• Naíma Saleh
Atualizado em
 (Foto: Letizia Le Fur / Getty Images)

(Foto: Letizia Le Fur / Getty Images)

Já imaginou como seria se você falasse com o seu marido, seus amigos ou seu chefe da mesma forma que fala com seus filhos? E se eles não obedecessem, já se imaginou ameaçando-os com uma palmada ou com um tempo de castigo, para pensar no que fizeram? A americana Jennifer Lehr, mãe de Jules, 11 anos, e Hudson, 8, se fez essas mesmas perguntas. Ela batizou esse discurso direcionado especificamente às crianças de parentspeak (algo como “discurso de pai”, em tradução livre, embora seja adotado por adultos de modo geral), que se tornou também o título de seu novo livro. Em Parentspeak – What’s Wrong with How We Talk to Our Children – and What to Say Instead (Discurso de Pai – O que Há de Errado com a Forma como Falamos com Nossos Filhos – E o que Dizer em Vez Disso, em tradução livre), lançado pela Editora Workman Publishing New York, e ainda sem tradução para o português, Jennifer discute o impacto da linguagem que usamos na forma como as crianças percebem a si mesmas e se relacionam.

Com uma prosa leve e ilustrativa, com referências a educadores, psicólogos e especialistas em desenvolvimento infantil, a autora destrincha 14 frases clássicas do discurso tipicamente direcionado às crianças – como “Diga por favor!”, “Vá dar um abraço na vovó” ou “Tem que dividir!” – e propõe alternativas para nos comunicarmos com nossos filhos de maneira mais respeitosa, levando em conta também o ponto de vista deles. Confira a entrevista exclusiva que ela deu à CRESCER:

Como você define o que é parentspeak?

Considero que são as frases que os adultos usam repetidamente, várias e várias vezes, direcionadas exclusivamente às crianças. É uma linguagem de controle, muitas vezes agravada pela condescendência. E o problema é que humanos, não importa de que idade sejam, não respondem bem quando são controlados. Nós almejamos a autonomia. Não gostamos que alguém nos diga o que devemos sentir, como devemos pensar e o que fazer. Nos Estados Unidos, nós temos liberdade de expressão, podemos falar o que quiser, mas muitas crianças não têm esse direito. Nós temos o direito de protestar pacificamente, mas muitas crianças, não. Quando elas se atrevem a expressar a sua opinião são, muitas vezes, rotuladas como atrevidas. E várias pessoas confundem a tentativa de entender o ponto de vista infantil, escutando o que elas têm a dizer, com mimá-las.

Você se lembra de como seus pais falavam com você?

Não tenho muitas memórias específicas. Mas sei que respondo de forma visceral quando vejo alguém falar com crianças com desrespeito. Acho que isso desperta em mim sentimentos de desamparo e confusão com origens na minha própria infância. Uma vez, quando pequena, estava gemendo no chão, gritando, brava e fora de controle, incompreendida, e ouvi dos meus pais que eu poderia me comportar do jeito que quisesse só do meu quarto para dentro. Para mim, a mensagem que eles passaram era clara: se eu agisse como se não estivesse sentindo o que eu, de fato, estava sentindo, poderia ficar com eles. Fui deixada sozinha para entender por conta própria aquele ciclope dentro de mim – uma tarefa para a qual eu estava despreparada. Foi exatamente como a terapeuta familiar Susan Stiffelman [há mais de 30 anos atendendo famílias nos Estados Unidos] escreveu: “Quando mandamos uma criança com mau comportamento para seu quarto porque não conseguimos lidar com a maneira como ela se porta ou com seu mau humor, estamos criando ansiedade em um ser que precisa saber que podemos lidar com qualquer desafio que ele precise enfrentar. Não transmita a uma criança a mensagem de que ela só é amável e aceitável quando se comporta como desejamos”.

Seus pais provavelmente foram criados da mesma forma...

