• Giovanna Forcioni
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Quando a empresária Kely Medeiros, 35 anos, decidiu engravidar aos 30 anos, se decepcionou. Apesar de o teste positivo ter vindo logo após as primeiras investidas, menos de oito semanas depois, sofreu um aborto espontâneo. Aos 33, retomou as tentativas e a história se repetiu. Então, foi buscar ajuda para entender o que havia de errado.

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Espermatozoides masculinos estão mais raros (Foto: Getty Images)

Kely se consultou com vários ginecologistas, fez dezenas de exames e nenhum sinal de problema. Mesmo sabendo que já havia passado por uma gestação saudável e dado à luz Yasmin, hoje com 15 anos, fruto de um outro relacionamento, os médicos não explicavam por que a gravidez não seguia adiante. “Há um tabu grande de que a dificuldade de engravidar e manter a gestação é sempre culpa da mulher. Precisei passar por sete especialistas até que um sugerisse que o problema poderia estar no meu marido e pedisse uma investigação”, diz.

Infelizmente, Kely não está sozinha nessa situação. Isso ocorre, sobretudo, porque, na maioria das vezes, a queixa sobre a dificuldade de engravidar é levada pela mulher ao ginecologista. É natural que esse profissional comece investigando sua paciente num primeiro momento. Por isso, é importante buscar auxílio de um especialista em reprodução: “Normalmente, ele averigua também o homem, mesmo que a paciente tenha um histórico de endometriose e problemas de ovulação, por exemplo”, afirma a ginecologista Rívia Mara Lamaita, membro da Comissão Nacional Especializada de Reprodução Humana da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Outro fator que prejudica o foco no homem é... ele mesmo. “Do ponto de vista cultural, o homem resiste em considerar que algo pode estar relacionado a ele. Tem dificuldade de lidar com a possibilidade de estar com algum problema, por achar que isso pode afetar sua masculinidade. Às vezes, o preconceito atrapalha a chance de investigação e diagnóstico”, diz Rívia.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 40% dos casos de infertilidade conjugal podem ser explicados por questões relacionadas exclusivamente à saúde da mulher. Porém, de acordo com o mesmo órgão, a estatística é a mesma para os homens. Ou seja, eles são tão responsáveis quanto elas pela dificuldade de o casal engravidar naturalmente. Os outros 20% dos casos seriam justificados por questões relacionadas à saúde dos dois, simultaneamente. Esses dados precisam ser levados em conta quando surgem empecilhos diante do desejo de aumentar a família.
 

"Alimentação saudável, sono restaurador e atividade física são ótimos aliados da fertilidade"

 


Inclusive, a ciência vem mostrando que, a cada ano que passa, os espermatozoides estão ficando mais “fracos” e defeituosos. A epidemiologista americana Shanna Swan analisou 185 estudos sobre o assunto, feitos a partir do resultado de espermogramas (exame que mede a quantidade e a qualidade de espermatozoides) de mais de 45 mil homens. O resultado da pesquisa mostrou que, nas últimas quatro décadas, os níveis de espermatozoides caíram pela metade nos países ocidentais. Shanna atribui o estilo de vida a esse cenário, como o uso excessivo de aparelhos eletrônicos, o consumo de plásticos, a alimentação baseada em ultraprocessados... Para ela, o mundo moderno está interferindo na saúde e contribuindo para o aumento dos índices de infertilidade de homens e mulheres.

Em seu recém-publicado livro Countdown: como nosso mundo moderno está ameaçando a contagem de espermatozoides, alterando o desenvolvimento reprodutivo masculino e feminino e ameaçando o futuro da raça humana (Editora Scribner), Shanna é categórica: se não mudarmos os nossos hábitos, gerar um filho pelos métodos naturais pode se tornar um sonho cada vez mais distante.

O urologista Daniel Suslik Zylbersztejn, Ph.D. em reprodução humana e coordenador médico do Fleury Fertilidade (SP), pede cautela sobre a análise de Shanna: “É complicado chegar a essa conclusão com base em análises seminais feitas em décadas diferentes, porque as metodologias mudaram desde o início do século 20. Podemos dizer, talvez, que o sêmen de hoje, em termos de qualidade, realmente, não seja o mesmo de 40 anos atrás”, diz. Vale lembrar que, assim como ele, há um consenso dos demais entrevistados para esta reportagem sobre a queda da qualidade dos espermatozoides nos últimos tempos.

