Histórias
 


Quando a arquiteta Lais Amoedo, 33, de Salvador, na Bahia, programou uma viagem para esquiar no Chile, não imaginava a aventura que enfrentaria. Ela, o marido, o cirurgião Tiago Boulhosa Amoedo, 44 anos, e os três filhos — de 9, 4 e 3 anos — ficaram 15 horas presos dentro de um carro coberto de neve após serem atingidos por uma avalanche na Cordilheira dos Andes. O incidente aconteceu em junho deste ano. "Não conseguíamos enxergar nada, estávamos todos com muito medo", descreveu ela, em entrevista exclusiva à CRESCER.

Lais e a família — Foto: Arquivo pessoal
Lais e a família — Foto: Arquivo pessoal

Eles chegaram em Santiago em 19 de junho e, no dia 21, programaram uma ida a uma estação de esqui. "Nós pagamos um valor adicional para uma van maior, pensando no maior conforto da família. Mal sabíamos que essa atitude seria uma das maiores razões de estarmos vivos hoje", destaca. No dia da viagem, descobriram que havia previsão de nevasca e a estrada havia sido fechada. Por isso, tiveram que esperar o contato do agente de viagens para subirem a montanha.

Às 10h40 da manhã, receberam a mensagem de uma funcionária do hotel avisando que a estrada havia sido aberta. "Dentro da van estava toda nossa família, nossa funcionária, Denise, assim como nosso motorista, José", lembra. "No início da montanha, os carabineiros solicitaram nosso número da reserva do hotel e, na mesma hora em que apresentamos nosso voucher, sem qualquer dificuldade ou orientação, fomos liberados para subir a montanha", acrescenta.

Segundo Lais, no início da estrada, realmente não havia nada fora do comum — não estava nevando forte e era possível ver a pista com facilidade. "No meio da estrada, já com bastante neblina e com neve mais forte, Tiago, por vezes, saia da van para tentar mostrar o caminho ao motorista, pois as sinalizações já começavam a desaparecer. Tudo mudou muito rapidamente", recorda. "Cada minuto que passava, a situação ficava mais difícil, nevava muito, já não conseguíamos enxergar ao redor e, em um dado momento, a estrada 'sumiu' por completo", conta.

A cerca de seis quilômetros do hotel, encontraram um carro em pane, bloqueando a passagem. "Não conseguimos contorná-lo, a estrada era muito estreita. Dentro desse carro tinham quatro brasileiros e um motorista local. Estava muito frio, os rapazes não tinham motor no carro para aquecê-los. Como não havia perspectiva de conserto naquele momento, ficamos com pena e, solidários com a situação deles, trouxemos todos para nossa van, às 17 horas", explica. Foi então que eles perceberam que estavam presos. "Subir não era uma opção, pois o carro da frente impossibilitava, e descer também não era possível, pois não conseguíamos enxergar absolutamente nada da estrada", diz.

Não era possível enxergar a estrada — Foto: Arquivo pessoal
Não era possível enxergar a estrada — Foto: Arquivo pessoal

'O carro da frente desapareceu, junto com nosso motorista'

Lais resolveu acionar o agente de viagens. "Mandei um áudio sobre a situação e o medo de todos, pois não chegava ninguém para tirar a neve, abrir nosso caminho, estávamos sem perspectiva da ajuda, e isso começava a gerar ansiedade. Mandamos também a nossa localização", afirma. Além disso, ela pediu ajuda aos familiares, para que entrassem em contato com a policia local, com o hotel ou com alguma autoridade da estrada.

"Pouco depois das 18 horas, nosso motorista resolveu sair para fumar um cigarro. Nossa van estava com neve em todos os pneus e nas portas laterais. Nevava muito. Ele andou até o carro da frente, se abrigando embaixo da porta do porta malas. Nesse mesmo instante, a primeira avalanche nos 'pegou'. O carro da frente desapareceu, junto com nosso motorista, José. Ficamos ainda mais desesperados", lembra.

