• Camila Mazzotto*
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Vista aérea de um desmatamento na Amazônia para expansão pecuária, em Porto Velho, Rondônia. (Foto: Victor Moriyama / Amazônia em Chamas)

Vista aérea de um desmatamento na Amazônia para expansão pecuária, em Porto Velho, Rondônia. (Foto: Victor Moriyama / Amazônia em Chamas)

Em 2020, o Brasil emitiu a maior quantidade de gases do efeito estufa nos últimos 14 anos: foram 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente despejadas na atmofesta terrestre. E mais: enquanto estima-se que o primeiro ano da pandemia de Covid-19 causou uma redução de 6,7% nas emissões globais de gases de efeito estufa, o país registrou um aumento de nada menos do que 9,5% em suas emissões no mesmo período.

Os dados são da nona edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, divulgada nesta quinta-feira (28). O levantamento, realizado desde 2012, é considerado a principal referência nacional sobre emissões de gases de efeito estufa. 

Embora a paralisação de atividades por causa do coronavírus tenha reduzido em 4,5% as emissões do setor de energia no país, o relatório revela que a categoria “mudanças no uso da terra” sofreu um aumento de 23,6% em relação a 2019. O setor, que inclui desmatamentos na Amazônia e no Cerrado, liberou 998 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, o suficiente para anular a queda na poluição energética. O valor corresponde a maior fatia (46%) das emissões brutas brasileiras.

“Enquanto os países estão suando a camisa para reduzir 1, 2 ou 3% de suas emissões, um aumento de 9,5% de um ano para o outro é um valor muito grande. E isso vai causar uma pressão monstruosa sobre o Brasil na COP-26”, avaliou Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP e especialista em mudanças no clima, durante apresentação virtual do relatório. “Com 23% de aumento em mudança de uso na terra, nenhum país estrangeiro vai querer colocar dinheiro no Brasil para reduzir emissões de desmatamento”, completa o físico, um dos autores do relatório mais recente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

O levantamento chega às vésperas da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP-26), a ser realizada em 26 de novembro, quando representantes dos países-membros da ONU se reunirão para estabelecer novas medidas capazes de desacelerar a emergência climática. E, ao que os números indicam, o Brasil está bem longe de cumprir a meta que deverá oficializar na cúpula: reduzir as emissões em 37% até 2025, em 43% até 2030 e atingir a neutralidade de carbono em 2050.

De acordo com a investigação, que engloba o período de 1970 a 2020, o país está mantendo a tendência de alta nas emissões desde 2010: de lá para cá, a quantidade de gases de efeito estufa despejada na atmosfera todos os anos sofreu um aumento de 23,2%. Todos os setores, sem exceção, tiveram aumento de suas emissões durante a última década: 47% em uso da terra, 28% em resíduos, 8% em agropecuária, 6% em energia e 5% em processos industriais.

Principais vilões

O relatório do Observatório do Clima, que segue as diretrizes do IPCC – principal órgão global responsável por compilar informações científicas sobre mudança no clima –, revela que o desmatamento na Amazônia em 2020 respondeu por 78,4% das emissões brutas do setor de mudanças no uso da terra, com 782 milhões de toneladas de CO2.

O valor é sete vezes maior do que o total registrado no Cerrado, o segundo bioma que mais liberou CO2 no ano passado (113,4 milhões de toneladas). Isso, segundo o levantamento, é reflexo do desmonte de políticas de controle do desmatamento desde o início do governo Bolsonaro, que facilitaram a expansão da agropecuária em áreas de florestas.

Emissões por mudança de uso da terra por bioma entre 1990 e 2020 e porcentagem das emissões por bioma no setor em 2020 (Foto: SEEG)

Emissões por mudança de uso da terra por bioma entre 1990 e 2020 e porcentagem das emissões por bioma no setor em 2020 (Foto: SEEG)

Em 2020, o setor de agropecuária sofreu um aumento de 2,5%, a maior elevação percentual desde 2010. Parte do aumento é atribuído à redução do consumo de carne em meio a crise econômica nacional. Isso porque as cabeças de gado aumentaram em 2, 6 milhões e “mais bois no pasto significa mais fermentação acontecendo e mais emissão de metano”, analisa o relatório.

O crescimento mais expressivo nesse setor veio dos solos manejados, que utilizam fertilizantes sintéticos, cujas emissões subiram 17,4%. É o maior valor já registrado na história do Brasil. Embora o documento indique que houve avanço na implementação de técnicas de agricultura de baixo carbono, considera que o país “falhou em usar a política nacional de clima como um instrumento para uma virada rumo a uma economia de baixo carbono.”

Emissões de GEE do setor agropecuário pelas principais fontes no período de 1990 até 2020 (Foto: SEEG)

Emissões de GEE do setor agropecuário pelas principais fontes no período de 1990 até 2020 (Foto: SEEG)

"Embora seja visível o crescimento da implementação de técnicas de agricultura de baixo carbono no Brasil, inclusive com o cumprimento de grande parte das metas do Plano ABC, esse crescimento ainda está aquém dos patamares necessários para que possamos ver a trajetória de emissões do setor ser modificada e demonstrar o real potencial que o Brasil possui em se ter uma agropecuária sustentável e de baixo carbono”, considera Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora, organização responsável pelo cálculo das emissões da agropecuária, em comunicado enviado à imprensa. 

*Com supervisão de Larissa Lopes.