• Beatriz Gatti*
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Projeção 3D do Telescópio Gigante de Magalhães (Foto: GMTO Corporation)

Projeção 3D do Telescópio Gigante de Magalhães (Foto: GMTO Corporation)

Ainda estamos distantes de descobrir um planeta com condições habitáveis como a Terra, mas certamente o caminho até lá está cada vez mais curto. A construção do Telescópio Gigante de Magalhães, prevista para terminar em 2029 no Observatório Las Campanas, no Chile, oferecerá à comunidade científica uma precisão inédita sobre os tipos de átomos encontrados em estrelas e planetas. E quem sabe não são identificados sinais de vida além do nosso Sistema Solar?

Com nitidez dez vezes maior que a do telescópio Hubble, o GMT (sigla em inglês para Giant Magellan Telescope) terá uma área coletora de 368 metros quadrados formada por um conjunto de sete espelhos, cada um com 8,4 metros de diâmetro. A penúltima parte começou a ser construída em março de 2021, no Laboratório de Espelhos Richard F. Caris da Universidade do Arizona, nos EUA. Os cientistas levarão ao menos três anos para modelar e polir as cerca de 20 toneladas de vidro borossilicato.

Processo de produção do quinto espelho no Laboratório de Espelhos Richard F. Caris da Universidade do Arizona (Foto: Damien Jemison/GMTO Corporation)

Processo de produção do quinto espelho no Laboratório de Espelhos Richard F. Caris da Universidade do Arizona (Foto: Damien Jemison/GMTO Corporation)

Quando estiver pronto, o telescópio medirá 63 metros, o equivalente a 1,5 vez o tamanho do Cristo Redentor. Além da altura, outra característica que aumenta o potencial de qualidade é o próprio local em que o GMT está sendo instalado. O Observatório Las Campanas fica em meio ao deserto do Atacama, no norte do Chile, e o aspecto seco da região ajuda a garantir uma captação de imagens com menos distorções.

Fruto de um consórcio entre Estados Unidos, Coreia do Sul, Austrália, Chile e Brasil, o telescópio gigante tem custo estimado em mais de US$ 1 bilhão, dos quais 4% foram financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Isso garante a utilização de uma fração de tempo do GMT a entidades paulistas de pesquisa, como é o caso do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) da Universidade de São Paulo (USP).

Os projetos a serem desenvolvidos no GMT ainda não foram aprovados e nem submetidos, visto que ainda faltam alguns anos para o telescópio começar a operar, segundo Jorge Luis Meléndez, pesquisador do IAG. Mas seu grupo de estudo, o Sampa (Stellar Atmospheres, Planets and Abundances), já vislumbra a possibilidade de procurar planetas similares à Terra e tentar detectar assinaturas de vida em exoplanetas — como são chamados os planetas de fora do Sistema Solar.

O GMT funcionará no Observatório Las Campanas, em meio ao Atacama, no Chile. A região seca oferece mais qualidade na captação das imagens (Foto: GMTO Corporation)

O GMT funcionará no Observatório Las Campanas, em meio ao Atacama, no Chile. A região seca oferece mais qualidade na captação das imagens (Foto: GMTO Corporation)

Mas por onde começar?

Para estudos de habitabilidade, o ideal seria primeiro encontrar um "gêmeo" da Terra, isto é, um planeta com tamanho e massa semelhantes e que também estivesse tão distante da estrela que orbita quanto a Terra está do Sol. “Para chegar a esse ponto ainda falta muito. Nenhum telescópio atual ou futuro tem previsão, a curto ou médio prazo, de encontrar assinaturas de vida em um planeta gêmeo da Terra”, observa Meléndez a GALILEU.

A escolha do exoplaneta em que se buscará bioassinaturas começa, então, pela estrela que ele orbita. “Nas descobertas astronômicas, a gente vai indo aos poucos”, diz o líder do grupo Sampa. Eles procuram uma estrela que tenha massa similar à do Sol, dentro de uma margem de 50% para mais ou para menos.

