• Daniele Zebini
Atualizado em
Primeira infancia (Foto: Tara Moore/Getty Images)

(Foto: Tara Moore/Getty Images)

“Nunca foi tão importante para a humanidade a consciência dos benefícios do brincar, do jogar e de fazer atividade física e desporto.” A constatação do professor da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, Carlos Neto, um estudioso do brincar, é um alerta para os pais sobre o papel da brincadeira como parte fundamental do desenvolvimento infantil. Afinal, durante os primeiros anos de vida, ela traz uma série de vantagens: na estruturação do cérebro e respectivos mecanismos neurais; na evolução da linguagem; na capacidade de adaptação física e motora; na estruturação cognitiva e resolução de problemas; nos processos de sociabilização; e na construção da imagem de si próprio. “Brincar é adaptar-se a situações imprevisíveis, por meio de ações diversas na utilização do corpo em espaços físicos e na relação com os outros. Por isso, se torna fundamental a existência de atividades livres que promovam o jogo simbólico (faz de conta), o jogo com objetos (naturais e construídos), o jogo social (relação com amigos) e o jogo de atividade física (corrida, fuga, perseguição, luta)”, explica Neto.

E você sabia que a evolução do ser humano se fez também por meio da diversão? É o que mostrou o estudo The Importance of Play (A Importância do Brincar), conduzido pelo professor doutor David Whitebread, diretor do Centro de Pesquisa do Brincar na Educação, Desenvolvimento e Aprendizado da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge (Inglaterra). “Nós evoluímos para ser a espécie que mais brinca na Terra e, para todos os aspectos do desenvolvimento humano, existem formas de brincadeiras que aparecem envolvidas em nossa aprendizagem”, afirma Whitebread. “No que diz respeito à saúde, a atividade física promovida pelo brincar é importante, e a brincadeira parece ser um bom indicativo de saúde mental. Dizem que o oposto de brincar não é trabalhar, é depressão”, acrescenta.

Sem pressão

Você já observou a agenda do seu filho? Não tem compromissos demais e tempo livre de menos? “As crianças podem ter rotina, mas não uma semelhante à dos adultos ou à do mundo do trabalho. Precisam brincar livremente. Muitos pais até acreditam no tempo do brincar, porém, desejam que ele provoque alguma ‘aprendizagem’. Assim, ele perde o que há de mais potente: a liberdade de criar e recriar”, lamenta Raquel Franzim, assessora pedagógica da área de Educação e Cultura da Infância do Instituto Alana.

Nessa ânsia de aprendizado o tempo inteiro, há quem acredite que apenas a atividade guiada é capaz de ensinar. E não é assim. Um estudo recente realizado nos Estados Unidos constatou que, quanto menos estruturado o tempo que as crianças têm em casa, mais desenvolvidas são suas capacidades de autocontrole na escola – como habilidade de controlar a atenção e o comportamento – o que prevê melhores resultados acadêmicos e emocionais. “A brincadeira livre, iniciada e conduzida pela criança, permite que ela estabeleça a si mesma seus próprios desafios e persiga seus próprios interesses”, afirma Whitebread.

Para Maria Ângela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da Faculdade de Educação da PUC-SP, as atividades assistidas não permitem à criança desenvolver a criatividade e a fantasia, essenciais para o desenvolvimento do raciocínio simbólico. “Primeiro, a criança simboliza, depois significa. Se ela não tiver liberdade para criar, ela será sempre um mero repetidor. Por isso, os brinquedos eletrônicos, que fazem tudo sozinhos, não são interessantes”, ressalta. Você, aliás, já deve ter passado pela experiência de presentear o seu filho com o brinquedo que tanto queria, e ele ficar mais encantado com a caixa de papelão que o envolvia. Sabe por quê? “Isso demonstra que as crianças gostam e precisam de materiais que estejam abertos para sua criação”, reforça Raquel. Por isso, o equilíbrio é tudo.

Primeira infancia (Foto: PeopleImages/Getty Images)

(Foto: PeopleImages/Getty Images)

Essa diversidade, aliás, deve estar presente também nos locais onde o seu filho brinca. É sempre dentro de casa? Na brinquedoteca do prédio? Ofereça mais repertórios. Brincar ao ar livre permite que ele se movimente com mais liberdade, teste limites, desenvolva habilidades, como organização espacial e equilíbrio, entre outros ganhos, como o social, ao se relacionar com diversas crianças. E nada de desculpas porque sua família mora em cidade grande. Sempre há oportunidade estar nesse contato com a natureza, como parques, praças ou, ainda, a área comum de um condomínio.

É fato que, ao ampliar possibilidades à criança, o risco aumenta, e isso é saudável. Machucados fazem parte da infância, o que não pode acontecer é que o medo dos pais limitem as experiências e os aprendizados dos filhos. Cuidado é diferente de superproteção. Não se esqueça! “Os pais são responsáveis pelo bem-estar físico, social, alimentar e emocional das crianças. Mas isso não pode impedir que elas corram alguns riscos. Aqueles que pensam, ‘isso é perigoso’, deveriam se perguntar: ‘O que meu filho deixa de aprender se não vivenciar isso?’. O mesmo acontece em relação à sujeira. A criança aprende o mundo com todo o seu corpo e com diferentes movimentos, não apenas com os dedos de uma mão”, alerta Raquel, do Instituto Alana. Então, relaxe, e embarque junto com o seu filho nesse mundo de diversão, que passa tão rápido, mas que vai render lembranças inesquecíveis para o resto da vida dele.

Na escola

Quando você busca uma escola para o seu filho, entra na sua lista de perguntas questionar como ela lida com o brincar? Para algumas crianças, especialmente as que vivem nas metrópoles, a instituição é o único ambiente de convivência social. E isso está ficando em segundo plano. “De acordo com pesquisas recentes, em 20 anos, no mundo, as crianças perderam oito horas de brincadeira por semana e 30 mil escolas acabaram com o recreio”, afirma Carlos Neto. Nos estudos de investigação em meio escolar realizados por ele, foi constatado que as crianças ativas no recreio são aquelas que aprendem melhor na sala de aula. Segundo o pesquisador David Whitebread, uma abordagem baseada na brincadeira tem se mostrado eficiente em várias áreas do conhecimento, como na alfabetização e na matemática.
Outra possibilidade que o brincar oferece dentro das escolas é o poder de mostrar o que cada criança tem de melhor. “E isso é revolucionário para instituições que estão acostumadas a olhar para aquilo que as crianças não têm ou não sabem. A brincadeira convida os educadores a olhar para o quanto elas já sabem, conhecem e entendem
do mundo”, afirma Raquel Franzim.

Brincando, seu filho aprende a...

• Conhecer a estrutura e o funcionamento do próprio corpo
• Dividir brinquedos ou espaços
• Se comunicar
• Ceder
• Persistir
• Conhecer o próprio limite e o do outro
• Solucionar problemas
• Criar regras

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