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Investigação cuidadosa

Para encontrar a causa da infertilidade masculina, porém, é preciso ir muito além da análise de gametas masculinos, já que há uma série de outras questões que precisam ser levadas em conta pelo especialista na investigação. Um dos primeiros exames a serem feitos é o espermograma. “A partir dele, também se vê como o espermatozoide está se movimentando, sua morfologia e suas chances de conseguir penetrar no óvulo. Quanto mais significativas forem as alterações, menor a possibilidade de o casal conseguir uma gestação de maneira natural”, diz Matheus Roque, especialista em reprodução humana e doutor em Saúde da Mulher pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Mas a busca por um diagnóstico não para por aí. Segundo Matheus Roque, mesmo depois de fazer espermograma, avaliação genética, exames físicos e de sangue, para checar os níveis hormonais, em cerca de metade dos casos não é possível encontrar uma razão específica para o problema. Nessas situações, o paciente recebe justamente esse diagnóstico: infertilidade sem causa aparente (ISCA). A partir de então, mais do que nunca, é preciso repensar os hábitos alimentares, o padrão de sono, a frequência de atividade física, o consumo de produtos pouco sustentáveis...

Foi o que aconteceu com o servidor público Anderson Costa, 38, e a esposa, a advogada Jakeline, 36. Depois de um ano de casamento e de tentativas frustradas de engravidar, eles buscaram especialistas em fertilidade para entender o que acontecia. Anderson foi diagnosticado com ISCA. Partiram, então, para a fertilização in vitro, que também não foi bem-sucedida. “Ficamos tristes, havíamos gastado nossas economias e ouvimos do médico que o melhor seria adotar”, diz Anderson.

Apesar disso, não desistiram. Na consulta com um novo urologista, ouviram que uma mudança no estilo de vida e a cirurgia para tratar a varicocele dele – problema não diagnosticado até então – poderia ser um caminho. E assim foi: Anderson diminuiu o consumo de bebidas alcoólicas, matriculou-se na musculação e passou a seguir uma dieta balanceada. A cirurgia foi um empurrãozinho e, sete meses depois do procedimento, Jakeline engravidou de Rebeca, hoje com 10 meses.

De fato, o problema de Anderson costuma afetar a fertilidade masculina. Ao lado dos maus hábitos, alterações hormonais (causadas por obesidade, por exemplo), alterações genéticas e hereditariedade, e consequências de algumas doenças sexualmente transmissíveis, a varicocele costuma ser a grande vilã. “Ela é a principal causa de infertilidade masculina, presente em 15% dos homens e em aproximadamente 40% daqueles com infertilidade primária (que nunca tiveram filhos)”, diz Daniel Suslik Zylbersztejn. Mas, afinal, por que ela é tão decisiva na infertilidade? Porque se caracteriza pela dilatação dos vasos nos testículos. Com o tempo, a hipervascularização provoca o aquecimento deles, comprometendo a produção de espermatozoides – assim, a quantidade e a qualidade diminuem.

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O peso da vida moderna

Além de questões fisiológicas que interferem na fertilidade, tal como a epidemiologista Shanna relata em sua análise, é consenso entre a comunidade médica que maus hábitos do mundo contemporâneo podem ser prejudiciais à capacidade reprodutiva de homens e mulheres. Cinquenta anos atrás não passávamos horas na frente do computador, não consumíamos tantos produtos industrializados e nem tínhamos a facilidade de um serviço de transporte a um clique. Se, por um lado, isso otimizou a rotina, por outro, o nosso corpo e a saúde sentem as consequências. “A genética sofre influências do meio ambiente em que estamos inseridos. E precisamos considerar isso para entender por que a fertilidade está diminuindo tanto”, diz o especialista em reprodução humana Nilo Frantz, da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva (RS).

Aos poucos, novos estudos levantam hipóteses para o aumento da infertilidade entre os homens. Algumas sugerem até que as escolhas mais banais, como aquelas nos supermercado, podem ter uma parcela de culpa nessa história. Por isso, reforçam a importância de reduzir a quantidade de produtos químicos e embalagens plásticas, optar por copos de vidro e deixar de esquentar potes plásticos no micro-ondas.

