• Giuliana Viggiano
Atualizado em
Cientistas criam cinema e óculos 3D para estudar visão de moluscos: entenda (Foto: ScienceAdvences)

Cientistas criam cinema e óculos 3D para estudar visão de moluscos: entenda (Foto: Science Advences)

Como nossos antepassados imaginavam o ano de 2020? Obras de ficção situadas neste ano conjecturam diversas possibilidades futurísticas, enquanto nossos avós provavelmente acreditavam que carros voadores tomariam conta das cidades. Mas, de todas as alternativas, é provável que pouca gente achasse que criaríamos cinema e óculos 3D para moluscos, né?

Por mais estranho que possa parecer, foi exatamente isso que um grupo de pesquisadores norte-americanos fez. Segundo um estudo publicado na revista Science Advences, a equipe desenvolveu pequenos óculos e os colocou em chocos europeus, que são moluscos da classe dos cefalópodes. O motivo? Investigar a noção de profundidade desses animais.

De acordo com os especialistas, o choco captura sua presa com ajuda dos tentáculos, que usa para envolver o "lanchinho". Sendo assim, esses animais precisam ter noção de profundidade, para que possam calcular a distância que devem estar da presa: não muito perto, para não assustá-la, e não muito longe, para que os tentáculos possam alcançá-la.

Os biólogos, entretanto, não sabiam como o cérebro desses animais funcionava durante a caçada. Isso porque, diferente de nós, os olhos dos chocos são muito separados, e os especialistas não sabiam se eles podiam unir essas duas imagens no cérebro e criar a noção de profundidade, como ocorre conosco. Portanto, qual a melhor forma de descobrir a verdade, se não criando um "cinema" 3D para os moluscos? A ideia pode parecer maluca, mas faz muito sentido.

Biólogos estudaram como as imagens são formadas no sistema nervoso dos animais (Foto: ScienceAdvences)

Biólogos estudaram como as imagens são formadas no sistema nervoso dos animais (Foto: Science Advences)

Para testar como o cérebro dos chocos calcula a distância entre eles mesmos e um objeto, a equipe treinou os chocos para usar óculos 3D, que eram colados em sua pele com velcro. Os animais, então, foram colocados em tanques situados ao lado de telas, nas quais eram projetadas as imagens de dois camarões, um em vermelho e outro em azul.

Como na tecnologia dos filmes antigos, a imagem em 3D só pode ser vista e compreendida pelo cérebro quando utilizamos os dois olhos, que estão cobertos por uma lente azul e uma vermelha. A comparação dessas duas imagens gera a imagem tridimensional, pois nosso sistema nervoso compara as informações recebidas e cria o efeito de profundidade, em um fenômeno conhecido como estereopsia.

Tanque no qual a pesquisa foi realizada (Foto: ScienceAdvences)

Tanque no qual a pesquisa foi realizada (Foto: Science Advences)

Durante as obsevações, os especialistas perceberam que os chocos conseguiam distinguir a posição do camarão projetado, ou seja, eles também passam pela estereopsia. “Quando apenas um olho podia ver o camarão, significando que a estereopsia não era possível, os animais demoravam mais para se posicionar corretamente", explicou Trevor Wardill, um dos biólogos, em comunicado.

"Quando os dois olhos podiam ver o camarão, o que significa que eles utilizavam a estereopsia, isso permitia que o choco tomasse decisões mais rápidas ao atacar. Isso pode fazer toda a diferença na captura de uma refeição", lembrou o especialista.

Animais precisam ter noção de profundidade para conseguirem captar presas (Foto: ScienceAdvences)

Animais precisam ter noção de profundidade para conseguirem captar presas (Foto: Science Advences)

Por esse processo, os pesquisadores também descobriram que os chocos se saem melhor que os humanos quando se trata de determinar a distância de certos objetos em ambientes com variação na intensidade da luz.

"Embora os chocos tenham olhos semelhantes aos dos humanos, seus cérebros são significativamente diferentes", pontuou Paloma Gonzalez-Bellido, outra especialista que fez parte do estudo. "Sabemos que o cérebro dos chocos não é segmentado como nos seres humanos. Eles não parecem ter uma única parte do cérebro dedicada ao processamento da visão. Nossa pesquisa mostra que deve haver uma área no cérebro [deles] responsável por comparar as imagens dos olhos esquerdo e direito e calcular suaas diferenças”

Óculos 3D foi colado com velcro na pele dos animais (Foto: Trevor Wardill/ScienceAdvences)

Óculos 3D foi colado com velcro na pele dos animais (Foto: Trevor Wardill/Science Advences)

A "sessão de cinema" também rendeu aos especialistas uma percepção importante: talvez os chocos sejam os únicos cefalópodes capazes de realizar estereopsia. Esse é um feito e tanto, considerando que outros animais dessa classe são as lulas e os polvos, conhecidos por habilidades surpreendentes.

Todas essas descobertas mudam nossa percepção sobre os invertebrados. Até então, acreditava-se que cálculos complexos do cérebro, como estereopsia, eram exclusivos de vertebrados de ordem superior. "Esse estudo nos leva um passo adiante para entender como os diferentes sistemas nervosos evoluíram para enfrentar o mesmo problema", afirmou Rachael Feord, um dos autores da pesquisa.

Os pesquisadores pretendem continuar estudando o sistema nervoso desses moluscos — mas de uma forma não tão engraçadinha. Segundo Feord, o "cineminha" dedicado aos chocos será substituído pelo bisturi. "O próximo passo é dissecar os circuitos cerebrais necessários para o cálculo da estereopsia com o objetivo de entender como isso pode ser diferente do que acontece em nossos cérebros".

Visão de cima do tanque em que experimento foi realizado (Foto: ScienceAdvences)

Visão de cima do tanque em que experimento foi realizado (Foto: Science Advences)