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Diante das altas taxas de mortalidade materna no Brasil, um estudo, publicado na revista acadêmica The Lancet, buscou analisar como essas mulheres foram atendidas durante a pandemia da covid-19. E as conclusões do trabalho apontam para um quadro preocupante, principalmente devido às falhas no atendimento das pacientes. 

Segundo dados da pesquisa, até dezembro de 2021, já tinham sido registrados 1.948 casos de mortes maternas por covid-19, sendo que a maioria (1.488) ocorreu em 2021 —  223% a mais do que em 2020. As pesquisadoras Debora Diniz, Luciana Brito e Gabriela Rondon ainda alertam que 59% das gestantes ou puérperas que morreram no ano passado por covid-19 não apresentavam fatores de risco prévios ou comorbidades.

Sistema de saúde falhou em atender gestantes  (Foto: Pexels/ Mart Prodiction )

Sistema de saúde falhou em atender gestantes (Foto: Pexels/ Mart Prodiction )

"Um estudo de meta-análise também sugere que o aumento dos impactos adversos está relacionado à ineficiência dos sistemas de saúde e à incapacidade de gerenciar a pandemia", indica o trabalho, ressaltando que a vacina só ficou disponível para as gestantes em julho de 2021. "Uma emergência de saúde pública exige respostas centradas nas mulheres para reduzir os impactos adversos na saúde reprodutiva", afirmam as pesquisadoras. 

A pesquisa entrevistou 25 familiares de gestantes e puérperas que faleceram em decorrência da covid-19. O intuito era compreender melhor as experiências dessas pessoas em relação ao atendimento de saúde. Todas as mulheres morreram no segundo e terceiro trimestre de gravidez, ou após o parto. Um dado que se destaca é que apenas 7 das 25 mulheres apresentavam comorbidades médicas prévias. 

As responsáveis pelo estudo admitem que o tamanho reduzido da amostra impede uma comparação com a população geral brasileira. No entanto, os dados apontam para três barreiras que impedem uma resposta efetiva do sistema de saúde. 

A primeira delas está relacionada aos atrasos na identificação dos sintomas da covid-19 em grávidas e a demora para testá-las. Os familiares mencionaram que as mulheres receberam alta hospitalar após os médicos confirmarem que o bebê estava bem. Elas recebiam uma receita com medicamentos para aliviar sintomas leves. "As mulheres foram informadas de que seus sintomas respiratórios, como dispneia/falta de ar, eram “enjoo/fadiga da gravidez”, “nervosismo”, “algo em sua cabeça”, e algumas foram até questionadas se “desaprenderam a ser mãe”, se "desaprenderam como é estar grávida”, ou foram encaminhadas a um psiquiatra", apontou o estudo. 

Em segundo lugar, houve atrasos nas hospitalizações de mulheres após o diagnóstico de covid-19. Os dados epidemiológicos brasileiros registraram uma média de 7 dias entre o início dos sintomas e a internação para gestantes com diagnóstico confirmado da doença. De acordo com as pesquisadoras, os serviços de saúde mostraram-se relutantes em admitir gestantes com sintomas respiratórios agudos graves.

Já para aquelas que conseguiram confirmar o diagnóstico de covid-19 — muitas vezes, por conta própria —, a recusa do atendimento foi justificada pelo fato de as maternidades supostamente não estarem preparadas para admitir pacientes infectados com o coronavírus. Quase todas as gestantes foram várias vezes à mesma unidade ou em até cinco unidades diferentes antes de serem admitidas. O estudo alertou, ainda, que as mulheres negras foram ainda mais impactadas. Os familiares relataram tentativas frustradas de acesso aos cuidados antes da hospitalização e práticas mais agressivas de culpar as mulheres pela infecção ou por negligenciar seus sintomas.

Por fim, a terceira barreira foram os atrasos na prestação de cuidados intensivos após a hospitalização, como admissão na UTI, ventilação invasiva e indução precoce do trabalho de parto. A pesquisa também cita que o Observatório Obstétrico Brasileiro traça um quadro preocupante, mostrando que uma em cada cinco gestantes e puérperas que morreram pela covid-19 não teve acesso à UTI e 32,4% não foram intubadas.

Segundo as cientistas, a intervenção adequada e medidas invasivas, como intubação e indução do parto prematuro, foram adiadas à espera do desenvolvimento fetal. Os médicos justificaram esses atrasos como “a necessidade de salvar as duas vidas”. Estudos também encontraram um aumento significativo na taxa de natimortos durante a pandemia. "Entre as 25 mulheres em nosso estudo, houve 6 natimortos ou óbitos neonatais. Em todos os casos em que o feto não sobreviveu, a idade gestacional no momento da procura por atendimento foi inferior à média dos demais: 21 semanas, em contraste com 32 semanas".

"Nossas descobertas revelaram falhas no atendimento médico que foram agravadas pela discriminação racial e normas de gênero prejudiciais. Quase todas as mulheres que morreram enfrentaram os efeitos da pobreza e as interseções de outras desigualdades. A falta de atenção obstétrica centrada na mulher é consequência dos sistemas de saúde não priorizarem a saúde sexual e reprodutiva durante as respostas às emergências de saúde pública", ressaltam as pesquisadoras.

Para mitigar os impactos da covid-19 e de outras emergências de saúde pública, as especialistas pedem para o sistema de saúde adotar novos modelos de atendimento centrado na mulher. 

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