O sonho de ter filhos parecia estar prestes a ser realizado quando Ana Carolina Santos, do Rio de Janeiro, descobriu que estava grávida, em 2020. No entanto, no oitavo mês de gestação, após uma intercorrência grave, ela e o marido, Marco Antonio Santos, receberam a notícia mais difícil de suas vidas: o bebê não resistiu e morreu logo depois da cesárea de emergência.
Pouco tempo depois, Ana Carolina também descobriu que não poderia mais gerar outro bebê, já que os riscos de uma nova ruptura uterina — uma condição grave e rara em que as paredes do útero se rompem total ou parcialmente durante o parto e, de forma menos frequente, durante a gestação. Nos casos mais severos pode provocar a morte de mãe e bebê.
Foi, então, que o casal passou a levar em consideração a possibilidade de uma terceira pessoa gerar seu bebê. "Portanto, João foi gerado por mim e pelo meu marido e gerado no útero da minha cunhada, que graciosamente se voluntariou para que conquistássemos o sonho de sermos pais", disse Ana Carolina. Em depoimento à CRESCER, ela relembra essa incrível história e ainda revela que conseguiu amamentar o filho, que hoje já completou 4 meses.
"Tudo começou em 2020. Eu estava grávida do nosso primeiro filho e a gestação corria muito bem. Como estávamos no auge da pandemia, a obstetra, logo no início, orientou que nós buscássemos atendimento hospitalar somente em último caso, apenas se houvesse algum sangramento. Até que, em outubro, aos 8 meses de gestação, fui surpreendida com um pequeno sangramento no início da madrugada, após ir ao banheiro.
Emergência médica
Diante do quadro que, inicialmente, não parecia ser tão preocupante, trocamos de roupa para irmos ao hospital. Mas ainda em casa, comecei a me sentir enjoada e desmaiei. Com a ajuda de Deus, meu marido conseguiu me colocar no carro e, em questão de minutos, já estávamos na maternidade. Lá, fui prontamente atendida e estranhamos quando o médico saiu às pressas, após ver as imagens na ultrassonografia, informando que eu deveria ser submetida a uma cesárea de emergência.
Ele disse para o meu marido que eu estava com uma hemorragia gravíssima, devido ao rompimento do meu útero — a causa do incidente não foi definida, mas pode ter relação com uma miomectomia realizada em 2018. Durante a cesárea de emergência, nosso bebê nasceu com vida, mas não resistiu. Na UTI, os médicos disseram que eu escapei por muito pouco, pois os casos de rotura uterina são, em regra, são fatais para a mãe e o bebê, já que o sangramento é intenso e, muitas das vezes, não dá tempo de chegar ao hospital.
Esperanças frustradas
Precisei ficar internada por uma semana, pois o número de hemácias em meu sangue era baixíssimo. Nesse período, não pude comparecer ao sepultamento do nosso bebê. Apesar do trauma, ainda tínhamos a esperança de ter um novo filho, já que meu útero foi preservado. Após o período recomendado de recuperação, nós procuramos o médico que realizou a cirurgia, e ele explicou que meu útero só foi mantido para evitar um trauma ainda maior, já que a retirada potencializaria o sangramento e consequentemente o risco de morte.
No entanto, recomendou que não tentasse engravidar novamente, pois, desta vez, eu poderia não ter a mesma 'sorte'. Segundo ele, meu útero não suportaria novamente a expansão do bebê e um novo rompimento poderia ocorrer a qualquer momento. Buscamos outros profissionais e todos, diante dos exames, confirmaram a recomendação do primeiro médico. Após a notícia de que não poderia mais engravidar, nos foram dadas duas opções: a adoção ou a utilização de um útero de substituição, diante do meu caso com considerável risco de morte.
Barriga solidária
Ficamos por cerca de um ano processando o luto e refletindo se realmente estava nos planos de Deus, um filho em nossa família. Eu gostaria muito de ter vivido novamente a experiência da gestação, mas não era mais possível. E a única possibilidade para que tivéssemos um filho biológico era a barriga solidária. Era a única possibilidade que Deus havia colocado em nossa vida naquele momento. Nesse caso, uma terceira pessoa (a cedente) recebe em seu útero o embrião de um casal distinto, ou seja, gerado pela junção do óvulo de uma outra mulher com o espermatozoide de seu cônjuge.
Como havíamos engravidado de forma espontânea em 2020 (éramos e permanecemos férteis) e não tínhamos óvulos ou embriões congelados, tivemos que, inicialmente, buscar o auxílio de uma clínica de reprodução assistida, pois precisávamos de um embrião nosso. Nesse tipo de procedimento, embora gestado pela pessoa que recebe o embrião, a carga genética do bebê é toda da mulher da qual se extraiu o óvulo e do seu marido, do qual foi coletado o espermatozoide. Portanto, o João foi gerado por mim e pelo meu marido e mantido, para o necessário desenvolvimento, no útero da minha cunhada, que graciosamente se voluntariou para que conquistássemos o sonho de sermos pais.
