• Karoline Gomes
Atualizado em
Útero (Foto: Flickr/ Hey Paul Studios/ Creative Commons)

Em busca de um tratamento humanizado e acessível, diversas brasileiras participam de grupos de ginecologia natural (Foto: Flickr/ Hey Paul Studios/ Creative Commons)

Derreta açúcar mascavo em uma panela. Em seguida, adicione um litro de vinho seco. Com a panela desligada, mexa até misturar completamente. Coloque a unha de gato ou o uxi amarelo e mexa novamente. Esta mistura deve ficar pelo menos uma semana em repouso antes de ser consumida por, no máximo, 2 ciclos menstruais de 10 dias cada e deve ser refeita após esses ciclos. 

Essa é uma das receitas das chamadas garrafadas, combinações de plantas medicinais e bebidas alcoólicas culturalmente consideradas medicinais, publicada em um grupo com mais de 10 mil pessoas no Facebook para tratamentos naturais contra infertilidade. A publicação tem mais de 500 curtidas e muitos relatos sobre o uso, embora, até o fechamento desta matéria, nenhum de sucesso.

Entre os comentários, uma mulher chamada Luana* pede socorro: “Estou no segundo ciclo tomando a garrafada e, dessa vez, não paro de sangrar. Não sei se é uma menstruação mais intensa ou algo pior”. Logo abaixo, uma resposta: “Você precisa ir ao médico AGORA”.

“Não é sobre os tratamentos naturais serem perigosos”, explica Bel Saide, ginecologista natural e autora do e-book Ginecologia Natural Sem Hormônios: É Possível Viver Sem Pílula. “As pessoas já se automedicam com remédios de laboratórios. A questão é que existe um entendimento sobre as ervas e combinações — a ginecologia Natural não é uma especialidade médica regulamentada."

De acordo com Saide, a ginecologia natural é “um movimento que resgata a autonomia da mulher sobre o próprio corpo”, onde é ensinado o auto-exame e tratamentos. “Quando se conhece o próprio corpo, é mais fácil identificar se há algo de errado e mais sério, surgindo assim a necessidade de uma consulta mais científica ou até cirúrgica”, argumenta.

Ela ressalta que a ginecologia natural só será segura e transformadora para mulheres quando existir acompanhamento de especialistas. “Tem muita coisa errada nesses grupos e blogs na internet. Além disso, não tem como saber quais cuidados são ideais sem conhecer seu próprio corpo e o ele precisa."

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Métodos alternativos

Segundo o médico Patrick Bellelis, da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), o método não é reconhecido cientificamente. Contudo, ele percebe que a adesão das mulheres por métodos considerados naturais tem sido cada vez mais frequente.

“Não é pra menos, afinal, principalmente quando os problemas dessas mulheres são relacionados a dores ou infertilidade, há uma perda de qualidade de vida. Seu dia a dia fica comprometido. Sua vida pessoal, conjugal, familiar e profissional também”, diz.

Bel Saide aponta a "demanda patriarcal e capitalista" dos consultórios tradicionais como um dos motivos de as conversas sobre tratamentos naturais terem ganhado força. “É extremamente comum que as mulheres desenvolvam traumas de consultas ginecológicas", afirma. "As consultas são rápidas demais, impessoais e, muitas vezes, as pacientes não são ouvidas ou têm seus corpos terceirizados por medicamentos de laboratórios que dão comissão aos médicos."

Como consequência, o número e o tipo de pacientes da ginecologista natural têm mudado: “Antes eu recebia mulheres que já tinham interesse por tratamentos naturais, algo que vinha de hábitos ou criação que tiveram individualmente. Agora elas chegam depois de consultas frustradas”.

Foi o caso de Luana, relatado no início da matéria: a professora de 29 anos seguiu o conselho da colega do grupo virtual e foi ao médico. Na consulta, descobriu que tem Síndrome do Ovário Policístico (SOP), distúrbio hormonal que provoca um aumento no tamanho dos ovários, gerando várias bolsas cheias de líquido — os cistos.

Dados da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP) mostram que a SOP causa infertilidade em 40% das 2 milhões de portadoras da doença no Brasil. Luana só foi diagnosticada no atendimento de emergência, após passar cinco anos tentando engravidar. “Eu já havia tentado receitas naturais para cólicas menstruais e sempre deram certo. Quando comecei a tentar engravidar, nenhum exame identificou o motivo de tanta dificuldade, então resolvi buscar nos grupos dos quais sempre participei”, lembra.

Para Saide, o conteúdo encontrado na internet pode ser útil até certo ponto, mas é preciso bom senso para desconfiar e buscar a informação completa.

Menstruação (Foto: Flickr/ areta ekarafi/ Creative Commons)

A busca por métodos alternativos é recomendada quando aliada às práticas tradicionais, reforçam os especialistas (Foto: Flickr/ areta ekarafi/ Creative Commons)

Cura ou boato?

A pedido da reportagem, os ginecologistas Patrick Bellelis e Bel Saide analisaram alguns dos tratamentos naturais mais citados em grupos de Facebook:

Para diminuir ou eliminar as cólicas menstruais: 

Compressa de água quente
Trata-se de uma solução válida até para cólica intestinal, pois ajuda a diminuir as contrações que as dores provocam. Mas Bellelis alerta: “É apenas um alívio para a dor, não um tratamento”.

Algodão com álcool no umbigo
“Já ouvi isso de muitas paciente. Talvez faça sentido para elas, pois o álcool pode deixar a região quente”, relata Saide, que reforça que não há estudos de ginecologia natural sobre o método e que, portanto, não o recomenda.

Bellelis concorda e explica que o método pode até causar o efeito oposto do desejado: “Como o álcool evapora rápido, a substância acaba até roubando até o calor da pele aquela sensação de alívio”.

Ouça seu corpo: cólicas menstruais ou no meio do ciclo menstrual podem indicar que algo não vai bem. (Foto: rawpixel.com/Pexels)

Ouça seu corpo: cólicas menstruais ou no meio do ciclo menstrual podem indicar que algo não vai bem. (Foto: rawpixel.com/Pexels)

Prática de atividades físicas
Entre os diversos benefícios, segundo Bellelis, “a atividade física libera endorfinas — morfina naturalmente produzida pelo corpo — e, com isso, ocorre uma ação analgésica”.

Essa, no entanto, não é uma solução para quando a dor já está presente. “É sobre criar o hábito. A frequência na prática de exercícios físicos é o que fará a diferença”, explica Saide.

Para estimular a fertilidade:

Copo de água com uma pitada de sal todas as manhãs
Não há uma correlação entre o hábito e a fertilidade. “A água em jejum — sem o sal — pela manhã pode trazer benefícios para o corpo, facilitando a absorção de nutrientes. É um corpo que funciona bem para tudo, pode funcionar bem para uma gestação. Mas não há nenhuma garantia”, explica o ginecologista Patrick Bellelis.

As ervas Uxi Amarelo e Unha de Gato
“Alguns pacientes usam para endometriose ou cólicas menstruais. Mas ainda faltam pesquisas que comprovem que elas funcionam”, diz Bellelis.

Para Saide, a ingestão, seja em prol da fertilidade ou para combater as dores, precisa ser recomendada por especialistas em ginecologia natural.

*A pedido da fonte, alteramos seu nome para preservar seu anonimato.

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