• Signe Dean* | The Conversation
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Devemos trazer de volta o lobo-da-tasmânia? 5 especialistas respondem (Foto: Tasmanian Museum and Art Gallery)

Devemos trazer de volta o tigre-da-tasmânia? 5 especialistas respondem (Foto: Tasmanian Museum and Art Gallery)

Em uma nova parceria anunciada com a companhia texana de biotecnologia Colossal Biosciences, pesquisadores australianos esperam que seu sonho de trazer de volta o extinto tigre-da-tasmânia esteja um “salto gigante” mais próximo de se realizar.

Cientistas do laboratório TIGRR Lab da Universidade de Melbourne acreditam que a nova parceria, que traz a expertise da Colossal na técnica CRISPR de edição genética a bordo da pesquisa, pode resultar no primeiro tigre-da-tasmânia bebê em uma década.

A companhia de engenharia genética entrou em destaque em 2021 com o anúncio do plano ambicioso de trazer de volta algo parecido com o mamute-lanoso, ao produzir híbridos de elefante com mamutes, ou “mamufantes” .

Mas a de-extinção, como é conhecida esse tipo de pesquisa, é um campo altamente controverso. Ela é muito criticada por suas tentativas de “brincar de Deus”, ou por tirar a atenção da conservação de espécies vivas.

Então, devemos trazer de volta o tigre-da-tasmânia? 5 especialistas respondem.

Axel Newton - Biologista evolucionário no TIGRR Lab

SIM, mas com um porém (mais sobre isso daqui a pouco). O tigre-da-tasmânia é uma das histórias mais trágicas da era moderna, tendo sido ativamente caçado até a extinção em um esquema de recompensas do governo. Ao contrário de outras espécies, foi erradicado menos de 100 anos atrás. O seu habitat e ambiente ecológico que uma vez perseverou ainda está intacto.

Eu acho que temos uma obrigação em fazer tudo que temos em nosso poder para trazer de volta esse animal extraordinário, principalmente quando nossos ancestrais foram a causa direta de seu desaparecimento. No entanto, também temos uma responsabilidade ética e moral de ter certeza de que o animal que iremos ressuscitar será 99%+ um tigre-da-tasmânia e não um quase-tigre-da-tasmânia híbrido.

O maior desafio dessa empreitada é reconstruir o genoma de uma espécie extinta sem ter acesso a nenhum tecido vivo (a diferença entre de-extinção e clonagem). Isso se iguala a montar um quebra-cabeça de 3 bilhões de peças com as mãos amarradas atrás das costas.

Inevitavelmente, alguns argumentam que o dinheiro usado nesse projeto poderia ser melhor utilizado na preservação ativa dos habitats de animais à beira da extinção. Mas esse projeto terá benefícios de conservação enormes para essas espécies já ameaçadas, e tem o potencial de gerar avanços significativos para a saúde humana.

O ponto crucial disso é a produção de ferramentas e métodos genéticos para editar o DNA de células-tronco, e então transformar essas células em um animal. Essa tecnologia não apenas está de acordo com nosso objetivo de transformar uma célula marsupial “de aluguel" em um tigre-da-tasmânia, mas o processo também vai nos permitir reintroduzir diversidade genética em populações ameaçadas.

Poderíamos pegar tecidos de espécies raras e ameaçadas em bancos biológicos e produzir animais que seriam reintroduzidos em um ambiente para ampliar uma diversidade genética benéfica. Não apenas isso, mas o trabalho também poderia ser aplicado em terapias genéticas específicas para corrigir mutações relacionadas a saúde humana e câncer.

Então, sim, devemos trazer de volta o tigre-da-tasmânia. Não apenas pelo fato dessa espécie perdida ser incrível, mas também pelos benefícios que esse projeto vai trazer para a humanidade como um todo. Enquanto mantivermos as considerações éticas e morais à frente do projeto, temos a oportunidade de corrigir erros do passado.

Parwinder Kaur - Geneticista e Biotecnologista

TALVEZ. Depende dos complexos riscos que reintroduzir espécies extintas pode causar em nosso ecossistema atual. Será que esses riscos vão superar os benefícios em potencial e o medo de ações de gestão ambiental malsucedidas?

No começo deste ano, o nosso Zoológico de DNA da Austrália completou um mapa genômico em 3D do tamanho de um cromossomo do mimercóbio, a espécie viva mais próxima do tigre-da-tasmânia. Isso levantou uma prospecção tentadora de montar a sequência genética do animal, o que oferece a possibilidade de reintroduzir uma das espécies perdidas mais icônicas da Austrália.

Mas a grande questão que nosso time encontrou foi: devemos ressuscitar os mortos ou ajudar os mimercóbios antes? Mimercóbios agora estão sofrendo e à beira da extinção, com menos de 1000 animais na natureza e oficialmente listado como ameaçado de extinção. A resposta foi simples: focar no que temos antes.

Vivemos em tempos animadores quando a biotecnologia oferece várias alternativas promissoras para atingir esse propósito, e provavelmente um melhor uso para essas técnicas será preservar espécies ameaçadas de extinção.

