• Lucas Alencar*
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Saber se desenvolverá uma doença gravíssima ou conviver com a incerteza? (Foto: Reprodução)

Saber se desenvolverá uma doença gravíssima ou conviver com a incerteza? (Foto: Reprodução)

Geralmente, começa com um tropeção em casa ou na calçada. Aí vem o esquecimento de uma palavra ou de um nome. Em seguida, a sensação de estar sempre tonto, parecendo bêbado. Estes são os primeiros sintomas da Doença de Huntington (DHQ).

A doença é causada pelo excesso de repetições da sequência dos nucleotídeos citosina, adenina e guanina (CAG) no código genético. Enquanto uma pessoa sã tem cerca de 20 dessas repetições, um indivíduo que sofre de DHQ tem sempre mais de 36 repetições.

Com o avanço da doença, que afeta uma a cada 500 mil pessoas, a pessoa perde gradativamente o controle sobre o corpo, que passa a se mover aleatoriamente, e tem as funções psicológicas brutalmente afetadas. É um caminho doloroso para a morte, já que o mal ainda não tem cura e é genético. Pessoas com pais que tiveram DHQ tem 50% de chances de desenvolver a doença.

Apesar de ter sido descrita pelo médico George Huntington em 1876, um teste genético para identificar a DHQ só foi inventado em 1993, época em que uma pesquisa mostrou que 70% das pessoas que poderiam estar carregando os genes da doença tinham vontade de descobrir se a patologia as afetaria ou não. Hoje, o cenário é outro; entre 7% e 10% de pessoas que têm chances de desenvolver DHQ fazem o teste para descobrir se sofrerão com a doença no futuro.

Intrigado com a queda abrupta na quantidade de interessados em descobrir se desenvolveriam o mal, a economista Emily Oster, da Universidade Brown, fez uma pesquisa sobre o assunto e chegou a uma conclusão assustadora: a maior parte dos entrevistados afirmou que acreditava que desenvolveria a doença no futuro, então preferia não obter a confirmação de que isso aconteceria, tentando viver uma vida sem a influência de uma sentença de morte.

“Entre os que participaram da pesquisa, ninguém disse que o teste era inconveniente ou caro”, disse Emily em uma conferência de psicologia social, “o que elas diziam era que simplesmente não queriam saber”.

Deixa estar

O que acontece com uma pessoa que decide viver com essa incerteza dramática? Esta é uma parte fascinante do trabalho da economista. De acordo com ela, as pessoas que decidem não fazer o teste afirmam que vivem livres do espectro da DHQ, mesmo que acreditem piamente que a doença se desenvolverá no futuro. Já os que optam por fazer o teste, segundo Emily, relatam uma vida em que todas as decisões são tomadas pensando no sofrimento ou na morte que inevitavelmente virão.

Ainda de acordo com a economista, os que optam pela incerteza buscam mais instrução acadêmica e melhores oportunidades profissionais. Os que têm ciência de que enfrentarão a doença tendem viver uma vida letárgica, abandonando seus empregos e evitando fazer novas amizades ou entrar em um relacionamento amoroso. “Até você ouvir um médico dizendo que, sim, você tem DHQ, é possível agir como se não tivesse, viver normalmente”, afirma Emily.

Uma das entrevistadas da economista é Jennifer Leyton, que optou por não saber se herdou a DHQ que sua avó, sua tua, seu primo e seu irmão desenvolveram. Ela resolveu manter a incerteza da doença ainda na juventude, quando tinha apenas vinte anos. “Pensei que se eu soubesse que desenvolveria a doença, tomaria certas decisões em minha vida com base nisso”, explica Jennifer.

Diferentemente dos que descobrem a doença e param de viver normalmente, Emily cursou faculdade, é pós-graduada, casada e tem filhos gêmeos. Para que a prole não tenha que se preocupar com DHQ, ela e o marido optaram por gerar os filhos por meio de fertilização in vitro, processo em que o médico da família pôde implantar somente embriões que não carregavam o possível gene defeituoso. Obviamente, o doutor descobriu se Jennifer tinha genes defeituosos, mas, ainda assim, ela não quis saber.

Cada um é cada um

Ao contrário de Jennifer, o irmão dela, Peter, sempre conviveu com a dúvida cruel sobre a doença. Assim que os testes se tornaram acessíveis, no meio da década de 1990, ele não hesitou em fazer. Descobriu que desenvolveria a Doença de Huntington. “Quando descobriu, foi um grande alívio para ele”, conta a irmã. Ela disse que ele passou a viver sem a dúvida que remoía em seu íntimo, abandonou o trabalho e passou a tocar um pequeno estúdio musical, paixão desde a infância. Peter morreu no ano passado e, mesmo assim, Jennifer optou por continuar sem saber se a DHQ a pegaria no futuro.

Dois irmãos e, mesmo assim, decisões diferentes e até opostas. Para a economista que chefiou a pesquisa, isso só mostra como uma decisão dessa magnitude é de caráter completamente individual.

E você, preferiria saber ou não?

*Com supervisão de Cláudia Fusco