• Carol Sassatelli*
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4 motivos que tornam o pensamento de Galileu Galilei muito atual (Foto: ZU_09 / Gettyimages)

4 motivos que tornam o pensamento de Galileu Galilei muito atual (Foto: ZU_09 / Gettyimages)

O Istituto Italiano di Cultura di San Paolo (IIC) recebe no Brasil o acadêmico Piergiorgio Odifreddi para participar da 18ª Semana da Língua Italiana no Mundo, que acontecerá em São Paulo entre os dias 15 e 20 de outubro. O italiano é especialista na obra de Galileu Galilei, morto em 1643 depois de ser julgado por heresia pela inquisição da igreja católica.

A GALILEU conversou com Odifreddi sobre a vida do cientista e esclareceu alguns pontos para entendermos a importância do seu pensamento nos dias de hoje. Confira:

Manuscrito original

Há poucos meses foi descoberta nos arquivos de uma biblioteca do Reino Unido uma longa carta que teria sido escrita por Galileu. O achado sustenta a tese que confirma que o cientista sugeriu que a igreja precisava ficar mais próxima da religião e menos da ciência, segundo o periódico Nature.

Quando interrogado pelo tribunal inquisitório, Galilei alegou que, quando oficiais da igreja apresentaram uma cópia de sua carta como evidência de heresia, as palavras foram alteradas para que parecessem mais incisivas. O cientista até criou outra cópia da carta com uma linguagem mais leve, provando que ele havia sido vítima de uma conspiração. Mas a verdade é que o documento descoberto recentemente conta uma história diferente sobre tudo isso.

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Para Odifreddi, a carta achada aparenta ser verdadeira, porém, não acrescenta muito no que já se sabe sobre a história do cientista. “Ele era um personagem temperamental, e se alguém lê, por exemplo, seu livro ‘Il Saggiatore’ (‘O Ensaiador’, em português), é possível ver que ele era um pouco duro, inclusive com os colegas”.

Carta original de Galileu Galilei (Foto: The Royal Society)

Carta original de Galileu Galilei (Foto: The Royal Society)


O manuscrito era, na realidade, uma correspondência privada a seu amigo Benedetto Castelli, que era um monge bastante próximo ao papa Urbano VIII. “Não é de surpreender que Galileu, como a maioria de nós, falasse livremente em uma carta particular, mas suavizasse sua linguagem para a circulação pública”, explica o acadêmico italiano.

Segundo o especialista, a última descoberta verdadeira a respeito de Galileu foi feita no início dos anos 80 por Pietro Redondi. Foi ele que encontrou um documento insinuando que as acusações contra Galileu não envolvessem apenas a teoria copernicana (ou heliocêntrica, que considera o Sol como centro do universo) – como todos sempre pensaram - mas, talvez, também a teoria atomística (que afirma que a matéria é formada por átomos), a qual o cientista também discutiu em seu livro.

Galileu hoje

Segundo Odifreddi, como já se sabe, o perfil de Galileu não era o de um herói do pensamento livre ("como Giordano Bruno", diz ele), mas ele também não media esforços para lutar em nome da ciência. A partir do momento que ele ridicularizou o pensamento do Papa Urbano VIII em "Diálogo", o clérigo se enfureceu e, assim, ininicou sua perseguição pela inquisição católica.

Sobre o aprendizado da ciência e do pensamento de Galileu pelos estudantes hoje, o acadêmico afirma que é difícil conseguir incluir nas escolas atuais mais matérias voltadas a esse assunto por conta do puro desinteresse dos alunos. Segundo ele, essa dificuldade surge em razão de uma disputa entre os estudos e os programas de televisão junto às redes sociais. “Para realmente educá-los hoje seria necessário não apenas ensinar mais ciência, mas desperdiçar menos tempo em frente às telas das TVs, computadores e telefones celulares”, declara o italiano.

Ele ainda relembra que, apesar de sua genialidade, Galileu pertence à era pré-histórica da ciência, não havendo nem fórmulas em suas obras. “Ele já estaria pouco à vontade com o trabalho de Newton que aconteceu apenas 50 anos após sua morte. Imagine só com a ciência moderna”, diz Piergiorgio Odifreddi. “Ele não conhecia muita matemática, e hoje não só física e química, mas também biologia dificilmente poderiam ser desenvolvidas sem um profundo conhecimento dela.”

