• Mauren Luc
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A bancária Beatriz Frecceiro Martins, com 31 anos em 2017, já era mãe de Mateus,10, e de Danie, 7 meses. Ela sonhava em ter uma menina, mas, quando soube que estava grávida novamente, levou um susto. “Escolhemos o nome de Louise, que significa guerreira famosa, só que nunca imaginei que ela fosse fazer jus a cada letra do nome dela”, diz a mãe.

Louise e Bia, ainda em tratamento  (Foto: Arquivo Pessoal)

Louise e Bia, ainda em tratamento (Foto: Arquivo Pessoal)

Aos dois meses de gestação, Daniel parou de mamar. “Ao apalpar meu seio, encontrei duas bolinhas bem estranhas, duras. Avisei ao obstetra e ele pediu um ultrassom", lembra, em entrevista exclusiva a CRESCER. O exame mostrou dois nódulos malignos, indicando câncer de mama. O mesmo que tinha levado sua avó materna aos 39 anos. “Parecia que me deram um soco no estômago, minha boca ficou amarga, me deu náusea, era inacreditável pensar que eu ia morrer. Eu só chorava. Descobri a minha insignificância e que somos um instante. Num instante, tudo acaba. A vida é muito frágil. Mas eu não podia morrer”, conta.

Em consulta com o mastologista, Beatriz confirmou que o problema era hormonal. “Ele me disse que a gravidez estava 'alimentando' o câncer. Se eu estivesse no final da gestação, faríamos uma cesárea de emergência e iniciaríamos o tratamento. Porém, estava muito no começo. Ele disse que teríamos que tirar o bebê e explicou que o aborto em casos de risco de vida para a gestante é permitido no Brasil", diz.

Ela voltou ao obstetra e disse que não abortaria. “A vida da minha filha vale tanto quanto a minha, então, eu não queria abortar. Meu marido ficou louco, disse que eu iria morrer e deixar dois filhos sem mãe e que depois faríamos outra menina. Mas, como assim, depois faz outra?”, questionou. “Minha filha não é descartável. Já tinha ouvido o coração dela, escolhido seu nome. Como eu ia olhar pra minha barriga e dizer para a Louise que a jornada dela tinha acabado porque eu precisava sobreviver, que eu iria sacrificá-la? Eu não consegui”, revela.

"Eu ia morrer ou sobreviver, mas com ela. Minha cura não viria com o sangue da minha filha."

Beatriz enfatiza que não julga, respeita as mulheres que fazem aborto, pois é algo muito particular, mas ela não conseguiu. “Eu ia morrer ou sobreviver, mas com ela. Minha cura não viria com o sangue da minha filha, pois isso, para mim, não era cura. Eu não conseguiria ser feliz depois disso", resume.

O tratamento

Beatriz, então, procurou outro mastologista, que aceitou tratá-la grávida. “Comecei o tratamento no quarto mês de gestação, quando fiz a cirurgia da mastectomia total e retirei completamente uma das mamas”, diz.

Por causa da gravidez, os médicos optaram por não colocar a prótese mamária, para reduzir o tempo da cirurgia e não expor mais a mãe e o bebê.  “Eu saí totalmente mutilada e com muita dor, pois não podia tomar remédios fortes”, lembra.

Beatriz após cirurgia para retirada da mama (Foto: Arquivo Pessoal)

Beatriz após cirurgia para retirada da mama (Foto: Arquivo Pessoal)

Beatriz alerta para o risco da doença. “Ela pode atingir a todos, não importa em que fase da vida você está. Eu tinha um filho adolescente e outro bebê, estava grávida. Não podia ter câncer, mas tinha". 

Ela decidiu não se deixar abalar: “Eu não podia escolher não ter câncer, mas podia escolher como passar pelo câncer. E seria da forma mais leve possível. A dor era obrigatória, mas o sofrimento opcional. Eu decidi lutar”.

Então, focou na alegria. A alegria de sentir a filha mexer, preparar seu enxoval e a festa de 1 ano do segundo filho. Aos 5 meses de gestação, precisou iniciar as quimioterapias. Foram quatro com Louise na barriga, com intervalos de 21 dias entre elas.