Na minha opinião, focar em de-extinção poderia comprometer a conservação da biodiversidade por desviar recursos da preservação de ecossistemas e prevenção de novas extinções. Não é um trabalho trivial em termos de recursos e habilidades poder reviver um animal extinto, dado o baixo nível de investimento em pesquisa de conservação, e temos que ser muito cuidadosos como comunidade científica para não priorizar ressurreição acima de preservação.

Euan Ritchie - Ecologista da Vida Selvagem

TALVEZ. Há muito a se considerar com um projeto tão ambicioso. O mais importante é aumentar os esforços para salvar e recuperar espécies vivas, além de ser muito mais barato e fácil conservar do que ressuscitar as espécies e seus papéis ecológicos. 

Isso requer confrontar as muitas causas de declínio e extinção de espécies e, genericamente falando, nossa existência insustentável e a incapacidade de compartilhar esse planeta com outras espécies. 

Com as taxas atuais de declínio e extinção de espécies, a de-extinção não será capaz de chegar nem perto de ressuscitar o que destruímos. Então quais espécies devemos trazer de volta e por quê? E, se realmente for possível, as espécies ressuscitadas vão se comportar do mesmo jeito, performar os mesmos papéis ecológicos e afetar ecossistemas da mesma maneira? Acho muito difícil.

No entanto, devemos parar de perpetuar a ideia de que a conservação é um jogo de soma zero, alimentando uma narrativa falha de que devemos escolher quais projetos, espécies e ecossistemas apoiamos. Falta de dinheiro não é o problema, valores e prioridades sim.

Para colocar em perspectiva, é estimado que a Austrália tenha gastado 11,6 bilhões de dólares australianos em combustível fóssil em 2021 e 2022, mas recentemente apenas alocou 10 milhões para as 100 espécies mais ameaçadas, menos que 6% da lista de espécies ameaçadas do país.

É vital manter robustos o escrutínio e o ceticismo de projetos ambiciosos, mas também devemos apoiar cientistas para que eles quebrem os limites e tomem riscos fundados. Às vezes aprendemos, mesmo quando “erramos”.

Pessoalmente, eu adoraria ver os tigres-da-tasmânia de volta à natureza, mas não estou otimista de que veremos uma população autossustentável e geneticamente diversa em breve, isso se ela for mesmo existir. Se esses projetos forem prosseguir, eu também espero que pessoas indígenas e comunidades sejam propriamente consultadas e envolvidas.

Julian Koplin - Bioeticista

SIM. A maioria de nós acha que devemos proteger ecossistemas de danos e evitar que os animais sejam extintos. Isso deve ser porque valorizamos a natureza por seu próprio bem, ou porque pensamos que a biodiversidade é boa para nós humanos

Mais importante, ambas essas razões também apoiam a de-extinção. Uma razão para trazer de volta (formatos de) animais como o tigre-da-tasmânia e o mamute lanoso é para ajudar a restaurar os ecossistemas que eles costumavam viver; e outro é para levar aos humanos um sentido de maravilhamento e contemplação, e talvez até um maior respeito pelo mundo natural. Então, por que não seguir em frente?

Talvez a maior preocupação ética é que a de-extinção seja um mau uso de recursos, e que faríamos uma maior diferença para a biodiversidade ao financiar esforços de conservação. Mas essa não é uma objeção decisiva. Os custos da de-extinção podem abaixar ao longo do tempo.

Também não está claro se as pessoas que financiariam a de-extinção também iriam financiar projetos tradicionais de conservação. Devemos ficar de olho nos custos, mas não devemos rejeitar a de-extinção de vez.

Corey Bradshaw - Ecologista

NÃO. Mesmo que a empreitada científica de demonstrar a capacidade de reanimar espécies há muito extintas tenha algum mérito, alegar que a abordagem irá combater as taxas de extinção atuais ou pode ser usada como uma ferramenta de conservação é ingênuo.

Populações viáveis iriam requerer indivíduos geneticamente diversos para persistirem na natureza. Não há nenhuma perspectiva de conseguir criar uma amostra suficientemente diversa geneticamente de tigres-da-tasmânia que pudessem sobreviver e persistir uma vez lançados na natureza.

Além disso, grandes predadores como exigem grandes áreas para coletar alimentos, estabelecer territórios e criar filhotes. A razão pela qual eles foram levados à extinção em primeira instância foi devido ao conflito com proprietários de terras, então mesmo que o problema da diversidade genética pudesse ser resolvido, a licença social para restabelecer uma grande população de predadores é improvável de ser concedida (considere o caso de perseguição de dingos na maior parte da Austrália hoje).

Ademais, os habitats disponíveis na Austrália que poderiam sustentar uma grande população de tigres-da-tasmânia diminuíram ou degradaram radicalmente desde o início do século 19. Combinado com climas não análogos do futuro imediato devido ao aquecimento global, é improvável que haja um habitat disponível suficiente para sustentar uma população viável.

*Signe Dean é editora de Ciência e Tecnologia do The Conversation 

Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation