• Samuel Zamora, para The Conversation*
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Reconstrução em 3D  do Yorkiccystis haefneri  criado por Hugo Salais  (Foto: (Metazoa Studio). Samuel Zamora,)

Reconstrução em 3D do Yorkiccystis haefneri criado por Hugo Salais (Foto: (Metazoa Studio). Samuel Zamora,)

Após quatro anos escavando à procura de fósseis em um cemitério em York, Pensilvânia, o paleontólogo amador Chris Haefner fez uma descoberta intrigante. “Eu sabia que valia a pena guardar”, disse ele, que publicou sobre sua descoberta no Facebook.

Eu localizei seu post e percebi que era uma grande descoberta: eu estudo fósseis de invertebrados no Conselho de Pesquisa Espanhol. Quando contatei Haefner, ele concordou em doar o fóssil achado para o Museu de História Natural de Londres.

Trabalhando junto de colegas dos Estados Unidos e do Reino Unido, descobrimos que o fóssil se tratava de um parente de 510 milhões de anos das estrelas-do-mar e dos ouriços-do-mar da atualidade. Ele é altamente peculiar, novo para a ciência e tem apenas um esqueleto parcial. O nomeamos Yorkicistis haefneri em homenagem ao seu descobridor.

Yorkicistis revelou novas informações sobre como a vida primitiva estava evoluindo na Terra no momento em que a maioria dos grupos de animais da atualidade apareceu pela primeira vez.

Ouriços-do-mar estão entre os parentes sobreviventes de Yorkicistis (Foto: Samuel Zamora, CC )

Ouriços-do-mar estão entre os parentes sobreviventes de Yorkicistis (Foto: Samuel Zamora, CC )

A Explosão Cambriana

Yorkicistis viveu durante a “Explosão Cambriana”, entre 539 milhões e 485 milhões de anos atrás. Antes dessa época, bactérias e outros organismos microscópicos simples viviam junto da biota Ediacara, que são criaturas misteriosas e de corpo mole sobre as quais os cientistas pouco conhecem.

O período Cambriano trouxe uma enorme proliferação de espécies que emergiram dos mares. Eles incluíam grupos de organismos que acabariam por dominar o planeta e representantes da maioria dos grupos de animais de hoje.

Dentro de alguns milhões de anos, animais mais complexos com esqueletos e conchas duras apareceram. O porquê disso ter ocorrido ainda não está claro, mas uma grande mudança na química do oceano, causado por uma maior concentração de carbonato de cálcio, provavelmente teve um papel fundamental.

Os equinodermos não foram os primeiros animais complexos encontrados no registro geológico. Os braquiópodes — animais marinhos que viviam protegidos dentro de conchas — os antecederam. O mesmo aconteceu com os artrópodes, um grupo que tinha exoesqueletos de calcita bem formados, incluindo trilobitas.

Para melhor contextualização, os dinossauros apareceram 294 milhões de anos após o início do periódo Cambriano.

Os primeiros equinodermos

Existem mais de 30 mil espécies de equinodermos extintas, mas elas são consideradas muito raras em locais com preservação cambriana excepcional, como em Folhelho Burgess, no Canadá, e em Chengjiang, na China.

Alguns dos primeiros equinodermos primitivos eram bem diferentes de seus parentes atuais, os quais possuem cinco braços que se estendem do centro de seus corpos, uma estrutura chamada “simetria pentâmera”.

Já os equinodermos cambrianos tinham uma ampla gama de estruturas corporais. Os crinóides tinham corpos em forma de vasos protegidos por placas com padrões geométricos e várias estruturas semelhantes a braços. Os helicoplacoidea, tinham formato de charutos gordos e eram revestidos com uma armadura de calcita com uma “boca” que em espiral em torno de seu corpo. E as espécies de blastoides assumiram várias formas, muitas vezes lembrando flores exóticas.

O Edrioasteroidea é muito similar à estrela-do-mar de hoje em dia e, com cinco braços que irradiavam de sua boca, é o organismo com o qual Yorkiccystis haefneri mais se parece.Por conta disso, nós o classificamos dentro deste grupo na árvore evolutiva.

