• Depoimento a Giovanna Forcioni
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O que significa ser mãe? O que faz com que uma mulher seja digna de receber esse título? É preciso dar à luz e gestar um bebê? Ou "mãe é quem cria"? Para a assistente administrativa Valquíria Calazans, 33, de Xinguara (PA), o significado é muito mais complexo e vai muito além dessas duas opções. 

Apesar de ter gestado um filho e dado à luz, ela conta que poucas vezes tem sua maternidade reconhecida. Isso porque simplesmente não teve a chance de "criar" seu bebê e vê-lo se desenvolver. Poucos minutos depois de parir Benjamin, seu primogênito, os dois já tiveram de se despedir. O pequeno faleceu logo após nascer. 

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"Ainda é muito difícil para as pessoas enxergarem as mães de colo vazio, como eu. Eu me sinto invisível ainda. Infelizmente, a nossa maternidade só é reconhecida se você estiver com o seu filho no colo. Se não, as pessoas não te enxergam como mãe. Só que eu vou levar meu filho para o resto da vida. Até meu último dia, Benjamin estará aqui comigo", disse em entrevista à CRESCER.

Neste mês das mães, Valquíria e tantas outras mulheres já passaram pela dura experiência de perder um filho ainda durante a gravidez ou logo depois do parto. Elas continuam tendo direito à maternidade, com ou sem seus filhos no colo. É sobre isso que Valquíria fala no depoimento a seguir. Confira: 

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 (Foto: Reprodução)

"Eu sempre quis ser mãe, desde criança era um dos meus sonhos. Eu estava num relacionamento de quase seis anos, quando decidimos que estava na hora de ter um filho. Depois de quatro meses sem o anticoncepcional, eu engravidei. Foi rápido, a alegria dos pais, dos avós, dos tios, da família inteira… Desde sempre foi um bebê muito desejado e muito amado.

Eu fiz meu pré-natal todo certinho e, aparentemente, eu tive uma gestação saudável. Sö que era minha primeira gravidez e, infelizmente, eu não tinha conhecimento sobre muitas coisas. Quando você não tem muita informação, acaba confiando nos profissionais que estão te acompanhando sem questionar. E como diziam que estava tudo certo, eu acreditava.

Estava programado para o meu filho, Benjamin, nascer em 27/01/2021, na data prevista de parto. Mas no dia 18 eu comecei a perder líquido e fui pra maternidade. Só que, chegando ao hospital, me senti muito negligenciada. Me mandaram embora porque me disseram que eu não estava em trabalho de parto. Voltei para casa, mas continuei sentindo dor e ela só aumentando, aumentando, aumentando...

No mesmo dia à noite, eu fui de novo ao hospital. O médico fez o toque, falou que eu só tinha dois centímetros de dilatação e que ia demorar muito para o bebê nascer. Ele disse que, se quisesse voltar para casa, eu poderia. A minha decisão foi voltar, preferi assim.

Algumas horas depois, voltei para o hospital porque eu não estava aguentando mais de dor. Me levaram para uma sala de pré-parto e fiquei lá sozinha. Me negaram a possibilidade de entrar com um acompanhante. Hoje eu sei que é um direito que a grávida tem. Infelizmente, ele foi ignorado.

Eu sentia muita dor, chamava por alguém da equipe para me ajudar e não aparecia ninguém. Eu fiquei com muito medo de acontecer alguma coisa comigo e com o meu bebê. Um tempo depois, a enfermeira veio e pediu para eu pegar as minhas coisas e ir para a sala de parto.

O tempo todo fui pressionada psicologicamente. Eu estava ali, tentando dar o meu melhor, querendo que meu filho viesse ao mundo e as enfermeiras falavam que eu não estava ajudando e nem fazendo força.

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 (Foto: Pexels)


Quando meu filho finalmente nasceu, eu não ouvi o choro dele. Eu já entrei em desespero, porque pegaram ele, colocaram em cima de uma mesa e tentaram fazer a reanimação. Só que ele já nasceu praticamente morto, porque em nenhum momento nós tivemos a assistência adequada do hospital. O médico obstetra mesmo só apareceu na sala de parto depois que o meu bebê já tinha morrido. No fim, uma enfermeira ainda virou para mim e falou: "Está vendo o que você fez? A culpa é sua". Ela me culpou pela morte do meu filho.

Depois que me tiraram da sala de parto, queriam me levar para a sala onde estavam outras mulheres com seus bebês no colo. Mas a última coisa que eu queria naquele momento era ficar no meio de outras mães. Aí pedi para ir para outro lugar. O parto aconteceu antes das 7h da manhã e eu só fui liberada para casa às 16h.

Meu marido e meu cunhado pegaram o corpo do meu filho e tiraram do hospital, para que pudéssemos fazer o velório. Foi ali que consegui ficar um pouco com ele. Me negaram isso no hospital e hoje me faz muita falta.

Falar sobre perda gestacional ainda é um grande tabu. É uma dor inimaginável que eu não desejo para ninguém. Mas eu não tinha noção do que era perder um filho dessa forma. Eu tenho duas amigas que também passaram por perdas gestacionais recentemente, mas até então eu nunca havia tido coragem de perguntar sobre a situação. Só fui fazer isso quando me vi nesse lugar também.

A forma como tudo aconteceu foi muito traumatizante para mim. Me senti violada, desrespeitada. Minha família e meus amigos foram meu alicerce e quem segurou a minha mão nesse processo todo. Buscar outras mães que viveram o mesmo que eu vivi também me ajudou muito. Eu pude dividir minha história e a dor que eu sentia.

Ainda é muito difícil para as pessoas enxergarem as mães de colo vazio, como eu. É uma cobrança de querer que você engravide de novo, como se um filho fosse substituível. Esses dias me perguntaram quando é que eu ia tentar de novo ter outro bebê. Mas não se trata de tentar de novo. Meu filho não foi uma tentativa frustrada e eu não pretendo passar por isso de novo.

Eu me sinto invisível ainda. Infelizmente, a nossa maternidade só é reconhecida se você estiver com o seu filho no colo. Se não, as pessoas não te enxergam como mãe. Eu vou levar meu filho para o resto da vida. Até meu último dia, Benjamin estará aqui comigo. Eu tento manter a memória dele viva. De alguma forma, eu tento fazer as pessoas enxergarem que eu tenho um filho. Mas, quando você perde um filho, não é só um filho. Você perde também a sua identidade, os seus sonhos, as suas expectativas.

O luto não é muito linear. Tem dias que a gente se sente melhor, mas tem dias que parece que vem uma onda e te engole. É muito complicado e parece que vão chegando as datas e ficando mais difícil. Todos os dias são difíceis, mas tem alguns dias que pesam mais. 

Tudo o que eu queria era ter o Benjamin aqui para me dar um abraço, mas sei que esse abraço eu não vou ganhar. Sempre vai faltar um pedacinho"