Às vezes as crianças fazem comentários que nos deixam em uma saia justa. Por mais que a gente oriente, explique e converse, nem sempre dá para controlar as falas dos pequenos. Eles não têm filtro e, quando menos se espera, falam algo desagradável — ou até problemático. Assim como os adultos, crianças também podem soltar comentários ou ter comportamentos racistas. Mas, afinal, como conduzir a situação quando isso acontece?
Antes de tudo, é preciso respirar fundo e ter calma. "Só depois dos 6 ou 7 anos as crianças vão começar a ter mais discernimento de que alguns tipos de falas não são tão adequadas assim. Antes disso, é preciso ter jogo de cintura mesmo. O segredo é agir com naturalidade e não criar caso", diz a psicóloga infantojuvenil Sabrina Pinho (SC).
Segundo Sabrina, na grande maioria dos casos, as crianças não têm a intenção ser maldosas. "Ao invés de brigar e repreender, devemos encarar esse tipo de situação como uma oportunidade de ensinar sobre respeito e diversidade", afirma.
Aponte o erro na hora em que acontecer
Não dá para deixar passar. Se seu filho fizer um comentário racista, você deve se posicionar na hora em que as coisas acontecerem. No calor do momento, não é para dar bronca e nem gastar tempo tendo longas conversas explicando que a fala do pequeno foi inadequada. Diga apenas o que for necessário. Podem ser úteis colocações como "Vi que você percebeu que ele tem uma característica diferente da nossa. Todos nós somos diferentes, mas não é legal e gentil comentar sobre características das pessoas".
Obviamente, não existe fórmula pronta para essa conversa: cada caso é um caso. O que vale é você avaliar o contexto e ponderar qual é a melhor forma de conduzir a situação. "Tudo depende da reação da pessoa que recebeu o comentário. Algumas vão lidar com naturalidade, outras podem ficar chateadas. Primeiro, explique que a fala não foi feita na maldade. Não precisa obrigar a criança a pedir desculpas, quem deve se desculpar são os pais", explica a psicóloga Sabrina Pinho.
Tente entender o que está por trás da fala
Convenhamos: ninguém gosta que as crianças façam comentários desrespeitosos em público – nem pessoa alvo do comentário e nem nós, os pais. Mas, antes de agir no impulso e repreender o pequeno pela fala, precisamos respirar fundo e tentar entender o porquê de a colocação ter surgido.
"É preciso contextualizar a fala da criança e perguntar: 'Você falou isso por quê?'. O comportamento infantil é um comportamento aprendido. Mais importante do que corrigi-lo, é entender a raiz dele. Simplesmente falar para a criança não repetir comentários racistas não é suficiente para construir no imaginário dela que o negro é tão capaz e tão potente quanto uma pessoa branca", diz a psicanalista Elisama Santos, que também é educadora parental e colunista da CRESCER.
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A curiosidade das crianças pelo diferente é natural e faz parte do processo de desenvolvimento. Elas fazem comentários, muitas vezes tidos como "inadequados", na tentativa de encontrar explicações para as novas situações que vão vivendo. "A primeira infância é uma janela de descobertas. A criança tem muita necessidade de explorar, descobrir o mundo, fazer perguntas, de olhar para o que é diferente e questionar. Por isso mesmo, elas se deparam com pessoas diferentes e não sabem bem como fazer esse filtro do que pode magoar o outro ou não", explica a psicóloga infantil Bruna Millena (PB).
Retome o assunto em um momento tranquilo
Depois que as coisas se acalmarem, em casa, escolha um momento tranquilo para falar com mais calma sobre o ocorrido. "Tire um tempo para olhar nos olhos do seu filho e ter essa conversa. Nada de fazer isso enquanto lava a louça, serve o jantar... Reforce a mensagem de que todos nós somos diferentes e explique como seria legal que a criança agisse numa próxima situação parecida", afirma a psicóloga Sabrina Pinho.
Dê o exemplo
De nada adianta exigirmos que os pequenos respeitem as diferenças em público, se não existe respeito nem mesmo dentro de casa. Seja na escola, na rua, num churrasco entre amigos... A criança precisa ter o exemplo do que é se portar de forma respeitosa com outras pessoas. E isso vale não só para famílias com crianças pretas.
“As crianças negras são alvo ou veem seus responsáveis sofrendo discriminação, obviamente. Mas as crianças brancas também crescem vendo esse tipo de cena e achando que isso é normal. Os pequenos aprendem por modelos e, enquanto os modelos que apresentarmos forem negativos, o ciclo de violência vai se perpetuar”, afirma a psicóloga Ana Marcílio, mestre em educação e justiça social e diretora-executiva da ONG Avante (BA).