"Não tive nenhum efeito colateral, não passei mal, não enjoei, não vomitei, não tive dor no corpo. Só os cabelos caíram."

“Não tive nenhum efeito colateral, não passei mal, não enjoei, não vomitei, não tive dor no corpo. Só os cabelos que caíram. Como eu não tinha opção, não precisava tornar o momento de raspar a cabeça ainda mais triste, então fiz uma live ao vivo para os meus amigos participarem comigo. Fizemos uma bagunça pois eu decidi tornar tudo mais leve possível”, reforça.

O nascimento e o puerpério

Em novembro de 2017, os médicos resolveram dar uma pausa no tratamento para esperar a bebê nascer. “Com 30 semanas eu já estava com as malas do hospital prontas, pois não sabia quando ela podia nascer. E Louise nasceu com quase 41 semanas, em janeiro de 2018, pesando 3,8 kg, de parto normal. Nasceu muito bem, saudável, e eu a amamentei com um peito só, o que tinha me sobrado.”

Amamentar foi possível por 25 dias (Foto: Arquivo Pessoal)

Amamentar foi possível por 25 dias (Foto: Arquivo Pessoal)

Mãe e filha tiveram 25 dias até o retorno das quimioterapias. “Foi o momento mais difícil do meu tratamento, pois tive que parar de amamentar e sabia que seria a última vez que eu sentiria aquela sensação. Eu chorei muito e não conseguia tirá-la do meu peito. Mas voltei para o tratamento", conta.

Daniel estava com 1 ano e 6 meses e Mateus com 10 anos, quando Bia voltou para as quimioterapias. “Eram semanais. Fiz 12 sessões intercaladas por causa da minha imunidade. Nestas eu sofri bastante, tive muita dor. Essa fase foi uma loucura e meu casamento ainda estava em crise", lembra. 

Beatriz conta que, apesar da dor e das dificuldades, nunca reclamou. “Eu dava graças a Deus que tinha meus filhos para cuidar, minha filha que nasceu super bem, saudável e linda.”
Teve chá de bebê e muita conversa com Louise no útero. “Eu tinha um tumor crescendo dentro de mim, querendo me matar, mas também tinha uma vida crescendo dentro de mim querendo sobreviver. E eu sempre foquei na vida. As pessoas dizem que eu tive azar, mas acho que eu tive sorte de ter tido câncer grávida, pois a vida venceu.”

Louise com um ano (Foto: Arquivo Pessoal)

Louise com um ano (Foto: Arquivo Pessoal)

Bia e Louise, com 3 anos (Foto: Arquivo Pessoal)

Mãe e filha no aniversário de 3 anos da Louise (Foto: Arquivo Pessoal)

Nova luta

Hoje, Louise está com 3 anos, Davi com 4 e Mateus com 14. Depois do nascimento da caçula, Beatriz fez quatro cirurgias, três para correção das mamas e uma para retirada do útero, ovário e trompas, em 2019. “Eu entrei na menopausa aos 34 anos e em 2020 eu me divorciei. Agora eu crio sozinha as crianças.”

Beatriz e os filhos (Foto: Arquivo Pessoal)

Beatriz e os filhos (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando ela achou que as coisas ficariam mais tranquilas veio o que Bia chama de “plus”. Em janeiro de 2021, ela descobriu uma doença genética de desgaste ósseo. No início de junho, precisou de cirurgia para implante de prótese no quadril. “Oito dias depois, eu tive uma embolia com trombose. Fui hospitalizada às presas, fiz angioplastia e coloquei um estente.”

De alta há apenas uma semana, ela diz que está bem e morando na praia. Após a separação, em março deste ano, mudou-se de Curitiba para Caiobá, Litoral do Paraná. “Estou me recuperando, estou bem, com as crianças em casa, super feliz da vida.”

Última cirurgia foi há duas semanas (Foto: Arquivo Pessoal)

Última cirurgia foi há duas semanas (Foto: Arquivo Pessoal)