Teresa Ruas - Vida de Prematuro
 
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Por muito tempo, tentei “apreender” a ciência com as minhas próprias mãos. É como se eu tivesse que senti-la em toda a sua plenitude. Tentei compreendê-la com toda a luz dos estudos, pesquisas e probabilidades comprovadas e as mais recentes. Tornei-me mestre especialista, doutora, cientista, escritora e tenho muita gratidão por toda essa jornada. Foi e é fundamental para mim enquanto profissional. Mas, se eu continuasse tentando “agarrar” a ciência somente com o tato das mãos e a força da razão, creio que não faria muita diferença nesse nosso mundão, especialmente para a minha área de atuação, que trata da complexidade do desenvolvimento infantil e, após ter me tornado gestante de alto risco e mãe prematura por duas vezes.

Mãe segurando pés de bebê recém-nascido — Foto: Freepik
Mãe segurando pés de bebê recém-nascido — Foto: Freepik

Passei por diversos períodos de “guerra” e “lutas” internas para compreender que eu poderia continuar sendo uma profissional de saúde, após o nascimento dos meus dois filhos, mas a ciência teria que ser “agarrada” por mim de forma diferente. Ao ver o valor de um sorriso de uma criança lutando firmemente em processos terapêuticos longos; ao sentir o valor da voz humana para acalentar choros de dor pós-cirúrgico em bebês de alto risco; ao verificar a eficácia do contato pele a pele em bebês prematuros extremos, que foram colocados no colo de seus pais para se despedirem e, de repente, os olhos prematuros se abriram, o coração voltou a bater forte e a vida se expressou com a máxima fé e esperança; ao acompanhar histórias de infertilidade, perdas gestacionais, com desfechos de gravidezes inesperadas, tidas como milagres, ou crianças adotadas por famílias maravilhosas; ao ver passos de crianças que receberam prognósticos neurológicos muito dificeis; ao acreditar no poder da plasticidade neurológica a partir do afeto e da espiritualidade… A ciência precisou ser compreendida de forma diferente, diante de tantos exemplos que não podem ser explicados meramente pela luz das probabilidades científicas.

Não consigo mais colocar a ciência no centro de tudo, apesar de ser fundamental! Não vivo sem ela. Sou uma apaixonada pelo conhecimento. Mas a ciência precisou ser “apreendida” por apenas uma de minhas mãos. A outra precisou ficar livre para “apreender” um dos elementos fundamentais e basais para todo e qualquer ser humano, todo processo de hospitalização, recuperação e/ ou reabilitação: o afeto/afetividade expressa por um dos mais nobres sentimentos que é o amor.

Como demorei para acreditar nesse poder do afeto. Eu sinceramente achava que era um “clichê” no meu período mais áureo como especialista. Mas não! Afetividade é ciência e comprovada como tal em vários estudos sobre comportamento humano, plásticidade neurológica, desenvolvimento infantil e neurociência. Está aí o valor positivo de ter continuado a estudar, nos momentos em que achei que eu precisava jogar tudo para o alto para viver de forma completamente diferente. Vivencio todos os dias situações muito difíceis. Prematuros que lutam bravamente pela vida, pais com o coração quebrados pela angústia de uma UTI neonatal e toda a instabilidade clínica da prematuridade, notícias de diagnósticos complicados, o luto existencial pela perda de um filho, entre tantas outras complexas realidades.

Mas, aos poucos, a esperança, a fé e o amor vão inundando os corações dos pais de prematuros, familiares e profissionais de saúde. E os sorrisos, os olhares, as serelepices de nossas crianças vão aparecendo na trama da vida com seus pais, familiares e amigos. Com home care em casa, ou com leucomalácias periventriculares, ou com retinopatias da premaruridade, ou com hemorragias cerebrais, ou com movimentos corporais mais lentos, ou com movimentos corporais mais rápidos, ou com terapias, ou na escola, ou na aula de natação, ou sujos de tinta de dedo diante uma brincadeira, ou correndo, ou sentados, ou no colo, ou no carrinho, ou no andador, ou na cadeira de rodas… cada um com suas características, possibilidades e experiências.

