimento.

A hematologista Carla Maria Duarte, da Cryopraxis, laboratório de armazenamento de células- tronco, no Rio de Janeiro, condena a manifestação da SBTMO e concorda com Roberto Waddington. “Uma criança não nasce com a leucemia, mas pode desenvolvê-la com o passar dos anos. Por isso, o transplante do próprio organismo pode ser uma opção para ganhar tempo, até ser encontrado um doador compatível para o transplante de medula óssea, quando necessário”, explica.

E você, o que pensa sobre o assunto? Armazenaria ou não as células- tronco do cordão umbilical do seu bebê? Conte-nos sua opinião através do e-mail [email protected]. Estamos esperando!

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