Arqueologia

Por Redação Galileu

A partir de uma carcaça bem preservada de um mamute-lanoso (Mammuthus primigenius), cientistas conseguiram identificar, pela primeira vez, a estrutura 3D do código genético da espécie. O estudo que descreve a descoberta foi publicado nesta quinta-feira (11) na revista científica Cell.

A pele estudada pertencia a um mamute do Pleistoceno tardio. O exemplar foi descoberto em 2018 sob o permafrost da Sibéria, no território russo, e recebeu o apelido de “YakInf”. Quando resgatado, o animal ainda estava coberto de pelos.

Observando o material, verificou-se que o mamute morreu e congelou de uma forma que tanto a sua carcaça quanto as suas células e cromossomos foram cristalizados, permanecendo intactos por cerca de 52 mil anos.

O espécime passou por uma desidratação natural em baixa temperatura, que levou os tecidos do animal a se tornarem extremamente viscosos. Tais fenômenos teriam retardado a sua decomposição.

Dois cientistas examinam a pele do mamute lanoso YakInf, de 52.000 anos, que foi escavado no permafrost da Sibéria — Foto: Divulgação/Universidade de Estocolmo
Dois cientistas examinam a pele do mamute lanoso YakInf, de 52.000 anos, que foi escavado no permafrost da Sibéria — Foto: Divulgação/Universidade de Estocolmo

“Sabíamos que pequenos fragmentos de DNA podiam sobreviver por longos períodos, mas o que encontramos foi muito mais do que poderíamos imaginar” aponta Marcela Sandoval-Velasco, autora da pesquisa, em comunicado. “Trabalhamos com uma amostra congelada por dezenas de milênios em que foi preservada toda a estrutura do cromossomo pré-histórico”.

Enquanto fragmentos de DNA antigos típicos raramente apresentam mais do que 100 pares de bases do código genético – um número muito pequeno se tratando da sequência genética como um todo –, os cromossomos fósseis podem abranger centenas de milhões de letras genéticas. Isso os torna ferramentas poderosas para estudar a história da vida na Terra.

“Ao comparar moléculas de DNA antigas com as sequências de espécies modernas, é possível encontrar casos em que o código genético mudou. Assim, conhecer o formato dos cromossomos de um organismo torna possível montar a sequência inteira de DNA de criaturas extintas”, explica Olga Dudchenko, que também colaborou com o projeto.

Análise do material genético

Para explorar o genoma, os pesquisadores extraíram DNA de um pedaço de pele de trás da orelha do mamute. Depois, eles adaptaram a técnica de Hi-C (High-Throughput Chromosome Conformation Capture Technique), que permite detectar seções de DNA que se parecem com amostras de DNA de animais modernos. Isso fez com que os cientistas criassem um esquema 3D do genoma do mamute-lenhoso.

Com esse esquema 3D, descobriu-se, pela primeira vez, que os mamutes-lanudos tinham 28 pares de cromossomos; o mesmo número que os elefantes atuais. Juan Rodríguez, coautor do estudo, brinca: “Nunca foi tão divertido e emocionante contar de 1 até 28”.

Ao avaliar o material pré-histórico, o grupo de cientistas identificou quais genes estavam ativos por meio de um fenômeno chamado compartimentalização cromossômica. Nele, os DNAs ativo e inativo tendem a se dividir em duas áreas dentro do núcleo das células. Para a maioria dos genes do mamute, o estado de atividade correspondia exatamente ao que os pesquisadores viram em elefantes modernos. No entanto, isso não era verdade em todos os casos.

“O fato da compartimentalização ainda estar preservada nesses fósseis foi primordial, porque tornou possível observar quais genes estavam ativos em um mamute-lanoso”, explica o especialista Thomas Gilbert. “Foi assim que percebemos que há genes-chave, que regulam o desenvolvimento de pelos, cujo padrão de atividade é totalmente diferente do que acontece em elefantes”.

Pelo de um mamute-lanoso de 52.000 anos. Esta é a primeira vez que um folículo piloso da espécie foi vista em microscópio — Foto: Divulgação/Instituto de Citologia e Genética SB RAS
Pelo de um mamute-lanoso de 52.000 anos. Esta é a primeira vez que um folículo piloso da espécie foi vista em microscópio — Foto: Divulgação/Instituto de Citologia e Genética SB RAS

Quando olhou para dentro dos cromossomos, a equipe observou mais do que apenas compartimentalização. As estruturas genéticas compartilhavam várias características com os cromossomos modernos. A mais marcante envolve os loops de cromatina.

Cromatinas são pequenas estruturas com cerca de 50 nanômetros (o tamanho de um vírus) e são importantes porque trazem sequências de DNA ativadoras para perto de seus alvos genéticos. Portanto, os fósseis não mostraram apenas quais genes estavam ativos, mas, também, apontaram os papéis que desempenhavam no organismo logo antes da morte do animal - como, por exemplo, o comando de crescimento dos pelos.

Mamutes de volta à vida?

Para além dos estudos que revisitam o passado para pensar a forma como os animais ocupavam a Terra ou mesmo para analisar os ecossistemas daquele período milenar, a descoberta tem potencial para, um dia, tirar do papel a ideia de tirar os mamutes lanosos da extinção. Afinal, se é possível recriar o DNA da espécie, cientistas conseguiriam refazer a espécie em laboratório -- em um futuro ainda distante.

Trazer mamutes de volta não foi a motivação principal por trás do estudo. O pesquisador Juan Rodríguez, porém, acrescenta que a arquitetura do genoma pode ser, sim, vista como “mais um passo em direção à desextinção, mesmo que muitos outros ainda sejam necessários para trazer o mamute de volta à vida”.

Sobre o assunto, a comunidade científica parece estar dividida. Enquanto alguns comemoram a possibilidade cada vez mais próxima de recuperar espécies extintas, outros profissionais alertam para os perigos de uma possível competição com as espécies modernas, gerando um desequilíbrio nos ecossistemas.

Ao site da NPR, Vincent Lynch, professor da Universidade de Buffalo (EUA), que não participou da pesquisa, indica que apesar de achar a ideia “muito interessante”, não apoia o retorno dos mamutes. “As consequências não intencionais disso podem ser desastrosas. O dinheiro para tal projeto seria muito melhor gasto tentando salvar os elefantes que ainda vagam pelo planeta hoje”.

Karl Flessa, professor da Universidade do Arizona (EUA), concorda. “A preservação das arquiteturas genéticas do mamute-lanoso é realmente notável, mas um elefante asiático geneticamente modificado não é um mamute-lanoso. E soltar tal animal na natureza seria arrogante e irresponsável”, diz, também à NPR.

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