A van ficou completamente soterrada do lado direito, onde a neve caiu com muita força. No lado esquerdo, também tinha bastante neve, mas duas janelas ficaram livres: a do motorista e a que fica atrás do motorista. "Com toda dificuldade, Tiago conseguiu sair da van pela janela e gritou para tentar achar José. Todos nós gritamos, buzinamos, mas não conseguíamos enxergar nada, estávamos todos com muito medo e a todo momento alertas, temendo uma próxima avalanche", diz. "Tínhamos dado José como falecido, ficamos estarrecidos. Ligávamos e pedíamos ajuda o tempo todo por telefone", adiciona.

Uma hora depois da avalanche, eles avistaram uma luz: era uma pequena escavadeira para resgatá-los. "Nesse momento, tivemos esperança que sairíamos daquela situação, ficamos aliviados. Foi quando fomos surpreendidos pela segunda avalanche, que piorou tudo, nos deixando ainda mais soterrados. A equipe de resgate, uma dupla de patrulheiros, entrou em nossa van, em desespero, para se abrigar, ou seja, aqueles que vieram nos 'salvar' também precisavam de resgate. A escavadeira foi soterrada", lamenta.

Agora, eles estavam em 13 pessoas. "Todos, inclusive os patrulheiros, estávamos com muito medo, ansiando um próximo resgate o mais rápido possível. Os patrulheiros estavam com rádio, era o que nos mantinha informados sobre a situação. Mais tarde, perto das 22 horas, fomos avisados de que a situação da montanha estava muito perigosa, com muitas avalanches e neve muito alta, e seria impossível o resgate vindo da estação de esqui. Ao tentar abrir caminho, poderiam soterrar ainda mais nossa van. Avisaram que devíamos esperar pelas patrulhas [da cidade] de Farellones, que deveria demorar mais uns 20 minutos", conta.

As janelas ficaram cobertas de gelo — Foto: Arquivo pessoal
As janelas ficaram cobertas de gelo — Foto: Arquivo pessoal

Horas de angústia

No entanto, os 20 minutos viraram horas. Felizmente, eles tinham comida e água. "Mas pouco comemos ou bebemos, a adrenalina tomava conta de todos — alguns mais quietos, outros mais angustiados. Tentávamos manter a calma, controlar uns aos outros, passar tranquilidade a quem mais precisava no momento. Fazíamos xixi nos saquinhos de batata frita e nas garrafas pet. Foram horas de angústia", destaca.

A situação dentro da van ficava cada vez mais desconfortável, pois o escapamento estava coberto pelo gelo. "Começamos todos com dores de cabeça, nauseados, olhos avermelhados, o monóxido de carbono estava muito forte e revezávamos a permanência na janela do motorista — único local que podíamos respirar um pouco melhor, dando prioridade, claro, aos nossos filhos pequenos", disse Lais.

"A todo momento, tínhamos medo de uma terceira avalanche nos alcançar, tentamos ficar tranquilos, mas os próprios patrulheiros estavam nervosos com aquela situação extrema. A neve não parava um segundo de cair. Em um momento, a janela do motorista estava quase 100% tapada. Muito medo e aflição a cada minuto que passava", destaca.

Todos se abrigaram dentro da van esperando resgate — Foto: Arquivo pessoal
Todos se abrigaram dentro da van esperando resgate — Foto: Arquivo pessoal

'Minha maior força foram meus filhos'

Lais fazia de tudo para passar tranquilidade para as crianças e encontrou em si mesma uma coragem que nem sabia que tinha. "Minha maior força foram meus filhos, não tinha noção que conseguiria me manter calma. Consegui organizar a van, entendendo que, ali, precisaríamos dormir e ter um local para fazer as necessidades. Consegui cantar, colocá-los para dormir e dar esperança, mesmo quando restava muito pouco dentro de mim. Só sabemos nossa potência quando precisamos dela. E nada maior que o instinto protetor de uma mãe. Me sinto orgulhosa, sinto que diante de tudo o que passamos, eles absorveram pouco", ressalta.

Segundo ela, cada um de seus filhos reagiu de uma forma diferente à situação. "Maria Eduarda, a Duda, tem 3 anos, ela sempre foi uma criança esperta, empática às emoções de todos e muito atenta a tudo em sua volta. Apesar da pouca idade, acredito que ela tenha sentido mais a experiência do que os outros dois. Ela chorou muito e pedia para voltar para casa. Estávamos em uma van que, apesar de ser confortável e grande, estava cheia. Conversas, barulho, rádio… Isso a deixava muito irritada e, por vezes, com medo. Ela observava a todos e suas reações. Fiquei com ela no colo 100% do tempo. Cantava para ela dormir, e ela cochilava. Contava histórias, rezava com ela e dizia sempre que 'já estávamos chegando'", conta.