Yorkicistis, o equinoderme sem esqueleto

Enquanto muitos organismos cambrianos formaram esqueletos sofisticados e estruturas de defesa para protegê-los de predadores, o Yorkicistis fazia o oposto. Eles “desmineralizavam” seu esqueleto. Tornando-se um animal parcialmente macio, sem proteção em grande parte do corpo.

Para entender a anatomia desse organismo, nos juntamos com um paleoilustrador para visualizar essa criatura a partir da evidência fóssil que tínhamos. Hugo Salais fez primeiro a modelagem de cada parte do esqueleto em 3D e, depois, os utilizou para criar uma reconstrução, sendo uma réplica de alta resolução.

A partir dessa réplica, observamos que apenas seus braços, ou sistema ambulacrário, estavam calcificados, protegendo suas “ranhuras alimentares” —  partes responsáveis pela  alimentação do animal e que são amarelas no fóssil. Composto por uma série de placas que cobria seus tentáculos e somente abria e fechava durante a alimentação. O resto do corpo era macio, representado no fóssil por uma película escura rica em carbono.

A maioria dos equinodermos atuais, encontrados desde as costas do mundo até as profundezas abissais escuras do oceano, tem um esqueleto interno. As únicas exceções são os pepinos-do-mar e algumas espécies que vivem enterradas no fundo do mar. Seus esqueletos são como o do Yorkicistis, formados por placas porosas de calcita.

Representantes de equinodermos cambrianos com esqueleto de calcita mineralizado. (Foto: Samuel Zamora, CC BY-ND)

Representantes de equinodermos cambrianos com esqueleto de calcita mineralizado. (Foto: Samuel Zamora, CC BY-ND)

Dando vida aos Yorkicistis

Como paleontólogos, buscamos entender os organismos extintos. O Yorkicistis se mostrou um grande desafio, pois não sabe de nenhum animal semelhante, nem vivo nem extinto.

Muito pouco se conhece ainda sobre porque e como alguns equinodermos perderam partes de seu esqueleto. Contudo, os avanços na biologia molecular revelaram que existe um conjunto específico de genes responsáveis ​​pela formação de um esqueleto nos equinodermos. Todos os equinodermos vivos carregam esses genes e assumimos que os grupos extintos também o tinham.

Mas, no Yorkicistis há uma diferença marcante entre a calcificação de seus raios, ou braços, e a falta dela no resto do corpo. Essa diferença levanta a hipótese de que os genes envolvidos na formação do esqueleto podem ter atuado de forma independente em diferentes partes do corpo do Yorkicistis. A calcificação desse animal, é ainda um mistério que apenas os biólogos moleculares serão capazes de desvendar.

Nossos estudos nos permitiram formular algumas hipóteses sobre esse animal, embora muitas questões permaneçam em aberto. Acreditamos que sem um esqueleto em uma parte importante de seu corpo, o Yorkicistis foi capaz de conservar energia para outros processos metabólicos, como alimentação ou respiração. Aumentando sua flexibilidade, permitindo uma respiração mais ativa por uma espécie de bombeamento.

Há outra possibilidade intrigante: a falta de esqueleto pode estar relacionada a algum tipo de sistema de proteção ao ferrão, como o usado pelas anêmonas atuais que paralisam as presas com células urticantes nos tentáculos que cercam suas bocas. Essa pergunta, porém, e muitas outras, não podem ser respondidas com apenas um fóssil.

Mas, a descoberta surpreendente do Yorkicistis nos forneceu mais informações sobre um período divergente na história evolutiva, no início da Explosão Cambriana, época em que alguns organismos adotaram esqueletos para evitar predadores – e outros se adaptaram de maneiras muito diferentes.

*Samuel Zamora é paleontólogo titular do Instituto Geológico e de Minas da Espanha (IGME - CSIC). O texto foi originalmente publicado em inglês no The Conversation