Se a estrela for muito mais massiva do que isso, a temperatura do núcleo também vai ser mais alta, o que aumenta as chances de reações nucleares que queimam hidrogênio. Isso significa que a estrela viveria por pouco tempo e seria difícil que um modo de vida complexo fosse desenvolvido no planeta.

Em estrelas bem menos massivas que o Sol, por outro lado, há também o problema de pouca emissão de luminosidade, o que poderia ocasionar um congelamento de planetas distantes que as orbitam. Já os planetas próximos que orbitam a zona habitável da estrela (onde é possível existir água líquida) podem sofrer a perda da atmosfera e campo magnético, devido à grande intensidade e frequência das tempestades estelares em estrelas muito pouco massivas.

Mas desde que não tenham massa muito menor que a do Sol, estrelas menores costumam garantir melhores condições de estudo sobre planetas potencialmente habitáveis. Meléndez explica que exoplanetas que orbitam essas estrelas ocultam um pouco da luz quando passam "à frente" delas, como se causassem um pequeno eclipse entre a Terra, o exoplaneta e sua estrela. Conhecido como método de trânsito, esse movimento torna mais fácil a detecção do objeto a ser pesquisado.

Outro fator importante para o estudo de exoplanetas é a proximidade que eles têm com as estrelas. Quanto mais perto delas estiverem, mais rápida será sua translação. Então haveria uma frequência maior de trânsitos a serem observados. “Se o ano do planeta dura 10 dias, a cada 10 dias conseguiremos coletar dados e fotos dele passando em frente à estrela”, exemplifica o astrônomo da USP.

Potencial do GMT

Ao mesmo tempo em que é mais fácil identificar um exoplaneta pequeno orbitando uma estrela menor, é muito difícil estudar a atmosfera de um corpo desse porte. As primeiras investigações foram feitas em planetas gigantes gasosos, como júpiteres quentes, com o objetivo de caracterizar moléculas de átomos como sódio, água e titânio. Para Meléndez, esse é um dos objetivos da construção de telescópios como o GMT: permitir a observação de atmosferas de planetas cada vez menores, aproximando-se de um tamanho semelhante ao da Terra.

Quinto espelho dos sete que formarão o GMT. Cada um tem 8,4 metros de diâmetro (Foto: Damien Jemison/GMTO Corporation)

Quinto espelho dos sete que formarão o GMT. Cada um tem 8,4 metros de diâmetro (Foto: Damien Jemison/GMTO Corporation)

Mas não é apenas o tamanho gigante do telescópio que garante a observação. No caso do projeto em construção no Chile, já na primeira luz (o primeiro uso do telescópio após a inauguração) um instrumento permitirá a análise de átomos e moléculas. Graças a um espectrógrafo, a imagem que chegará do espaço poderá ser nitidamente captada e ajudará a detectar possíveis sinais de habitabilidade como a presença de água, dióxido de carbono (CO2), metano e variações moleculares de oxigênio (ozônio ou O2, por exemplo).

O tempo de uso do GMT será disputado entre diversas equipes de pesquisa, mas há expectativa por cooperação entre grupos. “Se fosse para utilizar [o GMT] agora, eu procuraria planetas similares aos nossos gêmeos. Seria um projeto que gostaríamos de liderar”, antecipa Meléndez. “E certamente buscar colaborar com outros grupos para tentar detectar bioassinaturas.” Segundo ele, nos últimos anos, estudantes brasileiros vêm sendo treinados para fazer estudos específicos sobre atmosferas. “Talvez voltem para o Brasil e seja o líder de uma pesquisa desse tipo”, comenta o pesquisador, em tom de torcida.

A construção do telescópio e os temas relacionados a ele vêm sendo divulgados pelo canal no YouTube do GMT Brasil. A partir desta sexta-feira (21) está disponível o sétimo programa da série Fascínio do Universo, uma iniciativa do escritório GMT Brasil, o IAG-USP e a Fapesp, com realização da TV UNIVAP. Confira no vídeo abaixo:

*Com supervisão de Luiza Monteiro