Sim, talvez eles também não tivessem permissão para vivenciar seus sentimentos – mesmo dentro de seus próprios quartos. Ou, quando crianças, simplesmente não fossem tão sensíveis quanto eu. Eu não os culpo, porque sei que eles, assim como nós, são pessoas imperfeitas e bem intencionadas que foram criadas por pessoas imperfeitas e bem intencionadas, e assim até o infinito. Meu ponto é que, agora que eu sou mãe, cabe a mim fazer um balanço de como minha educação pode ter me afetado negativamente e decidir agir diferente. E é isso que tenho feito.

E como você tentou mudar esse ciclo depois de ter filhos?

Quando estava grávida de nove meses, um amigo deixou um vídeo debaixo da minha porta com um bilhete: “Assista isso!”. A obra se chamava Seeing Infants with New Eyes (Enxergando Crianças com Novos Olhos, em tradução livre) e era sobre o trabalho da húngara Magda Gerber e sua filosofia de criar as crianças com respeito desde que nascem. Uma cena em particular me atingiu. Um homem estava fazendo caras e bocas e jogando um bebê para cima e para baixo para fazê-lo rir. Quando a câmera mudou para o ponto de vista do bebê, eu imediatamente me compadeci pela criança, que tinha sido sacudida e jogada por alguém que estava fazendo caretas exageradas. Naquele momento, entendi que aquilo tinha a ver com o homem e a necessidade dele de fazer com que o bebê se sentisse bem com a interação. Fiquei inspirada e me inscrevi em um curso sobre Gerber. As aulas me ajudaram a entender de forma profunda como os bebês são indivíduos inteiramente sensíveis, com seus próprios sentimentos, interesses e perspectivas, que merecem consideração e reconhecimento. Como resultado, procurei, tanto quanto possível, tentar entender isso com os meus filhos.

Você defende muito no livro que sempre temos que ouvir o que as crianças têm a nos dizer.

Todas as crianças nascem com pensamentos, sentimentos e interesses genuínos, mas se desconectam disso quando dizemos a elas que está tudo bem, quando na verdade não está. Quando são elogiadas para que se comportem como nós queremos para nos agradar. Quando dizemos a elas para vestirem um casaco mesmo que não estejam com frio. Tantas meninas pequenas, em particular, captam a mensagem de que devem ser quietas e comportadas para não criar caso. Vi uma ilustração outro dia que mostrava bem como costuma ser o nosso comportamento enquanto pais. Na figura, uma mãe aparecia explicando à filha: “Querida, quando você crescer, quero que seja assertiva, independente e determinada. Mas, enquanto você é criança, quero que seja passiva, maleável e obediente”. Simplesmente, não funciona assim. Se não fizermos jus à voz dos nossos filhos quando são crianças, corremos o risco de criar adultos que acreditam que seu ponto de vista não é importante. E eu quero que meus filhos saibam que o ponto de vista deles é tão importante quanto o meu.

E que exercícios os pais podem fazer para avaliar se estão tratando os filhos com respeito em vez de criarem um problema maior?

Se relacionar com as crianças de forma respeitosa requer uma mudança de percepção. A postura mais poderosa que podemos assumir é nos colocarmos no lugar delas. E isso começa quando somos curiosos. Quando nos perguntamos por que as crianças estão chorando, resmungando, por que estão zangadas, por que estão se sentindo desse jeito. As crianças não se sentem assim por nada. Também podemos nos questionar como nos sentiríamos se falassem conosco da maneira como falamos com as crianças. Achamos que só porque elas são pequenas experimentam as coisas de uma outra forma, mas não. Elas também são humanas.

Você também discute bastante os elogios exagerados às crianças. Como eles podem ser prejudiciais?

