• Depoimento a Gladys Magalhães
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Marcelle e a filha (Foto: Arquivo pessoal)

Marcelle e a filha no dia em que ela, finalmente, levou a bebê para casa (Foto: Arquivo pessoal)

Em depoimento à CRESCER, a organizadora de festas Marcelle Pantoja acusa a clínica particular São Silestre, em São Gonçalo (RJ), onde sua segunda filha nasceu em maio do ano passado, da troca. A seguir, ela conta como tudo aconteceu.

"Enfim, chegou o momento de falar abertamente sobre o caso de troca da minha filha na maternidade, que corria sobre segredo de justiça. Na manhã do dia 22 de Maio de 2016, fui para uma maternidade particular em São Gonçalo (RJ) com o meu esposo para dar à luz minha segunda filha. Apesar de ser lei o direito de acompanhante no parto e de ter tentado inúmeras vezes, entrei sozinha no centro cirúrgico. Durante os preparativos para a cesárea, estava aflita e com uma sensação ruim, onde orava em pensamento para acalmar o meu coração. Parecia saber o que ia acontecer. Às 11h12 ouvi: "Sua princesa nasceu!". Foi um misto de emoções, sorria e chorava ao mesmo tempo. Ela nasceu perfeita e com saúde. Não consegui ver o rostinho direito, estava com resíduos do parto e o anestesista me mostrou muito rápido. Foi só o tempo de a enfermeira tirar uma foto e levá-la para o berçário.

Meu esposo me recebeu no quarto e ficou o tempo todo ao meu lado por conta dos efeitos da anestesia e perguntava sempre onde estava a nossa filha. Após o parto, mostraram a ele no berçário a mesma bebê que nos entregaram horas depois. Aflito pela demora, temeu algum problema de saúde com ela e perguntou às enfermeiras do andar o que estava acontecendo. Mas nem elas sabiam o porquê. 

Mais de seis horas após o parto, meu esposo foi finalmente chamado para buscar a nossa filha no berçário. A técnica de enfermagem que estava de plantão e que era a responsável do berçário pegou uma bebê que estava no mesmo bercinho com outra criança (no caso, acreditamos que fosse a minha filha biológica)  e a entregou a ele. Mas já era a bebê trocada. Ela veio com a manta e roupinhas que entregamos na recepção, tinha o meu nome escrito na fita crepe colada na manta. Agradeci a Deus, enfim, pude ver o rostinho da minha filha.

Por volta de onze horas da noite, uma senhora entrou no meu quarto já sabendo o meu nome e disse: ‘Marcelle, você tem certeza que essa bebê que está com você é sua filha?’ Gelei na hora. Ela continuou: ‘Minha neta está com a pulseirinha de identificação com o seu nome e ela é bem cabeluda, diferente da foto do parto.’ Verificamos, então, que a bebê que estava comigo não tinha pulseira de identificação.  Como eu ainda estava acamada, pedi para a minha prima, que me acompanhava, tirar foto da outra bebê que estava no outro quarto. Na ausência dela, notei que uma pessoa do hospital entrou no quarto com um pretexto qualquer e colocou uma pulseira na minha filha. Passei mal e fui medicada. Vimos a foto da outra bebê e, no dia seguinte, fui com meu esposo ao quarto daquela família, mas ninguém ali achou semelhanças significativas entre o bebê da minha foto e a deles. Ou seja, a imagem não seria o suficiente para comprovar uma troca de bebês, ainda mais considerando que havia nascido mais bebês naquele dia.

Quase vinte e quatro horas depois do ocorrido, uma equipe da instituição veio falar conosco. Todos sem nenhum preparo! Por sugestão deles, fizemos o teste de DNA entre as duas famílias. O teste foi feito também com a outra menina que nasceu no mesmo dia na clínica. Parecia um kit comprado na farmácia e as enfermeiras sequer o sabiam manusear. Sugeriram a nossa permanência na maternidade até sair o resultado do exame, que seria em cinco dias de modo que a gente não se apegasse ao bebê. Mas não ficamos, pois para mim, era a minha filha. Também nos pediram para não registrar as bebês, o que dificultou a realização de vacinas, teste do pezinho e consultas médicas. Sugeri a eles um teste de tipagem sanguínea, que ficaria pronto rapidamente. Porém, eles não aceitaram a minha proposta. Acredito que foi porque já sabiam a nossa tipagem sanguínea por conta dos exames apresentados na internação. Ainda assim uma enfermeira coletou o sangue da bebê que estava comigo com outro propósito, disse que era para verificar o histórico médico familiar, e me entregou o resultado sem a tipagem. Provavelmente porque já sabia que aquela criança não era a minha filha e foi omissa.