Receber a notícia do teste positivo foi maravilhoso! Depois de todo o trauma da perda de um filho, depois de passar pelo procedimento de reprodução assistida — que é bem custoso, tanto do ponto de vista financeiro quanto físico e psicológico —, depois de minha cunhada ter aceitado o desafio de gestar nosso bebê e de só termos um embrião viável, a notícia foi, para nós, um suspiro de esperança. A notícia do teste positivo foi a confirmação de que Deus estava à frente, cuidando de nós.
Mas a gestação não foi um processo fácil. Nós já tínhamos nossos traumas, e o medo de perder novamente o bebê estava sempre presente. É evidente que, para uma mãe, é muito difícil ter que delegar a proteção e a formação do bebê a outra pessoa, mesmo sabendo do carinho e do amor que minha cunhada tem por nossa família.
A chegada de João
Apesar de tudo, o parto foi uma providência de Deus, e foi Ele quem nos apresentou a doutora Giovanna Bousada, uma médica muito humana, competente e que, ao final de todo o processo, tornou-se nossa amiga. Ver, bem de pertinho, o João nascer foi um momento mágico. Certamente, o momento mais emocionante de nossa vida. Estávamos todos juntos, em família – eu, meu marido, minha cunhada e seu esposo –, na sala de parto, para celebrarmos a vida e o amor de Jesus.
E poder amamentá-lo, ainda na sala de parto, foi outra grande bênção de Deus! Tivemos a ajuda do Instituto Fernandes Figueira e de consultoras de amamentação para a produção do leite materno. O processo foi muito mais difícil do que imaginávamos, mas, deu tudo certo! No momento, João faz uso da translactação, ou seja, é alimentado pelo meu leite materno, em menor quantidade, e complementado por fórmula.
Os desafios da maternidade são grandes, mas, a cada dia, aprendemos juntos e tem sido maravilhoso viver essa nova experiência. Faz tão pouco tempo que ele chegou, mas, hoje, já não conseguimos ver a vida aqui em casa, sem a companhia dele. Ele tem interagido cada dia mais, inclusive, com visitas à casa da minha cunhada (que o levou no útero) e toda a família. O nascimento do João tornou os laços familiares mais fortes. Se Deus nos permitir, a adoção pode ser um meio de trazermos uma irmãzinha para ele. Ainda não descartamos essa possibilidade, e temos orado nesse sentido.
Sobre a barriga solidária, meu marido e eu tratamos do assunto com bastante espontaneidade e alegria porque, apesar de tudo o que passamos, ainda temos muitos e bons motivos para agradecer a Deus. A experiência nos trouxe um grande aprendizado espiritual e certamente nos valemos de tudo o que aconteceu como uma oportunidade para engrandecer e glorificar o nome de Jesus. Não somos capazes de fazer nada sem Ele.
Mas sabemos que tudo o que foge do tradicional é estranhado pelas pessoas — isso é normal, mas, o modo como encaramos nosso caso, torna tudo mais leve. João tem uma bela e poderosa história para contar. Como diz a minha cunhada: 'O que são nove meses de gestação se comparados a uma vida inteira?'."
O que é lactação induzida?
A indução de lactação é um processo de início da produção de leite em mulheres que nunca engravidaram ou que, pelo menos, não estiveram grávidas recentemente. “A técnica se justifica em alguns casos, como, adoção, barriga solidária, casais homoafetivos ou que tenha alguma outra relação, geralmente transgênera, em que um ou ambos os parceiros desejam amamentar”, explica a consultora de amamentação e doula, Gil Ramos (SP).
Isso acontece com protocolos específicos de estímulos/ordenha com bombas elétricas, associados ao uso de medicamentos (prescritos pelo médico) e ervas galactogogas (que também ajudam a aumentar a produção do leite materno). “É indispensável o acompanhamento de um profissional especialista em amamentação para apoiar essa lactante durante todo o processo”, completa a especialista.
E em relação à qualidade, o leite é o mesmo da mãe que gera um bebê? Segundo a consultora de amamentação Kely Carvalho Torres (SP), são poucos os estudos que fazem a comparação de leite, mas eles mostram que o leite induzido não é igual ao colostro, que é primeiro leite que a mãe produz. Pois, não tem saída de placenta. "A produção de colostro depende da saída da placenta. Mesmo assim, o leite da indução é muito comparável ao leite maduro, isto é, que a mãe produz depois de um tempo de amamentação. Então, é um leite maravilhoso, com todos os benefícios. Por isso que, no caso de um bebê com duas mães, a gente prioriza que a criança mame na mãe que gestou por causa do colostro, que é muito importante pro recém-nascido. Mas depois desse início, as duas podem amamentar", finaliza.