• Camila Mazzotto*
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O advogado Ricardo Salles pediu demissão do cargo de ministro do Meio Ambiente nesta quarta-feira (23) (Foto: Lula Marques/Fotos Públicas)

O advogado Ricardo Salles pediu demissão do cargo de ministro do Meio Ambiente nesta quarta-feira (23) (Foto: Lula Marques/Fotos Públicas)

Após dois anos e meio à frente do Ministério do Meio Ambiente, o agora ex-ministro Ricardo Salles pediu demissão do cargo na tarde da última quarta-feira (23). O advogado, que deixou a pasta alegando "motivos familiares", é alvo de duas operações no Supremo Tribunal Federal (STF): em uma delas, apelidada de Akuanduba, Salles está sob acusação de ter participado de um esquema que facilitou a exportação ilegal de madeira nativa para os Estados Unidos e Europa. Na outra, é suspeito de ter obstruído a apuração da maior apreensão de madeira no país, a Operação Handroanthus — que, em dezembro de 2020, reteve 131,1 mil metros cúbicos de toras extraídas ilegalmente no oeste do Pará.

"Legado de retrocessos"

No dia 22 de maio de 2020, o STF divulgou um vídeo que trouxe à tona uma das frases mais controversas do ex-ministro. Em uma reunião ministerial, o advogado sugeriu que a pandemia de Covid-19 era o momento ideal para “simplificar” as normas ambientais. "Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento [ambiental], e simplificando normas", afirmou na ocasião.

Mas, muito antes da crise sanitária se instalar no Brasil, ainda no primeiro ano de sua gestão, Salles já havia alterado um dos mecanismos ambientais mais importantes do país: o Fundo Amazônia. Criado em 2008, o projeto recebe doações de governos e instituições para fomentar iniciativas que combatam o desmatamento na Amazônia Legal. Em meio ao aumento das queimadas na floresta, o ex-ministro também questionou o trabalho desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sugerindo que os dados emitidos pelo órgão apresentavam “distorções numéricas”.

No comando da pasta, Salles foi um dos responsáveis por conduzir o país a alguns dos piores índices de desmatamento da história nacional. Somente entre agosto de 2019 e julho de 2020, a Amazônia perdeu 11.088 km², segundo dados divulgados pelo Inpe. O valor corresponde a maior área devastada na região desde 2008, quando foram desmatados 12.911 km² de floresta.

O ex-ministro também reduziu a participação civil em colegiados ambientais, a exemplo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão responsável pela elaboração e implementação de políticas ambientais no país. Com a mudança, o Conama aprovou, no ano passado, a revogação de duas resoluções normativas que protegiam as áreas de preservação permanente (APPs) de restingas e manguezais — medida que foi barrada pelo STF. Além disso, enfraqueceu órgãos de fiscalização ambiental, em particular o Ibama e o ICMBio.

“No geral, a gestão dele representou um grande retrocesso para a política ambiental do Brasil”, avalia Braulio Dias, biólogo, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB). “Com essa política, ele contribuiu enormemente para criar uma imagem muito negativa do país no exterior, em que prevalece a ideia de que o governo brasileiro não está comprometido com a proteção da natureza”, observa em entrevista a GALILEU o também ex-secretário executivo da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Diversidade Biológica e ex-secretário nacional de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.

Cenário de incertezas — mas nem tanto

Para Dias, é difícil prever se, após a saída de Salles, a política ambiental seguirá outros rumos no país. Assume a pasta em seu lugar o ruralista Joaquim Álvaro Pereira Leite que, até a última quarta-feira (23), era Secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do Ministério do Meio Ambiente. Membro do governo desde 2019, o novo ministro foi conselheiro por mais de 20 anos da Sociedade Rural Brasileira (SRB), associação ligada à bancada ruralista.

Laser mapeia clareiras e ajuda a estudar morte de árvores na Amazônia.  (Foto: Mayke Toscano/Gcom - Fotos Públicas)

Laser mapeia clareiras e ajuda a estudar morte de árvores na Amazônia. (Foto: Mayke Toscano/Gcom - Fotos Públicas)

Tal qual seu antecessor, Leite não tem formação científica na área ambiental. É graduado em Administração de Empresas pela Universidade de Marília (Unimar-SP) e mestre pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper-SP). De acordo com dados de seu currículo, disponível no site do Ministério, ele também foi diretor-geral da empresa Neobrax, do setor farmoquímico, entre 2007 e 2019. Antes, foi produtor de café em sua própria fazenda, entre 1991 e 2002.

A princípio, esses vínculos com o setor ruralista-privado não significam que a atuação do novo ministro seria necessariamente avessa à conservação do meio ambiente, observa Dias. Mas, pondera o pesquisador, é preciso lembrar que essa linha de raciocínio faz parte do projeto do governo atual, o que dificulta a idealização de mudanças. "É difícil prever o que vai acontecer, já que essa política ambiental negativa que nós temos tido nesse governo é uma política formulada pelo próprio presidente Bolsonaro, então, há uma grande probabilidade de que ela tenha continuidade”, avalia o biólogo.

A opinião de Dias é semelhante à de entidades ambientais como o Greenpeace, que também vê a saída de Salles com ceticismo. "O Brasil não podia mais ter à frente do Ministério do Meio Ambiente alguém que, de forma intencional e deliberada, agia contra a própria pasta e estava trazendo graves danos ao país. Mas mudar o ministro não garante que o governo Bolsonaro mudará seu projeto antiambiental nefasto", diz, em nota, a organização, para a qual a mudança se equipara a "trocar seis por meia dúzia".

Em documento, a coordenação do Observatório do Clima, rede de organizações não governamentais que atuam para conter as mudanças climáticas, reforça o argumento. "Embora seja evidentemente um grande dia para o meio ambiente no Brasil [dia em que Salles pediu demissão da pasta], é preciso lembrar que Salles foi sintoma e não doença. Apenas cumpriu com extrema eficiência os objetivos declarados de Jair Bolsonaro de fechar na prática o Ministério do Meio Ambiente e “meter a foice” nos órgãos ambientais".

COP-15 e COP-26

Para Dias, entre os desafios que aguardam o novo ministro, estão a participação em dois eventos que, agendados para o ano de 2021, são centrais na agenda ambiental internacional: a 15ª Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-15), que ocorrerá em outubro, na China; e a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), planejada para acontecer em novembro, na Escócia. 

Enquanto a COP-15 tem como objetivo estabelecer novas metas globais para a conservação da biodiversidade — a fim de substituir as 20 Metas de Aichi, estabelecidas em 2010 —, a COP-26 irá estipular novas metas e estratégias capazes de frear o avanço das mudanças climáticas. 

"São duas reuniões da ONU fundamentais para a agenda global de biodiversidade e o papel do Brasil é essencial nessas negociações", avalia o biólogo, que participou de todas as edições da Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) das Nações Unidas, de 1994 à mais recente, de 2010. "Então, seria importante que o novo ministro do meio ambiente priorizasse essas negociações internacionais, porque o Brasil tem potencial de contribuir de uma forma construtiva para alcançar resultados positivos nas duas conferências".

*Com supervisão de Larissa Lopes