Uma pesquisa feita pela Universidade de Nottingham (Reino Unido) mostrou que o ftalato, uma substância presente no plástico, pode prejudicar a mobilidade dos espermatozoides. Isso acontece porque algumas substâncias atuam como disruptores endócrinos. Ou seja, interferem no sistema hormonal e desequilibram o organismo. “A liberação de toxinas produzidas por esses plásticos pode piorar a qualidade genética do espermatozoide, além de diminuir a movimentação dele”, explica o urologista Fábio Firmbach Pasqualotto, da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e professor na Universidade de Caxias do Sul (RS). Segundo o especialista, esse impacto acontece já na vida intrauterina. “Quando essas toxinas caem no fluxo sanguíneo da gestante, isso é passado pela placenta direto para o bebê e pode impactar na fertilidade dele daqui a alguns anos”, diz
 

"Sedentarismo e obesidade são ameaças para os espermatozoides"

 

O sedentarismo e a obesidade também são grandes ameaças aos espermatozoides. O excesso de gordura leva a uma alteração na produção de testosterona, o hormônio masculino, e desencadeia uma série de substâncias inflamatórias que alteram o volume, a concentração e a vitalidade do esperma. E o consumo exagerado de ultraprocessados de que tanto falamos pode acelerar ainda mais esse processo inflamatório, impactando a fertilidade. Por isso, as mudanças de hábito adotadas pelo servidor público – de incluir uma rotina regular de atividades físicas, manter uma alimentação equilibrada, cortar o consumo de bebidas alcóolicas – foram fundamentais para reverter a infertilidade dele.

Entra nesse combo o cigarro, que precisa ser eliminado, e os eletrônicos, que merecem atenção. Um exemplo é o de levar o celular no bolso da frente da calça ou ficar com o notebook no colo por muito tempo. Além de emitir ondas de radiação, esses aparelhos podem superaquecer a região da bolsa escrotal e comprometer a produção dos gametas masculinos. A piora da qualidade do ar e o uso de agrotóxicos aparecem, ainda, como potenciais vilões.  Diante desse cenário, o que fazer? “É muito difícil definir qual é o peso que cada um desses fatores tem na piora da qualidade do espermatozoide, mas sabemos que eles podem, sim, impactar a qualidade. Como são situações difíceis de evitar, sempre peço aos meus pacientes que cuidem daquilo que é possível”, diz Pasqualotto.

Há esperança: tratamento para infertilidade masculina

Depois de entender que não havia nada de errado com a sua saúde, Kely e o marido, Carlos, 30, do início desta reportagem, finalmente procuraram ajuda de um urologista. Só foi preciso fazer um espermograma e um ultrassom de testículos para confirmar a suspeita que já tinham. Carlos, assim como o servidor público Anderson, foi diagnosticado com varicocele. Kely abortava por causa da baixa qualidade dos espermatozoides. O tratamento? Mudança de hábitos alimentares, suplementação vitamínica e cirurgia. Três meses depois do procedimento, logo na primeira tentativa, veio a notícia que tanto esperavam. A família aumentou com a chegada da pequena Júlia, 4 meses.

Para mais finais felizes como o do casal Kely e Carlos, vale saber que, uma vez identificado o problema, boa parte dos casos pode ser revertida. Depois de tudo o que passou, o conselho de Kely é que todos procurem ajuda de um especialista o quanto antes. “Ainda existe muita falta de informação, e por um longo tempo eu senti dificuldade de entender o que havia de errado. Mas o que aconteceu com a minha família é a prova de que há motivos para manter a esperança”, finaliza.

VILÕES DA CONCEPÇÃO
Alguns hábitos parecem inofensivos, mas podem impactar a fertilidade dos homens:

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1. Sedentarismo
A falta de atividade física e, consequentemente, o excesso de tecido adiposo estão ligados a uma queda na fabricação de células reprodutoras

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2. Produtos químicos
Detergentes, embalagens plásticas e alguns cosméticos podem conter substâncias que alteram o funcionamento hormonal

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3. Aparelhos eletrônicos
Quando usados próximos aos testículos, emitem radiação e podem alterar o DNA dos gametas masculinos

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4. Álcool e fumo
Drogas, bebidas alcoólicas e cigarro interferem na capacidade de fecundação

Cuidados com a fertilidade começam cedo

A preocupação em preservar a fertilidade pode (e deve!) começar desde cedo. Assim como as meninas passam a ir ao ginecologista, em geral, depois da primeira menstruação, os meninos também precisam se consultar   com o urologista para identificar precocemente questões que possam atrapalhar a fertilidade no futuro. A primeira consulta pode acontecer por volta dos 12 anos, depois da entrada na puberdade e de apresentar os primeiros sinais de que seu corpo está ganhando características masculinas, como pelos pubianos, alteração da voz, aparecimento de acne. Depois, as consultas devem ser feitas anualmente, caso não tenham nenhum problema que mereça atenção. “Poucos pais levam seus adolescentes ao urologista para uma avaliação. Cabe ao médico mostrar o que ele pode fazer para ter uma vida saudável e, assim, um melhor desempenho dos espermatozoides no futuro”, explica Daniel Zylbersztejn.

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