A mais velha, Joana, de 9 anos, levou tudo na ludicidade e “na aventura”. "Ela dizia que, quando terminasse tudo aquilo, escreveria no diário dela e contaria para as amigas da escola. Estava inocente do perigo real. Quando ela nos questionava sobre qualquer situação adversa, tentávamos explicar e amenizávamos o ocorrido, dizendo que estávamos esperando o pessoal da estrada 'limpar a pista' para seguir. Que a avalanche era 'natural'", recorda.

Já Guilherme, de 4 anos, era o menos ciente do que estava acontecendo. "Ele estava com o tablet dele, do qual sempre usamos fracionado. Temos a regra de uma hora por dia em casa e até mesmo viajando, mas, devido à circunstância, liberei o uso por completo. Ele assistiu a desenhos com Joana, jogou online e também brincou dentro da van. Eles se escondiam entre as malas e até gritavam nas brincadeiras como se nada estivesse acontecendo. Gui, por natureza, é mais agitado. Algumas vezes, queria sair, não por sentir medo, acredito, mas pelo tempo decorrido naquela situação enfadonha", lembra.

'15 horas em situação de emergência'

Somente às 1h30 da madrugada do dia seguinte, começou efetivamente o resgate, com duas escavadeiras de porte pequeno e uma grande, vindas de Farellones, por baixo da montanha. "Sinalizávamos, buzinávamos, estávamos muito aflitos. Eles começaram a tirar a neve ao redor da nossa van, dando solavancos. Nos protegíamos com medo dos vidros das janelas quebrarem pela pressão exercida na van. Começaram, então, a tirar a neve manualmente com pás. Por fim, nos guincharam para sairmos da neve. Liberaram também a escavadeira que estava a nossa frente", diz.

Quando todos saíram da van, eles partiram em direção a Farellones. "No percurso de volta, vimos o carro dos outros brasileiros caído e virado de lado. Ele foi abrigo para nosso motorista José, que foi arremessado a 50 metros, junto ao carro, montanha abaixo pela avalanche. Graças a Deus, ele sobreviveu", comemora.

Embora o pior já tivesse passado, o caminho de volta ainda era perigoso, pois as escavadeiras tinham que “criar” novamente a estrada. "Foram mais duas horas e 40 minutos para descermos, com medo de novas avalanches, em situação extrema de medo e insegurança. Chegamos em Farellones próximo às 3 horas da manhã", diz. "Entendemos que, por muito pouco, não estaríamos aqui. Passamos 15 horas em situação de emergência. Foram muitas avalanches, falta de ar, medo, insegurança, sensação de impotência", lamenta Lais.

'Os dias seguintes foram inacreditavelmente bonitos'

Guilherme — Foto: Arquivo pessoal
Guilherme — Foto: Arquivo pessoal

Eles precisaram ficar mas dois dias em Farellones, pois a estrada fechou, mas conseguiram ressignificar a viagem. "Levamos as crianças para fazer bonecos de neve, escorregar, fazer guerra de bolinhas... Os dias seguintes foram inacreditavelmente bonitos. Ao voltar para Santiago, fomos em muitos parques de diversão, passeios, restaurantes, o coração ficou em paz! No final, eles disseram ter amado a viagem", assegura.

Lais ainda ficou de olho nos pequenos quando retornaram ao Brasil. "Na escola deles, logo que as aulas começaram, pedi uma reunião com as professoras e a coordenação para explicar tudo o que havia acontecido e elas foram parceiras, me tranquilizando, contando como eles relatavam a viagem, os desenhos que faziam e a forma como verbalizavam sobre as férias. Gui chegou a fazer um desenho da van, com muita neve caindo na montanha. Mas, ao questioná-lo, ele disse que foi tudo muito legal, mas demorou muito para chegar lá", finaliza.

Eles construíram bonecos de neve — Foto: Arquivo pessoal
Eles construíram bonecos de neve — Foto: Arquivo pessoal
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