Quando nós elogiamos nossos filhos para que eles façam o que queremos, estamos ensinando que eles só são dignos de amor e aprovação quando se comportam da maneira que nós desejamos. E isso é amor condicional. Só que as crianças apenas prosperam quando são amadas incondicionalmente. Isso significa que elas progridem quando as deixamos saber que as amamos mesmo quando elas não alcançam seus objetivos, quando cometem erros, estão de mau humor ou são humanas. Ter a aprovação de um pai é tão importante que as crianças fazem de tudo para conseguir isso. Por isso, quando nós, pais, usamos nosso poder para forçá-las a seguirem nossos objetivos, estamos sendo manipuladores. Como escreve o psicólogo norte-americano Leon Seltzer, o resultado de elogiar as crianças mediante certa condição é que elas se formam para agradar às pessoas, sempre buscando pela aprovação alheia, inseguras de suas próprias habilidades e com medo.

E qual seria a saída?

Como disse o psicólogo humanista do século 20, Carl Rogers, a solução é fazer com que nossos filhos se sintam valorizados em vez de louvados. Ele escreveu: “Se você valoriza alguém, ouça, preste atenção, queira entender, dê tempo”. As crianças não precisam de nossa adulação, elas anseiam nosso genuíno interesse por seus pensamentos, sentimentos, ideias e realizações.

E como você espera que o livro ajude os pais e as famílias?

Com o Parentspeak, eu queria dar às crianças, que são muito novas para se defenderem por si mesmas, uma voz. Quero que as pessoas estejam mais conscientes do ponto de vista infantil e levem isso em consideração o máximo possível ao tomarem decisões. Para mim, o livro é um manifesto de direitos humanos disfarçado de guia de pais.

 (Foto: Letizia Le Fur / Getty Images)

(Foto: Letizia Le Fur / Getty Images)

POR QUE NÃO DIZER...

“Dá um abraço na vovó”
Ou no tio. Ou no amigo. Tanto faz. Forçar a criança a demonstrar afeto por qualquer pessoa nunca é bom. Primeiro, porque mesmo que seu filho ame os avós ou tios, pode ser que naquele momento não queria dar beijos ou abraços neles. E tudo bem. A criança tem esse direito. Segundo, porque obrigar o contato físico é tirar a autonomia da criança sobre seu próprio corpo, quando ela deveria aprender que só ela tem poder para decidir quem pode tocá-la.
O que é melhor: é claro que você deve incentivar seu filho a ser educado e cumprimentar as pessoas, mas deixe que ele encontre sua própria maneira de se aproximar e demonstrar carinho. Pode ser um cumprimento divertido com as mãos ou apenas sorrir. Instrua os parentes a não forçarem o contato e, se quiserem interagir, proponha uma atividade que a criança goste, como ler um livro para ela ou desenhar, para ir quebrando o gelo após a chegada.

“Peça desculpas”
Se não é fácil nem para os adultos pronunciar essas palavras, imagine para as crianças! Mas errar pode ser uma oportunidade de reconhecer suas próprias falhas, tentar consertá-las e realmente se compadecer pela pessoa que foi ofendida. Só que, quando dizemos aos nossos filhos “peça desculpa”, o que geralmente vem seguido de “senão...” e alguma ameaça, não há nem tempo para que sintam um arrependimento genuíno. É vazio. Além disso, o ato de se desculpar passa a ser visto como uma punição.
O que é melhor: deixe que a criança reflita sobre sua atitude, explicando que todo mundo comete erros, mas que o que ela fez não foi bacana. Dê tempo para que o remorço apareça. Quando chegar, ela vai se desculpar, talvez não de forma explícita, mas encontrando seu próprio jeito. E lembre-se: você pode forçar seu filho a falar “desculpa”, mas não dá para obrigá-lo a sentir arrependimento. 

 (Foto: Letizia Le Fur / Getty Images)

Parentspeak – What’s wrong with how we talk to our children – and what to say instead (Discurso de Pai – O que há de errado com a forma como falamos com nossos filhos – e o que dizer em vez disso). Workman Publishing New York, US$ 10,37, na Amazon.