Os dias foram passando e continuamos sem assistência. Não nos entregaram o resultado dos testes realizados e, em vez disso, só nos davam inúmeras desculpas. Com dezesseis dias de vida, a bebê que eu havia levado para casa passou mal. Era uma madrugada de domingo. No dia seguinte, a levamos ao médico, que diagnosticou uma pneumonia. Teria de ser internada com urgência. Foi uma corrida contra o tempo. O hospital onde a levamos não quis examiná-la. Eles alegaram que até 28 dias após o nascimento, qualquer ocorrência com a criança é de responsabilidade da maternidade de origem, porém a falta de documentos também dificultou o atendimento. Então, tivemos de nos dirigir para a clínica, onde ela foi atendida no dia seguinte. Após alguns exames, comprovou-se que ela estava com "bronquiolite" e que o quadro era delicado. Não pude nem amamentá-la no peito para poupá-la de esforços. A maternidade tentou transferência, já que não tinha estrutura adequada. O que foi impossível, mais uma vez, devido a falta da certidão de nascimento. Tivemos de ficar ali por longos e angustiantes dias.

No primeiro dia de internação,  tive acesso ao exame de sangue dela. Para minha decepção e dor, foi a prova de eu ela não era a nossa filha! A tipagem não era compatível com a nossa! Eu e meu esposo somos O positivo e a bebê era A positivo. Saí desnorteada do berçário, com ela nos meus braços. Meu esposo veio ao nosso encontro e choramos muito. Foi uma dor na alma, algo indescritível. Saber que ela não era minha filha e ainda estava com uma doença grave foi pior ainda, principalmente por não saber como estava a minha filha verdadeira. A criança não tinha previsão de alta, mas pelas mãos de Deus ficou boa em menos de 24 horas. Ficamos mais alguns dias para ela terminar a medicação subcutânea, eu o tempo todo ao lado dela.

Ainda na maternidade, entrei em contato com aquela mãe que havia passado por ali na mesma época que eu. Ficamos amigas em uma rede social. Pela semelhança da bebê com quem eu estava e as fotos do filho mais velho dela (que trocamos por meio do app), imaginei que aquela criança era a filha dela e não a minha. Fiquei chocada. Eu imaginava, porém, que a minha filha biológica não estava com ela e, sim, com uma terceira mãe, a qual não conheci.

Na semana que sairia o resultado do DNA, mais desculpas. A agonia só aumentava. O laudo deixou claro tamanha negligência com duas mães sem filhas e duas bebês sem mães, e sem fazer o cruzamento entre as famílias envolvidas. Tivemos que fazer um novo teste de DNA, desta vez com uma empresa especializada no ramo, com um resultado mais rápido (de 36 horas) e entre as três famílias envolvidas no caso.

Após 28 dias de angústia, o resultado do segundo exame de DNA ficou pronto. De fato, houve a troca de bebês entre duas famílias. Ainda que eu já soubesse da troca por conta do exame da tipagem sanguínea, estava ansiosa para conhecer minha filha verdadeira. Pensava que era uma terceira criança. No entanto, para minha surpresa, era mesmo a bebê daquela família que conheci na maternidade, eu não a reconheci! O hospital disse que só abriria o exame na presença das três famílias envolvidas, mas uma delas teve acesso ao mesmo antes da gente. Minha filha já tinha quase um mês, com as feições diferentes e eu não sabia nada sobre ela… Mas não foi difícil aprender seu jeito, choro, rotina… foi instinto de mãe! Porém foi difícil entregar à outra família a bebê que cuidei e amei naquele período.

Recebi boas referências da clínica que procurei para o parto da minha filha e, mesmo assim, houve a troca dos bebês. Na sequência, após investigar mais sobre o estabelecimento, descobri outras negligências ali, incluindo troca de bebês.

Vivemos dias imagináveis para qualquer família. Era um conflito constante! Queria entender como e porquê tudo havia acontecido. Ficava horas vendo a foto do meu parto, ela nasceu a cara da minha primogênita e tentava encontrar essa semelhança na bebê que eu tinha trazido do hospital. Sempre era interrompida pelo o meu esposo, que parecia ler meus pensamentos, e falava com firmeza que ela era a nossa filha e ponto. Eu também queria acreditar nisso, mas no meu íntimo sabia que não era a verdade. Não parava de pensar na nossa filha biológica e isso me consumia.

A frustração de não estar presente nos primeiros 28 dias de vida da minha filha. Os medos, a culpa, o "se". O silêncio sobre o caso. A indiferença de muitos. Os julgamentos de quem não esteve presente na sua dor. Problemas do dia a dia. Enfim, foi um somatório de traumas, que nos ensinaram lições valiosas. Ser forte, confiar e viver na total dependência de Deus foram algumas delas. Não temos como voltar no tempo, no entanto, podemos fazer o alerta e impedir que outras mães vivam o mesmo!”

Final Feliz
CRESCER entrou em contato com a Clínica São Silvestre, de São Gonçalo (RJ) e foi informada pela recepção que a instituição não irá se pronunciar sobre o caso.

Hoje, com 1 ano e quatro meses, as meninas estão felizes com suas respectivas famílias, que devem entrar em breve com uma ação de responsabilidade civil contra o estabelecimento.