Porém, o valor de um sorriso, um olhar, um primeiro passo, uma primeira palavra, uma brincadeira... em qualquer e toda conquista esta lá o afeto e as relações afetivas guiando e direcionando a vida cotidiana. É impossível não lutar para que as pessoas, especialmente as que vivenciam, nesse exato momento, situações muito difíceis que envolvam saúde, prognósticos, diagnósticos, instabilidade emocional... não deixem de acreditar na força intensa, curativa, transformadora e verdadeira do amor e da afetividade.

Aprendi que o amor pode estar todo entremeado de angústias, culpas, medos, dúvidas, tristezas, incertezas… Mas ele pode estar presente em nossas vidas para acolher as nossas dores, direcionar recomeços e nos dar força. Amar é uma decisão! Decisão de todos os envolvidos. Às vezes, o amor nos mostra que, independentemente do que acontecer com os nossos prematuros/filhos, vamos seguir e recomeçar. E um dos grandes recomeços é aprendermos a não comparar nossas crianças, com ou sem diagnósticos. É compreendermos que toda conquista é válida e deve ser celebrada. Não existe uma conquista melhor ou pior. É entendermos que nenhuma dor ou marca deve ser julgada como maior ou menor. As experiências podem até ser semelhantes entre os seres humanos/pais, mas como cada um reage/sente/compreende é um processo individual e único. Nenhuma dor é pouca e não cabe comparação. Aprendi isso errando muito comigo mesma e com as famílias que acompanho.

Ainda há dias que a ciência me sega. A força da afetividade parece evaporar nesses momentos. Por isso, preciso de outro elemento fundamental para eu não me perder, para eu não evaporar a esperança de uma família com falas inadequadas ou capacitistas, para não achar que determinados insultos neurológicos em nossos prematuros e crianças já têm destinos traçados. E acredito que é esse elemento quem mantém a força e a resiliência dos pais em uma UTIN e no período pós-alta hospitalar.

Estou falando da espiritualidade. Acredito que seja ela quem favoreça esse equilíbrio para unir a força da ciência ao afeto e nos manter em situações difíceis. Demorei muito para compreender que a espiritualidade é bem concreta e tecida durante ações cotidianas. Não tem a ver, propriamente, com determinada religião ou crenças. Estou falando de ação humana, tais como emanar pensamentos positivos, acolher o outro com palavras de esperança, compreender a necessidade do outro por meio de um abraço, chorar com um amigo, entre tantos outros exemplos de acolhimento e empatia. Fui aprendendo, especialmente como mãe de dois prematuros, que a espiritualidade depende da relação humana e afetiva, sendo tecida nas próprias experiências e produção de vida. Dessa vida terrestre mesmo. Dessa vida labutada e também cheia de conquistas e sem mensuração se são conquistas pequenas, médias ou grandes. A conquista é de cada um, de cada núcleo familiar, de cada realidade e possibilidade. Portanto, de cada experiência e existência humana.

Aprendi que ciência, afetividade e espiritualidade são elementos que devem estar unidos, juntos em prol da expressão humana, dos momentos de pulsão dos nossos desejos, sonhos, afetos, sentimentos nesse percurso chamado VIDA! Desejo a todos que, por alguma razão tiveram suas vidas marcadas pela prematuridade, um ano novo repleto de fé, esperança, afetividade, espiritualidade e profissionais de saúde sérios, éticos, que respeitem o valor indescritível da ciência, mas também que saibam o seu limite. Se você, profissional da saúde, familiar ou pai de prematuro, não tiver como explicar o que acontece/aconteceu com diversos bebês/crianças que vocês conhecem pode até dizer que foi um milagre. Mas, se eu puder te dizer uma última coisa, acrescentarei: milagres e experiências inexplicáveis acontecem com mais potência quando os elementos da ciência, afetividade e espiritualidade se unem em prol da existência finita de cada ser humano, acreditando na força curativa e transformadora do amor.

Teresa Ruas, Dra em Ciências da Saúde, especialista em desenvolvimento infantil, fundadora do @prematurosbr e mãe de 2 prematuros (Foto: Teresa Ruas) — Foto: Crescer
Teresa Ruas, Dra em Ciências da Saúde, especialista em desenvolvimento infantil, fundadora do @prematurosbr e mãe de 2 prematuros (Foto: Teresa Ruas) — Foto: Crescer

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