Mas será que hoje existem cientistas tão inovadores para nossa época como Galileu e outros nomes foram para as suas? Odifreddi acredita que, se houver, eles estão inseridos nas novas ciências. "No último século, por exemplo, os grandes inovadores foram Einstein (em cosmologia), Turing (em ciência da computação), Watson e Crick (em genética) e assim por diante", diz ele, que completa: "Talvez hoje se possa pensar em Edward Witten como o grande inovador da teoria das cordas, mas só o tempo dirá se ele está no mesmo nível dos nomes que acabei de citar."

Descobertas espaciais

Galileu Galilei morreu em 1643 (Foto:  Wikipedia / Justus Sustermans)

Galileu Galilei morreu em 1643 (Foto: Wikipedia / Justus Sustermans)

Nas últimas décadas, astrônomos e cientistas vêm realizando muitas descobertas – inclusive sobre exoplanetas e galáxias bem distantes da Terra. Galileu ficou conhecido por levar seu nome à astronomia mundial defendendo a teoria do heliocentrismo, que acreditava que o Sol estava no centro do universo. Desde então muita coisa mudou e, apesar de ter sido condenado pela Inquisição em 1643 por causa de suas ideias, em 1983 seu processo foi reavaliado e o cientista, declarado inocente.

Para Odifreddi, mesmo com toda a evolução dos estudos nessa área, “o universo é muito grande e nosso cérebro é muito pequeno, então apenas uma pequena parte do que existe realmente pode se encaixar nele.” Assim, faltaria ainda muito chão para percorrermos se quisermos entender um pouco mais sobre o espaço sideral. 

"Mas o verdadeiro ponto de conhecimento não é saber tudo, mas aprender alguma coisa, como Einstein disse uma vez. O aspecto realmente surpreendente da ciência não é que não sabemos tudo, mas sim que sabemos algo", diz o acadêmico. 

Questionado sobre as pessoas que acreditam que a terra é plana e em outras teorias "diferenciadas", o italiano (depois de duvidar que realmente exista alguém que acredita nisso) afirma: "Mesmo na Idade Média, as pessoas sabiam que a Terra é redonda, assim como os gregos. Os eratostenes até calcularam com grande exatidão suas dimensões. A ideia de que as indivíduos medievais achavam que a Terra era plana é apenas um mito".

Por fim, ele diz que não vê um problema em "acreditar" em coisas não científicas, mas deve-se ter cuidado com a ideia que se está propagando. "A ciência é um empreendimento sério, mas muitas pessoas pensam que é como uma novela, que se pode gostar ou não gostar", declara ele, finalizando: "Contra a estupidez, não há nada que se possa fazer".

Galileu na semana da língua italiana

Piergiorgio Odifreddi (Foto: Wikipedia / Dettagli)

Piergiorgio Odifreddi (Foto: Wikipedia / Dettagli)

A 18ª Semana da Língua Italiana no Mundo, acontece em São Paulo entre os dias 15 e 20 de outubro. Nele, Piergiorgio Odifreddi encena, ao lado do ator Alvise Camozzi, uma entrevista fictícia com Galileu Galilei. "Escolhi um número de declarações e frases que ele realmente escreveu em seus livros e inseri na frente de perguntas para as quais elas poderiam ser consideradas como respostas", explica o convidado. "Em outras palavras, não é uma obra literária, em que um escritor coloca suas próprias palavras na boca de outra pessoa, mas é uma peça expositiva científica, na qual Galileu fala diretamente por si mesmo."

Odifreddi participa ainda da conferência How Gödel became Gödel ao lado do professor Paolo Piccione, no Instituto de Matemática e Estatística da USP. Ele fará uma palestra na Escola Eugenio Montale, no Morumbi, sobre Galileu Galilei intitulada “Galileo, matematica e lettura della natura”.

"Tenho a honra de participar das celebrações da semana italiana em todo o Brasil. Além de São Paulo, vou visitar também o Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Recife", conta Odifreddi, afirmando que, em suas passagens, irá se concentrar não apenas no trabalho científico de Galileu, mas também no valor literário de sua linguagem, que talvez seja menos conhecida. "E em todos os lugares eu também falarei sobre matemática e lógica, que são meus reais interesses e especialidades."
 

*Com a edição de Thiago Tanji

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