• Redação Galileu
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Fragmentos de DNA detectados em fezes e gotículas de urina em uma caverna mexicana da pré-história foram capazes de permitir o sequenciamento do genoma completo de duas espécies de ursos norte-americanos (Foto: Devlin A. Gandy)

Fragmentos de DNA detectados em fezes e gotículas de urina em uma caverna mexicana da pré-história foram capazes de permitir o sequenciamento do genoma completo de duas espécies de ursos norte-americanos (Foto: Devlin A. Gandy)

Pela primeira vez na história, cientistas não precisaram recorrer à fósseis para sequenciar o código genético inteiro de um animal ancestral – excrementos deixados no solo foram o suficiente para o feito. Publicado nesta segunda-feira (19) no periódico Current Biology, o acontecimento inédito só foi possível graças às boas condições em que foram encontradas as fezes de um urso pré-histórico, depositadas há cerca de 16 mil anos na caverna de Chiquihuite, no México.

Liderado pelo professor Eske Willerslev, diretor do Centro de GeoGenética da Fundação Lundbeck, na Dinamarca, o estudo foi descrito pelos pesquisadores como o “pouso da genômica na lua”. “Não estou exagerando quando digo que o potencial de extrair esse tipo de informação de uma amostra de solo de apenas alguns gramas revolucionará nosso campo”, anuncia, em comunicado, Mikkel Winther Pedersen, primeiro autor do artigo.

O entusiasmo tem justificativa: até agora, nenhuma amostra ambiental antiga (tais como cabelo, urina e fezes) tinha sido capaz de reconstruir o genoma completo de um animal. Isso porque, uma vez que contêm dados esparsos e fragmentados de vários indivíduos, esses vestígios naturais só tinham conseguido responder “se uma espécie específica vivia em uma determinada localidade em um dado momento, mas não dava detalhes concretos sobre o indivíduo em questão” – como explica Pedersen.

Fezes depositadas há cerca de 16 mil anos por ursos norte-americanos foram encontradas na caverna de Chiquihuite, no México (Foto: Devlin A. Gandy)

Fezes depositadas há cerca de 16 mil anos por ursos norte-americanos foram encontradas na caverna de Chiquihuite, no México (Foto: Devlin A. Gandy)

Segundo o estudo, esse material – conhecido como DNA ambiental ou eDNA – estava restrito a fornecer dados sobre DNA organelar (referente às organelas mitocôndrias ou cloroplastos, no caso de plantas e algas) ou, mais recentemente, a respeito de “sequências curtas e altamente diversas” de código genético. Até agora, isso só havia se mostrado suficiente para a reconstrução de perfis taxonômicos simples.

Já na empreitada da Fundação Lundbeck, fragmentos de DNA detectados em fezes e gotículas de urina foram capazes de permitir o sequenciamento do genoma completo de duas espécies de ursos norte-americanos: a do Ursus americanus, também conhecido como urso-negro americano, e a Arctodus simus, ou urso-de-cara-achatada. “Mostramos que cabelo, urina e fezes fornecem material genético que, em condições adequadas, pode sobreviver por muito mais do que 10 mil anos”, diz, em nota, Eske Willerslev, líder do estudo.

Alternativa promissora

Os pesquisadores descobriram que os ursos-negros da pré-história estão intimamente relacionados com os ursos-negros modernos do leste da América do Norte e, além disso, também compartilham ancestrais com ursos do atual Alasca – o que, segundo o estudo, “expande e refina o modelo da fileogeografia” dessa espécie.

Eles também concluíram que os ursos-de-cara-achatada – habitantes do norte do México extintos há 12 mil anos – eram muito diferentes dos ursos-negros que viviam no noroeste do Canadá, o que é apontado como um exemplo emblemático do conhecimento que pode ser obtido a partir de fragmentos de DNA extraídos do solo.

Ainda segundo o estudo, essa abordagem poderá abrir as portas para outras pesquisas com foco em genoma e filogenia de populações antigas – desde que existam dados de referência para os táxons em questão. Essa nova técnica traz muitas vantagens para a área, já que fósseis podem acabar sendo destruídos durante atividades de sequenciamento genético e muitos táxons de mamíferos pré-históricos “ainda são mal representados ou mesmo ausentes em registros fósseis”.

Fragmentos de DNA de camundongos, roedores, morcegos, ratazanas e ratos canguru também foram encontrados pelos pesquisadores na caverna de Chiquihuite, localizada a 2.750 metros acima do nível do mar – e são o próximo alvo do estudo. Mas não só eles: o grupo acredita que análises de amostras ambientais espalhadas em inúmeros assentamentos da pré-história mundo afora podem representar o alvorecer de uma nova era da genômica populacional. "Imagine as histórias que esses rastros poderiam contar”, sugere Willerslev.