• Redação Galileu
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Agrotóxicos se dispersam com o vento e contaminam comunidades vizinhas.  (Foto: Creative Commons / amissphotos)

Agrotóxicos se dispersam com o vento e contaminam comunidades vizinhas (Foto: Creative Commons / amissphotos)

“A pulverização de agrotóxicos incomoda e causa náuseas; me dá dor de cabeça. Eu tento me sentar do outro lado da sala de aula [do outro lado de onde eles pulverizam]. Nós temos um ventilador, ele ajuda um pouco, mas o cheiro continua. Eu senti náusea, tontura. É ruim porque você quer vomitar, mas fica preso na garganta.”

O depoimento de Danilo, um garoto de 13 anos estudante de uma escola rural a algumas horas de carro de Goiânia, capital de Goiás, é somente um dos tantos retratados em um novo relatório da Human Rights Watch (HRW) , uma organização não governamental em defesa dos direitos humanos.

Com 52 páginas, o documento “Você Não Quer Mais Respirar Veneno” traz flagrantes de diversos casos de intoxicação aguda causada pela deriva de agrotóxicos em sete localidades em zonas rurais no Brasil, incluindo comunidades rurais,  indígenas, quilombolas e escolas rurais.

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A exposição das pessoas aos agrotóxicos acontece quando estes são pulverizados em plantações e se dispersam durante a aplicação ou quando evaporam e seguem para áreas próximas nos dias após a pulverização. Com dados de 2016, a organização destaca que, dos dez agrotóxicos mais usados no Brasil,  quatro não são autorizados para uso na Europa.

“As autoridades brasileiras devem acabar com a exposição tóxica aos agrotóxicos e garantir a segurança daqueles que denunciam ou se opõem aos danos causados pelos agrotóxicos às famílias e comunidades”, conta Richard Pearshouse, diretor-adjunto da divisão de meio ambiente e direitos humanos da Human Rights Watch e autor do relatório.

A HRW ainda revela que as pessoas tem que aceitar serem envenenadas quietas, já que protestar pode ser nova fonte de violência. Em cinco dos sete locais visitados para a realização do relatório, membros das comunidades rurais afetadas afirmaram que receberam ameaças ou que temiam sofrer retaliações caso denunciassem a deriva de agrotóxicos que acreditavam ter causado suas intoxicações.
 

Comunidade quilombola a poucos metros de uma plantação de cana-de-açúcar. (Foto: Marizilda Cruppé / HRW)

Comunidade quilombola a poucos metros de uma plantação de cana-de-açúcar. (Foto: Marizilda Cruppé / HRW)


De acordo com o documento, proprietários de grandes plantações frequentemente desrespeitam um regulamento nacional que estabelece uma “zona de segurança”, proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos próxima a áreas habitadas.

Não existe uma regulamentação nacional similar que estabeleça “zonas de segurança” para a pulverização terrestre. Dados oficiais sobre intoxicações causadas por agrotóxicos subestimam a gravidade do problema, assim como é frágil o sistema governamental de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos e água potável.

A exposição crônica a agrotóxicos, mesmo em doses baixas, é associada à infertilidade, a impactos negativos no desenvolvimento fetal, ao câncer e a outras consequências graves à saúde. Mulheres grávidas, crianças e outras pessoas vulneráveis aos agrotóxicos podem enfrentar riscos maiores. Em casos de intoxicação aguda, os sintomas apresentados geralmente incluem vômitos, náusea, dor de cabeça e tontura durante ou imediatamente após a pulverização nas proximidades.

“Dava pra ver o líquido branco no ar. Mesmo cheirando, vai para o seu cérebro. Você sente uma amargura na garganta. Você não quer mais respirar veneno – você quer respirar outro tipo de ar – mas não tem nenhum”, relatou Jakaira, um homem Guarani-Kaiowá de 40 e poucos anos, que vive em uma comunidade indígena a algumas horas de carro de Campo grande, no estado do Mato Grosso do Sul.

O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo: as vendas anuais no país giram em torno de 10 bilhões de dólares. A imensa quantidade de agrotóxicos no Brasil é resultado da expansão da agricultura de monocultura em grande escala. Cerca de 80 por cento dos agrotóxicos são usados em plantações de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar.

“Como medida de urgência, o Brasil deveria impor uma suspensão à pulverização aérea e criar zonas de segurança para a pulverização terrestre nas proximidades de locais sensíveis”, defende o documento.

O risco, porém, é que aconteça justamente o oposto. Está em trâmite no Congresso Nacional um projeto que enfraquece a regulamentação sobre essas substâncias. Aprovado na comissão parlamentar especial em junho de 2018, espera para ser votado na Câmara dos Deputados.  

Entre suas muitas propostas, o projeto de lei propõe reduzir substancialmente o papel dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que são justamente os órgãos especializados nos impactos causados pelo uso de agrotóxicos. O projeto de lei também propõe a substituição do termo legal agrotóxicos por produtos fitossanitários, o que, segundo a HRW, mascara os perigos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente.

“Em vez de enfraquecer ainda mais as leis existentes, o Brasil precisa de regulamentações mais rígidas e de um plano de ação nacional para diminuir o uso de agrotóxicos,” disse Pearshouse. “O Congresso deveria rejeitar o PL 6.299/2002e pressionar os ministérios competentes para que elaborem um estudo detalhado e imediato sobre os impactos à saúde e ao meio ambiente do atual tratamento dispensado aos agrotóxicos.”

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