• Redação Galileu
Atualizado em
Segundo estudo, causa da obesidade pode ser o que, e não quanto, se come (Foto: Dan Gold/Unsplash)

Segundo estudo, causa da obesidade pode ser o que, e não quanto, se come (Foto: Dan Gold/Unsplash)

A culpa por trás dos altos índices de obesidade mundo afora pode ter maior relação com o que estamos levando à boca — sobretudo os alimentos processados e de rápida digestão — do que o quanto estamos comendo. É o que sugere um estudo assinado por pesquisadores de 17 instituições internacionais, incluindo a Escola de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, publicado no periódico científico American Journal of Clinical Nutrition nesta segunda-feira (13).

Ao longo do século 21, dois modelos foram criados para abordar as causas da obesidade. De acordo com o mais conhecido — chamado “modelo de balanço energético (EBM, na sigla em inglês)” —, são dois os fatores-chave que, juntos, têm gerado acúmulo de gordura na população: a alta disponibilidade de alimentos ultraprocessados e baratos e o estilo de vida sedentário. Segundo essa abordagem, a solução para combater o sobrepeso não seria outra senão o famoso combo “fechar a boca e se exercitar mais”.

Por outro lado, pesquisadores e profissionais da área têm observado que, apesar de décadas de políticas incentivando as pessoas a comerem menos e gastarem mais energia, as taxas de obesidade e doenças relacionadas à condição continuam a crescer. Há quem argumente que essa falha de saúde pública pode ser resultado de uma limitação do próprio modelo predominante que rege as estratégias vigentes contra a obesidade, o EBM.

Para eles, uma abordagem alternativa poderia ser útil na elaboração de planos de controle de peso mais eficazes e duradouros: o modelo carboidrato-insulina (CIM, em inglês). Tal qual o EBM, ele postula que mudanças na qualidade dos alimentos levam ao ganho de peso. No entanto, de acordo com o CIM, as respostas hormonais e metabólicas do corpo em relação à fonte de calorias da dieta, e não apenas o conteúdo calórico, são fundamentais para entender a questão.

Em outras palavras, o CIM propõe que comer em excesso não é a causa principal da obesidade. O modelo atribui grande parte da responsabilidade pela atual epidemia de excesso de peso aos padrões de dieta modernos, caracterizados pelo consumo de alimentos com alta carga de glicose (açúcar), em particular os carboidratos processados — que estão presentes em alimentos como doces e refrigerantes. Estes, por sua vez, alteram nosso metabolismo, aumentando o armazenamento de gordura e o ganho de peso.

Não é difícil de entender: quando comemos carboidratos altamente processados em excesso, o corpo aumenta a secreção de insulina e diminui a de glucagon, um dos responsáveis por ajudar a controlar o apetite. As células de gordura “entendem” que isso é um sinal para armazenar mais energia, deixando menos calorias disponíveis para alimentar os músculos e outros tecidos metabolicamente ativos.

O cérebro percebe então que o corpo não está recebendo energia suficiente e isso, por sua vez, leva à sensação de fome. O resultado? Você continua querendo comer, mesmo que esteja engordando. 

“Reduzir o consumo de carboidratos de digestão rápida que inundaram o suprimento de alimentos durante a era da dieta com baixo teor de gordura pode diminuir o impulso de armazenar gordura corporal. Como resultado, as pessoas podem perder peso com menos fome e dificuldade”, argumenta David Ludwig, principal autor do estudo, endocrinologista do Hospital Infantil de Boston e professor da Escola de Medicina de Harvard, ambos nos Estados Unidos, em comunicado.

Diversos pontos de vista

Embora a teoria tenha surgido no início dos anos 1990, os pesquisadores argumentam que o estudo é a formulação mais abrangente a respeito do CIM até o momento. O documento é assinado por uma equipe de cientistas internacionalmente reconhecidos, pesquisadores clínicos e autoridades em saúde pública, incluindo o renomado especialista em medicina da obesidade Louis Aronne, que também é diretor do centro de controle de peso do hospital New York-Presbiterian/Centro de Medicina Weill Cornell, nos EUA.

O que é lipedema, doença vascular que pode ser confundida com obesidade (Foto: Andres Ayrton/Pexels)

Modelo CIM propõe que comer em excesso não é a causa principal da obesidade (Foto: Andres Ayrton/Pexels)

“Se o CIM estiver substancialmente correto, a estratégia para produzir um balanço energético negativo por meio do controle consciente da quantidade de comida e do nível de atividade física provavelmente falhará para muitas pessoas”, escrevem os autores do estudo. Em vez de incentivar as pessoas a comerem menos, o modelo carboidrato-insulina sugere outro caminho que se concentra mais naquilo que comemos. “A redução de peso produzida pela restrição de carboidratos diminuiria a proporção insulina-glucagon, aumentaria a lipólise [quebra de gorduras] e a oxidação de gordura e resultaria em menor ingestão espontânea de alimentos”, afirma o estudo.

Ao mesmo tempo, os pesquisadores também reconhecem que mais pesquisas são necessárias para testar ambos os modelos e, quem sabe, chegar a um terceiro que se ajuste melhor às evidências globais. Eles consideram que apenas contrapor as duas abordagens pode “impedir o discurso científico construtivo”. Para tanto, incentivam colaborações entre cientistas com diversos pontos de vista para testar previsões em pesquisas rigorosas e imparciais.  “Com a carga massiva e crescente de doenças relacionadas à obesidade em todo o mundo, esse trabalho deve ser prioritário”.